Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
235/11.0TBFVN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
ACIDENTE DESPORTIVO
PROVA DESPORTIVA
CONTRATO DE SEGURO
DECLARAÇÃO DE RISCO
DEVER DE INFORMAR
ANULABILIDADE
CONTRATO
Data do Acordão: 09/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FIGUEIRÓ DOS VINHOS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 247, 251 CC, 429 C COMERCIAL, DL Nº 291/2007 DE 21/8
Sumário: 1.- A condução numa prova de competição desportiva, vulgo Rally, em estrada fechada ao trânsito normal, aberta só para concorrentes, os quais são determinados pelo objectivo competitivo de conseguir o melhor tempo e a menor penalização, logo, determinados para serem velozes e hábeis, foge às regras do comportamento do condutor comum em trânsito por estradas ou ruas abertas ao trânsito público.

2.- Porque o propósito desta condução desportiva é atingir o melhor tempo possível, com níveis de habilidade acima da média, comportando uma carga de risco acrescido, o acidente que advém de tal condução não é um mero acidente de viação mas um acidente de viação desportivo.

3. - O proponente/tomador do seguro tem o dever de declarar o risco ou riscos a transferir e todas as circunstâncias que conheça e que razoavelmente tenha por significativas para que o segurador possa avaliá-los de modo esclarecido, livre e equitativo, sem vícios de vontade.

4. - Um segurado razoável, zeloso e medianamente diligente, informaria a seguradora desse risco ou não submeteria o seu veículo à circulação no âmbito de uma prova desportiva e competitiva, sabendo ou podendo saber que o seguro não contemplava tal realidade, procurando, quanto muito que o viesse a contemplar.

5. - O segurado que omite tal informação da seguradora aquando da celebração do contrato de seguro, ou seja, no momento da declaração inicial do risco, legitima por parte desta a invocação de declarações inexactas e consequente “nulidade” nos termos conjugados do artigo 429º do Cód. Comercial e artigos 251º e 247º do Cód. Civil.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                                                                        I

N (…) intentou a presente ação declarativa com processo ordinário contra B..., SA., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 34.687,75€, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até efetivo e integral pagamento, acrescida do que se vier a liquidar em execução de sentença a título de danos patrimoniais.

Para fundamentar tal pretensão, alegou o A., em resumo, que é dono de um veículo que identifica e celebrou com a R. contrato de seguro, por força do qual transferiu para a mesma a responsabilidade civil respeitante ao mesmo veículo, tendo então contratado, também outras coberturas, entre elas uma cobertura de danos próprios, como sejam choque, colisão ou capotamento.

Ora, em data e local que identifica, na área da comarca de Figueiró dos Vinhos, quando se encontrava a participar num passeio organizado com a duração de três dias e que se destinava a visitar parte da zona centro e norte de Portugal, foi interveniente em acidente de viação no qual apenas ele próprio interveio.

De facto, não obstante circular com extrema precaução e diligência pela sua faixa de rodagem a velocidade nunca superior à legalmente permitida para o local, após queda do GPS, por instantes, ele A., ao volante do referido veículo, perdeu o controlo do mesmo, tendo o veículo saído ligeiramente da sua faixa de rodagem e entrado na berma direita, atento o sentido de marcha em que seguia e subido um talude, o que originou o seu capotamento.

De tal sinistro resultaram apenas danos no veículo. O A. comunicou o sinistro à R., para acionar o seguro.

Porém, esta, após efetuar vistoria ao veículo, não assumiu a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos, invocando que o acidente que os causou estaria excluído do contrato de seguro, nos termos das Condições Gerais da Apólice.

Tal sinistro causou ao A. danos já quantificados no montante peticionado e ainda outros que já existindo não é possível quantificar com exatidão.

A Ré contestou.

Aceitando a existência e termos gerais do contrato de seguro invocado, defende, contudo, que este litiga de má-fé e propugna com base nisso a sua condenação em multa e indemnização a seu favor.

Na verdade, defende a R., muito embora o A. lhe tenha omitido essa circunstância aquando da participação do sinistro, em averiguação que do mesmo fez, veio a concluir que no dia e hora do sinistro, a estrada onde o mesmo ocorreu estava fechada ao trânsito normal e nela decorria uma prova desportiva, que identifica, organizada por entidade que identifica e sob a autoridade da Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting, prova essa na qual o A. se havia inscrito e foi admitido, nela participando como concorrente quando eclodiu o sinistro, sendo que, tal prova, conjuntamente com outras, se enquadra no âmbito de evento desportivo denominado prova de regularidade em rampa, prova cronometrada e cujo objetivo é conseguir o melhor tempo e a menor penalização possível, tendo em vista a obtenção do maior número de pontos para uma classificação final.

