Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1350/16.0T8GRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO
Descritores: RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DA POSSE
ESBULHO
VIOLÊNCIA.
Data do Acordão: 01/24/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA – GUARDA – JC CÍVEL E CRIMINAL – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 362º E 377º DO NCPC; 1261º C. CIVIL.
Sumário: I – O artº 362º, nº 1 do nCPC completa o fundamento genérico das providências cautelares visando a tutela provisória de quaisquer situações de periculum in mora, permitindo ao titular do direito que, em tempo útil, possa assegurar, o mais rápido possível o exercício do seu direito.

II - Da leitura do art.º 377º vemos que para ser decretada a providência – restituição provisória de posse – não basta um comportamento que perturbe a posse, mas terá de ser um comportamento violento.

III - Ou seja, são pressupostos de facto da providência de restituição provisória da posse, nos termos do disposto no artº 377º do Código de Processo Civil, a demonstração da posse do requerente, a sua perda por esbulho e a violência no desapossamento.

IV - Tem-se igualmente por adquirido que a violência pressuposta pela lei é aquela a que também alude o n.º 2 do art.º 1261.º do Código Civil, nos termos do qual a posse considera-se violenta quando, para obtê-la, o possuidor usou de coacção física ou de coacção moral, nos termos do art.º 255.º do mesmo diploma legal.

V - A violência, para efeitos de restituição provisória da posse, tanto pode incidir sobre as pessoas como sobre as coisas.

VI – Mas a violência sobre as coisas, para relevar em termos de restituição provisória de posse, terá de ter reflexos, ainda que indirectos, como forma de intimidação, sobre as pessoas.

VII - Na esteira no defendido no Ac. desta relação de Coimbra de 20/4/2014, Proc. n.º 84/14.4TBNLS.C1, supra citado, para qualificar o esbulho como violento não bastar a mera constatação de que a actuação sobre a coisa, ainda que intencionalmente dirigida ao esbulhado, sendo necessário que se traduza na intimidação do possuidor, de modo que se quede sem resistência, sujeitando-se ao acto usurpativo, nisto consistindo a coacção moral.

Decisão Texto Integral:



Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra

1. Relatório

1.1.-V..., Ld.ª veio deduzir o presente Procedimento Cautelar de restituição provisória da posse contra “C..., Lda.”, requerendo que seja julgado procedente, sem a audição prévia da Requerida, e, em consequência, determinada a restituição à Requerente da posse dos bens que identifica.

Requer, ainda, que seja decretada a inversão do contencioso, nos termos do artigo 369.º do CPC.

Alega, para tanto, em síntese, que era titular de um contrato de utilização de loja no Centro Comercial V..., que se destinava a ser, como foi, utilizada para o exercício da actividade de cinema.

Mais alega que procedeu à resolução de tal contrato, nos termos contratualmente previstos, com efeitos a partir de 30 de Junho de 2016, na sequência do que foi o cinema encerrado.

Em face de tal resolução do contrato, deveria a requerente entregar a loja à requerida, depois de esvaziar o local, levantando todos os bens e equipamentos que lhe pertenciam.

Todavia, não obstante as várias tentativas feitas pela requerente nesse sentido, a requerida sempre inviabilizou tal entrega, mas antes procedeu ao arrombamento das portas da loja, e apoderou-se de todo o equipamento, produtos e mobiliário, pertença da requerente.

Por esse motivo, a requerida encontra-se, actualmente, com a sala de cinema a funcionar com todo o equipamento da requerente, que se encontrava na loja à data da cessação de efeito do contrato de utilização de loja.

Conclui que existiu esbulho violento por parte da requerida, concluindo pela verificação dos requisitos da restituição provisória da posse.

1.2. Por despacho proferido a fls. 102, tendo sido invocada a existência de esbulho violento, os autos prosseguiram sem audição da parte contrária, tendo-se produzido a prova arrolada pela requerente, nomeadamente com a inquirição das testemunhas por si indicadas, como documentado na respectiva acta.

1.3. O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.

Não existem excepções processuais, nulidades ou questões prévias de que cumpra neste momento conhecer.

