Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
472/12.0GBPMS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREDERICO CEBOLA
Descritores: SUBSTITUIÇÃO DE PRISÃO POR MULTA
PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
Data do Acordão: 03/26/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE PORTO DE MÓS (1.º JUÍZO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 44.º E 48.º DO CP
Sumário: A multa decorrente da substituição de pena de prisão não pode ser substituída por dias de trabalho a favor da comunidade.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:


I – Relatório
Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal singular, com o n.º 472/12.0GBPMS, que corre termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Porto de Mós, por sentença de 21/03/2013, já transitada em julgado, foi o arguido A... condenado, pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, substituída pela pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à razão diária de 5,00 €.
Em 4 de Junho de 2013, veio o arguido requerer a substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade, alegando para tanto que se encontra desempregado, vive com a esposa e cinco filhos, sobrevivendo do rendimento mínimo de inserção social, suportando ainda a quantia de 250,00 € de renda de casa.
Mais requereu, subsidiariamente, o pagamento em prestações da referida pena de multa.
O Ministério Público pronunciou-se, então, no sentido de nada ter a opor a que a pena de multa de substituição fosse cumprida pela prestação de dias de trabalho.
Por despacho de 21/06/2013, a M.ma Juiz a quo indeferiu o requerimento do arguido, na parte em que o mesmo requer a substituição da pena de multa substitutiva por trabalho a favor da comunidade, por entender que o art.º 48.º, n.º 1, do Código Penal se restringe às situações de substituição por trabalho a favor da comunidade da pena de multa aplicada, a título principal, ao condenado.
Deste despacho interpôs recurso o Ministério Público, tendo apresentado a seguintes transcritas conclusões:
«1 - Não é intenção do legislador que o pagamento imediato ou em prestações sejam as únicas formas de execução da pena de multa de substituição, deixando de parte a possibilidade de o condenado prestar dias de trabalho em substituição da pena de multa, como uma das modalidade de execução da pena que a lei coloca à disposição do condenado.
2 - O artigo 48.º do Código Penal não distingue a admissibilidade material da substituição da multa por dias de trabalho nos casos em que esta assuma carácter de pena principal ou não.
3 - A admissibilidade da substituição por trabalho a favor da comunidade da pena de multa de substituição também se justifica como última forma de evitar que ao condenado seja aplicada uma pena privativa da liberdade.
4 - A prestação de dias de trabalho a favor da comunidade existe para servir exclusivamente como pena de substituição da pena de prisão.
5 - A prestação de dias de trabalho, tal como o pagamento em prestações, são institutos do cumprimento da pena de multa (principal ou de substituição), tanto o mais que tem de ser requerido pelo arguido, dentro dos prazos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 489.º do Código de Processo Penal, aplicável por força do disposto no n.º l do artigo 490.º do mesmo diploma legal e devendo ser alegadas dificuldades económicas no pagamento imediato e integral da pena de multa (como sucedeu no caso dos autos).
6 - O condenado em pena de multa substitutiva (ou não) pode cumprir a mesma, por quatro formas, a saber: pagando de forma imediata e integral, em prestações, dentro do prazo de um ano ou pela prestação de dias de trabalho.
7 - Assim, deverá o despacho recorrido ser revogado, por violação do disposto no artigo 48° do Código Penal e artigos 489.º, n.ºs 2 e 3 e 490.º, n.º l, ambos do Código de Processo Penal, por erroneamente interpretados, sendo substituído por outro que determine o cumprimento pelo arguido de dias de trabalho a favor da comunidade em substituição da pena de multa substitutiva da pena de prisão.
Mas, Vossas Excelências, como é apanágio, farão a acostumada Justiça!»

O recurso foi admitido por despacho de fls. 55.

Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Cumprido o disposto no n.º 2 do art.º 417.º, do Código de Processo Penal, o arguido nada disse.

Efectuado o exame preliminar determinou-se que, ao abrigo do disposto no art.º 419.º, n.º 3, al. b), do Código de Processo Penal, o recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação
Conforme jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19 de Outubro de 1995, publicado in D.R. Série I-A de 28 de Dezembro de 1995, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as de nulidade da sentença e as previstas no art.º 410.º, nº. 2, do Código de Processo Penal – v. ainda, entre outros, o acórdão do STJ de 3.2.99, em BMJ n.º 484, pág. 271; o acórdão do STJ de 25.6.98, em BMJ n.º 478, pág. 242; o acórdão do STJ de 13.5.98, em BMJ n.º477, pág. 263; Simas Santos/Leal Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, pág. 48; Germano Marques da Silva, em “Curso de Processo Penal”, III, pág. 320 e 321.
Tendo presente as conclusões do recorrente, a única questão suscitada nos autos consiste em saber se é ou não admissível a prestação de dias de trabalho em substituição da pena de multa substitutiva da prisão.

