Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
58/07.1TMCBR-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
SUA ALTERAÇÃO PELA RELAÇÃO
MEDIDA DE PROTEÇÃO A MENOR EM PERIGO
ELEMENTOS A TER EM CONTA
Data do Acordão: 05/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 640º NCPC; RJPCJP.
Sumário: I - A decisão sobre a matéria de facto pode ser alterada se, desde que cumpridos os requisitos formais do artº 640º do cpc, os meios probatórios aduzidos pelo recorrente, ou as regras da lógica e da experiência/senso comuns, impuserem a censura da convicção do julgador.

II – Assim, do facto de se ter provado que a mãe tem posses e quer tratar a filha como uma princesa não pode concluir-se e provar-se, sem mais prova aduzida, que ela tem vergonha que a filha esteja institucionalizada e a conviver com crianças de etnia cigana.

III – Os factos essencialmente relevantes em sede de processo de promoção e proteção são os mais atualizados.

IV - Destarte, se a mãe, nos últimos meses - e não obstante ter sido, há alguns anos, algo negligente para com a filha - melhora os seus requisitos pessoais, objetivos e subjetivos, e demonstra interesse pela filha, a qual, com 14 anos e institucionalizada, outrossim mostra interesse, com as vicissitudes próprias da idade, em estar com a mãe, urge alargar os contactos da filha com a progenitora, ao menos de um domingo quinzenal para um fim de semana completo quinzenal, com vista à preferível futura reintegração da menor em meio natural de vida junto da mãe.

Decisão Texto Integral:








ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

Os presentes autos foram instaurados para promoção e proteção da L..., filha de J... e de C...

2.

No seguimento do processo foi, a final, proferido Acordão, no qual foi deliberado:

«Por todo o exposto, acordam os juízes que compõem este tribunal colectivo misto em aplicar à L... a medida de promoção e protecção de acolhimento residencial, no caso, na «C…», nos termos dos artigos 35º, nº 1, al. f) e 49º da LPCJP, pelo período de seis  meses, devendo tal instituição zelar e velar pela saúde, formação e segurança desta jovem .

Instituo curadora da L... a Directora da Instituição .

- A progenitora e a L... serão acompanhadas pela EMAT, acatando as instruções que os técnicos entendam por convenientes.

- A L... poderá passar domingos alternados com a mãe, desde as 10 horas até às 19 horas.

- A progenitora deverá comparecer nas sessões de treino de competências parentais que lhe forem marcadas e seguir as orientações aí dadas .

- Quando a progenitora efectivamente iniciar as sessões de competências parentais, e enquanto as mantiver, um dos domingos alternados será substituído por um convívio ao fim-de-semana, desde as 10 horas de sábado até às 19 horas de domingo.

- O posterior alargamento dos convívios dependerá da evolução da progenitora, quer ao nível do relacionamento/colaboração com os funcionários e técnicos da «C…», quer ao nível da evolução das suas competências parentais .

- A L... pode conviver com o avô materno em dias de fim-de-semana não coincidentes com os convívios com a mãe, desde que com a presença da avó materna, tia materna e primos, devendo a «C…» avaliar a  adequabilidade das saídas da L..., em função da sua disponibilidade, estado emocional e vontade em conviver com os familiares.»

3.

Inconformadas recorreram a mãe e a menor.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

...

Pelo exposto deverá ser concedido provimento ao recurso nos termos ora apresentados e em consequência ser revogada a decisão que se recorre com fundamento na violação dos preceitos legais invocados determinado que a medida aplicar à L... seja substituída pela medida de apoio junto da mãe.

Contra alegou o Digno Magistrado do MºPº pugnando pela manutenção do decidido.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 685-A º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas  são as seguintes:

1ª – Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

2ª – Decretamento da medida de apoio junto da mãe.

5.

Decidindo.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº 607º,. nº 5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente;  mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.

Nesta conformidade  constitui jurisprudência sedimentada, que:

«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

5.1.2.

Por outro lado, urge atentar que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto não se destina a que o tribunal da Relação reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, ainda que apenas se pretenda discutir parte da decisão - Cfr. entre outros, os Acs. do STJ de 9.07.2015, p.405/09.1TMCBR.C1.S1 e de 01.10.2015, p. 6626/09.0TVLSB.L1.S1 in dgsi.pt.

Na verdade, e como dimana do preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/95 (…), «a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.

Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.».

Como corolário deste princípio:

«impôs-se ao recorrente um “especial ónus de alegação”, no que respeita “à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”, em decorrência “dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712º [actual 662º]) – e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1ª instância – possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito e julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta.»

