Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
330/13.1TBSCD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
CONSUMIDOR
NULIDADE DA SENTENÇA
IMPUGNAÇÃO DE FACTO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
FORÇA MAIOR
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 05/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - ST. COMBA DÃO - INST. LOCAL - SEC. COMP. GEN. - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 496, 1208, 1221 CC, DL Nº67/2003 DE 8/4
Sumário: 1 - São quids diversos e não devem, jurídico-processualmente, confundir-se, os vícios formais da sentença, qua tale, que acarretam a sua nulidade a apreciar primeiramente em sede de reclamação, com o inconformismo quanto à legalidade do substancialmente nela decidido, o que apenas atribui jus e deve ser dilucidado em sede de recurso.

2 - A não consideração, pelo recorrente, de todos os elementos probatórios que o julgador aduziu, e/ou a não indicação, com exatidão, das passagens da gravação em que se funda, acarreta - salvo se a prova apreciável impuser, só por si, censura da decisão sobre a matéria de facto -, o liminar indeferimento da impugnação desta.

3 - A mera discordância sobre a interpretação dos depoimentos das testemunhas não atribui ao recorrente de tal decisão, salvo razão de ciência inatacável ou patente e essencial erro de apreciação por banda do julgador, jus à sua censura e alteração.

4 - No contrato de empreitada o empreiteiro está apenas obrigado a prestar a obra ou resultado anuídos, atuando, para a sua realização, autonomamente, e, assim, não estando sujeito, mas também não se podendo desresponsabilizar dos defeitos da obra, pelo não acatamento de sugestões de atuação por ele dadas ao dono desta.

5 - Na empreitada defeituosa, se os defeitos não puderem ser totalmente eliminados em toda a obra, o dono pode exigir a sua reconstrução total – artº 1221º nº1 do CC; ademais se o contrato se reger pelo DL 67/2003 de 8 de Abril, o consumidor tem o direito de. salvo caso de abuso de direito, escolher a reparação, substituição, redução do preço ou a resolução - artº 4º deste DL.

6- Constitui “força maior” o evento que, em si mesmo e nas suas consequências, seja, de todo, imprevisível, insuperável, calamitoso ou manifestamente desproporcionado, o que não sucede quando se prova apenas que os meses de meses de Fevereiro a Abril de 2012 foram severos em termos de intempéries.

7. - Os danos não patrimoniais são atendíveis na responsabilidade contratual, e a respetiva indemnização pode ser concedida em caso de transtorno e desgosto, causadores de negativa e prejudicial afetação psico-emocional, perturbadora da qualidade de vida.

Decisão Texto Integral:


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

J (…) e B (…) intentaram contra P (…) e M (…), ação declarativa, de condenação, com processo comum.

Pediram:

Sejam os réus condenados:

- A procederem à reconstrução do muro de pedra na propriedade dos autores, de acordo com o contrato verbal de empreitada celebrado, bem como a removerem todos os escombros (pedra e terra) que se encontram na base do muro ruído;

- A procederem à reparação do barracão de J (...) ;

- Entregarem-lhes, a título de danos morais, a quantia de € 2.000,00, acrescido de juros vincendos até efetivo e integral pagamento.

Para tanto invocaram em súmula:

Acordaram com o réu marido que este procederia à construção de um muro de pedra (granito), junteado a cimento, com 17 m de altura e 15 m de comprimento, pelo valor de € 15.600,00, acrescido de IVA, o que aquele aceitou, tendo construído o dito muro.

A construção do muro ocorreu em alturas de clima adverso e chuvoso, o que levou a que a terra que foi preenchendo o vazio existente entre a parede e a barreira de pedra não pudesse ser compactada, sendo que a parte final muro, no cume, teve de ser construída em blocos de cimento, em cima de uma cinta de betão, cinta e muro  estes que foram construídos em cima da terra que se encontrava a preencher o espaço entre a barreira e o muro de pedra.

A obra foi dada como concluída em 20/01/2012 tendo ruido em inícios de maio do mesmo ano.

Sofreram  com tais factos desgaste emocional, com medo, desgosto e angustia.

Contestaram os réus.

Disseram que  na execução do dito muro foram observadas as legis artis e que o autor marido agiu sempre como dono da obra, fiscalizando, dando orientações e definindo os tempos de pagamento.

O réu alertou, por diversas vezes, o autor para a colocação de pontos de drenagem na parte superior do muro para escoamento das águas pluviais provindas da sua casa tendo este relegado para final da obra a possibilidade de decidir mandar fazer ou não essa obra, tendo, a final, declinado tal conselho.

A queda em causa poderá ter-se devido à anormal precipitação que ocorreu nos meses de Janeiro a Maio de 2012, aliado ao facto do autor não ter anuído desviar as águas no cimo do muro assim evitando que as mesmas se infiltrassem de modo a fragilizar a estrutura edificada.

Pedem:

Que a ação seja julgada improcedente e em consequência sejam absolvidos de todos os pedidos contra si deduzidos.

Foi proferido despacho que julgou os autores parte ilegítima no que concerne ao pedido de condenação dos réus na reparação do barracão de (…) e, em consequência, foram os réus absolvidos, nesta parte, da instância.

2.

Prosseguiu a ação os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual se decidiu:

«Pelo exposto, o Tribunal julga parcialmente procedente, por provada, a presente acção e em consequência decide:

a) Condenar os réus a proceder à reconstrução do muro de pedra na propriedade dos autores, construindo-o em pedra de granito, junteado a cimento, com 17 m de altura e 15 m de comprimento;

b) Condenar os réus a remover todos os escombros (pedra e terra) que se encontram na base do muro ruído;

c) Condenar os réus a entregar aos autores, a título de danos morais, a quantia de € 750,00, acrescido de juros de mora desde a presente data e até integral pagamento, absolvendo-os do remanescente peticionado.»

3.

Inconformados recorreram os réus.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

Contra alegaram os autores, pugnando pela manutenção da decisão, aduzindo os seguintes argumentos finais:

(…)

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e  639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª – Nulidade da sentença.

