Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
30/11.7GAMIR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CORREIA PINTO
Descritores: CONCURSO DE INFRACÇÕES (CRIME E CONTRA-ORDENAÇÃO)
SANÇÃO ACESSÓRIA
Data do Acordão: 11/07/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - 1º JUÍZO CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.º 134º, N.º 1, DO C. DA ESTRADA
Sumário: No contexto do disposto no art.º 134º, n.º 1, do C. da Estrada, perante um comportamento que configura contra-ordenação e, simultaneamente, é constitutivo de qualquer um dos crimes previstos nos art.ºs 291º e 292º, do C. Penal, esgotando a prática do crime o significado, efeito, ou ilicitude da contra-ordenação, por forma a que possa entender-se que a consome, a sanção acessória de inibição de conduzir a aplicar deve ser decretada com base no disposto no art.º 69º, do C. Penal, sob pena de violação do princípio ne bis in idem, dado que a aplicação concomitante da pena acessória de proibição de conduzir prevista na legislação penal e da(s) sanção(ões) acessória(s) de inibição de conduzir prevista(s) no Código da Estrada se traduziria em dupla sanção pela mesma conduta.
Decisão Texto Integral: Relatório

1.      No 1.º Juízo Criminal de Coimbra, no âmbito do processo comum singular n.º 30/11.7GAMIR, foi julgado o arguido A..., residente na Rua … , em Coimbra, a quem era imputada a prática, em autoria material e concurso real, de contra-ordenações previstas e puníveis pelos artigos 36.º, n.ºs 1 e 2, 39.º, n.ºs 1 e 2, 24.º, n.ºs 1 e 2, 138.º, 145.º, n.º 1, alínea f), e 147.º, todos do Código da Estrada, e de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punível pelos artigos 291.º, n.º 1, alínea b), e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal.

Realizado julgamento, o tribunal proferiu sentença onde decidiu nos seguintes termos:

“Julga-se procedente a acusação, na qualificação perfilhada, e condena-se A..., pela autoria material de:

− um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelos art.ºs 291.º, 1 b), e 69.º, 1 a), ambos do Cód. Penal; e das

− contra-ordenações, p. e p. pelos art.ºs 13.º, 1 e 3, 24.º, 2 e 3, e 36.º, 1 e 2, 138.º, 145.º, 1 f), e 147.º, 1 e 2, todos do Cód. da Estrada,

nas penas principal e acessória de:

− cento e cinquenta (150) dias de multa, à razão de nove euros (€ 9) dia, num total de mil, trezentos e cinquenta euros (€ 1 350); e

− sete (7) meses de proibição de conduzir veículos motorizados, respectivamente;

e na sanção acessória parcelar de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de dois (2) meses, respectivamente,

e na sanção acessória única, do cúmulo material, de inibição da faculdade de conduzir veículos motorizados pelo período de seis (6) meses.

Verificada que seja a hipótese do art.º 49.º, 1, do Cód. Penal, o arguido cumprirá cem (100) dias de prisão subsidiária.

Mais se condena o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (art.ºs 513.º, 1 a 3, 514.º, 1, ambos do Cód. Proc. Penal e 8.º, 5, e Tabela III do RCP).”

2.      O arguido, não se conformando com a decisão, veio interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:

I) O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida pelo Venerando Tribunal a quo, que condenou o ora apelante na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 9 (euros) euros, na pena acessória de 7 meses de inibição de conduzir veículos motorizados, e na aplicação efectiva da sanção de inibição de conduzir por dois meses, consequentemente, na pena única, quanto à sanção acessória, de 6 meses.

II) Bem esteve o douto Tribunal a quo ao determinar a aplicação de pena não privativa de liberdade no caso sub iudice.

III) Salvo o devido respeito, a pena de multa aplicada pelo douto Tribunal a quo é excessiva quanto aos dias de multa previstos e ao quantitativo diário fixado, atendendo à situação económico-financeira do apelante.

IV) O apelante é estudante, pai de duas filhas menores, sendo os rendimentos da sua companheira (cerca de € 1.700).

V) O rendimento da companheira do apelante tem que fazer face a todas as despesas pessoais do agregado familiar, como alimentação, vestuário e saúde, às despesas da habitação, nomeadamente água, luz e gás, e de ensino das filhas menores do apelante.

VI) Mesmo requerendo e sendo deferido pelo Venerando Tribunal a quo, o pagamento da multa em que foi condenado, a prestações, devido ao imperativo legal ínsito no n.º 3 do artigo 47.º do Código Penal, teria que liquidar uma prestação mensal no valor de € 102,00 (cento e dois euros).

VII) O que impossibilitaria o agregado familiar de fazer face a todas as supra mencionadas despesas.