Ora, quando eclodiu o sinistro, o A. circulava, integrado na dita prova a uma velocidade de mais de 180 Km/h e foi por isso que aconteceu o sinistro.

Acontece que, quando celebrou o contrato de seguro que agora invoca o A. não disse que fazia uso desportivo do veículo de sua propriedade, o que deveria ter feito de acordo com os ditames da boa-fé, pelo que o contrato de seguro foi celebrado no pressuposto de que a utilização do dito veículo era efetuada em termos de normalidade. Caso soubesse que o A. usava o veículo em prova desportiva jamais a R. teria aceitado contratar nos termos em que o fez, mormente assumindo os riscos de colisão, choque ou capotamento, mesmo que com condições tarifárias muito agravadas.

Por isso, tal negócio é nulo ou pelo menos anulável, por declarações inexatas.

Mais alega a R. que o contrato celebrado, mormente o artº 5º nº1, g) das condições gerais prevê a exclusão da garantia dele adveniente quando o veículo seguro se encontrar em serviço diferente e de maior risco do que o contratado, outro tanto se contemplando na alª i) das mesmas condições que prevê a exclusão em caso de sinistro causado por participação em atividades que ponham em risco a estabilidade e domínio do veículo, ou, a alª o), que a prevê também nos casos de acidentes ocorridos em resultado de apostas ou desafios, sendo certo que, por força do artigo 6º, nº4, e) das condições gerais do seguro obrigatório aplicável ex vi do artº 5º, nº2 do seguro facultativo, excluem-se, também quaisquer danos ocorridos durante provas desportivas e respetivos treinos oficiais, salvo tratando-se de seguros celebrados especificamente para esse fim, donde se retira, ser clara a falência da pretensão do A. e a razão da R. ao declinar a sua responsabilidade no caso concreto.

Coloca ainda a R. em causa os valores indicados pelo A. para a reparação dizendo que eles são os que constam do orçamento de peritagem junto aos autos e não quaisquer outros e acrescenta que, caso se conclua pela cobertura do contrato de seguro, sempre haveria que ser deduzida a franquia de 1.000€ contratualizada.

O A. apresentou réplica, na qual, pugna pela total improcedência das questões suscitadas na contestação que considera excecionais.

Aceitando o A. a realização da prova mencionada pela R., refere que a mesma não decorreu da forma como esta a descreve, uma vez que, não se trata de uma prova de cariz desportivo ou competição, não só porque para a mesma apenas eram admitidos veículos matriculados e aptos a circular em via pública, sendo necessária a existência de seguro, livrete, registo de propriedade, certificado de inspeção e carta de condução, como também, porque o evento incluía um itinerário de mais de 600km pelas regiões norte e centro, juntando várias componentes como gastronomia, com seleção de vários restaurantes elucidativos da gastronomia local, hotéis específicos para pernoitarem e incluía visita a um museu e por fim não era sequer necessário para estar inscrito no evento a inscrição na Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting, como ocorre nas verdadeiras provas de cariz automobilístico.

Embora contendo troços interrompidos ao trânsito isso ocorria apenas para salvaguardar medidas de segurança e para que, nalguns locais o evento decorresse sem interrupções, sendo certo que o objetivo da prova não era realizar o melhor tempo mas efetuar o percurso em tempos iguais, sendo o tempo gasto um mero fator secundário, tendo sido por isso que denominou o evento de passeio, nunca tendo tido qualquer intenção de faltar à verdade dos factos ou defraudar quem quer que fosse.

Mais invoca o A., sem prescindir do entendimento supra referido que, ainda que o A. participasse numa prova desportiva, jamais as cláusulas de exclusão que a R. invoca para fundamentar a sua posição lhe poderiam ser opostas, na medida em que as mesmas se contêm num documento previamente elaborado pela R., sem qualquer participação do A. e cujo teor o mesmo desconhecia, tudo em clara violação do artº 5º do DL 446/85 de 25.10.

Conclui como na petição e propugna pela total improcedência das exceções invocadas e do pedido de condenação em litigância de má-fé.