2ª – Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

3ª – Improcedência da ação.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

Os réus imputam à sentença várias nulidades, expressando ela «enfermar …na sua fundamentação de causas de nulidade, por violação do disposto no artigo 1221º do CC e bem assim por configurar ambiguidade que torna a decisão ininteligível, nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 615º do NCPC e d) do mesmo preceito legal, e por ter ido além da prova produzida, violando a alínea e), prova essa que para tal fim haverá que ser reapreciada…»

5.1.1.

Estatui, no que para o caso interessa, o artº 615º do CPC:

1 - É nula a sentença quando:

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) – O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

Da oposição dos fundamentos com a decisão.

A oposição dos fundamentos com a decisão reconduz-se a um vicio lógico no raciocínio do julgador, em que as premissas de facto e de direito apontam num sentido e a decisão segue caminho oposto, ou, pelo menos, direção diferente.

Distinguindo-se das situações em que tal disparidade advém de mero erro material, pois, neste caso, a oposição não é substancial mas apenas aparente, dando apenas direito à retificação, enquanto que no caso invocado e que ora nos ocupa a invocada contradição, a existir, é autentica e real - pois que o juiz escreveu o que queria escrever -, a qual, verificando-se, acarreta um vício de conteúdo da sentença que implica a sua nulidade  – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 1981, 5º, 141, Castro Mendes, Direito Processual Civil, ed. AAFDL, 1978, 3º, 302 e Abílio Neto, Breves Notas ao CPC, 2005, 195.

Já a parte final deste segmento normativo emergiu da reforma de 2013.

Tal como relativamente sucede com a nulidade da al. b), por falta de fundamentação, entendemos que os vícios da ambiguidade ou obscuridade que tornem a decisão ininteligível se prende com a garantia do direito ao recurso e tem a ver com a legitimação, independência e imparcialidade da decisão judicial.

Na verdade porque a decisão não é, nem pode ser, um ato arbitrário, mas a concretização da vontade abstrata da lei ao caso particular submetido à apreciação jurisdicional, as partes, maxime a vencida, necessitam de saber as razões das decisões que recaíram sobre as suas pretensões, designadamente para aquilatarem da viabilidade da sua impugnação.

Mas se assim é, dos textos legais e dos ensinamentos doutrinais se retira que apenas a total e absoluta falta de fundamentação pode acarretar a nulidade.

Na verdade a lei não comina com tão severo efeito uma motivação escassa, ou, mesmo deficiente. E onde a lei não distingue não cumpre ao intérprete distinguir.

Nem tal exigência seria de fazer considerando a «ratio» ou finalidade do dever de fundamentação supra aludidos.

O que a lei pretende é evitar é a existência de uma decisão arbitrária e insindicável.

Tal só acontece com a total falta de fundamentação, ou, no caso que nos interessa, a ambiguidade ou obscuridade assumirem tal magnitude que não permitam descortinar os fundamentos decisórios.

Assim sendo, a grande maioria da nossa jurisprudência tem-se pronunciado no sentido de que só a carência absoluta de fundamentação e não já uma motivação escassa, deficiente, medíocre, incompleta ou errada, acarreta o vício da nulidade da decisão – cfr. Entre outros, Ac. do STA de 18.11.93, BMJ, 431º, 531 e Acs. do STJ de 26.04.95, CJ(stj), 2º, 57, de 17.04.2004 e de 16.12.2004, dgsi.pt.

Da omissão ou excesso de pronúncia.

Este segmento normativo ínsito na al. d) do artº 615º do CPC  conexiona-se com o estatuído nos arts. 154º e 608º do mesmo diploma, ou seja, com o dever do juiz administrar a justiça proferindo despachos ou sentenças sobre as matérias pendentes – artº 152º - e com a necessidade de o juiz dever conhecer das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica e de resolver todas as questões – e só estas questões, que não outras, salvo se de conhecimento oficioso - que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras –artº608º.

 Há decisão “ultra petitum” sempre que o julgador não confina o julgamento da questão controvertida ao pedido formulado pelo autor ou ao pedido reconvencional deduzido pelo réu e conhece, fora dos casos em que tal lhe é permitido “ex officio”, questão não submetida à sua apreciação.

Para que não se verifique tal vício terá de existir uma correspondência entre a pronúncia e a pretensão, isto é, a sentença não pode decidir para além do que está ínsito no pedido, nos termos formulados pelo demandante. Este princípio é válido quer para o conhecimento excessivo em termos quantitativos, quer por condenação em diverso objeto - excesso qualitativo – cfr. Ac. do STJ de 28.09.2006, dgsi.pt, p.06A2464

Por outro lado e como é consabido e constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, não se devem confundir «questões» a decidir, com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes.

A estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas às pretensões formuladas e aos elementos inerentes ao pedido e à causa de pedir –cfr. Rodrigues Bastos, in Notas ao CPC, 2005, p.228; Antunes Varela in RLJ, 122º,112 e, entre outros, Acs. do STJ de 24.02.99, BMJ, 484º,371 e de 19.02.04, dgsi.pt.

Da condenação em quantidade superior ou em objeto diverso.

Este segmento está em relação direta com o preceituado no artº 609º nº1.

Condenando em quantidade superior ou em objeto diverso o juiz excede o limite imposto por lei ao seu poder de condenar e infringe o princípio do dispositivo que assegura à parte a faculdade de circunscrever o thema decidendum.

5.1.2.

No caso vertente.

O objeto da ação, tal como delineado pelas partes é a responsabilização, ou não, dos réus, pela reconstrução do muro e indemnização aos autores por danos não patrimoniais.

A julgadora, alcandorada nos factos que deu como provados e não provados, e feita a sua análise e dilucidação, decidiu, por chamamento de certas normas legais, nos termos supra já mencionados, em termos perfeitamente percetíveis e objetivos que não deixam margem para dúvidas.

Destarte, não se enxergam os vícios formais apontados, pois que  na sentença decidiu-se, fundamentadamente, dentro do thema decidendum, sendo certo que inexiste qualquer ambiguidade ou obscuridade que impeça a inteligibilidade do plasmado pela julgadora.