É que:

«A reforma do Código de Processo Civil de 2013 não pretendeu alterar o sistema dos recursos cíveis…mas teve a preocupação de “conferir maior eficácia à segunda instância para o exame da matéria de facto”, como se pode ler na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII apresentada à Assembleia da República…Essa maior eficácia traduziu-se no reforço e ampliação dos poderes da Relação, no que toca ao julgamento do recurso da decisão de facto; mas não trouxe consigo a eliminação ou, sequer, a atenuação do ónus de delimitação e fundamentação do recurso, introduzidos em 1995. Com efeito, o nº 1 do artigo 640º vigente, aplicável ao recurso de apelação que agora nos interessa:

– manteve a indicação obrigatória “dos concretos pontos de facto” que o recorrente “considera incorrectamente julgados” (al. a),

– manteve o ónus da especificação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos de facto impugnados diversa da recorrida” (al. b), – exigiu ao recorrente que especificasse “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (al. c), sob pena de rejeição do recurso de facto. E à mesma rejeição imediata conduz a falta de indicação exacta “das passagens da gravação em que se funda” o recurso, se for o caso, sem prejuízo de poder optar pela apresentação da “transcrição dos excertos” relevantes.» - Ac. do STJ de 01.10.2015,  sup. cit.

Nesta senda, estatui o artº 640º do CPC:

“1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;»

5.1.3.

Finalmente, e como dimana do já supra referido, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

 A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.

Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua, subjetiva, convicção sobre a prova.

Porque, afinal, quem  tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.

Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve o recorrente efetivar uma análise concreta, discriminada – por reporte de cada elemento probatório a cada facto probando -  objetiva, crítica, logica e racional, do acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

 A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório  com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito probatório permitida e que lhe é concedida.

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.– cfr. neste sentido, os Acs. da RC de 29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 17.05.2016, p. 339/13.1TBSRT.C1; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos  in dgsi.pt;

5.1.4.

O caso vertente.

5.1.4.1.

Foi apreciada a prova.

O tribunal fundamentou a decisão neste particular conspeto, nos seguintes termos:

- a certidão do assento de nascimento junta a fls. 6.

- as actas de 26/2/2017 e de 8/1/2008 e o despacho de 17/2/2010 do processo de promoção e protecção nº 58/07.1tmcbr pendente no Juiz 1 deste Juízo.

- as actas de 2/2/2017 e de 15/3/2017 dos autos principais.

- as actas de 11/1/2018, 5/3/2018 e 21/6/2018 do apenso A.

- os despachos de 16/11/2018 e de 20/12/20218.

- o relatório da EMAT de fls. 301-304 e o despacho de 2/8/2019.

- as informações prestadas a 20/12/2018 e a 8/1/2019 pelo CAT.

- o despacho de 21/1/2019.

-o relatório da EMAT de fls. 184 a 203.

- o despacho de 8/2/2019.

- a declaração da PSIKONTACTO de fls. 245, em articulação com as declarações da progenitora em sede de debate judicial.

- os despachos de 21/3/2019 e de 8/4/2019.

- o relatório da EMAT de fls. 370 a 399.

- o despacho de 18/12/2019.

- o relatório pericial de 13/4/2020.

- os relatórios da EMAT de 22/4/2020, de 4/6/2020 e de 7/8/2020.

- os despachos de 11/8/2020, de 21/12/2020 e de 30/12/2020.

- as informações clínicas juntas aos autos em 22/6/2020, 30/6/2020, 17/7/2020, 20/7/2020, 21/7/2020 e 4/8/2020.

- o depoimento da técnica da EMAT, que relatou a história de vida da Leonor desde que ela nasceu, uma vez que teve de se inteirar da mesma quando, em Novembro de 2018, passou a acompanhar o caso, tendo, inclusivamente, consultado os processos em arquivo na Segurança Social.

Esta testemunha efectuou visita domiciliária à casa da mãe da L... e referiu a falta de colaboração da mãe, quer quanto ao esclarecimento das suas  condições pessoais, habitacionais e laborais, quer quanto à adesão aos apoios facultados .

...

Já a recorrente fundamenta a sua pretensão nos termos plasmados nas suas aludidas conclusões.

5.1.4.2.

Tal como doutamente expende o Digno Curador, a recorrente não cumpre, ou cumpre deficientemente, alguns dos requisitos formais do artº 640º.

Desde logo fica a dúvida sobre quais os factos que ela quer ver dados como não provados.

 Na verdade, na conclusão IV afirma que:

«Não podemos concordar com a factualidade dada como provada nomeadamente os pontos 33, 34,45, 46, 53, 54, 59, 61, 62, 63, 64, 65 e 72.»

Mas só mais adiante, e na sequência de se pronunciar quanto aos factos 64 e 65 afirma:

«LV. Tais factos devem ser dados como não provados.».

Fica, pois, a incerteza, até pelo modo como exprime o seu inconformismo nas conclusões V e sgs.,   sobre se ela pretende apenas a não prova destes dois últimos factos, ou se deseja a  não prova de todos aqueles com os quais não concorda.