VIII) Por outro lado, ao apelante vê negada a possibilidade de requerer a substituição da pena de multa a que foi condenado, por prestação de trabalho a favor da comunidade, uma vez que as suas obrigações escolares, e o facto de ser ele cuida das filhas menores, na medida em que a companheira trabalha sobretudo por turnos, no período nocturno e os fins de semana, lhe preenchem a semana e os fins-de-semana.

IX) O Venerando Tribunal a quo quando fixou os dias da pena de multa e o quantitativo diário, salvo o devido e merecido respeito, não ponderou devidamente os critérios apontados pelo artigo 71.º do Código Penal, referentes à determinação da medida da pena.

X) Entende-se que no caso concreto, a situação social e económica do apelante, imponha a previsão de uma pena de multa inferior à determinada, que, sem contrariar os fins da referida pena, lhe permitisse pagar sem recorrer à ajuda de terceiros.

XI) O apelante foi condenado na pena acessória de 7 meses de proibição de conduzir veículos motorizados.

XII) Entende o apelante, que atendendo ao facto da sua conduta não ter causado quaisquer danos a pessoas ou bens, e o mesmo não ter quaisquer antecedentes criminais ou no âmbito contra-ordenacional, não se justifica a previsão da sanção acessória superior ao mínimo legal (três meses).

XIII) Ao apelante foi ainda imputada a violação das regras estradais previstas nos artigos 36.º, n.º 1, 22.º, n.º 2, alínea b), 113.º, n.º 1, e 24.º, n.º 2, todos do Código da Estrada.

XIV) As referidas condutas constituem contra-ordenações graves.

XV) Não resulta provado nos autos que o apelante praticou contra-ordenação grave nos últimos 5 anos. Para além desta infracção, o apelante não tem quaisquer outros antecedentes de incumprimento de leis e/ou regulamentos sobre trânsito.

XVI) Foi aplicada ao apelante a sanção acessória efectiva de inibição da faculdade de conduzir pelo período de 2 meses.

XVII) Refere a douto Tribunal a quo: «A, suspensão da execução da execução da sanção acessória não a permite o legislador in casu. Efectivamente o artigo 141.º do Cód. da Estrada, faz depender a suspensão da execução da sanção acessória a aplicada a contra-­ordenações graves, entre outros requisitos, do facto de se encontrar paga a coima, o que não se verifica relativamente às contra-ordenações em causa».

XVIII) Impõe-se referir que nunca o apelante foi interpelado, quer por autoridade administrativa, quer pelo douto Tribunal a quo, para liquidar qualquer coima, pelo que o não pagamento da mesma, até à presente data, não lhe pode ser imputado. Assim como não pode prejudicar o arguido, impedindo-lhe beneficiar da suspensão.

XIX) O apelante necessita da carta de condução para se deslocar e assegurar o transporte das filhas menores. A mãe, sua companheira, pela profissão que exerce não pode assegurar essas funções.

XX) No caso, uma suspensão da execução da sanção acessória, realiza de forma adequada e suficiente os objectivos de prevenção geral e especial, bastando ao apelante a ameaça da revogação da suspensão se, durante o período da mesma, praticar qualquer outra contra ordenação grave ou muito grave.

XXI) Mesmo que se considerasse que o exposto não é suficiente para fundamentar a suspensão da execução da pena acessória a que o apelante foi condenado, hipótese que de momento não se vislumbra, o condicionamento da suspensão à frequência de acções de formação e/ou a cooperação em campanhas de prevenção rodoviária, e/ou, à prestação de caução de boa conduta, nos termos previstos no art. 141.º do Código da Estrada, seria o suficiente para assegurar a realização das finalidades da punição.

XXII) A douta decisão em crise viola, por erro de interpretação e de aplicação, o disposto nos artigos 71.º, n.º 1, 47.º, e 50.º, todos do Código Penal, e o artigo 141.º do Código da Estrada.

Termina sustentando que deve ser julgado procedente o recurso ora interposto e alterada a douta decisão decretada pelo Tribunal a quo no que concerne à fixação dos dias e quantitativo diário da pena de multa, ao período da pena acessória de inibição de conduzir, e à aplicação efectiva da sanção acessória de conduzir, com todas as devidas e legais consequências.

3.      O Ministério Público respondeu, concluindo:

1. Foi bem condenado o arguido pelo crime de condução perigosa, delito que foi objectiva e subjectivamente perfectibilizado claramente pelo seu comportamento.

2. A pena principal encontrada é justa e equitativa, além de adequada.

3. A pena e sanção acessórias foram justas, não podendo ou devendo ser dispensada a sua execução.

Termina afirmando que deverá ser negado provimento ao recurso e mantida na íntegra a sentença recorrida.