O despacho recorrido é do seguinte teor:
«Por sentença datada de 21/03/2013, devidamente transitada em julgada, foi o arguido A... condenado pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelos artigos 348°, n.°1, alínea b), do Código Penal, na pena única de quatro meses de prisão, substituída por 120 dias de multa, à razão diária de €5,00.
A fls.125 veio o arguido requerer a substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade, alegando para tanto que se encontra desempregado, vive com a esposa e cinco filhos, sobrevivendo do rendimento mínimo de inserção social, suportando ainda a quantia de €250,00, de renda de Casa.
Mais requereu, subsidiariamente, o pagamento em prestações da referida pena de multa.
Com vista nos autos, a digna Magistrada do Ministério Público disse nada opor à substituição da multa por trabalho a favor da comunidade.
Apreciando e decidindo.
Compulsados os autos, constata-se que o arguido A... condenado pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelos artigos 348°, n.°1, alínea b), do Código Penal, na pena única de quatro meses de prisão, substituída por 120 dias de multa, à razão diária de €5,00.
Dispõe o artigo 48°, n.°1 do Código Penal que a requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Ora, atenta a sua ratio, conclui-se que a aplicação deste preceito legal se restringe às situações de substituição por trabalho a favor da comunidade da pena de multa aplicada, a título principal, ao condenado.
Sucede que, no caso, a pena de multa aplicada ao condenado foi em substituição da pena de prisão (pena principal), nos termos do disposto no artigo 43°, do Código Penal, que preceitua no seu n.°2 que se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença. É correspondentemente aplicável o disposto no n.°3 do artigo 49°.
O n.°1 do artigo 43° do Código Penal, embora prevendo a obrigatoriedade da substituição da pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade, não fornece um critério de preferência por qualquer uma das penas de substituição não privativas da liberdade.
Descendo ao caso em apreço e considerando que a pena de multa aplicada ao condenado foi aplicada em substituição da pena de prisão - pena principal -, não pode o mesmo beneficiar de uma segunda substituição, sob pena de se desvirtuar as finalidades da punição. Com efeito, a pena de multa aplicada ao arguido é já uma pena substitutiva, pelo que da conjugação dos citados preceitos legais, não pode a mesma ser novamente substituída por trabalho a favor da comunidade.
Nestes termos, atento todo o exposto e sem necessidade de mais considerandos por inúteis, indefere-se a requerida substituição da pena de multa (substitutiva) aplicada ao condenado por trabalho a favor da comunidade.
*
Quanto ao pagamento em prestações da referida pena de multa, nos termos do preceituado no artigo 47°, n.°s 2 e 3 do Código Penal, o Tribunal pode autorizar o pagamento da multa em prestações, não podendo ir além dos dois anos subsequentes à data de trânsito em julgado da condenação, sempre que a situação económica e financeira do condenado e os seus encargos pessoais o justifique.
No caso vertente, considerando os rendimentos mensais do arguido e ainda os factos provados na sentença de fls.90 e seguintes, admite-se que o mesmo possa não ter condições económicas-financeiras que lhe permita suportar o pagamento da totalidade da pena de multa em que foi condenado.
Por outro lado, como ensina Figueiredo Dias, in Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime, pág.136, a possibilidade de pagamento da multa a prazo ou em prestações encontra a sua razão de ser na necessidade de se operar a concordância prática de dois interesses conflituantes. É indiscutível que a regulamentação da multa deve conduzir à aplicação de penas suficientemente pesadas para que nelas encontrem integral realização as finalidades gerais das sanções criminais (...). Tais facilidades não devem, porém, por outro lado, ser tão amplas que levem a multa a perder o ser carácter de verdadeira pena e a sua esperada eficácia penal."
Com efeito, levando em consideração tudo quanto supra se expôs, autoriza-se, de harmonia com o disposto no artigo 47°, n.°s 2 e 3 do Código Penal, que o arguido pague a pena de multa em que foi condenado em seis (6) prestações iguais, mensais e sucessivas.
A primeira prestação deverá ser paga até ao dia 31/07/2013 e as restantes em igual dia nos meses subsequentes.
Fica ainda o arguido advertido de que a falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento das restantes, nos termos do preceituado no artigo 47°, n.°5, do Código Penal.
Notifique, sendo desde já remetidas ao arguido a totalidade das guias.»

Apreciando.
A questão a analisar no presente recurso consiste, como acima se disse, em saber se é ou não admissível a prestação de dias de trabalho em substituição da pena de multa substitutiva da prisão.
A M.ma Juiz a quo entende que não.
E diga-se, desde já, que a razão está do seu lado.
Na verdade, o arguido foi condenado, pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, substituída pela pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à razão diária de 5,00 €.
Ora, a pena de multa aplicada já é uma pena de substituição, que não pode, por sua vez, ser substituída por outra pena de substituição, conforme decorre da leitura dos artigos respeitantes às penas de substituição.
Aliás, tal como se refere no despacho recorrido, o art.º 43.º, n.º 2, do Código Penal é bem expresso no sentido de que o não pagamento da multa dá lugar ao cumprimento da pena de prisão aplicada, sem que outra alternativa esteja prevista.
E por isso o art.º 48.º, n.º 1, do Código Penal não tem aplicação no caso dos autos.
Pelo exposto, é manifesto que o despacho recorrido não merece qualquer censura, devendo ser mantido, com o consequente não provimento do recurso.


III – Decisão
Nos termos expostos, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Sem custas, por delas estar isento o Ministério Público.


Coimbra, 26 de Março de 2014 
                 
 
(Frederico Cebola - relator)

 (Maria Pilar de Oliveira - adjunta)