            1.4. Procedeu-se à inquirição das testemunhas tendo sido proferida decisão a julgar totalmente improcedente o procedimento cautelar de restituição provisória de posse instaurado por “V..., Ld.ª” contra “C..., Ld.ª”, absolvendo-se a requerida do peticionado.

            1.5. - Inconformada com tal decisão dela recorreu a requerente, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões:

...

            1.6. Não houve contra alegações

            1.7. Colhidos os vistos cumpre decidir.

            2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1.Factos Provados

...

                                               3. Apreciando

3.1. É, em princípio, pelo teor das conclusões do recorrente que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso (cfr. art.s 608, 635, n.º 4 e 639, todos do C.P.C.).

Face às mesmas as questões a apreciar são:

I – Saber se a matéria de facto fixada em 1.ª instância deve ser alterada.

II- Saber se a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que decreta a providência cautelar.

Tendo presente que são duas as questões, por uma questão de método iremos em primeiro lugar analisar a questão da matéria de facto e depois a de direito.

I – Saber se a matéria de facto fixada em 1.ª instância deve ser alterada.

            Sobre esta matéria preceitua o n.º 1 e 2.º do art.º 640 do C.P.C.

            “1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

            a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

            b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

            c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

            E

            “2 — No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa -se o seguinte:

            a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

            b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.

Operando à leitura da motivação e das conclusões de recurso vemos que foram observados os requisitos exigidos no preceito, pelo que nada obsta ao seu conhecimento.

Quanto a esta matéria cabe salientar que o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Efectivamente, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova, que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição (cfr. De facto, “é sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc.”-Abrantes Geraldes in “Temas da Reforma do Processo Civil, II Vol. cit., p. 201) “E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções

que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância” (ibidem). “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” (Abrantes Geraldes in “ob citada” II Vol. Fls.. 273).

Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.

“O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” (cfr. Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348).

De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.

 Nesta perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Daí que - conforme orientação jurisprudencial prevalecente - o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição.

Em conclusão: mais do que uma simples divergência em relação ao decidido, é necessário que se demonstre, através dos concretos meios de prova que foram produzidos, que existiu um erro na apreciação do seu valor probatório, conclusão difícil quando os meios de prova porventura não se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo apelante ou quando também eles sejam contrariados por meios de prova de igual ou de superior valor ou credibilidade.

É que o tribunal de 2ª jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si.

Sendo, portanto, um problema de aferição da razoabilidade da convicção probatória do julgador recorrido, aquele que essencialmente se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento fáctico operado pela 1ª instância, forçoso se torna concluir que, na reapreciação da matéria de facto, à Relação apenas cabe, pois, um papel residual, limitado ao controle e eventual censura dos casos mais flagrantes, como sejam aqueles em que o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no tribunal a quo lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou (cfr. Miguel Teixeira de Sousa obra citada, pág. 348).

Casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto serão, por exemplo, os de o depoimento de uma testemunha ter um sentido em absoluto dissonante ou inconciliável com o que lhe foi conferido no julgamento, de não terem sido consideradas- v.g. por distracção-determinadas declarações ou outros elementos de prova que, sendo relevantes, se apresentavam livres de qualquer inquinação, e pouco mais.

A admissibilidade da respectiva alteração por parte do Tribunal da Relação, mesmo quando exista prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.

Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão à apelante, neste segmento recursório da impugnação da matéria de facto.

...

Questão de direito.

II- Saber se a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que decreta a providência cautelar.

            Nos termos do n.º 1 do art.º 362 do C.P.C. «Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado». Este preceito completa o fundamento genérico das providências cautelares visando a tutela provisória de quaisquer situações de periculum in mora, permitindo ao titular do direito que, em tempo útil, possa assegurar, o mais rápido possível o exercício do seu direito.

Por sua vez refere o n.º 2, do preceito que “O interesse do requerente pode fundar -se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em ação constitutiva, já proposta ou a propor”, dispondo o n.º 3  “Não são aplicáveis as providências referidas no n.º 1 quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por alguma das providências tipificadas no capítulo seguinte”.

