Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1124/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: INJUNÇÃO
APRESENTAÇÃO DOS ACTOS PROCESSUAIS
TELECÓPIA
REGRAS GERAIS
Data do Acordão: 05/09/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TOMAR - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 15º DO REGIME ANEXO AO DL Nº 269/98, DE 1/09; 150º, Nº 1, AL. C), DO CPC; E DL Nº 28/92, DE 27/02
Sumário: I – Por força do disposto no artº 15º do Regime Anexo ao D.L. nº 269/98, de 1/09, aplicam-se à oposição deduzida à injunção as regras gerais relativas à apresentação em juízo dos actos processuais, designadamente quanto à apresentação da contestação .
II – Dispõe o artº 150º, nº1, al. c), do CPC, na redacção dada pelo D.L. nº 324/03, de 27/12, que os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes, podem ser apresentados, além de outras formas previstas em tal normativo, por envio de telecópia (valendo nesse caso como a data da prática do acto processual a da expedição).

III – Porém, no regime actual está previsto um regime de “autenticação” para as comunicações realizadas mediante telecópia particular de advogado, através da obrigação da posterior remessa a juízo dos originais dos articulados e documentos autênticos apresentados, dada a especial relevância e força probatória que lhes cabe no processo .

IV – Quanto aos demais documentos ou peças, as partes têm o dever de conservar consigo, até ao trânsito em julgado da decisão, os respectivos originais, só ficando obrigadas, todavia, a apresentá-los em juízo quando e logo que o juiz o determinar.

V – A não apresentação subsequente dos originais dos articulados antes remetidos por telecópia, no prazo legalmente estipulado, configura uma mera irregularidade processual que, sem afectar directamente a validade daqueles que foram remetidos por telecópia, constitui, todavia, uma condição de atribuição de eficácia aos mesmos dentro do processo.

VI – Detectada tal irregularidade deve a parte ser oficiosamente notificada para apresentar os originais, com a cominação de, não o fazendo, não poder aproveitar-se do acto que praticou em tribunal por via da telecópia .

Decisão Texto Integral: Acordam neste tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório
1.A... instaurou contra B..., procedimento de injunção com vista a exigir desta o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de um contrato de fornecimento de bens e serviços.

2. Após ter sido oficiosamente notificada pela secretaria do tribunal para o efeito, a requerida deduziu, dentro do prazo legal fixado para o efeito, oposição a tal procedimento, consubstanciada através do requerimento, de fls. 6/7, junto por via de utilização de telecópia, e com carimbo de entrada de 22/11/2005.

3. Na sequência de dúvidas que lhe foram suscitadas para o efeito pelo srº secretário judicial, o srº juiz do tribunal a quo proferiu, em 4/1/2006, o despacho de fls. 10/11, através do qual, e com o fundamento de a requerida não ter apresentado ou enviado o original do requerimento de oposição junto por telecópia (e dos documentos que nele menciona), considerando que tudo se passaria assim como se não tivesse sido deduzida oposição, recusou a distribuição da injunção, determinando que no respectivo requerimento fosse aposto a fórmula executória.

4. Não se tendo conformado com tal despacho decisório, a requerida dele interpôs recurso, o qual foi admitido como agravo, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

5. Nas correspondentes alegações do recurso que apresentou, a requerida-agravante concluiu as mesmas nos seguintes termos:
“Deve o tribunal recorrido fixar prazo para a entrega dos originais remetidos tempestivamente ao mesmo, devendo a oposição ser apresentada à distribuição com todas as consequências legais.
Foi violado o espírito da lei constante do artº 4º do Decreto.Lei29/92, números 1, 3, 4 e 5.
Termos em que deve a decisão da primeira instância ser alterada, conduzindo a que o tribunal recorrido fixe um prazo para apresentação dos originais e ser a oposição apresentada à distribuição”.