Depois não indica, em sede conclusiva, como, no rigor dos princípios deve acontecer, as passagens da gravação em que se fundamenta para se opor a alguns dos pontos impugnados.

Finalmente, the last but not the least, passe o anglicismo, ou seja, por último mas não de somenos, não indica, ao menos relativamente a todos os pontos impugnados, os concretos meios probatórios que imponham a não prova dos mesmos.

E, bem assim, não opera uma análise crítica, concreta e circunstanciada dos elementos de prova aduzidos, e reportando-os a cada um dos concretos pontos de facto impugnados, de sorte, assim, a convencer da necessidade/bondade/justiça, de tal não prova.

Antes se limitando, ao menos relativamente à maioria dos factos impugnados, a tecer considerações, genéricas e opinativas, sobre se é bom ou mau, se é normal/natural, ou não é, que tais factos se tenham, ou não tenham,  verificado.

 Bem como opinando sobre se a sua (da mãe)  atuação, ou atuação da instituição ou das técnicas envolvidas, foi, ou não foi, certa ou adequada; e aqui entrando na dilucidação das consequências jurídicas para a decisão da causa que tal atuação pode ter.

Ora, como é bom de ver, nesta sede de impugnação dos factos, esta análise está deslocada e revela-se inadequada, pois que, nela, o que urge, não é tecer considerações genéricas e opinativas, mas antes se impondo invocar prova concreta por reporte a factos concretos, tudo através duma exegese o mais discriminada e objetiva possível.

5.2.4.3.

Não obstante, e relativamente aos pontos de facto impugnados em que a recorrente cumpre minimamente este dever, sempre se dirá o seguinte.

No atinente ao ponto 33 ele não encerra factualismo relativamente ao qual a lei exija prova taxada ou tarifada, vg. de cariz documental, como parece defender a insurgente.

Até porque o cerne deste ponto não é a doença da menor, mas antes o descuido ou a negligência da mãe, a qual, perante uma situação de maior fragilidade da filha: permitiu que a filha frequentasse o jacúzi do hotel onde se hospedaram, o que ocasionou uma grave infecção no ouvido, pelo que a criança teve de tomar antibiótico durante vários meses.».

Logo, tal teor pode ser provado através de outros meios probatórios.

Aliás, a recorrente não nega o facto.

 Refugia-se antes num argumento formal, o qual, como se viu, nem sequer é inultrapassável.

E o mesmo se diga, por maioria de razão, considerando o respetivo teor, ainda menos exigente em termos probatórios, quanto ao ponto 34.

No atinente aos pontos 45, 46 e 53 vale o já supra referido quanto a uma postura meramente opinativa.

No tangente ao ponto 54 nele não se plasma uma postura da mãe, genérica e totalmente negligente ou descuidada, relativamente a assuntos de saúde da menor.

Mas antes e apenas se insere algo circunstanciado e concretizado neste particular: a pontual falta de articulação da mãe com a instituição no agendamento de consultas da menor.

Ora os elementos probatórios invocados pela recorrente quanto a  este ponto não infirmam tal teor com a significância que lhe deve ser atribuída e ora esclarecida, nem, muito menos, impõem a sua não prova.

Ademais, o facto de a alegada menos adequada atuação da avó da menor ou da instituição neste particular de questões de saúde não afasta ou justifica a menos adequada, e pontual, atuação da mãe no mesmo âmbito.

No atinente aos pontos 59 e 60 a recorrente, pelo menos em sede conclusiva, nada diz.

Relativamente aos pontos 61 e 62, o facto de inexistirem queixas da instituição não significa que os factos em tais pontos plasmados não são verídicos e não possam ser dados como provados.

Aliás, a invocada mediação da sua ilustre advogada nas marcações das visitas, as alegadas discussões com as técnicas e as queixas crime contra estas apresentadas, pelo menos indiciam uma relação conflituosa da recorrente com estas técnicas e com a instituição de acolhimento - e isto independentemente de quem tem razão ou mais razão, culpa ou menor culpa  -  dando, assim, lastro probatório ao dado como assente nestes pontos, ao invés de, como parece ser pretendido no recurso, o contrariar.

No tangente ao ponto 63 vale o já dito quanto aos pontos 59 e 60.

No concernente aos pontos 64º e 65º.

Têm eles o seguinte teor:

64. A progenitora sente vergonha pelo acolhimento residencial da filha, nomeadamente por ela poder estar misturada com ciganos e pessoas pobres, um vez que valoriza especialmente as roupas e demais bens materiais e a aparência física.

65. A progenitora continua a não ter consciência das verdadeiras necessidades da filha, quer em termos afectivos, quer em termos educativos e de saúde .

Aqui a recorrente tem razão.