4.1    Neste Tribunal da Relação, o Ministério Público, com vista nos autos, acompanhando e aderindo às alegações do Ministério Público na 1.ª instância, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

4.2    O arguido, notificado nos termos do artigo 417.º do Código de Processo Penal, não respondeu.

5.      Colhidos os vistos e remetidos os autos a conferência, cumpre apreciar e decidir.

O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação.

Nos termos do artigo 412.º do Código de Processo Penal, a motivação do recurso enuncia especificamente os respectivos fundamentos e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido.

Neste enquadramento, o objecto do recurso consubstancia-se na apreciação das seguintes questões:

§ Apreciar a adequação da pena principal, da pena acessória e das sanções acessórias, impostas ao arguido, pela prática do crime de condução perigosa de veículo rodoviário e de contra-ordenações no exercício da condução.

II)

Fundamentação

1.      Factos relevantes.

1.1    Com interesse para a decisão a proferir, importa considerar que na sentença recorrida foram julgados provados os seguintes factos:

“1.     No dia  … de 2011, pelas 11:20 horas, na via da Circular Interna, em Coimbra, depois de passar a Rotunda da Fucoli e em direcção aos HUC,  … conduzia a viatura de matrícula … , ambulância do INEN, que na ocasião transportava uma doente desde Mira até aos HUC, o que fazia na faixa mais à direita das duas permitidas naquele local e sentido de marcha;

2.       As duas faixas de rodagem da via tinham e têm o risco descontínuo a separá-las;

3.       A ambulância tinha marcha de transporte de doente assinalada, com os sinais luminosos em uso para este tipo de situações;

4.       … iniciou a ultrapassagem da viatura que seguia imediatamente à sua frente e, quando se encontrava já na faixa esquerda, no decurso dessa manobra, aproximou-se à sua retaguarda a viatura de matrícula … , conduzida pelo arguido, que começou a apitar, gesticulando para o condutor da ambulância.

5.       Nessa sequência, indiferente aos riscos que tal acarretava e ao facto de se tratar de uma ambulância em transporte de doente, o arguido, mal a ambulância efectuou a ultrapassagem, consumou, por sua vez, idêntica manobra relativamente ao veículo que circulava na faixa da direita e flectiu imediatamente a viatura DB para a direita – antes mesmo de o condutor da ambulância retomar essa via –, ao mesmo tempo que imprimiu velocidade acrescida à viatura por si conduzida, impedindo, deste modo, que a ambulância retomasse a faixa da direita, continuando nessa altura, par a par, a protestar com o condutor da ambulância;

6.       Depois, pela via da direita, passou à frente da ambulância, que seguia na faixa da esquerda, e guinou para a esquerda, ficando à frente da ambulância, tendo de seguida e de imediato travado bruscamente, cortando a marcha à ambulância;

7.       O condutor da ambulância foi, assim, obrigado a travar a fundo e guinar para a direita, a fim de evitar o embate entre a parte da frente da ambulância que conduzia e a parte de trás do veículo conduzido pelo arguido e que este, do modo acima indicado, colocou de repente à frente e no caminho da ambulância;

8.       O embate só não ocorreu devido à destreza e atenção do condutor da ambulância.

9.       O arguido seguiu depois também em direcção aos HUC.

10.     Ali, vendo a ambulância estacionada e com o condutor no seu interior, dirigiu-se à mesma, irado e bateu furiosamente no vidro do lado do condutor, exigindo aos gritos que este o abrisse para “falarem”.

11.     O condutor da ambulância não abriu o vidro nem respondeu e a situação só terminou com a intervenção de agente policial que estava no local.

12.     O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente;

13.     Bem sabendo que um condutor prudente não conduziria um veículo pelo modo como o fez, designadamente não imprimiria maior velocidade à viatura por si conduzida quando retomou a faixa da direita, muito menos, quando o veículo que estava a ultrapassar por essa faixa era uma ambulância, nem se colocaria deliberadamente à frente de outro veículo e em seguida travando, impedindo-lhe a marcha, colocando em risco a ambulância e seus condutor e ocupantes que seguiam naquela via, impondo-se-lhe regras de cuidado estradal que era capaz de cumprir e não o fez;

14.     Indiferente ao que o rodeava, adoptando uma condução fortemente potenciadora de gerar acidente com terceiros, levando a que as demais pessoas que ali seguiam, com obediência às regras estradais, corressem riscos elevados de colisão e de ferimentos graves, irreversíveis e até letais, que só não se concretizaram devido à perícia do condutor da ambulância do INEM envolvido e afectado pela conduta do arguido;

15.     O arguido sabia que as suas condutas lhe estavam vedadas por lei.

16.     Vive com a companheira, que aufere cerca de € 1 700 líquidos mensais e o sustenta, e 2 filhos (de 12 anos e 3 anos de idade, respectivamente), em casa própria; tem a licenciatura em sociologia e frequenta o 2.º Ano de Direito;

