Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PAULO CORREIA | ||
Descritores: | AGENTE DE EXECUÇÃO REMUNERAÇÃO VARIÁVEL REDUÇÃO A METADE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA | ||
Data do Acordão: | 11/09/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ANSIÃO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 50.º, N.º 11, DA PORTARIA N.º 282/2013, DE 29-08 | ||
Sumário: | I – A fixação do quantum da remuneração adicional devida ao agente de execução é determinada, entre o demais, pela existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados, entendendo a lei (art. 50.º, n.º 11, da Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto) que, tratando-se de um bem especialmente afetado a satisfazer a dívida, na decorrência da existência de uma garantia real constituída a favor do exequente em momento anterior à execução, se justifica a redução do “prémio”.
II – O aludido n.º 11 do art. 50.º da referida Portaria (que prevê a redução a metade da remuneração adicional) é também aplicável, por interpretação extensiva, quando se trate de bem relativamente ao qual o credor reclamante (e não apenas o exequente) já dispusesse de garantia real prévia à execução. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 902/18.8T8PBL-D.C1 Juízo de Execução de Ansião – Juiz 1 _________________________________ Acordam os juízes que integram este coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]:
I-Relatório Nos autos de execução n.º 902/18.8T8PBL que correm os seus termos no Juízo de Execução de Ansião (Juiz 1), em que é exequente J..., Lda. e executados AA e outros, a credora reclamante Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Pombal, C.R.L. (doravante a designar por Caixa de Crédito ou Reclamante) veio, a 07.03.2022, apresentar reclamação à nota de honorários e despesas apresentada pela Sra. Agente de Execução, nos termos e com os fundamentos aí constantes. A Sra. Juíza, por despacho de 20.04.2022, indeferiu a reclamação apresentada (ref. 100051162). Inconformada, a Caixa de Crédito veio, a 28.04.2022, interpor recurso dessa decisão (ref. 42070491), fazendo constar nas alegações apresentadas as conclusões que se passam a transcrever:” A recorrente finalizou pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que reconheça que a remuneração variável que a Exma. Agente de Execução tem direito a receber deve ser reduzida a metade. * Não foi oferecida resposta. * Dispensados os vistos, foi realizada conferência, com obtenção dos votos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos. * II-Objeto do recurso Como é sabido, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo e que não se encontrem cobertas pelo caso julgado, são as conclusões do recorrente que delimitam a esfera de atuação deste tribunal em sede do recurso (arts. 635, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 640.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPC). No caso, perante as conclusões apresentadas, a única questão a apreciar e decidir é a de saber se a remuneração variável constante da nota discriminativa de honorários e despesas apresentada pela Sra. Agente de Execução deve ser reduzida a metade. * III-Fundamentação Com vista à incursão na questão objeto de recurso, é a seguinte a factualidade que releva: Perante o lastro factual acabado de efetuar, importa agora aferir se, como pretende o recorrente, a remuneração variável reclamada no montante de € 10.710,17 (acrescido de IVA), deve ser objeto de redução para metade nos termos previstos do n.º 11 do art. 50.º da Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto. Estatui-se no citado art. 50.º, no que ao caso dos autos interessa: Artigo 50.º 1 - Sem prejuízo do disposto nos números 2 a 4, o agente de execução tem direito a ser remunerado pela tramitação dos processos, atos praticados ou procedimentos realizados de acordo com os valores fixados na tabela do anexo VII da presente portaria, os quais incluem a realização dos atos necessários com os limites nela previstos. Honorários do agente de execução 2 – (…) 3 – (…) 4 – (…) 5 - Nos processos executivos para pagamento de quantia certa, no termo do processo é devida ao agente de execução uma remuneração adicional, que varia em função: a) Do valor recuperado ou garantido; b) Do momento processual em que o montante foi recuperado ou garantido; c) Da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar”. 6 - Para os efeitos do presente artigo, entende-se por: a) «Valor recuperado» o valor do dinheiro restituído, entregue, o do produto da venda, o da adjudicação ou o dos rendimentos consignados, pelo agente de execução ao exequente ou pelo executado ou terceiro ao exequente; b) «Valor garantido» o valor dos bens penhorados ou o da caução prestada pelo executado, ou por terceiro ao exequente, com o limite do montante dos créditos exequendos, bem como o valor a recuperar por via de acordo de pagamento em prestações ou de acordo global. 