A fundamentação aduzida na decisão factual, e supra transcrita, não tem força e dignidade bastantes para dar como provado o  teor do ponto 64.

Constitui um salto lógica, jurídica e éticamente inamissível que do facto de a mãe ter posses e querer tratar a filha como uma princesa se deva concluir que ela tem vergonha que a filha esteja institucionalizada e a conviver com ciganos.

Já quanto ao ponto 65 ele não pode ser dado como provado, pela simples e singela razão de que ele não  encerra matéria factual concreta e incisa – único quid que pode ser submetido a prova e ser dado como provado ou não provado – mas antes constitui uma mera opinião ou conclusão que apenas pode  ser retirada em sede de exegese jurídica, se os factos concretos que a alicercem tal permitirem/justificarem.

Finalmente no respeitante ao ponto 72 vale o já dito quanto aos pontos 59, 60 e 63.

5.1.5.

Por conseguinte e no parcial deferimento desta pretensão, os factos a considerar são os seguintes:

...

5.2.

Segunda questão.

5.2.1.

O tribunal decidiu nos seguintes, essenciais, termos:

«As medidas de promoção e protecção, elencadas no artigo 35º da LPCJP – apoio junto dos pais, apoio junto de outro familiar, confiança a pessoa idónea, apoio para autonomia de vida, acolhimento familiar, acolhimento em instituição e confiança com vista a futura adopção - visam afastar o perigo em que a criança se encontra, proporcionar-lhe as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral e garantir a recuperação física e psicológica quando vítima de qualquer forma de exploração ou abuso – cfr. o artigo 34º da LPCJP.

No caso em apreço confrontam-se duas daquelas medidas de promoção e protecção: o acolhimento residencial e o apoio junto da mãe…

Não se desconhece o princípio plasmado no artigo 4º, al. g) da LPCJP – princípio da prevalência da família -, segundo o qual, na promoção dos direitos e na protecção das crianças, deve ser dada prevalência às medidas que as integrem na família, uma vez que se reconhece que a noção do supremo interesse da criança passa, em primeira linha, pela sua inserção numa comunidade familiar, em detrimento do acolhimento em instituições .

Só assim não será se não existir nenhum membro da família capaz de garantir o desenvolvimento integral e harmonioso da criança e de a proteger.

Isto, em consonância com o preceito constitucional que reconhece a família como elemento fundamental da sociedade do Estado, com direito à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros (cfr. o artigo 67º da CRP) .

Vejamos então se a mãe da L... reúne condições para garantir o são desenvolvimento da filha, ou se se mantêm as fontes de perigo que justificaram o afastamento da menor do respectivo agregado familiar pouco tempo após o seu nascimento e aquando da regulação das responsabilidades parentais :

A progenitora sempre delegou em terceiros os cuidados a prestar à filha: aconteceu aquando do internamento da criança na Unidade de Cuidados Intensivos após o seu nascimento, e quando se deslocava para a Suíça.

Mas mais relevante do que isto é a circunstância de a mãe da L... ter descurado os cuidados à filha:

Fê-lo quando rejeitou o apoio pedagógico aconselhado, tinha a L... quatro anos de idade.

Fê-lo quando recusou os apoio educativos indicados pelo Externato …., e a criança ficou retida logo no 1º ano de escolaridade .

Fê-lo quando não aceita novamente o apoio pedagógico e a terapia da fala, esta entretanto interrompida, aconselhados pela Consulta de Desenvolvimento em Maio de 2016.

Fê-lo quando não lhe administrou a hormona do crescimento .

Fê-lo quando, à frente da filha, entrava em conflito com a avó, insultando-a e ameaçando-a.

Fê-lo quando, advertida para o problema do tímpano da filha, permitiu que a L... frequentasse o jacúzi.

Fê-lo quando, nas visitas na «C…», se manifestava contra a avó materna, chamando-lhe nomes.

Fê-lo quando, nessas visitas, confundia a criança, com promessas de saída.

Fê-lo quando dizia à filha que ela estava «feia», «parola», «pindérica» e criticava o aspecto do seu cabelo e roupa.

Fê-lo quando, à frente da filha, ameaçava ou fazia esperas aos funcionários e técnicos da «C…», actuais cuidadores da L...

Depois, embora a progenitora tenha melhorado no que respeita à administração da hormona de crescimento e possua as condições habitacionais e económicas para acolher a filha, carece ainda das demais condições :

Conforme resulta da perícia realizada, a progenitora apresenta baixa capacidade de empatizar (recurso indispensável ao exercício de uma parentalidade adequada e funcional), sugerindo baixa capacidade de experimentar as emoções dos outros e perceber os sentimentos e a perspectiva do outro.

Possivelmente radica neste aspecto a razão pela qual a progenitora dirige à filha – de quem não duvidamos de que gosta – palavras e frases desajustadas e que a ofenderão .