Convocada audiência preliminar, nessa sede a R. veio pronunciar-se quanto à nulidade das causas de exclusão, impugnando a factualidade que lhes subjaz e argumentando que aquando da celebração do contrato de seguro, ao A. foi entregue uma pasta que continha toda a documentação referente ao dito contrato, motivo pelo qual, logo em finais de 2006 o mesmo ficou conhecedor de todas as condições gerais e particulares aplicáveis ao contrato que celebrou.

Já com o processo em fase de julgamento, o A. veio deduzir incidente de liquidação, tendo liquidado a parte do pedido não determinada na petição e por via dessa liquidação propugna pela condenação da R. a pagar-lhe a quantia global de 46.944,11€, acrescida dos juros legais a contar da citação e até integral pagamento.

Alegou então que, já na pendência da ação veio a proceder à reparação do seu veículo e verificou que os danos que o mesmo apresentava eram mais extensos do que os que a estimativa sem desmontagem evidenciava, tendo gasto na reparação a quantia de 36.194,11€, a que acrescem os já invocados na petição quanto à privação do uso do veículo, no montante de 10.750€, tudo num valor global equivalente ao ora peticionado, assim se devendo condenar a R. em conformidade.

A Ré veio defender a liminar rejeição da liquidação incidental apresentada, ou em qualquer caso, que se profira decisão que a absolva do pedido liquidado.

 

Por despacho de fls. 434, admitiu-se o incidente e ampliou-se a base instrutória, tendo por referência os factos alegados.

Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença que jugou a ação parcialmente procedente por provada e, em consequência se condenou a R. B..., SA. a pagar ao A. N (…) a quantia de 40.194,11€ (quarenta mil, cento e noventa e quatro euros e onze cêntimos), acrescida de juros moratórios à taxa legal e supletiva contados de 1.7.2011 e até integral pagamento, absolvendo-a de tudo o que, de mais, havia sido peticionado.

Inconformada com tal decisão veio a Ré recorrer concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso:

(…)

 Contra-alegou o A., assim concluindo:

(…)

                                                                        II

São os seguintes os factos julgados provados pelo tribunal a quo:

1. Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 751250276, o autor transferiu para a ré a responsabilidade resultante da circulação do veículo ligeiro de passageiros marca Porsche, modelo 911 Turbo, com a matrícula (...)PZ.

2. Das “Condições Particulares” do contrato de seguro referido consta, sob a epígrafe “Coberturas, capitais e franquias”, designadamente o seguinte: “Choque, Colisão ou Capotamento; Capitais: € 55.326,00; Franquias: 1.000,00”.

3. As informações solicitadas pela R. e prestadas pelo A. aquando da formalização da proposta do seguro referido em 1. são as que constam do documento de fls. 132 e 133, de teor aqui dado por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais.

4. Do contrato de seguro referido faz parte o documento intitulado “Condições Gerais Uniformes e Especiais”, junto a fls. 141-192, que aqui se dá por integralmente reproduzido, cujo artigo 1.º das Condições Gerais do Seguro Automóvel Facultativo dispõe que “As presentes Condições Gerais são aplicáveis ao Seguro Automóvel Facultativo, que poderá abranger as seguintes coberturas: (…) Choque, Colisão e Capotamento”.

5. Cujo artigo 5.º das Condições Gerais do Seguro Automóvel Facultativo, com a epígrafe “Exclusões”, dispõe, sob o n.º 1, alínea g), que “As garantias contratadas ao abrigo do Seguro Automóvel Facultativo nunca garantem sinistros ocorridos quando o veículo seguro se encontrar em serviço diferente e de maior risco do que o contratado”…

6. …Sob o n.º 1, alínea i), que “As garantias contratadas ao abrigo do Seguro Automóvel Facultativo nunca garantem sinistros causados por (…) participação em atividades que ponham em risco a estabilidade e domínio do veículo seguro”…

7. …E sob o n.º 1, alínea o), que “As garantias contratadas ao abrigo do Seguro Automóvel Facultativo nunca garantem (…) acidentes ocorridos em resultado de apostas ou desafios”.

8. Cujo artigo 6.º das Condições Gerais do Seguro Automóvel Obrigatório, com a epígrafe “Exclusões Aplicáveis ao Seguro Obrigatório”, aplicável segundo o artigo 5.º, n.º 2, das Condições Gerais do Seguro Automóvel Facultativo, dispõe, sob o n.º 4, alínea e), exclui da garantia do seguro “Quaisquer danos ocorridos durante provas desportivas e respetivos treinos oficiais, salvo tratando-se de seguros celebrados especificamente para esse fim”.