17.     Não se lhe conhecem antecedentes criminais ou contra-ordenacionais.”

1.2    Na mesma peça processual, julgaram-se não provados os seguintes factos:

“18.   O condutor …, ao ver o veículo conduzido pelo arguido à sua frente e em marcha mais lenta do que aquela que levava, certificou-se que a faixa da esquerda se encontrava livre, sinalizou a manobra e guinou a ambulância para a esquerda, passando a seguir naquela faixa e contornou, assim, pela esquerda e com obediência a todas as regras estradais que se lhe impunham a viatura conduzida pelo arguido

19.     Este, porque ia irritado com a sua vida particular, irritou-se ainda mais porque foi ultrapassado.”

2.      O arguido/recorrente não questiona os factos que o tribunal julgou provados e não provados.

Não se suscita a existência de qualquer um dos vícios a que se reporta o artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, cujo conhecimento, aliás, é oficioso.

Na verdade, não se vê que ocorra insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (entendida como uma lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito), contradição insanável da fundamentação ou entre os fundamentos e a decisão (entendida como incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão) ou erro notório na apreciação da prova (consubstanciado em falha ostensiva na análise da prova que resulte do próprio texto da sentença, perceptível pelo cidadão comum e denunciadora de que se deram como provados factos inconciliáveis entre si).

Em tais circunstâncias, não há razões para questionar a matéria de facto, que se tem por definitivamente fixada, nos termos que em momento anterior se deixaram consignados.

3.      Enquadramento legal.

3.1    É pacífico que, perante os factos provados, o arguido cometeu o crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punível pelo artigo 291.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, estabelecendo esta norma que, quem conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, violando grosseiramente as regras da circulação rodoviária relativas à prioridade, à obrigação de parar, à ultrapassagem, à mudança de direcção, à passagem de peões, à inversão do sentido de marcha em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, à marcha atrás em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, ao limite de velocidade ou à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.

Na determinação da medida da pena dentro dos limites referidos deve atender-se aos critérios estabelecidos pelos artigos 70.º e 71.º do Código Penal.

Nos termos do artigo 71.º, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção; na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

Relativamente aos critérios de escolha da pena, o artigo 70.º do Código Penal estabelece que, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Caso se conclua pela adequação da pena de multa, é esta fixada em dias, de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 1 do artigo 71.º, sendo, em regra, o limite mínimo de 10 dias e o máximo de 360; cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5,00 e € 500,00, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais – artigo 47.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Penal.

A legitimidade das penas criminais depende da sua necessidade, adequação e proporcionalidade, para a protecção de bens ou interesses constitucionalmente tutelados. O artigo 40.º do Código Penal, relativamente às finalidades das penas e das medidas de segurança, estabelece que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a pena, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa.

No ensinamento do Prof. Figueiredo Dias, “as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa. Nestas duas proposições reside a fórmula básica de resolução das antinomias entre os fins das penas; pelo que também ela tem de fornecer a chave para a resolução do problema da medida da pena. (…) Respeitada aquela fórmula, (…) fica traçada a linha-mestra de indispensável harmonização entre a função do direito penal, o sentido e as finalidades da pena e a determinação da sua medida no caso concreto” (“Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2009, página 227)

3.2    A lei admite a aplicação de penas acessórias – artigos 65.º e seguintes do Código Penal. Neste âmbito e na parte que aqui interessa, o artigo 69.º, na sua redacção actual e vigente à data dos factos a que se reportam os presentes autos, estabelece que é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido por crime previsto no artigo 291.º (artigo 69.º, n.º 1), produzindo a proibição efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e podendo abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria (artigo 69.º, n.º 2).

A pena acessória – que tem aplicação perante os crimes previstos nos artigos 291.º (condução perigosa de veículo rodoviário) ou 292.º (condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas) e que não se confunde com a sanção acessória que visa sancionar, acessoriamente, a prática de contra-ordenações graves e muito graves, nos termos enunciados no Código da Estrada – tem um carácter dissuasor, exercendo uma função de prevenção geral de intimidação perante a constatação de exercício de condução especialmente censurável, visando evitar que os condutores pratiquem uma condução que ponha em perigo a vida ou a integridade física de outrem, ou bens patrimoniais alheios de valor elevado e que ingiram elevadas quantidades de álcool quando conduzem.

A proibição de conduzir veículos motorizados, enquanto pena acessória, deve ser determinada de acordo com o critério enunciado no artigo 71.º do Código Penal, antes citado, ou seja, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo por base “todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”.