Bem vistas as coisas, e como ressuma do trecho dos recorrentes supra citado, eles, ssdr., confundem e misturam conceitos e figuras jurídicas distintas, como sejam, por um lado, o vício jurídico-formal atinente à nulidade da sentença, o qual, apenas emerge nos termos sobreditos, e, por outro lado, uma menos adequada e curial apreciação da prova que, na sua otica,  implicou uma indevida  prova de certos factos, e, bem assim, uma menos curial decisão final.

Ora se tal fundamentação e decisão são, ou não, as mais curiais, não é matéria concernente ao vício formal/orgânico da sua nulidade, que, desde logo, atribui o direito a reclamação, em homenagem ao brocardo «das nulidades reclama-se, das ilegalidades recorre-se»  – artº 615º nº4 e 617º do CPC .

Mas antes atinente à sua (in)adequação jurídica substancial, ie. à sua (i)legalidade, a qual apenas concede jus e deve ser, como dimana de tal brocardo, necessariamente, dilucidada em sede de recurso, atento o princípio do esgotamento do poder jurisdicional do juiz – artº 613º nº1 do CPC.

5.2.

Segunda questão.

5.2.1.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente;  mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade  - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.

Nesta conformidade  constitui jurisprudência sedimentada, que:

«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

5.2.2.

Ademais, urge atentar que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto não se destina a que o tribunal da Relação reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, ainda que apenas se pretenda discutir parte da decisão - Cfr. entre outros, os Acs. do STJ de  9.07.2015, p.405/09.1TMCBR.C1.S1 e de 01.10.2015, p. 6626/09.0TVLSB.L1.S1 in dgsi.pt.

Na verdade, e como dimana do preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/95 (…), «a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.

Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.».

Como corolário deste princípio:

«impôs-se ao recorrente um “especial ónus de alegação”, no que respeita “à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”, em decorrência “dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712º [actual 662º]) – e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1ª instância – possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito e julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta.»

Na verdade:

«A reforma do Código de Processo Civil de 2013 não pretendeu alterar o sistema dos recursos cíveis…mas teve a preocupação de “conferir maior eficácia à segunda instância para o exame da matéria de facto”, como se pode ler na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII apresentada à Assembleia da República…Essa maior eficácia traduziu-se no reforço e ampliação dos poderes da Relação, no que toca ao julgamento do recurso da decisão de facto; mas não trouxe consigo a eliminação ou, sequer, a atenuação do ónus de delimitação e fundamentação do recurso, introduzidos em 1995. Com efeito, o nº 1 do artigo 640º vigente, aplicável ao recurso de apelação que agora nos interessa:

– manteve a indicação obrigatória “dos concretos pontos de facto” que o recorrente “considera incorrectamente julgados” (al. a),

– manteve o ónus da especificação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos de facto impugnados diversa da recorrida” (al. b), – exigiu ao recorrente que especificasse “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (al. c), sob pena de rejeição do recurso de facto. E à mesma rejeição imediata conduz a falta de indicação exacta “das passagens da gravação em que se funda” o recurso, se for o caso, sem prejuízo de poder optar pela apresentação da “transcrição dos excertos” relevantes.» - Ac. do STJ de 01.10.2015,  sup. cit.

Assim, estatui, adrede, o artº 640º do CPC:

“1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 — No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

Perante o estatuído neste preceito tem-se entendido, por um lado, que:

«A exacta indicação das passagens da gravação…não se identifica com a mera indicação do local, no suporte de registo áudio disponibilizado ao Tribunal de recurso, onde começa e termina cada um dos depoimentos em causa…Daí que ao recorrente…seja mister indicar, por referência ao suporte em que se encontra gravado o depoimento que pretende utilizar, o início e o termo da passagem ou das passagens, desse depoimento, em que se funda o seu recurso.» - Ac. da RC de 17-12-2014, p.nº 6213/08.0TBLRA.C1 in dgsi pt.

Ou, noutra nuance:

 «Sempre que o recorrente impugne a decisão sobre a matéria de facto, deve observar o ónus de impugnação previsto no artº 640º do nCPC, nomeadamente deve indicar as exatas passagens da gravação dos depoimentos testemunhais em que se baseia para discordar do decidido, sob pena de rejeição do recurso quanto à reapreciação da prova.» - Ac. da RC de 16.03.2016, p. 1598/14.1T8LRA.C1.

Na verdade, ainda que o tribunal da Relação tenha de fundar a sua própria convicção, tal não significa que tenha de realizar um novo julgamento com total reapreciação de todos os meios probatórios produzidos.

Como se viu, a letra da lei não permite tal eventual entendimento.

E nem tal perspetiva se compadeceria com a índole e natureza deste tribunal ad quem, a qual exige uma tendencial depuração das questões, aliás, sempre necessaria a uma desejável celeridade decisional que, obviamente, sairia prejudicada.

Por outro lado, como dimana do já supra referido, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genéricamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

 A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.

Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua subjetiva convicção sobre a prova.

Porque, afinal, quem  tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.

Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efetivar uma análise concreta, discriminada, objetiva, crítica, logica e racional, de todo o acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

 A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório  com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito permitida e que lhe é concedida.

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.

Tudo, aliás, para se poder cumprir a exigência de o recorrente transmitir à parte contrária os seus argumentos, concretos e devidamente delimitados, de sorte a que esta possa exercer cabalmente o contraditório – cfr. neste sentido, os Acs. da RC de  29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 16.06.2015, p. nº48/11.0TBTND.C2, ainda inédito; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos  in dgsi.pt;

Finalmente:

«. No âmbito do recurso de impugnação da decisão da matéria de facto, não cabe despacho de convite ao aperfeiçoamento das respectivas alegações.» - Acs. do STJ 15.09.2011, p. 455/07.2TBCCH.E1.S1 e de  de 09.02.2012, 1858/06.5TBMFR.L1.S1, aquele citando  Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, pg. 157, nota 333.

5.2.3.

O caso vertente.

5.2.3.1.

(…)

5.2.4.