6. Não foram apresentadas contra-alegações.

7. O srº juiz a quo, sustentou o despacho recorrido.

8. Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.
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II- Fundamentação.
1. De facto
Com relevância para a apreciação e decisão do presente recurso, devem ter-se como assentes os factos acima descritos e referenciados.
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2. De direito
2.1 Como é sabido, é pelas conclusões das alegações dos recursos que se fixa e delimita o objecto dos mesmos (cfr. disposições conjugadas dos artºs 664, 684, nº 3, e 690, nºs 1 e 4, todos do CPC).
Ora, calcorreando as conclusões do recurso e tal como decorre, aliás, do supra exarado, verifica-se que a questão essencial que importa aqui apreciar e decidir consiste em saber se a não junção, dentro do prazo legal estipulado para o efeito, aos autos pela requerida do original do articulado de oposição deduzida ao requerimento do procedimento da injunção, que havia sido tempestivamente apresentado através de telecópia, determina, ou não, automaticamente a invalidade de tal oposição, tudo se passando como se ela não tivesse sido apresentada ou deduzida (determinando, em consequência, que os autos não sejam apresentados à distribuição e seja neles aposta a fórmula executória)?
Como vimos, o srº juiz a quo entendeu que sim, ao contrário do defendido pela ora agravante.
2.2 Apreciemos então.
Como resulta do supra exarado os presentes autos iniciaram-se como procedimento de injunção, não se suscitando dúvidas de que a oposição apresentada, por via de telecópia, pela requerida ao requerimento de injunção foi feita dentro do prazo legal concedido à mesmo para deduzir tal oposição.
Não obstante o regime especial da injunção, parecem também não existirem dúvidas, tal como bem assinalou o srº juiz a quo, de que, por força do disposto no artº 15 do Regime Anexo ao DL nº 269/98 de 1/9, se aplicam à oposição deduzida à injunção as regras gerais relativas à apresentação em juízo dos actos processuais, e mais concretamente, no que diz respeito no caso em apreço, à apresentação da contestação.
Sendo assim, e tendo sempre em conta o caso controvertido que nos foi submetido a apreciação, dispõe o artº 150, nº 1 al. c), do CPC (na actual redacção dada pelo DL nº 324/03 de 27/12) que os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes podem ser apresentados, além de outras formas previstas em tal normativo, por envio de telecópia (valendo nesse caso como a data da prática do acto processual a da expedição).
Como é sabido, o regime jurídico da utilização da telecópia foi, pela 1ª vez (no que concerne ao seu uso pelos particulares, com vista a prática de actos processuais em juízo), criado e regulamentado pelo DL nº 28/92 de 27/2. Regime esse que, na sua essência (estirpado, actualmente, de algumas pequenas nuances, com adiante veremos), ainda de mantém em vigor, e que foi aproveitado e estimulado (com a introdução de outras formas da prática dos actos em juízo, com vista a melhor conseguir o desiderato que esteve na sua génese) pelo legislador nas sucessivas reformas que foram sendo efectuadas ao Código de Processo Civil, e especialmente no domínio da entrega e remessa a juízo das peças processuais e que se encontram retratadas no artº 150 (cfr. alterações introduzidas pelo DLs nºs 329-A/95 de 12/12; 180/96 de 25/9; 183//2000 de 10/8 e, mais recentemente, pelo 324/03 de 27/12).
Regime esse que surgiu da necessidade cada vez mais premente, e ali confessada no preâmbulo de tal diploma, de desburocratizar e modernizar os serviços judiciais e facilitar o contacto destes com os utentes respectivos e das partes processuais e intervenientes com os tribunais, evitando os custos e demoras resultantes de deslocações às secretarias judiciais.
Todavia, e sobretudo porque se estava no início de uma “experiência” inovadora (envolvendo particulares), o legislador muniu-se então de algumas cautelas impostas pela natureza dos processos judiciais, prevendo uma regime de “autenticação” das comunicações realizadas mediante telecópia particular de advogado, sociedade de advogados ou solicitador, através de um sistema de lista oficial a circular por todos os tribunais e elaborada com base na comunicação dos interessados em servir-se de tal meio de comunicação, e com vista fundamentar a força probatória de tal meio. Por outro lado, considerou então o legislador “indispensável providenciar pela posterior remessa a juízo dos originais dos articulados e documentos autênticos ou autenticados apresentados, dada a especial relevância e força probatória que lhes cabe no processo”, tendo optado, no que concerne aos demais actos e documentos, por atribuir às partes o dever de conservação dos respectivos originais, com vista a obviar à sobrecarga burocrática que resultaria da sua remessa sistemática, garantindo, todavia, a possibilidade de realizar, a todo o tempo, a confrontação prevista no artº 385 do Código Civil.