Possivelmente também é esta a razão pela qual a progenitora mantém um relacionamento conflituoso com os serviços que têm intervindo junto da sua filha, não os encarando – nomeadamente os funcionários e técnicos da «C…», tal como sucedeu anteriormente com a sua própria mãe – como auxiliares e colaboradores no seu processo de crescimento.

Depois, a progenitora já rejeitou diversos apoio que lhe foram facultados, entendendo não precisar de qualquer ajuda enquanto mãe, o que parece apontar para a ausência de sentido crítico perante a evidência dos factos negligentes atrás enunciados, o que nos permite duvidar da sua capacidade de mudança .

Mais, a progenitora continua a não ter consciência das verdadeiras necessidades da filha, até por hipervalorizar os bens materiais e a aparência física .

Tudo ponderado, leva-nos a concluir que a aplicação da medida de apoio junto da mãe, no imediato, colocaria a L... numa situação grave de perigo, deitando por terra toda a evolução entretanto havida .

Porém, há que não esquecer que a L..., quando sair da «C…», quer ir viver com a mãe; que a L... atinge a maioridade dentro de quatro anos; e que a progenitora, ao contrário do que já sucedeu, afirma agora aceitar frequentar sessões de competências parentais e os apoios educativos para a filha.

Assim, importa preparar o tão desejado regresso da L... para a companhia da mãe, de forma progressiva .

Para que tal ocorra de forma segura, é indispensável que a progenitora inicie o quanto antes as sessões de competências parentais.»

5.2.2.

Sendo as crianças, como já dizia o poeta, «o melhor do mundo» - cfr. Fernando Pessoa, in Cancioneiro, poema, «Liberdade» -  urge defendê-las, protegê-las e encaminhá-las o melhor possível.

E neste sentido e senda se tendo orientado a legislação, internacional e nacional.

Assim, desde logo os seguintes Princípios  da  DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA Proclamada pela Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas n.º 1386 de 20 de Novembro de 1959  consagram que:

 Princípio 4.º

 A criança…. Tem direito a crescer e a desenvolver-se com boa saúde; para este fim, deverão proporcionar-se quer à criança quer à sua mãe cuidados especiais, designadamente, tratamento pré e pós-natal. A criança tem direito a uma adequada alimentação, habitação, recreio e cuidados médicos.

 Princípio 5.º

A criança mental e fisicamente deficiente ou que sofra de alguma diminuição social, deve beneficiar de tratamento, da educação e dos cuidados especiais requeridos pela sua particular condição.

Princípio 6.º

A criança precisa de amor e compreensão para o pleno e harmonioso desenvolvimento da sua personalidade. Na medida do possível, deverá crescer com os cuidados e sob a responsabilidade dos seus pais e, em qualquer caso, num ambiente de afecto e segurança moral e material; salvo em circunstâncias excepcionais, a criança de tenra idade não deve ser separada da sua mãe. A sociedade e as autoridades públicas têm o dever de cuidar especialmente das crianças sem família e das que careçam de meios de subsistência...

Princípio 7.º

…O interesse superior da criança deve ser o princípio directivo de quem tem a responsabilidade da sua educação e orientação, responsabilidade essa que cabe, em primeiro lugar, aos seus pais. A criança deve ter plena oportunidade para brincar e para se dedicar a actividades recreativas, que devem ser orientados para os mesmos objectivos da educação; a sociedade e as autoridades públicas deverão esforçar-se por promover o gozo destes direitos.

Depois, no direito interno, desde logo, constitucional, prescreve o artº 69º da Constituição:

    1. As crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições.

    2. O Estado assegura especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal”.

Finalmente no direito ordinário urge atentar no disposto na Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo,  Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro , adiante, LPCJP, máxime nos seguintes preceitos:

Artº. 3º, que rege quanto à legitimidade/necessidade/oportunidade da intervenção:

1 – A intervenção para promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo.

    2 – Considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações:

a) Está abandonada ou vive entregue a si própria;

b) Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;

c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;

d) Está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais;

e) É obrigada a atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento;

f) Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;

Artº 4º, que estipula quanto aso princípios orientadores da intervenção.

A intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo obedece aos seguintes princípios:

a) Interesse superior da criança e do jovem - a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto;

b) Privacidade - a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem deve ser efetuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada;

c) Intervenção precoce - a intervenção deve ser efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida;

d) Intervenção mínima - a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do jovem em perigo;

e) Proporcionalidade e atualidade - a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade;

f) Responsabilidade parental - a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem;

g) Primado da continuidade das relações psicológicas profundas - a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante;

h) Prevalência da família - na promoção dos direitos e na proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável;

i) Obrigatoriedade da informação - a criança e o jovem, os pais, o representante legal ou a pessoa que tenha a sua guarda de facto têm direito a ser informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como esta se processa;

j) Audição obrigatória e participação - a criança e o jovem, em separado ou na companhia dos pais ou de pessoa por si escolhida, bem como os pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto, têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção;

k) Subsidiariedade - a intervenção deve ser efetuada sucessivamente pelas entidades com competência em matéria da infância e juventude, pelas comissões de proteção de crianças e jovens e, em última instância, pelos tribunais.