Decorrentemente, os factos a considerar são os apurados na 1ª instância, a saber:

1. O réu marido dedica-se à construção civil, sobretudo à construção de muros de pedra.

2. Os autores são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano, sito na Rua (...) , em Santa Comba Dão.

3. A casa de habitação e respectivo logradouro dos autores encontra-se num plano elevado, sendo circundado a sul e a nascente por uma barreira de terra com cerca de 17 m de altura.

4. Autor e réu acordaram em que o último, pelo valor de € 15.600,00 acrescido de IVA, que perfaz o total de € 19.188,00, construiria um muro de pedra (granito) junteado a cimento, cujo objectivo era proteger e conter a dita barreira de terra.

5. O referido muro teria cerca de 17 m de altura (mais a fundação/alicerce) e 15 m de largura.

6. A construção do dito muro foi adjudicada ao réu em Setembro de 2010, tendo este dado início aos trabalhos no final desse mesmo mês até ao início do mês de Novembro.

7. Posteriormente retomou os trabalhos de construção em 25 de Janeiro de 2011, prolongando-os até 5 de Fevereiro de 2011.

8. Mais tarde, apenas em finais de Dezembro de 2011, o réu voltou a retomar os trabalhos, os quais findaram em 20 de Janeiro de 2012.

9. Não foi acordada nem a forma nem o tempo de pagamento do valor mencionado, assim como também não foi fixado um prazo para o terminus da obra.

10.O réu era e é detentor do conhecimento e das legis artis do ofício da construção, tendo construído o mencionado muro segundo tais legis artis e a sua experiência profissional.

11.Na medida em que a grua não tinha altura suficiente para colocar mais pedras a parte final do muro de pedra, no cume, foi construída em blocos de cimento, em cima de uma cinta de betão.

12.Parte da sapata do muro de blocos de cimento foi construído em cima da terra que se encontrava a preencher o espaço entre a barreira e o muro de pedra, com o esclarecimento que a outra parte da sapata ficou encostada à barreira.

13.O procedimento seguido pelo réu na construção do muro de pedra foi o seguinte:

- procedia-se à colocação da pedra a cerca de 1 m de distância da barreira e;

- quando a parede de pedra atingia determinada altura, o espaço existente entre a barreira e a parede ia sendo cheia com saibro compactado às camadas de 30 cm.

14.Durante a construção do dito muro foram deixados, na sua parte da frente, os pontos de saída de água visíveis na fotografia de fls. 44 dos autos.

15.Nas partes superior e anterior do muro de pedra não foi colocado qualquer sistema de drenagem de águas, com o esclarecimento que a tardoz desse muro não foram colocados drenos de areia ou geossintético e tubos barbacãs para alívio de poropressões na estrutura de contenção.

16.De modo a permitir que a água que se infiltrasse na parte superior do muro escorresse de acordo com a lei da gravidade e sem pressionar a estrutura do muro de pedra deveria ter sido colocado sistema de  drenagem na zona anterior do mesmo muro, com o esclarecimento que a construção do muro em cimento acima mencionado, dada a descontinuidade de material com características mecânicas diferentes, assim como a falta de adequabilidade e deficiente compactação do material colocado para enchimento a tardoz, a não utilização de material drenante a tardoz do muro e não uso de uma manta geotêxtil para revestir os drenos, tiveram como consequência um aumento de pressão a tardoz.

17.Parte do referido muro ruiu em inícios do mês de Maio de 2012.

18.Os meses de Fevereiro a Abril de 2012 foram severos em termos de intempéries.

19.O réu sugeriu ao autor que fosse colocado um sistema de drenagem na parte superior do muro, desviando assim as águas pluviais da sua casa, tendo aquele declinado tal solução e dado a obra por terminada por entender que não podia suportar tal custo.

20.Do valor total do preço acordado o autor pagou ao réu € 16.800,00.

21.O autor observou o normal andamento da obra e não tem conhecimentos técnicos na área da construção civil.

22. Os autores receiam que a desprotecção da barreira que se encontra junto à sua casa possa levar a mais deslocamentos de terra.

23.Tal muro (o que resta do mesmo) é perfeitamente visível do IP3, aspecto que não se coaduna com a casa e cuidado que os autores têm no seu quintal.

5.3.

Terceira questão.

5.3.1.

Depois de tecer acertadas considerações quanto à natureza do contrato em causa, que classificou como de empreitada e de cariz oneroso, comutativo, bilateral (ou sinalagmático) e consensual, a julgadora, quanto ao caso concreto, pronunciou-se nos seguintes, nucleares termos:

«…relativamente ao regime do ónus da prova, ao dono da obra (aqui autores) bastará provar a existência do defeito, presumindo-se a culpa do empreiteiro (art. 799º n.º 1 do Código Civil), o qual, para afastar a sua responsabilidade terá que demonstrar que o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua.

…ficou demonstrado que o muro de pedra que o réu marido executou, cujos trabalhos findaram em 20/01/2012 (n.º 8 dos factos provados) ruiu parcialmente em Maio de 2012 - n.º 17 dos factos provados.

Em face de tal queda parcial é manifesto que se mostra impossibilitada a normal utilização do muro de pedra, retratando uma situação em que ocorre um vício da coisa, que se traduz numa divergência existente no muro executado pelo empreiteiro em relação ao padrão comum de um muro, porquanto lhe faltam as qualidades necessárias para a realização do fim a que o mesmo se destina, afectando a sua utilidade e, consequentemente, o seu valor, e que permite qualificar a prestação como defeituosa. Ou seja: era obrigação do empreiteiro que o muro executado o fosse com as qualidades necessárias para a realização do fim a que se destina, in casu suportar as terras.

…pese embora tenham os réus invocado que o colapso parcial do muro se deveu à ausência de sistema de drenagem na parte superior do muro, não colocação esta que se deveu à expressa vontade dos autores, que declinaram o conselho do réu marido em efectuar tal sistema de drenagem, aliado à anormal precipitação que se fez sentir nos meses de Janeiro a Maio de 2012, a verdade é que os mesmos não lograram demonstrar que a causa da ruína parcial do muro se ficou a dever a tais factos, não demonstrando que lhes é absolutamente estranha a causa da queda do muro.