9. E cujo artigo 2.º das Condições Especiais do Seguro Automóvel Facultativo – Choque, Colisão e Capotamento estabelece que, para efeito desta condição especial, se considera “Choque” o “embate do veículo contra qualquer corpo fixo ou sofrido por aquele imobilizado”…

10. …“Colisão” o “embate do veículo em movimento contra qualquer outro corpo em movimento” e “Capotamento” o “acidente em que o veículo perca a sua posição normal e não resulte de Choque ou Colisão”.

11. Em 10.04.2010, na E.N. 237, ao km 62, na zona do lugar de Fragas de São Simão, concelho de Figueiró dos Vinhos, ocorreu um acidente em que foi interveniente o veículo (...)PZ, pertencente ao autor e conduzido por este.

12. Ao tempo do acidente referido, a E.N. 237 estava fechada ao trânsito normal.

13. No local referido em 11., a faixa de rodagem é asfaltada, tem aproximadamente 6 metros de largura, é delimitada, no sentido Ribeira de Alge/Aldeia de Ana de Aviz, pelo lado direito por uma valeta, seguida de barreira em pedra e terra, e pelo lado esquerdo por rails metálicos.

14. E, atento o sentido de marcha referido em 13., apresenta uma curva para a esquerda, precedida de reta em percurso ascendente.

15. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 11., o PZ circulava no sentido referido em 13., quando, após queda do aparelho GPS, o autor perdeu o controlo do veículo e saiu do asfalto, guinou para a direita, entrou na berma direita, subiu a barreira/talude, após o que capotou, e imobilizou-se na hemi-faixa direita, atento o sentido referido, com o tejadilho “virado” para baixo e assente no asfalto e com o chassis e rodados voltados para cima.

16. No momento do acidente referido, o autor participava num evento denominado “Rallye Verde Pino 2010”.

17. O acidente ocorreu a hora exata não apurada, mas em todo o caso ocorrida pouco tempo depois de o evento supra mencionado em 16. ter começado.

18. O dito evento foi organizado pelo Núcleo de Desportos Motorizados de Leiria – Kartódromo de Leiria, sob a autoridade da Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting e disputava-se em conformidade com o Código Desportivo Internacional da FIA e anexos, com as prescrições aplicáveis às provas de automobilismo e karting e com o seu regulamento.

19. E consistia em prova de competição desportiva automóvel, denominada “Prova de Regularidade em Rampa”, composta por provas de classificação cronometradas, cujos concorrentes têm como objetivo conseguir o melhor tempo e a menor penalização, tendo em vista a melhor classificação e a atribuição do título de vencedor da prova.

20. No momento do acidente referido, o autor competia na prova mencionada e circulava a velocidade exata não apurada.

21. No veículo automóvel propriedade do Autor, fruto do embate, resultaram diversos danos, com necessidade de substituição e reparação de diverso material, nomeadamente: Revestimento de para-choques; Farol E CPL; Farol D CPL; Guarda-lamas Fr Esq.; Guarda – lamas Fr Dt.; Pára-brisas com faixa; Reparação da porta esquerda; Painel do tejadilho; Tampa do teço de abrir; Estrutura TA; Painel lateral Tr E; Revestimento do tejadilho; Revestimento de tampa TA; Braço esquerdo e direito susp Fr; Amortecedores Fr esquerdo e direito; Amortecedores traseiros; Supo roda frente esquerdo e direito; Jante Fr Dt; Caixa de direção; Radiador; Spoller inferior de para-choques; Radiador da água; Grelha do para-choques; Vidro para-brisas; Borracha friso tejadilho vidro; Moldura ant. teto – Rolam. Amortecedor frt; Reparação das jantes; Kit de carretos; Manga guia; Apoio a caixa; Óleo de caixa.

22. Muito embora em sede de vistoria sem desmontagem lhe tenham sido detetados apenas os seguintes danos: revestimento de para-choques, farol E CPL, farol D CPL, guarda-lamas frontal esquerdo e direito, para-brisas com faixa, porta esquerda, painel do tejadilho, tampa do teto de abrir, estrutura TA, painel lateral traseiro esquerdo, revestimento do tejadilho, revestimento de tampa TA, braços esquerdo e direito suspensão frontal, amortecedores frontais esquerdo e direito, amortecedores traseiros, supo roda frontal esquerdo e direito, jante frontal direita, caixa de direção e radiador, cujo custo de reparação foi estimado em quantia não inferior a € 23.937,75.