Artº 34º que prescreve quanto à finalidade das medidas de intervenção:

As medidas de promoção dos direitos e de proteção das crianças e dos jovens em perigo, adiante designadas por medidas de promoção e proteção, visam:

a) Afastar o perigo em que estes se encontram;

b) Proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral;

c) Garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso.

Artº. 35º que  consagra , tipificadamente, as medidas de promoção e proteção.

1 - As medidas de promoção e proteção são as seguintes:

a) Apoio junto dos pais;

b) Apoio junto de outro familiar;

c) Confiança a pessoa idónea;

d) Apoio para a autonomia de vida;

e) Acolhimento familiar;

f) Acolhimento residencial;

g) Confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção.

2 - As medidas de promoção e de proteção são executadas no meio natural de vida ou em regime de colocação, consoante a sua natureza, e podem ser decididas a título cautelar, com exceção da medida prevista na alínea g) do número anterior.

3 - Consideram-se medidas a executar no meio natural de vida as previstas nas alíneas a), b), c) e d) do n.º 1 e medidas de colocação as previstas nas alíneas e) e f); a medida prevista na alínea g) é considerada a executar no meio natural de vida no primeiro caso e de colocação, no segundo e terceiro casos.

    O perigo a que alude o artº 3º  traduz a existência de uma situação de facto que ameace a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento da criança ou do jovem.

Não se exigindo a verificação da efetiva lesão,  bastando, por isso, a criação de um real ou muito provável perigo, ainda longe de dano sério.

 E sendo que a situação de perigo deve ser atual e persistente à data da decisão, conforme decorre do artigos 4º, al. e) e 111º, do diploma em equação.

    Relativamente aos princípios orientadores da intervenção do artº 4º  relevam, determinantemente, os supra sublinhados.

Quanto às medidas do artº 35º,  elas são elencadas pela  ordem de preferência e prevalência tida pelo legislador como mais adequada, pelo que daqui ressuma que deve dar-se prioridade, na medida do possível, às medidas a executar em meio natural de vida.

 Com estas medidas pretendem-se consecutir dois objetivos:

 i – Em primeiro lugar, e desde logo, afastar o, atual ou iminente,  perigo em que a criança ou o jovem se encontra;

 ii -  Subsequentemente, proporcionar-lhe as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem estar e desenvolvimento integral, de sorte a que o seu superior interesse seja, na mais ampla perspetiva, defendido.

Na verdade, e como é consabido e aceite – sendo já um lugar comum mas nunca sendo demais repeti-lo -  a pedra de toque, o objetivo primeiro e último da decisão neste processo, é definir um quadro vivencial que para o menor se tenha como o mais adequado e, assim, efetive a defesa, o mais profícua e abrangentemente possível, dos seus magnos direitos e interesses.

E sendo o «interesse do menor» uma asserção ou conceito vago e indeterminado, urge concretizá-lo/densificá-lo.

Perante os preceitos supra citados, têm a doutrina e jurisprudência defendido que os interesses do menor estarão salvaguardados quando se lhe proporcionarem as condições necessárias ao «integral desenvolvimento físico, intelectual e moral, com respeito pelas suas ligações psicológicas profundas e pela continuidade das suas relações afetivas».

Não obstante, a defesa de tal interesse não pode ser efetivada a todo o transe, de qualquer modo, temerária e atribiliáriamente, mas antes respeitando certos princípios orientadores previstos no artº 4º, dos quais  importa realçar os da intervenção precoce, mínima, proporcional e o da prevalência da família.

Sendo que, repete-se, todos estes princípios se pretendem como alavancas ou fatores de consecução do princípio – e fim – primeiro  - e último -, qual seja: a defesa do superior interesse da criança, na mais ampla perspetiva considerado.

Importando realçar,  precisar e reiterar, com relevância para o caso vertente, dois pontos ou aspetos atinentes à previsão legal.

Em primeiro lugar, e no que tange ao perigo justificativo da intervenção, urge ter presente, reiterando-se, que a situação de perigo a que a lei alude não é apenas a situação que, de um modo atual e efetivo, está já a ter efeitos nocivos para a criança, mas também, e desde logo, aquela que, através de um adequado juízo de prognose em função dos factos apurados, se pode razoavelmente concluir que, iminentemente, aponta nesse sentido.