3.3    O arguido também não discute que o seu comportamento configura a prática das contra-ordenações graves (artigo 145.º do Código da Estrada) previstas nos artigos 13.º (violação da posição de marcha relativamente ao trânsito de veículos e que impõe que se faça pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas ou passeios, conservando destes uma distância que permita evitar acidentes), 24.º (violação das regras de velocidade que proíbem que o condutor diminua subitamente a velocidade do veículo sem previamente se certificar de que daí não resulta perigo para os outros utentes da via, nomeadamente para os condutores dos veículos que o sigam) e 36.º (violação das regras de ultrapassagem que determinam que se faça pela esquerda).

A prática de contra-ordenações graves é sancionada com coima e com sanção acessória, consistindo esta, no caso de infracções ao Código da Estrada e legislação complementar, na inibição de conduzir, com a duração mínima de um mês e máxima de um ano – artigos 138.º e 147.º do Código da Estrada.

Como se refere na sentença recorrida, o artigo 134.º, n.º 1, deste diploma, sob a epígrafe “concurso de infracções”, estabelece que, se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contra-ordenação, o agente é punido sempre a título de crime, sem prejuízo da aplicação da sanção acessória prevista para a contra-ordenação. Importa também considerar que, no caso de concurso, as sanções aplicadas às contra-ordenações são sempre cumuladas materialmente – n.º 3 da referida norma.

No entanto, a disposição do n.º 1 do artigo 134.º do Código da Estrada não pode interpretar-se no sentido de permitir uma dupla sanção. Na verdade, há diferentes situações em que o mesmo facto constitui simultaneamente crime e contra-ordenação, por violação de regras de condução e normas que definem o respectivo quadro legal. Relativamente a alguns dos crimes e em sede de legislação penal, está prevista a aplicação de sanção acessória; é assim que o artigo 69.º do Código Penal, antes mencionado, estabelece que é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido por crime previsto nos artigos 291.º (condução perigosa de veículo rodoviário) ou 292.º (condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas), por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante, ou por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para detecção de condução de veículo sob efeito de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo.

Assim, perante um comportamento que configura contra-ordenação e, simultaneamente, é constitutivo de qualquer um dos crimes antes referidos, esgotando a prática do crime o significado, efeito, ou ilicitude da contra-ordenação, por forma a que possa entender-se que a consome, a sanção acessória de inibição de conduzir a aplicar deve ser decretada com base no artigo 69.º do Código Penal, sob pena de violação do princípio ne bis in idem, dado que a aplicação concomitante da pena acessória de proibição de conduzir prevista na legislação penal e da(s) sanção(ões) acessória(s) de inibição de conduzir prevista(s) no Código da Estrada se traduziria em dupla sanção pela mesma conduta.

Com a leitura restritiva da disposição do artigo 134.º, n.º 1, do Código da Estrada não fica prejudicada a sua aplicação; a norma opera em pleno nos casos em que o concurso de infracções ocorre reportando-se a crimes diversos daqueles que são mencionados no artigo 69.º do Código Penal e que configuram, simultaneamente, a prática de uma ou várias das contra-ordenações previstas no Código da Estrada.

Obviamente que também não deixa de operar a aplicação da pena acessória pela prática do crime e, simultaneamente, da sanção (ou sanções) acessória(s) pela prática de contra-ordenação(ões) quando aquele não esgota o significado, efeito, ou ilicitude da contra-ordenação, por forma a que possa entender-se que a consome, na medida em que a contra-ordenação visa a protecção do perigo abstracto de uma série indeterminada de bens jurídicos, verificando-se então concurso efectivo entre a prática do crime e da(s) contra-ordenação(ões).

3.4    Relativamente à pena de prisão, a lei prevê a possibilidade de suspensão da respectiva execução – artigos 50.º.

No entanto, a suspensão da execução não é extensível à pena de multa nem à pena acessória: é o que resulta das alterações introduzidas pela Lei n.º 48/95, de 15 de Março que apenas contempla a suspensão da execução da pena de prisão. O Código Penal, nos artigos 50.º e seguintes, regula a suspensão da execução da pena, não considerando a possibilidade da suspensão da execução de penas acessórias, ainda que condicionada tal suspensão a deveres. A suspensão da execução é uma verdadeira pena de substituição, pelo que se impõe, para aplicação da mesma, que esteja expressamente prevista na lei, sob pena de violação do princípio da legalidade.

Esta leitura é pacífica em termos de jurisprudência – cf., nomeadamente, acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14 de Junho de 2000 (publicado na Colectânea de Jurisprudência, tomo 3/2000, página 53) e de 30 de Março de 2011 (disponível na base de dados do ITIJ – www.dgsi.pt –, processo 460/10.1GCPBL.C1). Em sede doutrinal, Germano Marques da Silva, (“Crimes Rodoviários; Pena Acessória e Medidas de Segurança”, página 28), salienta que, “verificados os seus pressupostos e aplicada a pena acessória, esta tem que ser executada. Assim, ainda que a pena principal seja substituída ou suspensa na sua execução, o mesmo não pode suceder relativamente à pena acessória de proibição de conduzir”.