Preocupações essas expressamente manifestadas e justificadas pelo legislador no preâmbulo do referido diploma (DL nº 28/92) e que depois obtiveram consagração normativa (cfr. nomeadamente, artºs 2º e 4º).
Por ter interesse para a resolução do caso configurado, passaremos a transcrever o citado artº 4, nas apenas quanto a algumas das suas normas, que dispõe o seguinte:
“1- As telecópias dos articulados, alegações, requerimentos e respostas, assinados pelo advogado ou solicitador, os respectivos duplicados e os demais documentos que os acompanhem, quando provenientes do aparelho com o número constante da lista oficial, presumem-se verdadeiros e exactos, salvo prova em contrário.
2- (...)
3- Os originais dos articulados, bem como quaisquer documentos autênticos ou autenticados apresentados pela parte, devem ser remetidos ou entregues na secretaria judicial, no prazo de sete dias contado do envio da telecópia, incorporando-se nos autos.
4- Incumbe às partes conservarem até ao trânsito em julgado da decisão os originais de quaisquer outras peças processuais ou documentos remetidos por telecópia, podendo o juiz, a todo o tempo, determinar a respectiva apresentação.
5- Não aproveita à parte o acto praticado através de telecópia quando aquela, apesar de notificada para exibir os originais, o não fizer, inviabilizando culposamente a incorporação nos autos ou o confronto a que alude o artigo 385º do Código Civil.
6- (...)” (sublinhado e negritos nossos)
Como deixámos de algum modo acima exarado, o DL 183/2000 de 10/8, em conjugação com a Lei 30-D/2000 de 20/12 (e na sequência da iniciativa já tomada pelo DL 329-A/95 de 12/12) tinha entretanto reformulado, em termos substanciais, a disciplina da entrega ou remessa a juízo de quaisquer peças processuais.
Regime esse que, todavia, foi novamente alterado recentemente pelo DL 324/2003 de 27/7.
Diploma este que, tal como no início já fizemos referência, muito embora tenha mantido a possibilidade da prática de actos processuais através de telecópia, todavia, e como bem assinala o cons. Lopes de Rego (in “Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2ª ed. Almedina, 2004, pág, 157”), do regime por ele estabelecido em tal domínio resultam algumas derrogações (tácitas – artº 7. nº 2, do CC) ao regime da telecópia instituído pela citado DL nº 28/92 – e a cujo diploma nos referiremos sempre que doravante mencionarmos somente o normativo sem a indicação da sua origem.
Tendo em conta o caso sub júdice, interessa aqui, sobretudo, realçar (e sem haver, no caso, necessidade de tomar posição sobre a vexatio quaestio entretanto surgida no sentido de saber se o prazo referido no nº 3 do citado artº 4, para o envio dos originais dos articulados e bem assim dos documentos autênticos com autenticados, passou actualmente a ser de 10 dias – por força do disposto nos conjugados artºs 6, nº 1 al. b), e 18 do DL 329-A/95 de 12/12, na redacção dado pelo artº 4 do DL 180/96 de 25/9, tal como defende, além de outros, José Tavares de Sousa, in “CPC Anotado, 9ª ed., Coimbra Editora, 2005, pág. 547” - ou somente de 5 dias, por aplicação analógica do nº 3 do citado artº 150 do CPC, tal com defende, entre outros, o Cons. Lopes do Rego, in “Ob. e pág. cits), que o citado artº 150, nº 1 al. c), deixou de fazer qualquer referência à “lista oficial” a que aludem os artºs 2 e 4, nº 1, daquele DL nº 28/92, como condição para a validade e eficácia da utilização da telecópia como meio de comunicação das partes com o tribunal (devendo, pois, tais normativos, em tal parte, considerar-se, tacitamente, revogados).
Aqui chegados, e da conjugação do acima exposto e sobretudo das diversas normas acima citadas do artº 4, é possível concluir:
a) Que, no regime actual, as telecópias a remeter a tribunal para a prática de actos processuais não têm de constar de qualquer lista oficial;
b) Que o teor dos articulados, requerimentos e demais documentos remetidos a juízo por via de telecópias se presume verdadeiro, até prova do contrário;
c) Que só existe obrigatoriedade de serem remetidos à secretaria judicial (a fim de nele serem incorporados no processo), no prazo legalmente estipulado, os originais dos articulados e bem assim de como quaisquer documentos autênticos ou autenticados apresentados pelas parte;