É verdade que, como alegaram os réus, os mesmos aconselharam os autores a colocar um sistema de drenagem na parte superior do muro, assim desviando as águas pluviais da casa destes e que estes não aceitaram tal conselho, declinando tal solução e dando por terminada a obra, não tendo sido colocado qualquer sistema de drenagem na mencionada parte superior do muro - n.ºs 15 e 19 dos factos provados.

E se também é certo que se provou, em 14., que durante a construção do dito muro foram deixados, na sua parte posterior/frente, os pontos de saída de água visíveis na fotografia de fls. 44 dos autos, …tendo-se ainda demonstrado, em 13. e além do mais, que o quando a parede de pedra atingia determinada altura, o espaço existente entre a barreira e a parede ia sendo cheia com saibro compactado às camadas de 30 cm, a verdade é que mais se demonstrou que os mencionados pontos de saída de água eram insuficientes para drenar e que o material usado (saibro) não era adequado às concretas características da obra.

Acresce que se demonstrou que relevante para efeitos de evitar infiltrações era a colocação de sistema de drenagem na parte anterior do muro, a tardoz, e já não na sua parte superior, razão pela qual se mostra inócua a circunstância de não ter sido colocado sistema de drenagem na parte superior do muro, que não o foi por vontade expressa dos autores. De outra perspectiva: não se provou que a causa do defeito tenha sido, ou também tenha sido, a não colocação de sistema de drenagem  na parte superior do muro aliado à pluviosidade intensa que se fez sentir nos meses de Janeiro a Maio de 2012.

Mais se provou, em 15., que na parte anterior do muro de pedra não foi colocado qualquer sistema de drenagem de águas, com o esclarecimento que a tardoz desse muro não foram colocados drenos de areia ou geossintético e tubos barbacãs para alívio de poropressões na estrutura de contenção.

Ademais, como demonstrado em 16., de modo a permitir que a água que se infiltrasse na parte superior do muro escorresse de acordo com a lei da gravidade e sem pressionar a estrutura do muro de pedra deveria ter sido colocado sistema de drenagem na zona anterior do mesmo muro, com o esclarecimento que a construção do muro em cimento acima mencionado, dada a descontinuidade de material com características mecânicas diferentes, assim como a falta de adequabilidade e deficiente compactação do material colocado para enchimento a tardoz, a não utilização de material drenante a tardoz do muro e não uso de uma manta geotêxtil para revestir os drenos, tiveram como consequência um aumento de pressão a tardoz.

Da leitura conjugada da factualidade ora transcrita retira-se a conclusão que a causa da ruína parcial do muro é plúrima e não estranha ao empreiteiro aqui réu.

Contribuiu para tal, desde logo, a ausência de pontos de drenagem na zona anterior do muro/não uso de material drenante a tardoz (cuja falta de execução não se demonstrou dever-se ao autor marido, o que apenas aconteceu com a drenagem da zona superior do muro), o facto do muro de blocos ter sido construído parcialmente em cima da terra que se encontrava a preencher o espaço entre a barreira e o muro de pedra (n.º 12 dos factos provados) – o que fez pressão sobre o muro de pedra – o facto do saibro usado não se mostrar adequado para efectuar o enchimento a tardoz, e o não uso de manta geotêxtil. Foi este conjunto de factos que fez com que tivesse havido um aumento de pressão na parte anterior do muro e que teve como consequência o seu colapso parcial.

É certo que também se provou que nos meses Janeiro a Maio de 2012 houve uma grande pluviosidade. Contudo, se na execução do muro tivessem sido observados procedimentos indicados, tal pluviosidade não teria a virtualidade de fazer ruir o muro, pois que, como é bem de ver, a colocação de sistemas de drenagem e uso de materiais drenantes tem em vista precisamente acautelar as situações de infiltrações, a que não são estranhas as chuvas invernais. De reter, por fim e como fizemos perpassar na nossa motivação da decisão de facto, que as águas provindas da residência dos autores se mostram devidamente encaminhadas, não tendo os réus logrado demonstrar que as mesmas se encaminhavam desordenadamente e todas na direção do muro que ruiu.

Têm, pois, os autores o direito de exigir dos aqui réus a reconstrução do muro, nos termos do n.º 1 do art. 1221º do Código Civil, razão pela qual será julgado procedente o primeiro dos pedidos deduzidos.»

5.3.2.

Apreciemos.

5.3.2.1.

Os recorrentes, entendem, desde logo, que a derrocada não lhes pode ser imputada, ou  não lhes pode ser exclusivamente imputada; naquela vertente  porque ela se deveu a causa  a si estranha, qual seja, um fenómeno de  anormal  pluviosidade; nesta ótica porque  o A.  recusou a  sua sugestão de colocar um sistema de drenagem na parte superior do muro.

No que tange à pluviosidade importa referir que ela não constitui um fenómeno, e, muito menos, um fenómeno  estranho, antes se alcançando como uma realidade de ocorrência (felizmente) bem frequente.

Os recorrentes clamam ter ocorrido no inverno de 2012 uma pluviosidade anormal.

O uso de tal termo parece querer significar que os recorrentes taxam a pluviosidade ocorrida como como súbita e inesperadamente volumosa, a qual, numa perspetiva técnico-jurídica, pode/deve ser taxada como um caso de força maior, o qual, só por si, teria implicado a queda.

Ora a força maior é apenas o evento que, em si mesmo e nas suas consequências, seja, de todo, imprevisível, insuperável, calamitoso ou manifestamente desproporcionado, como sejam, p. ex., um ato de guerra ou uma catástrofe natural.

Mas o que se provou foi apenas que «Os meses de Fevereiro a Abril de 2012 foram severos em termos de intempéries»

Assim sendo, tal facto é insuficiente para afastar a responsabilidade dos recorrentes.

Efetivamente, é mister, e exigível, que o empreiteiro tenha conhecimentos técnicos e/ou, ao menos, práticos, decorrentes da sua experiencia profissional, que  permitam que uma obra da magnitude e jaez da que está em causa  seja edificada para resistir a uma situação de forte pluviosidade.