7 - O agente de execução tem ainda direito a receber dos credores reclamantes uma remuneração adicional pelos valores que foram recuperados pelo pagamento ou adjudicação a seu favor. 8 – (…) 9 - O cálculo da remuneração adicional efetua-se nos termos previstos na tabela do anexo VIII da presente portaria, sem prejuízo do disposto nos números seguintes. 10 – (…) 11 - O valor da remuneração adicional apurado nos termos da tabela do anexo VIII é reduzido a metade na parte que haja sido recuperada ou garantida sobre bens relativamente aos quais o exequente já dispusesse de garantia real prévia à execução. 12 – (…) 13 – (…) 14 – (…) 15 – (…) 16 – (…)” Decorre do relatório supra efetuado que na nota de honorários e despesas apresentada, a Sra. Agente de Execução reclamou, a título percentagem sobre o valor recuperado ou garantido (Anexo II), o pagamento da remuneração adicional de € 10.710,17, ou seja, com a aplicação do disposto no art. 50.º, n.ºs 5, 6 e 9 da Portaria n.º 282/2013, sem qualquer redução. Na reclamação apresentada a essa nota (ref. 101567764) a Caixa de Crédito manifestou o entendimento, no que ainda subsiste para apreciação, que o valor em causa devia ser objeto de redução para metade, com o fundamento, renovado no presente recurso, que “os bens penhorados e vendidos à ordem dos autos tinham uma nota emcomum–garantiareal(hipotecas)préviaàExecução (…)Pelo que, atento o disposto na Portaria 225/2013 de 10 de Julho (artº 50º, nº11) os honorários devidos à Exma. Agente de Execução deverão conhecer, na parte concernente à percentagem sobre o valor recuperado ou garantido, cifrada em 10.710,17€, uma redução de 50%, seja a 5.355,09€ (a redução deve-se ao facto da garantia real constituir factor acrescido de sucesso na cobrança coerciva pelo que, por interpretação extensiva, a redução é de aplicar quer a garantia tenha sido constituída a favor do Exequente, quer a favor de um Credor reclamante que a venha convocar na acção executiva)”. A decisão recorrida (ref. 100051162) indeferiu a reclamação apresentada pela ora recorrente “porquanto o Exequente não dispunha de garantia real sobre os bens penhorados e vendidos”. E, com efeito, o aludido n.º 11 no seu teor literal apenas faz operar a redução do valor da remuneração adicional quanto a bens relativamente aos quais o exequente já dispusesse de garantia real prévia à execução, sendo que, no caso, quem dispunha da garantia real prévia à execução (hipoteca) era a credora reclamante e não o exequente. Todavia, e antecipando o sentido da solução, afigura-se-nos que essa interpretação não satisfaz os ditames do art. 6.º do Código Civil. Com efeito, tal como se encontra legalmente configurado, o direito à remuneração adicional encontra-se associado à obtenção de certos resultados nas diligências efetuadas pelo agente de execução no processo, dependente, portanto, da existência de um nexo causal entre a recuperação de valores pelo exequente e as diligências que nesse sentido tenham sido por si desenvolvidas, só se justificando o pagamento quando a recuperação ou a garantia dos créditos seja devida à eficiência e eficácia da sua atuação. Apresenta-se, como tal, como um plus que visa premiar a sua atuação e o volume da atividade desenvolvida com vista à obtenção das finalidades exequendas. Para efeitos da sua fixação quantitativa, relevam, nos termos da lei (n.º 5), o valor recuperado ou garantido (quanto maior este for, maior será o valor da remuneração), do momento processual em que o montante foi recuperado ou garantido (variando as taxas marginais em função de ser efetuado o pagamento antes da penhora, depois da penhora e antes da venda, ou depois da venda[2], ou seja, em função da fase processual em que ocorre) e da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar (entendendo a lei que, tratando-se de um bem especialmente afetado a satisfazer a dívida, na decorrência da existência de uma garantia real constituída em momento anterior à execução, se justifica a redução do “prémio” nos termos do art. 50.º, n.º 11 da Portaria). E é precisamente aqui que assenta a controvérsia dos autos; a de saber se, mau grado o n.º 11 do art. 50.º da Portaria apenas se referir aos bens relativamente aos quais o exequente já dispusesse de garantia real prévia, a redução aí fixada deve operar também quando os credores reclamantes disponham igualmente de garantia com as mesmas características (real e prévia). Assinale-se, antes de mais, que é o próprio legislador que, no n.