d) Que quanto aos demais documentos ou peças as partes têm o dever de conservar consigo, até ao trânsito m julgado da decisão, os respectivos originais, só ficando obrigadas, todavia, a apresentá-los em juízo quando e logo que o juiz o determinar;
e) Que a não apresentação subsequente dos originais dos articulados antes remetidos por telecópia, no prazo legalmente estipulado, configura apenas uma mera irregularidade processual, que, sem afectar directamente a validade daqueles que foram remetidos por telecópia (visando apenas confirmá-los), constitui, todavia, uma condição de atribuição de eficácia aos mesmos dentro do processo;
f) Que detectada tal irregularidade deve, antes do demais, a parte ser oficiosamente notificada para apresentar os originais, com a cominação de, não o fazendo, não poder aproveitar-se do acto que praticou em tribunal por via da telecópia.
A propósito deste assunto, e, em grande medida, em consonância com as conclusões supra exaradas, vidé, Ac. RC de 09/05/2006, in Apelação nº 121/06, da 1ª sec.”; Ac. do STJ de 15/10/97, in “BMJ nº 470 – 379”; Ac. do STJ de 11/11/2001, in “www.dgsi/jstj, com o nº convencional nº JSTJ000”; Ac. RLx de 17/10/1996, in “Ano XXI, T4 – 135” e Ac. RLx de 27/1/2001, in “CJ, Ano XXVI, T4 – 110”.
Transpondo tais conclusões para o nosso caso temos de começar por dizer que não se suscitam dúvidas que o acto que a ora agravante praticou através do envio de telecópia, deduzindo oposição ao requerimento de injunção, consubstancia um verdadeiro articulado (cfr. artº 151, nº 1).
Não se suscitam também dúvidas de que a dedução pela requerida, através de envio de telecópia, de oposição ao requerimento de injunção foi feita dentro do prazo legalmente estipulado para o efeito.
Igualmente nunca foi posto em causa que a requerida não remeteu (independente do prazo acima referido que se considere actualmente em vigor), no prazo (nem noutro) legalmente estipulado para o efeito, à secretaria judicial, o original de tal articulado (único a que então estava obrigada a fazê-lo).
Ora, decorrido tal prazo, e perante tal irregularidade processual, deveria, antes de mais, e tal como decorre do nº 5 do citado artº 4, a requerida ter sido previamente notificada para apresentar os originais em falta daquele articulado que fora transmitido por telecópia (com a aplicação da necessária sanção tributária), e só então, ou seja, caso a requerida continuasse relapsa naquele dever de apresentação, é que, decorrido o prazo legal estipulado para o efeito, perdia eficácia a dedução da oposição apresentada, via telecópia, pela ora agravante.
Pelo que, sem essa prévia notificação, a omissão da remessa a tribunal do original do articulado em causa não implica a imediata ou automática perda da validade ou destruição da eficácia do acto praticado por telecópia (dedução de oposição ao requerimento injuntivo).
E com tal conclusão damos resposta à questão que inicialmente foi colocada.
Ao omitir tal prévia notificação, o srº juiz a quo foi extemporâneo e, salvo o devido respeito, precipitado na análise que fez do caso, ao não considerar, sem mais, a sobredita oposição deduzida pela requerida, e ao ordenar que os autos não fossem à distribuição e neles se apusesse imediatamente a fórmula executória, violando, assim, o citado nº nº 5 do citado artº 4.
Violação essa que, devido a essa irregularidade, leva à revogação do despacho recorrido, com a anulação do nele decidido a tal respeito, procedendo, assim, o recurso.
Em jeito de remate, e na sequência das considerações tecidas a esse propósito pelo srº juiz a quo no seu despacho de sustentação, diremos ainda que não obstante a agravante ter somente apresentado as suas alegações de recurso por meio de telecópia, tal não impede, nas presentes condições, de o recurso ser apreciado, dado, pelas razões acima indicadas e que emergem do facto de tal peça processual não configurar nenhum articulado ou um documento autêntico ou autenticado, não estar, ab initio, obrigada a apresentar o original dessa peça (cfr., a propósito, ainda a conjugação dos já citados artº 151, nº 1, do CPC e artº 4, nºs 1, 3 e 4, e ainda Ac. RLx de 17/10/1996, in “CJ, Ano XXI, T4 – 135).
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III- Decisão
Assim, face ao exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso (de agravo), revogando-se, em consequência, o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que, para já, ordene a notificação da requerida para, no prazo legal, remeter ao processo o original do articulado da oposição que deduziu ao requerimento do procedimento de injunção contra si apresentado pela requerente-agravada.
Sem custas.

Coimbra, 2006/05/09