No que concerne à concausalidade por atitude do autor, para além do que ficou expresso na sentença, importa ter presente que  caraterística fundamental do contrato  de empreitada e o que o distingue de outros, como, vg. o contrato de trabalho, é o facto de nele o empreiteiro não se vincular com o dono da obra através de uma certa atividade, mas antes prometer um resultado de atividade sua, sem sujeição a diretrizes do dono da obra.

Assim, o empreiteiro não é um subordinado do dono da obra, mas antes um contraente que atua segundo a sua vontade, embora obrigado ao resultado ajustado.

Destarte, o dono da obra tem um direito subjetivo de exigir do empreiteiro a obtenção do resultado anuído. Isto é, assiste-lhe o direito a que, no prazo acordado, lhe seja entregue a obra realizada nos moldes convencionados e sem defeitos.

Na verdade, o dever primordial do empreiteiro  consiste na realização da obra em conformidade com o convencionado e sem vícios -art.º 1208.º do CC.

Sendo o empreiteiro o único responsável pela realização da obra, é evidente que ele não pode eximir-se da sua responsabilidade em função do cumprimento, ou não cumprimento, de sugestões, espontâneas ou solicitadas, do dono da obra.

Antes tendo de cumprir e executar a obra em função da atuação, prática e técnica, que, no quadro do consensualizado no contrato, ele entender ser melhor e mais adequada para a realização da obra sem defeitos e, assim, consentânea à satisfação das suas finalidades ou funções, mesmo que contra a vontade daquele.

Isto pelo menos por via de regra e salvo prova, vg., de que o dono da obra impôs um determinado procedimento ou alteração, contra a sua vontade, e o seu alerta sobre  possíveis nefastos ou contraproducentes efeitos  de tal procedimento advenientes.

Ademais, a sugestão efetivada pelo réu, certamente que acarretaria custos acrescidos para o autor, por reporte ao preço da empreitada.

Ora há que convir que era inexigível ao autor aceitar tal sugestão e suportar gastos adicionais, pois que o quantum que ele aceitou pagar teve, certamente, como contrapartida, a execução por banda do réu do muro em conformidade para cumprir, em termos de normalidade e salvo caso extremo ou de força maior, as suas funções de suporte de terras e de positiva  contribuição para a estética do local.

Se o réu entendia que o desvio das águas pluviais oriundas da casa era necessário para a conservação do muro, deveria ter atentado nesse facto quando vistoriou o local da obra e incluir o preço dos respetivos serviços no orçamento da empreitada.

Se tal não fez, sibi imputet, não podendo, posteriormente, vir pedir preço adicional, nem, muito menos, querer dividir a sua responsabilidade com o autor por facto que a este não era exigível praticar.

Nesta conformidade, e demonstrando os factos dos pontos 14 a 16 inequívoca deficiência na construção –  aliás, e  conforme dimana dos documentos dos autos, não se alcança que os pontos de escoamento de àgua colocados no muro tivessem virtualidades bastantes para cumprirem a sua função, mais parecendo pequenos orifícios aleatória, tosca e quase inadvertidamente ali deixados -   a responsabilidade total do réu não pode ser arredada ou mitigada.

5.3.2.2.

No atinente ao não pagamento da totalidade do preço, tal facto irreleva.

Na verdade e como aduzem os recorridos, os ora insurgentes nem sequer pediram no processo o pagamento do mesmo em sede de reconvenção.

Tanto assim que em sede de sentença tal matéria não foi abordada, pelo menos em termos de essencialidade relevante, na economia dos pedidos formulados.

Ora, como é consabido, os recursos destinam-se à reapreciação de questões decididas e não  à apreciação de questões novas.

Ademais, provando-se que a obra foi feita defeituosamente, sempre esta argumentação irrelevaria ou seria inócua para obstar à efetivação da reconstrução, ou, para já, poder implicar invocação de compensação ou de exceção de não cumprimento por banda dos réus.

Na verdade, esta exceção poderia era ser invocada pelos autores, pois que, afinal, a obra ainda não está concluída, e, assim, não lhes sendo exigível pagarem aos réus a totalidade do preço enquanto tal adequada conclusão não sobrevier.

Finalmente urge atentar que se provou – ponto 9 – que não foi acordada nem a forma nem o tempo de pagamento.

Ora e se os réus não exigiram aos autores o pagamento total quando deram a obra por terminada e antes de ela derrocar, não é agora, com ela no chão, que podem retirar quaisquer consequências em seu benefício pelo não pagamento total.

Neste momento quem se encontra mais prejudicados são os autores, pois que já pagaram o  preço da obra na sua quase totalidade e estão dela privados.

5.3.2.3.

No concernente à abrangência da reparação/reconstrução.

Clamam os recorrentes que a decretada reconstrução vai para além do legalmente permitido, pois que a lei, numa primeira fase, apenas impõe a eliminação dos defeitos.

A lei  geral – CCivil – assim o prescreve.

Mas apenas  se os defeitos puderem ser totalmente eliminados.

Se não puderam ser cabalmente suprimidos é concedível nova reconstrução – artº 1221º nº1.

É o caso dos autos.

Em primeiro lugar, como se provou e como impressivamente dimana dos documentos – fotos – dos autos, o muro caiu quase todo.

Em segundo lugar, aos requisitos necessários à sua adequada edificação, referidos nos pontos 15 e 16 como seja a colocação a tardoz do  muro drenos de areia ou geossintético e tubos barbacãs para alívio de poropressões na estrutura de contenção,  a colocação de sistema de  drenagem na zona anterior do mesmo,  a necessária compactação do material colocado para enchimento a tardoz, a utilização de material drenante  e o uso de uma manta geotêxtil para revestir os drenos, não permitem, em princípio, o aproveitamento, pelo menos na integra, da parte que não colapsou.

Em terceiro lugar, cumpre atentar que no caso vertente encontramo-nos perante uma empreitada em que o empreiteiro  exerce com carácter profissional uma atividade económica que visa a obtenção de lucros,  e o dono da obra é pessoa singular que deve ser considerado  como consumidor.

Logo,  é de aplicar, em primeira mão, o disposto no DL 67/2003 de 8 de Abril, com as alterações subsequentes, o qual introduziu no direito interno a  Diretiva 1999/44/CE2.