Na verdade:

«Para que ocorra a situação de perigo prevista nesses preceitos e no artº 1918º do C. Civ., não se torna necessário que tenha havido lugar a uma efectiva lesão de alguns dos bens ou valores neles referidos, bastando tão só que esteja criada uma situação de facto que seja realmente potenciadora desse perigo de lesão, ou seja, tais normativos bastam-se com a criação de um real ou muito provável perigo, ainda longe de dano sério» -  Ac. da RC de  13.02.2007, p. 1337/05.8TBVNO.C1 in dgsi.pt.

Em segundo lugar, a desejada proteção da criança em meio natural de vida, rectius no âmbito da sua família, apenas é de conceder se esta, efetiva e atualizadamente, ou, ao menos, outrossim em função de tal juízo prognóstico, revelar condições, a todos os níveis, para apropriadamente dela poder/saber/querer cuidar.

Efetivamente:

«Quando os progenitores dos menores são reconhecidamente incapazes de assegurar os cuidados básicos necessários das crianças e não se mostram permeáveis á mudança, apesar da longa intervenção de que beneficiaram, entende-se que a medida de apoio junto dos pais, prevista no artigo 35°, n.° 1, alínea a), da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo não se mostra adequada a afastar as menores da situação de perigo…» - Ac. da RL de 27-10-2016 p. 87/12.3TBNRD.

O que, como se disse, pode até acontecer se:

« …através de juízo de prognose, formulado com base nos factos conhecidos, se conclua pela impossibilidade de alcançar esse fim com recurso a medida em que o menor continue integrado no seio da sua família, designadamente através de apoio junto dos pais ou de apoio junto de outro familiar…» - Ac. da RL de  10-04-2014 Proc. 6146/10.OTCLRS.L1-7.

5.3.

No caso vertente.

Há, apenas, que decidir o caso, em função dos factos apurados e das conclusões e ilações que deles podem/devem ser retiradas.

Na verdade, o juiz não pode limitar-se a decidir apenas com perspetivação, seca e formal, dos concretos factos apurados, mas, mediante uma postura exegética apropriada,  deles retirar outros que  constituam as suas,  necessárias ou normais, consequências.

Nisto consistindo o mais difícil, mas, também, o mais nobre, quid do seu múnus.

Ora no caso sub judice provou-se, sinóticamente, que a mãe chegou a descurar a adequada proteção e amparo devido à menor, máxime ao nível de saúde e de educação – cfr., vg. pontos 4, 11, 13, 23, 25 e 33.

Mais se apurou que a progenitora assume uma idiossincrasia com laivos de  rebeldia e  com défices de empatia pessoal e social, o que propicia o despoletamento de conflitos com a família  e com a instituição.

Porém, tudo visito e sagazmente interpretado,  conclui-se que tais défices e handicaps se revelaram mais evidentes e nocivos nos anos já passados, máxime nos que se seguiram ao nascimento da menor.

E parecendo que, nos anos mais recentes, a mãe tem vindo a melhorar a sua conduta e a aperfeiçoar os requisitos objetivos e subjetivos necessários para que possa assumir, plena, cabal e proficuamente, o seu poder/dever atinente ao exercício das suas responsabilidades parentais.

Objetivamente, parece ter estabilizado o seu modus vivendi, deixando de se deslocar para a Suíça,  fixando a sua residência na zona de Coimbra, em apartamento com adequadas condições de habitabilidade, no qual a jovem pode usufruir de um espaço próprio, e obtendo proventos económicos com uma atividade definida.

Subjetivamente, o recente relatório médico legal, de janeiro de 2020, ponto 51,  diz-nos que  «nas suas práticas parentais existe demonstração de afecto e aceitação da criança, promoção da autonomia da criança, compatível com um estilo parental democrático. Ao nível da comunicação com a filha…existe suporte emocional, demonstração de afecto e empatia, com disponibilidade e abertura para as questões …a comunicação é esclarecedora

…ao nível da capacidade parental, não foram detectados factores de risco que comprometam a sua parentalidade. Ao nível da competência parental como a prestação de cuidados básicos, estabelecimento de regras e limites, estimulação adequada da criança, a gestão do seu comportamento e promoção da sua socialização, foi detectada alguma fragilidade, sendo possível constatar que, enquanto partilhou o quotidiano com L..., delegou na avó ou na ama a prestação de cuidados básicos e a gestão do comportamento da L... No entanto, é possível asseverar que, na actualidade, foram apuradas condutas favoráveis ao desenvolvimento de uma criança e comportamentos parentais adaptativos, apresentando capacidade de retirar prazer enquanto exerce o seu papel de desempenhar uma parentalidade adequada .»

(sublinhado nosso)

Ou seja, apesar de a mãe poder revelar ainda algum défice axiológico e desadequação comportamental, indicia-se, via científica, estar a reunir condições psíquico-emocionais  que lhe podem permitir um adequado relacionamento, vg. ao nível afetivo e de proteção, com a filha.