A conclusão não é prejudicada pelo facto de se prever, no Código da Estrada, especificamente, no respectivo artigo 141.º, na sua redacção actual, resultante do Decreto-lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, a possibilidade de suspensão da execução da sanção acessória e a sujeição da suspensão à prestação de caução de boa conduta; este artigo, sob a epígrafe suspensão da execução da sanção acessória, estabelece que pode ser suspensa a execução da sanção acessória aplicada a contra-ordenações graves no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas, desde que se encontre paga a coima, nas condições previstas nos números seguintes; nomeadamente, se o infractor não tiver sido condenado, nos últimos cinco anos, pela prática de crime rodoviário ou de qualquer contra-ordenação grave ou muito grave, a suspensão pode ser determinada pelo período de seis meses a um ano (n.º 2).

Esta disposição tem plena aplicação no âmbito das contra-ordenações previstas no Código da Estrada, importando salientar que, mesmo em relação a estas, se restringe às contra-ordenações graves, ficando tal possibilidade excluída para as contra-ordenações muito graves; por maioria de razão se justifica a inadmissibilidade perante a prática de crime; assim, a sua relevância não se estende às penas acessórias no âmbito do direito penal, especificamente, às que são previstas no artigo 69.º do Código Penal.

A sanção acessória de inibição de conduzir e a pena acessória de proibição de conduzir, sendo sanções de natureza diversa e que correspondem à punição pela prática de uma contra-ordenação e de um crime, respectivamente, também não são passíveis de cúmulo jurídico, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 77.º do Código Penal, que pressupõe o concurso de vários crimes, pelo que são cumpridas autonomamente.

À luz do quadro legal que se deixa sumariamente enunciado se apreciará a matéria sob recurso.

4.      A adequação da pena principal aplicada ao arguido.

No caso dos autos, o arguido/recorrente, sem pôr em causa a opção do tribunal recorrido pela pena de multa, pretende que a concreta pena de multa em que foi condenado pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punível pelo artigo 291.º do Código Penal (150 dias de multa, à razão de € 9,00/dia, num total de € 1.350,00) é excessiva, configurando violação do disposto nos artigos 71.º, n.º 1, e 47.º do Código Penal.

A decisão, em primeira instância, é justificada, quanto à pena principal, à pena acessória e às sanções acessórias, nos seguintes termos:

“Importa assim considerar o elevado grau ilicitude dos factos (criminal e contra-ordenacional), tendo em consideração o tipo de viaturas envolvidas, os bens jurídicos protegidos, ameaçados e violados;

As contra-ordenações acham-se prevista no art.º 145.º, 1 f), do Cód. da Estrada, sendo por isso qualificadas de graves;

A gravidade das suas consequências não foi elevada, considerando a ausência de resultados nefastos, graças à destreza e atenção do condutor da ambulância;

A intensidade da culpa é elevada, quer no que respeita à condução perigosa de veículo rodoviário, quer no que concerne às contra-ordenações, porque de dolo directo se trata: o arguido representou os factos e actuou com intenção de os realizar;

Os motivos determinantes fundam-se em impaciência (própria de condutores com os nervos à flor da pele e imprevisíveis em situações de stress estradal), que levou à exaltação consequente e determinação de propósitos de vingança, sem olhar a meios para levar a cabo esse propósito sinistro;

As condições pessoais e a situação económica são medianas, face à sua idade, situação vivencial e profissional, rendimentos e despesas respectivos;

O desconhecimento de antecedentes criminais e contra-ordenacionais é valorado como atenuante, por indiciar percurso de vida conforme o direito e ser considerado primário;

Finalmente, a necessidade de prevenção geral é elevadíssima, atento o elevadíssimo número de crimes e contra-ordenações do tipo quer a nível local quer nacional.

Por tudo o exposto, julgam-se concretamente adequadas as seguintes penas (…):

- Principal: multa – considerando a idade do arguido, o seu passado criminal sem mácula, a sua inserção social, familiar (com responsabilidades de progenitor) e profissional, afigura-se-nos aquela pena susceptível de facilitar (e alcançar) a sua socialização, sem se mostrar incompatível com as exigências mínimas de integração, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico –, que se fixa em 150 dias, à razão de € 9 dia, num total de € 1 350 (art.ºs 70.º e 47.º, 1 e 2, ambos do Cód. Penal); e

- Acessória: 7 meses de proibição de conduzir veículos motorizados; e

a sanção acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 2 meses, por cada uma das contra-ordenações praticadas, cujo cúmulo é material ( art.º 134.º, 3, do Cód. da Estrada)”.

A pena de multa, tendo em conta os limites abstractos, foi fixada abaixo do respectivo valor médio.