            No caso em apreço a providência cautelar reporta-se à restituição provisória de posse, a que alude o art.º 377 do C.P.C., referindo “No caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência”, preceituando o art.º 378.º “Se o juiz reconhecer, pelo exame das provas, que o requerente tinha a posse e foi esbulhado dela violentamente, ordena a restituição, sem citação nem audiência do esbulhador”.

            Da leitura do art.º 377 vemos que para ser decretada a providência – restituição provisória de posse – não basta um comportamento que perturbe a posse, mas terá de ser um comportamento violento.

Ou seja, são pressupostos de facto da providência de restituição provisória da posse, nos termos do disposto no artº 377º do Código de Processo Civil, a demonstração da posse do requerente, a sua perda por esbulho e a violência no desapossamento.

O requerente tem pois o ónus de alegar os factos pertinentes à posse, ao esbulho e à violência do desapossamento.

            Nos termos do art.º 1277.º do Código Civil, epigrafado de “Acção directa e defesa judicial”, “O possuidor que for perturbado ou esbulhado pode manter-se ou restituir-se por sua própria força e autoridade, nos termos do art.º 336.º, ou recorrer ao tribunal, para que este lhe mantenha ou restitua a posse”.

Por outro lado dispõe o n.º 1 do art.º 1278.º do mesmo diploma “No caso de recorrer ao tribunal, o possuidor perturbado ou esbulhado será mantido ou restituído enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito”, prevendo finalmente o art.º 1279.º que “Sem prejuízo do disposto nos artigos anteriores, o possuidor que for esbulhado com violência tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador”.

Tem-se igualmente por adquirido que a violência pressuposta pela lei é aquela a que também alude o n.º 2 do art.º 1261.º do Código Civil, nos termos do qual a posse considera-se violenta quando, para obtê-la, o possuidor usou de coacção física ou de coacção moral, nos termos do art.º 255.º do mesmo diploma legal (cfr. Pires de Lima/A. Varela, CC anotado, vol. II, 2.ª ed., pág. 52; Menezes Cordeiro, “A Posse: perspectivas dogmáticas actuais”, Almedina 1997, pág. 142).

A coacção física é aquela em que, através do recurso à força física, se anula e exclui a possibilidade de execução da vontade real da pessoa coagida, conduzindo à completa ausência de vontade do mesmo e colocando-o numa situação de impossibilidade material de agir -Artº 246º do Cód. Civil e Ac. do STJ de 13/11/1984, relatado por Moreira da Silva); de 12/06/1991 onde foi relator Tato Marinho) e de 25/11/1998  relatado por Silva Graça), in www.dgsi.pt/jstj.

«A coacção moral é a conseguida mediante ameaça provocadora de inibição da capacidade de reacção do coagido, através de um processo psicológico obstrutivo, levando-o a deixar o campo livre à actuação do agente, por receio de que algum mal, que poderá incidir sobre a pessoa, a honra ou a fazenda do próprio ou de terceiro, lhe seja infligido (Artº 255º do Cód. Civil e Acórdãos do STJ de 12/06/1991 e de 25/11/1998, já citados).

A violência, para efeitos de restituição provisória da posse, tanto pode incidir sobre as pessoas como sobre as coisas (cfr. Acórdãos do STJ de 20/05/1997, relator Lopes Pinto, 10/07/1997 relatado por  Sousa Inês, 26/05/1998  relatado por Martins da Costa, 25/06/1998 relator Herculano Namora e 25/11/1998 relatado por Silva Graça, in www.dgsi.pt/jstj.). Mas, como bem se refere na decisão sob recurso, a violência sobre as coisas, para relevar em termos de restituição provisória de posse, terá de ter reflexos, ainda que indirectos, como forma de intimidação, sobre as pessoas (cfr. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, págs. 73/74 e Ac. Rel. de Coimbra de 20/4/2014, Proc. n.º 84/14.4TBNLS.C1, relatado por Maria Domingas Simões, referindo «Em nosso entender, e relembrando o ponto de partida, se o conceito de violência para efeitos de caracterização do esbulho coincide com aquele que é pressuposto pelo n.º 2 do art.º 1261.º, afigura-se que a remissão para o art.º 255.º impõe que a violência, quando exercida sobre as coisas, para ser relevante e qualificar aquele, se traduza na intimidação do possuidor, de modo que se quede sem resistência, sujeitando-se ao acto usurpativo, nisto consistindo a coacção moral, (citando os arestos desta Relação de Coimbra de 12/3/2013, processo n.º 2611/12.2 T2 AVR.C1, e de 9/11/2004, processo n.º 3030/04; da Relação do Porto de 12/11/2013, processo n.º 1213/13.0 TBVLR.C.P1M, e de 30/10/2007, processo n.º 0725016; 21/1272006, processo n.º 0636585 e de 16/10/2006, processo n.º 0655/6.0, citado na decisão recorrida, também acessíveis em www.dgsi.pt