 Tais condições, se continuarem a evoluir positivamente, sedimentando-se, podem ser, ao menos, as suficientes para, com adequação e proficuidade, ela poder desempenhar, com autonomia a privacidade, mesmo que com acompanhamento e fiscalização das entidades competentes, a sua função parental.

Ademais, a vontade atualizada, e, assim, a mais relevante, da  menor, é a de querer ir viver com a mãe.

E esta vontade, dada a sua idade, é de relevar de sobremaneira, pois que, em princípio, qualquer medida imposta e não convencida não atingirá os efeitos pretendidos e poderá, inclusive, revelar-se contraproducente.

Destarte, o quadro vivencial qualitativo da progenitora, em si mesmo e na relação com a filha,  não é tão negro e perigoso como parece transparecer do acórdão recorrido.

A mãe parece estar a ser vítima de si própria, pois que, com a sua conduta algo intolerante e hostil para com terceiros, faz emergir situações conflituais que a prejudicam, ou, ao menos, não a beneficiam.

Contudo, há que convir que não se pode estabelecer, uma relação  necessária de causa-efeito entre esta atuação e a conclusão de que, por via dela, a menor fica, ao menos inelutavelmente e de modo perene e gravoso, prejudicada.

Estamos em campos  relacionais diversos; e, ademais, perpassa dos autos que a mãe, tal como admitido na sentença, gosta da filha e, apesar de algumas falhas suas, não tem desistido dela; antes e ao invés, tem, à sua maneira, pelos vistos menos apropriada, desenvolvido esforços no sentido de captar o seu afeto e responsabilizar-se pela mesma.

Não obstante, esta melhoria, não permite, hic et nunc -   mais a mais porque  a este tribunal ad quem falha o valiosíssimo contato  direto e pessoal com os intervenientes -, alterar a medida decretada, para a sempre desejada, porque tida, legal e comummente, mais condizente com a natureza humana, medida em meio natural de vida, rectius, junto da mãe (pois que outra não se vislumbra).

A qual poderá, ou até, deverá, sê-lo, a curto prazo, e após novas diligências de produção de prova, máxime periciais, a realizar a breve trecho no tribunal recorrido.

 Mas possibilita que a medida decretada seja alterada no sentido de se alargarem os contactos da menor com a mãe.

E, dado o lastro fáctico-circunstancial apurado, temos por bom e mais útil (e possível, dadas as condicionantes aludidas) esperemos que, principalmente, para a menor, que este alargamento passe por permitir-se que a L... conviva, desde já e sem o condicionalismo imposto no acórdão recorrido, um fim de semana  alternado completo  com a progenitora, entre as 10,00 horas de sábado e as 21,30 horas  de domingo (já com o jantar tomado).

Procede, em parte, e brevitatis causa, o recurso.

6.

Sumariando – artº 663º nº7 do CPC.

I -  A decisão sobre a matéria de facto pode ser alterada se, desde que cumpridos os requisitos formais do artº 640º do cpc, os meios probatórios aduzidos pelo recorrente, ou as regras da lógica e da experiência/senso comuns, impuserem a censura da convicção do julgador.

II – Assim,  do facto de se ter provado que a mãe tem posses e quer tratar a filha como uma princesa, não pode concluir-se e provar-se, sem mais prova aduzida, que ela tem vergonha que a filha esteja institucionalizada e a conviver com  crianças de etnia cigana.

III – Os factos essencialmente relevantes em sede de processo de promoção e proteção são os mais atualizados.

IV -  Destarte, se a mãe,  nos últimos meses -  e não obstante ter sido, há alguns anos, algo negligente para com a filha -,  melhora os seus requisitos pessoais, objetivos e subjetivos, e  demonstra interesse pela filha, a qual, com 14 anos e institucionalizada, outrossim mostra interesse, com as vicissitudes próprias da idade, em estar com a mãe,  urge alargar os contactos da filha com a progenitora, ao menos de um domingo quinzenal para um fim de semana completo quinzenal, com vista à  preferível futura reintegração da menor em meio natural de vida junto da mãe.

7.

Deliberação.

Termos em que se julga o recurso parcialmente procedente e, agora, se altera o decidido, permitindo-se que a mãe possa desde já passar com a filha fins de semana alternados, podendo ir buscá-la pelas 10,00h de sábado e devendo ir entregá-la até às 21,30 horas de domingo, já com o jantar tomado.

No mais se mantendo a sentença.

Custas  recursivas pela recorrente na proporção de 70%, e sem custas pelo recorrido, por isenção subjetiva.

Coimbra, 2021.05.11.

Carlos Moreira

João Moreira do Carmo

Fonte Ramos