E, apenas subsidiariamente, nos caos omissos ou duvidosos, o disposto na lei nacional e, em síntese, supra explanada.

Na verdade, com esta diretiva pretendeu-se a harmonização da legislação europeia nesta área e uma proteção acrescida do consumidor.

Pelo que a legislação nacional, apenas, por via de regra, deverá ser aplicada, quando se revelar mais favorável ou aquele corpo normativo se mostrar lacunoso.

Assim:

Preceitua o artº 2º de tal diploma:

1 - O vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda.

2 - Presume-se que os bens de consumo não são conformes com o contrato se se verificar algum dos seguintes factos:

a) Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo;

b) Não serem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado;

c) Não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo;

d) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.

Estipula o artº 4º:

1 - Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato.

Ora o conceito relevante para o efeito do artº 2º de tal DL é o de conformidade dos bens com o contrato, advindo a responsabilidade do vendedor, pelo menos por via de regra, independentemente da existência, ou não, de culpa, stricto sensu, desde que se verifiquem os factos índice estabelecidos no nº2 e em função dos quais a desconformidade se presume.

Tal acrescida proteção dimana ainda do facto de, versus o que sucede na legislação nacional, os direitos permitidos ao consumidor em caso de incumprimento do contrato, poderem, por via de regra, ser exercidos eletivamente, não estando eles sujeitos a um  qualquer exercício sequencial decorrente de uma pré-determinada e fixa  hierarquização de tais direitos, como sucede na lei civil.

E diz-se, «por via de regra» porque têm de excluir-se de tal hipótese de escolha, os casos de intolerável desequilíbrio na composição dos direitos e interesses em presença e, bem assim, os casos  de atuação com  má fé, ou com  abuso de direito -cfr. Ac. do STJ de 30.09.2010, p. 822/06.9TBVCT.G1.S1 e João Calvão da Silva in  Vendas de Bens de Consumo, 4ª edição, página 110.

In casu inexistem factos alegados e provados – vg. valor da reconstrução e da afetação, grave e intolerável, que ela causaria aos  réus -  que apontem no sentido de que a reedificação constitui abuso de direito por banda dos autores.

Mas, na prática,  a reedificação terá de ser perspetivada por critérios de bom senso, no sentido, p. ex.,  de se poder aproveitar algo  da parte do muro que ainda se mantém; isto desde que os requisitos  para a boa edificação supra mencionados possam ser efetivados.

5.3.2.4.

No que tange aos danos não patrimoniais.

O dano não patrimonial não se reconduz a uma única figura, tendo vários componentes e assumindo variados modos de expressão, abrangendo o chamado quantum doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas; o “dano estético”, que simboliza, nos casos de ofensa à integridade física, o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões; o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afetiva, recreativa, cultural, cívica); o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem-estar e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima; o pretium juventutis, que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida – cfr. Ac. do STJ de 18.06.2009, dgsi.pt, p. 1632/01.5SILSB.S1.

Como é dito na sentença, é hoje pacificamente, doutrinal e jurisprudencialmente,  aceite que a indemnização por danos não patrimoniais é concedível no âmbito da responsabilidade contratual.

No caso vertente tal emerge expressamente do estatuído no artº 12º da Lei 24/96 de 31.07 (Lei de defesa do consumidor):

1 - O consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos.

2 - O produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos de produtos que coloque no mercado, nos termos da lei.

Certo é que apenas são atendíveis os danos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito – artº 496º nº1 do CC.

Efetivamente: «...os prejuízos insignificantes ou de diminuto significado, cuja compensação pecuniária não se justifica, que todos devem suportar num contexto de adequação social, cuja ressarcibilidade estimularia uma exagerada mania de processar e que, em parte, são pressupostos pela cada vez mais intensa e interactiva vida social hodierna. Assim não são indemnizáveis os diminutos incómodos, desgostos e contrariedades, embora emergentes de actos ilícitos, imputáveis a outrem e culposos» - R. Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra, 1995 p.555/556. (sublinhado nosso).

A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo, que tenha em conta o circunstancialismo de cada caso, e não por padrões subjetivos, resultantes de uma sensibilidade particular

Para esta apreciação há, também, que ter presente que, logo a seguir ao bem vida, os direitos de personalidade cuja preservação é necessária para se manter a própria dignidade e amor próprio e para possibilitar uma sã (lato sensu) convivência social - são, quiçá, os direitos com maior dignidade e que importa respeitar e defender.

Acresce que a indemnização por danos não patrimoniais reveste uma natureza acentuadamente mista.

 Por um lado, visa, mais do que indemnizar, reparar os danos sofridos pela pessoa lesada; pretende-se proporcionar ao lesado uma compensação ou benefício de ordem material - a única possível -, que lhe permite obter prazeres ou distrações - porventura de ordem puramente espiritual - que, de algum modo, atenuem o desgosto sofrido: não consiste num pretium doloris, mas antes numa compensatio doloris.

Por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.

No caso vertente provou-se, com interesse para esta questão que:

22. Os autores receiam que a desprotecção da barreira que se encontra junto à sua casa possa levar a mais deslocamentos de terra.

23.Tal muro (o que resta do mesmo) é perfeitamente visível do IP3, aspecto que não se coaduna com a casa e cuidado que os autores têm no seu quintal.

Tudo visto e ponderado conclui-se que estes factos são os bastantes para atribuir aos autores jus a indemnização.

Na realidade, trata-se de obra de uma dimensão significativa, cuja função – contenção de terras para evitar desmoronamentos – é relevante e de elevada magnitude, máxime porque tal contenção se destina a proteger a casa de habitação dos demandantes, nos quais eles vivem e têm o seu centro de vida, sendo, assim, de lhes conceder sossego e paz de espírito na  sua fruição.

O receio provado é, pois, fundado, supostamente sentido e até intenso e, assim, tutelável.

Acresce que o desvirtuamento estético provocado pela derrocada, exatamente porque junto a sua casa de morada de família, se apresenta outrossim relevante e atendível, porque, naturalmente, causador de negativa afetação subjetivo/emocional.