Temos para nós, na esteira no defendido no Ac. desta relação de Coimbra de 20/4/2014, Proc. n.º 84/14.4TBNLS.C1, supra citado, que para qualificar o esbulho como violento não bastar a mera constatação de que a actuação sobre a coisa, ainda que intencionalmente dirigida ao esbulhado, sendo necessário que se traduza na intimidação do possuidor, de modo que se quede sem resistência, sujeitando-se ao acto usurpativo, nisto consistindo a coacção moral (cfr. também neste sentido Manuel Rodrigues, “A Posse, Estudo de Direito Civil Português”, 4.ª ed., Almedina 1996, pág. 363).

Voltando ao caso em apreço, com interesse para a questão em apreço, resultou provado que « Em 30.06.2016, foi o cinema localizado no Centro Comercial da ... encerrado (ponto 2.1.29), em 06 de Julho de 2016, a Requerente subscreveu uma comunicação dirigida ao Fundo de Recuperação F... e à requerida C..., na qual referem que “interpelam-se V.Exas. para proceder ao pagamento do montante da compensação devida à V..., a qual, actualizada à data de 30/06/2016, ascende ao valor global de € 50 206,72...” (ponto 2.1.30),  mais se refere na mesma carta: “conforme anteriormente já manifestamos, embora até à presente data, sem qualquer resposta da vossa parte, aguardamos desde o passado dia 1 de Junho de 2016 indicação da V. disponibilidade para o agendamento de uma data para levantamento dos bens/equipamentos que se encontram nas lojas cujos contratos de utilização foram resolvidos e entrega das respectivas chaves... ”.(ponto 2.1.31.), na mesma comunicação, refere-se também que: “até ao efectivo levantamento dos bens/equipamentos deverão V. Exas adoptar todas as medidas que se revelem necessárias à cabal e efectiva protecção e conservação de tais bens/equipamentos, bem como se deverão abster de praticar qualquer acto quanto aos mesmos, incluindo, mas sem limitar, a transferência dos bens/equipamentos para outro local, sob pena de responsabilidade” (2.1.32.), datada de 13 de Julho de 2016, a requerida enviou à requerente uma comunicação referindo “como V.Exas. bem sabem, o contrato de utilização de loja celebrado deixou de produzir efeitos a partir de 30 de Junho de 2016. Nos termos do contrato a sua cessação obriga a V... à entrega imediata da loja livre e devoluta de pessoas, coisas e bens, com todas as chaves existentes. Por outro lado, a sociedade proprietária do Centro Comercial fica autorizada a assumir imediatamente a posse da loja, podendo utilizar o duplicado da chave de acesso que a V... tem obrigação de lhe facultar, verificando-se que não tinha sido disponibilizada pela V... à C... o duplicado da chave de acesso e sendo necessário o acesso imediato à loja, a C... foi obrigada a utilizar no passado dia 12 de Julho os meios necessários para aceder à loja, conforme autorizado pela cláusula 19a/3 do contrato” (ponto 2.1.33.), presentemente a sala de cinema encontra-se a funcionar em pleno desde o início de Agosto de 2016 (2.1.34.), foi publicitada na imprensa local a reabertura dos cinemas para o dia 04 e 07 de Agosto de 2016. (2.1.35.) e em 08 de Agosto de 2016, a Requerente subscreveu uma comunicação dirigida à requerida, referindo que “intimamos V. Exas. para que no prazo máximo de 5 (cinco) dias contados da recepção da presente comunicação indiquem dia e hora para levantamento dos nossos equipamentos, mobiliário, produtos, consumíveis e outros que se encontravam, à data da produção de efeitos da resolução dos contratos, em cada uma das lojas em questão, os quais deveriam, sob pena de responsabilidade, corresponder exactamente aos que existiam e estar em idênticas condições às que apresentavam aquando da produção de efeitos da declaração de resolução dos contratos...” (2.1.36.)». Por outro lado, não se provou que « Tendo a Requerida procedido ao arrombamento das portas de cada uma das lojas e apoderando-se de tudo o que se encontrava no seu interior, designadamente, equipamento, mobiliário, produtos, consumíveis entre outros pertencentes à requerente (ponto 2.2.4.), a requerida (e não a requerente como certamente por lapso se refere no artigo 37.º do requerimento inicial) entrou, de forma abusiva e violenta, na posse da sala de cinema e, por outro lado apropriou-se dos objectos que aí se encontravam e que são propriedade da requerente (2.2.5.), com o fito de os usar, como se de equipamentos, mobiliário, produtos e consumíveis seus se tratassem (2.2.6), os funcionários da requerente foram impedidos de entrar na loja (2.2.7), o referido em 2.1.34 dos factos provados é com recurso a todo o equipamento, mobiliário, produtos, consumíveis e outros da requerente sem que esta tenha recebido qualquer satisfação por parte da requerida (2.2.8), a requerida, através dos seus funcionários, vedaram o acesso à loja de cinema aos funcionários da requerente que aí se dirigiram no sentido de levantar os bens que a esta pertencem (2.2.9.) a requerente continua a ver-se impedida de exercer a sua posse, porque, no local, os funcionários e seguranças da Requerida não facultam o seu exercício pela requerente (2.2.10.) esta atitude da requerida tem reflexos indirectos, como forma de intimidação, sobre as pessoas que são as funcionárias da requerente que se dirigiram ao L... e que assistiram ao impedimento de acesso é á violência (2.2.11.).