º 7 desse normativo, estabelece o direito à remuneração adicional não apenas quando sejam satisfeitos os interesses patrimoniais do exequente, como também os dos credores reclamantes, ao prever que “O agente de execução tem ainda direito a receber dos credores reclamantes uma remuneração adicional pelos valores que foram recuperados pelo pagamento ou adjudicação a seu favor”. Ora, feita legalmente esta equiparação (quanto aos créditos satisfeitos), e sendo a ratio da redução da remuneração adicional a anterior especial afetação do bem (garantia real anterior), não vemos qualquer razão para distinguir para este efeito o exequente do credor reclamante. A atividade e o desempenho do agente de execução são, para este efeito, rigorosamente os mesmos, quer a garantia real prévia esteja constituída a favor do exequente ou do credor reclamante. Se o critério que para os efeitos releva é o da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar, apresenta-se firme que a letra da lei ficou aquém da intencionalidade na sua previsão, devendo entender-se, numa interpretação extensiva, que a redução da remuneração abrange também os casos em que a garantia real prévia se encontra constituída a favor do credor reclamante[3]. Se o que está em causa é a fixação do quantum da remuneração adicional, e sendo rigorosamente o mesmo o empenho e a atividade desenvolvida pelo agente na obtenção dos resultados, não faz qualquer sentido estabelecer diferenciação em função da identidade da pessoa jurídica que beneficia da garantia real sobre o bem liquidado - exequente/credor reclamante. De resto, essa diferenciação, a ocorrer, traduzir-se-ia num benefício ilegítimo em termos remuneratórios do agente de execução nos casos em que o detentor da garantia real não fosse o exequente, porque, na prática, iria auferir uma remuneração adicional acrescida, apesar de a sua atividade e sucesso se terem mantido inalterados. Impõe-se, como tal, a revogação da decisão na parte recorrida, com a aplicação ao caso dos autos da redução da remuneração adicional imposta pelo art. 50.º, n.º 11 da Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto. * Sumário[4]: (…).
* IV - DECISÃO. Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se em julgar procedente o recurso interposto e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida, na parte aqui sob apreciação que indeferiu a reclamação apresentada pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Pombal, CRL à nota de honorários e despesas junta pela Sra. Execução, determinando-se que o valor na mesma indicado a título de remuneração adicional (sob a designação “Anexo II – percentagem sobre o valor recuperado ou garantido”), seja reduzido a metade, fixando-se a mesma em cinco mil trezentos e cinquenta e cinco euros e oitenta e cinco cêntimos (€5.355,085), acrescido de IVA. * As custas do presente recurso serão suportadas pelos executados (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2 do CPC). * Coimbra, 9 de novembro de 2022
______________________ (Paulo Correia) ______________________ (Helena Melo) _______________________ (José Avelino) [1] Relator – Paulo Correia Adjuntos – Helena Melo e José Avelino [2] - A expressão legal depois da venda constante do anexo VIII deve ser entendida no sentido de abranger a venda propriamente dita, mas também o exercício do direito de preferência (art. 823.º do CPC) e o exercício do direito de remição (art. 824.º do CPC). [3] - Segundo Baptista Machado “No domínio da interpretação extensiva, é a própria valoração da norma (o seu "espirito") que leva a descobrir a necessidade de estender o texto desta à hipótese que ele não abrange, ao passo que, no campo da analogia, não é a valoração da norma reguladora do caso análogo (e que vai ser aplicada por analogia ao caso omisso) que permite descobrir a lacuna e a necessidade do seu preenchimento, mas é antes o paralelismo (ou analogia) da questão posta pelo caso omisso com a questão posta pelo caso directamente regulado que induz à descoberta da lacuna e ao seu preenchimento através duma valoração idêntica e duma norma paralela à que regula o dito caso análogo” (Lições de Direito Internacional Provado, 4.ª edição, página 100). “A interpretação extensiva aplica-se, quando o intérprete chega à conclusão de que a letra do texto fica aquém do espírito da lei, que a fórmula verbal adoptada peca por defeito, pois diz menos do que aquilo que se pretendia dizer. Alarga ou estende então o texto, dando-lhe um alcance conforme ao pensamento legislativo, isto é, fazendo corresponder a letra da lei ao espírito da lei. Não se tratará de uma lacuna da lei, porque os casos não diretamente abrangidos pela letra são indubitavelmente abrangidos pelo espírito da lei” (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, Coimbra, 2000, páginas 185 e 186). |