Consideradas as razões aduzidas, não se vê que haja fundamento válido para alterar o número de dias em que foi fixada a pena.

Diversamente, afigura-se que os factos conhecidos justificam, quanto à determinação do valor da multa, a opção por um valor diário inferior, mais próximo do respectivo limite mínimo.

Pondera-se a este propósito que, tendo o arguido licenciatura em sociologia e frequentando o 2.º ano de Direito, não tem rendimentos próprios conhecidos, vivendo com uma companheira, que aufere cerca de € 1.700,00 líquidos mensais e o sustenta, tal como aos 2 filhos do casal, menores com as idades de 12 e 3 anos.

Julga-se ajustado o valor diário de € 6,00 – o que determina uma multa no montante global de € 900,00.

5.      A pena acessória e as sanções acessórias, impostas ao arguido.

Reiteram-se aqui os fundamentos afirmados na sentença recorrida e que antes se deixaram transcritos, importando verificar se há fundamento para alterar o que aí foi decidido.

5.1    O arguido alega a este propósito que a pena acessória é excessiva, pretendendo a sua redução para três meses, correspondendo ao mínimo legalmente previsto no artigo 69.º, n.º 1, do Código Penal.

Como antes se mencionou, a determinação da medida da pena acessória de proibição de conduzir obedece aos critérios definidos no artigo 71.º do Código Penal.

Importa começar por salientar que não são particularmente determinantes as razões suscitadas pelo arguido, ao afirmar que “necessita da carta de condução para se deslocar e assegurar o transporte das filhas menores” e que a “mãe, sua companheira, pela profissão que exerce não pode assegurar essas funções”, com as implicações daí decorrentes. Sem desprezar tais razões, importa salientar que as mesmas deveriam ter sido ponderadas pelo arguido quando, na manhã de 5 de Fevereiro de 2011, não se coibiu de conduzir o respectivo veículo nas condições que constam da matéria de facto provada.

Ponderando, por um lado, os limites previstos para a sanção (entre três meses e três anos) e, por outro, os factos provados e que se mostram consignados em sede própria, onde se salienta uma actuação com dolo directo e sem qualquer fundamento que justifique ou atenue a responsabilidade do arguido, com reflexos no grau de ilicitude, bem como as prementes exigências de prevenção geral, mas também, sobretudo em sede de prevenção especial e em benefício do arguido, a inexistência de antecedentes, quer criminais, quer contra-ordenacionais relativamente à condução de veículos automóveis, a aparente inserção social do arguido, não se evidenciando que este seja um comportamento reiterado ou característico da sua parte e a inexistência de quaisquer consequências decorrentes do seu acto, afigura-se ajustada a pena acessória de proibição de conduzir fixada na sentença recorrida em sete meses.

Pelos fundamentos anteriormente expostos, esta pena acessória não admite a suspensão da respectiva execução, tal como não integra cúmulo, segundo os critérios do artigo 77.º do Código Penal, com as sanções acessórias decorrentes da prática de contra-ordenações. Impõe-se por isso ao arguido o cumprimento efectivo da pena acessória.

5.2    O recorrente pretende, finalmente, em relação às sanções acessórias de inibição de conduzir pela prática de contra-ordenações, pelo período de dois meses relativamente a cada um dos três ilícitos em causa e, em cúmulo material, na inibição de conduzir por seis meses, com referência aos artigos 13.º, n.ºs 1 e 3, 24.º, n.ºs 2 e 3, 36.º, n.ºs 1 e 2 e 134.º do Código da Estrada, que deve suspender-se a respectiva execução: nunca foi interpelado, quer por autoridade administrativa, quer pelo Tribunal a quo, para liquidar qualquer coima, pelo que o não pagamento da mesma, até à presente data, não lhe pode ser imputado, tal como não pode prejudicá-lo, impedindo-o de beneficiar da suspensão.

Na sentença recorrida e quanto a esta questão, fundamentou-se a decisão tomada nos seguintes termos:

«Sobre a susceptibilidade de suspensão da execução da sanção acessória:

Pode ser suspensa a execução da sanção acessória aplicada a contra-ordenações graves no caso de se verificarem os pressupostos de que a lei penal geral faz depender a suspensão da execução das penas, desde que se encontre paga a coima, nas condições previstas nos números seguintes.

Se o infractor não tiver sido condenado, nos últimos cinco anos, pela prática de crime rodoviário ou de qualquer contra-ordenação grave ou muito grave, a suspensão pode ser determinada pelo período de seis meses a um ano.

A suspensão pode ainda ser determinada, pelo período de um a dois anos, se o infractor, nos últimos cinco anos, tiver praticado apenas uma contra-ordenação grave, devendo, neste caso, ser condicionada, singular ou cumulativamente:

a ) À prestação de caução de boa conduta;

b) Ao cumprimento do dever de frequência de acções de formação, quando se trate de sanção acessória de inibição de conduzir;

c) Ao cumprimento de deveres específicos previstos noutros diplomas legais.” (art.º 141.º, 1, 2 e 3, do Cód. da Estrada).