E neste sentido se tendo pronunciado a jurisprudência mais recente, a saber, aqui considerável, mutatis mutandis:

«Tendo ficado provado que devido à construção de um edifício pelos réus junto à casa dos autores, estes: (i) sofreram de ansiedade, enervamento, angústia e depressão por verem a sua casa de habitação danificada; (ii) viram-se obrigados a suportar ruídos e sujidades que as obras causaram; (iii) suportaram a ocupação do espaço do seu imóvel e pessoas em cima do respectivo telhado durante as obras; (iv) suportaram o desconforto e mal-estar causados pelo cheiro a humidade e mofo e pela apresentação estética do imóvel; (v) suportaram a falta de luz e arejamento naturais na cozinha, devido ao emparedamento da respectiva janela; (vi) sofreram o desgosto e a vergonha de não poderem receber familiares e amigos em sua casa, considerando ter essa conduta ilícita perdurado por 135 meses e qualificando-se como média a condição económica dos lesados e dos lesantes, mostra-se adequado o valor de € 20 000, fixado pelo tribunal da Relação, a cada um dos autores, a título de indemnização por danos não patrimoniais» - – AC. do STJ de 26.11.2015, p. 30516/11.7T2SNT.L1.S1

Aqui chegados cumpre apreciar da adequação do quantum fixado.

Resta sempre difícil apurar, com rigor, a adequação do montante compensatório dos danos não patrimoniais, de sorte a que com o mesmo se possam minorar as afetações negativas sofridas, operando-se, assim, com a maior aproximação possível, a justiça do caso concreto.

Devendo ainda considerar-se que a mais recente jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal vem reconhecendo que se torna necessário elevar o nível dos montantes dos danos morais, perante o condicionalismo económico do momento, e o maior valor que hoje se atribui à vida, integridade física e dignidade humanas.

 Sendo que, hodiernamente se vislumbra sedimentada uma corrente jurisprudencial que visa afastar critérios miserabilistas de fixação desta espécie de danos, pautando-se por uma justa, naturalmente mais elevada, fixação dos montantes indemnizatórios.

Efetivamente: «“É inegável a presença de um certo esforço, no sentido da dignificação das indemnizações. Importante é, ainda, a consciência do problema por parte dos nossos tribunais. Há, agora, que perder a timidez quanto às cifras…

Não vale a pena dispormos de uma Constituição generosa, de uma rica e cuidada jurisprudência constitucional e de largos desenvolvimentos sobre os direitos de personalidade quando, no terreno, direitos fundamentais tais como a vida valham menos de € 60.000.”» -   Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo III, 755, apud, Ac. do STJ de  07.05.2014, p. 436/11.1TBRGR.L1.S.

Certo é que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, e designadamente, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso  - arts. 496º, nº 3 e 494º do C.C.

Na verdade:

«O juízo de equidade das instâncias, essencial à determinação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida - se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.» -  Ac. do STJ de  21.01.2016, p. 1021/11.3TBABT.E1.S1.

Fazendo-se apelo a um julgamento segundo a equidade, em que os critérios que os tribunais devem seguir não são nem podem ser fixos, devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”, só se justificando uma intervenção corretiva se a indemnização se mostrar desajustada por  meridianamente desconforme a esses elementos – cfr. Ac. do STJ de 18.06.2009, supra citado.

Havendo aqui, naturalmente, que conviver e aceitar uma certa álea e relatividade das decisões judiciais, características que são inerentes a tais decisões como aliás a qualquer atividade  humana que não se estribe em premissas de cariz científico-natural ou matemático.  

Importando, todavia, perspetivar as diversas decisões prolatadas em casos similares para se tentar operar a fixação de valores idênticos, pois que tal contribui não só para a certeza e segurança do direito como, também, para a consecução da justiça material, quer na sua vertente absoluta, quer na vertente relativa ou comparativa.

In casu foi fixado o valor de 750,00 euros.

Tudo visto e ponderado, considerando o supra expendido e o circunstancialismo e os contornos do caso, julga-se tal montante ínsito dentro de limites admissíveis, e, até, comedida e parcimoniosamente consecutido, por comparação com casos similares, havendo, consequentemente, que mantê-lo.

Improcede o recurso.

6.

Sumariando.

I - São quids diversos e não devem, jurídico-processualmente, confundir-se, os vícios formais da sentença, qua tale, que acarretam a sua nulidade a apreciar primeiramente em sede de reclamação, com o inconformismo quanto à legalidade do substancialmente nela decidido, o que apenas atribui jus e deve ser dilucidado em sede de recurso.

II - A não consideração,  pelo recorrente, de todos os elementos probatórios que o julgador aduziu, e/ou a não indicação, com exatidão, das passagens da gravação em que se funda, acarreta - salvo se a prova apreciável impuser, só por si, censura da decisão sobre a matéria de facto -, o liminar indeferimento da impugnação desta.

III - A  mera discordância sobre a interpretação dos depoimentos das testemunhas não atribui ao recorrente de tal decisão, salvo razão de ciência inatacável ou patente e essencial erro de apreciação por banda do julgador, jus à  sua censura e alteração.

IV - No contrato de empreitada  o empreiteiro  está apenas obrigado a prestar a obra ou resultado anuídos, atuando, para a sua realização, autonomamente, e, assim, não estando sujeito, mas também não se podendo desresponsabilizar dos defeitos da obra, pelo  não acatamento de sugestões de atuação  por ele dadas ao dono desta.

V - Na empreitada  defeituosa, se os defeitos não puderem ser totalmente eliminados em toda a obra, o dono  pode exigir a sua reconstrução total – artº 1221º nº1 do CC;  ademais se o contrato se reger pelo  DL 67/2003 de 8 de Abril, o consumidor tem o direito de. salvo caso de abuso de direito, escolher a reparação, substituição, redução do preço ou a resolução - artº 4º deste DL.

VI - Os danos não patrimoniais são atendíveis na responsabilidade contratual, e a respetiva indemnização pode ser concedida em caso de transtorno e desgosto, causadores de negativa e prejudicial afetação psico-emocional,  perturbadora da qualidade de vida.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pelos recorrentes.

Coimbra, 2016.05.10.

Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Fonte Ramos