Face a tais factos, temos para nós que não se verificam os pressupostos para ser decretada a restituição provisória de posse, porquanto nenhuma prova fez a recorrente quanto à violência alegada, e o facto de se ter provado que em 8 de Agosto de 2016 a requerente ter subscrito uma comunicação à requerida onde refere « “intimamos V. Exas. para que no prazo máximo de 5 (cinco) dias contados da recepção da presente comunicação indiquem dia e hora para levantamento dos nossos equipamentos, mobiliário, produtos, consumíveis e outros que se encontravam, à data da produção de efeitos da resolução dos contratos, em cada uma das lojas em questão, os quais deveriam, sob pena de responsabilidade, corresponder exactamente aos que existiam e estar em idênticas condições às que apresentavam aquando da produção de efeitos da declaração de resolução dos contratos....», não implica qualquer violência sobre a requerente.

Cabe ainda referir que não podemos esquecer que estamos perante um procedimento que, dispensando a existência do “periculum in mora” e da invocação de prejuízos, prescinde ainda da audição da parte contrária, assim resultando derrogado o princípio do contraditório, tão caro à nossa ordem jurídica, o que só encontra justificação se estivermos perante uma actuação cujo agente mereça ser privado deste fundamental amparo, o que pressupõe o uso da violência com o recorte que se deixou definido (cfr. Ac. da Relação do Porto de da Relação do Porto de 12/11/2013, processo n.º 1213/13.0 TBVLR.C.P1M), o que a recorrente não provou, como supra aludido.

Assim, face ao exposto, temos para nós, que a pretensão da recorrente não pode proceder.

 4- Decisão

Em face a todo o exposto, acordam os juízes da 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente a apelação, confirmando o despacho recorrido.

Custas a cargo da apelante.

Coimbra, 24/1/2017

 (Pires Robalo – Relator)

 (Sílvia Pires – Adjunta)

Jorge Loureiro - Adjunto