Este preceito remete-nos assim para os art.ºs 50.º e segs. do Cód. Penal.

Importa aqui reter o facto de o legislador, nas hipóteses do n.º 2, admitir a suspensão simples e, nos casos do n.º 3, exigir condição ou condições.

A suspensão da execução da sanção acessória não a permite o legislador in casu.

Efectivamente, o art.º 141.º do Cód. da Estrada, faz depender a suspensão da execução da sanção acessória aplicada a contra-ordenações graves, entre outros requisitos, do facto de se encontrar paga a coima, o que não se verifica relativamente às contra-ordenações em causa.»

Perante os factos que em sede própria ficaram enunciados e tendo em conta os limites legalmente estabelecidos para a sanção acessória (artigo 147.º do Código da Estrada), não havia em princípio razão consistente para alterar a concreta sanção aplicada por cada uma das infracções em causa (dois meses de inibição de conduzir); face ao disposto no artigo 134.º, n.º 3, do mesmo diploma legal, a cumulação material determinaria uma sanção única de seis meses de inibição de conduzir, fixada na decisão recorrida.

Relativamente à pretendida suspensão da execução desta sanção, regista-se a falta de verificação de um pressuposto objectivo que é exigido pelo citado artigo 141.º do Código da Estrada.

Não releva o facto do arguido não ter sido interpelado pela autoridade administrativa ou pelo tribunal: pelo menos com a dedução da acusação, teve conhecimento das concretas infracções cuja prática lhe era imputada, pelo que desde então lhe estava facultada a possibilidade de diligenciar pelo pagamento voluntário das respectivas coimas, de modo a poder vir a beneficiar da eventual suspensão, caso se verificassem os restantes pressupostos – e na certeza de que a sua concretização não o impedia da impugnação e da ulterior discussão da prática de tais ilícitos em sede de julgamento.

Contudo, o que se suscita perante o enquadramento legal que antes se deixou enunciado é a admissibilidade das sanções acessórias, relativamente à prática das contra-ordenações.

Na verdade, conforme resulta da sentença recorrida, aí se considerou que o comportamento do arguido, consubstanciando a prática das contra-ordenações previstas e puníveis pelos artigos 13.º, n.ºs 1 e 3, 24.º, n.ºs 2 e 3, 36.º, n.ºs 1 e 2, 138.º, 145.º, n.º 1, alínea f), e 147.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código da Estrada, configura em simultâneo a prática do crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punível pelos artigos 291.º, n.º 1, alínea b), e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal.

Em tais circunstâncias e de acordo com o entendimento que antes se deixou enunciado, a aplicação concomitante de inibição de conduzir por via da pena acessória prevista no artigo 69.º do Código Penal e das sanções acessórias pela prática das contra-ordenações configura uma dupla sanção, quando é certo que a lei penal estabelece a aludida sanção acessória quanto à prática deste crime e esta absorve, na totalidade, as contra-ordenações.

Impõe-se por isso, em coerência com o entendimento que antes se enunciou, a revogação da sentença recorrida na parte em que condenou o arguido/recorrente nas sanções acessórias parcelares e na sanção acessória única, pela prática de contra-ordenações.

Ao questionar estas sanções acessórias em sede de recurso, o arguido não suscitou esta específica questão, como resulta das conclusões que se deixaram integralmente transcritas em sede própria. A sua apreciação não configura no entanto a nulidade decorrente de excesso de pronúncia, do conhecimento de questões de que este tribunal não pudesse tomar conhecimento, na medida em que se traduz em apreciação e aplicação de direito, perante os concretos factos enunciados.

III)

Decisão:

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em dar parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido, A..., e, em conformidade, decidem:

a)      Alterar a pena principal a si aplicada, condenando-o, enquanto autor material de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punível pelos artigos 291.º, n.º 1, alínea b), e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena principal de cento e cinquenta (150) dias de multa, à razão de € 6,00 (seis euros) dia, num total de € 900,00 (novecentos euros).

b)      Manter a pena acessória de proibição de conduzir qualquer categoria de veículos motorizados pelo período de 7 (sete) meses.

c)      Revogar a sentença recorrida na parte em que condena o recorrente nas sanções acessórias parcelares e na sanção acessória única, pela prática de contra-ordenações.

d)      Manter a decisão recorrida quanto ao remanescente.

Sem custas – artigo 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na redacção actual, introduzida pelo Decreto-lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro.

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Coimbra, 7 de Novembro de 2012.

(Joaquim Manuel de Almeida Correia Pinto)

(Luís Antunes Coimbra)