23. Ao fim de mais de um ano o A. deu ordem de reparação do mesmo a expensas suas.

24. E como se verificou serem os danos mais extensos do que inicialmente se previu, o Autor, para reduzir custos, optou por adquirir um veículo igual ao seu, mas acidentado.

25. Para dali retirar peças que de outro modo tornariam a reparação do seu veículo muito mais onerosa.

26. Aquisição de veículo essa efetuada no Reino Unido, por aí o mercado automóvel praticar preços muito mais reduzidos que os praticados em Portugal.

27. Por esse motivo, o documento junto sob o n.º 3, é uma fatura em libras, no valor de £ 15.000,00.

28. O câmbio nessa altura correspondia a valor exato não apurado.

29. O autor para a reparação do seu veículo despendeu a quantia global de € 36,194,11.

30. Antes do acidente referido, o autor utilizava diariamente o PZ para se deslocar no exercício da sua atividade profissional. 

31. A reparação dos estragos descritos em 9. obrigava a uma paralisação do PZ não inferior a 15 dias. 

32. Em consequência sinistro, o autor esteve privado do uso do PZ desde 10.04.2010 até à data de reparação da viatura a qual veio a ocorrer em data exata não apurada, mas em todo o caso posterior a 21.1.2011 e anterior a 31.10.2011.

33. Como não possui outro veículo pessoal, o A. enquanto esteve privado do veículo sinistrado, recorria ao veículo da empresa, quando o podia utilizar e ao transporte por terceiros quando aquele não estava disponível.

                                                                        III

Na consideração de que o objeto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (art. 635 nº 3 do nCPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. art. 608 in fine), são as seguintes as questões a decidir, tendo em conta, igualmente a ordenação estabelecida no pedido formulado em sede de alegações de recurso:

I – A título principal

Da possibilidade de decidir de direito, com os factos tal como foram dados como provados, com imediata absolvição da Ré de todos os pedidos formulados pelo Autor.

II - Subsidiariamente:

- Da impugnação do julgamento de facto seguida de decisão que absolva a Ré de todos os pedidos.

III - Subsidiariamente ainda:

- Da anulação parcial do julgamento com base em necessidade de ampliação da matéria de facto, contradição entre factos e respostas conclusivas.

I – A título principal

- Da possibilidade de decidir de direito, com os factos tal como foram dados como provados, com imediata absolvição da Ré de todos os pedidos formulados pelo Autor.

A 1ª instância considerou que, sendo o contrato de seguro um contrato sujeito a cláusulas contratuais gerais e devendo, por isso, ser comunicado ao subscritor do seguro todas as cláusulas contratuais, tendo o A. invocado a falta de tal comunicação no respeitante a cláusulas de exclusão de responsabilidade contratual e, tendo a Ré o ónus da prova do cumprimento desse dever, não o tendo provado, tais cláusulas de exclusão seriam anuláveis, no âmbito do regime legal das cláusulas contratuais gerais que prevê mecanismos de proteção ao contraente mais débil.

Fundamentação que no presente caso, como veremos, não subscrevemos.

Vejamos os factos que, estando dados como provados, constituem para a Ré fundamento para a sua desresponsabilização na cobertura do acidente dos autos.

Está provado que:

[11. Em 10.04.2010, na E.N. 237, ao km 62, na zona do lugar de Fragas de São Simão, concelho de Figueiró dos Vinhos, ocorreu um acidente em que foi interveniente o veículo (...)PZ, pertencente ao autor e conduzido por este; 12. Ao tempo do acidente referido, a E.N. 237 estava fechada ao trânsito normal; 13. No local referido em 11., a faixa de rodagem é asfaltada, tem aproximadamente 6 metros de largura, é delimitada, no sentido Ribeira de Alge/Aldeia de Ana de Aviz, pelo lado direito por uma valeta, seguida de barreira em pedra e terra, e pelo lado esquerdo por rails metálicos; 14. E, atento o sentido de marcha referido em 13., apresenta uma curva para a esquerda, precedida de reta em percurso ascendente; 15. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 11., o PZ circulava no sentido referido em 13., quando, após queda do aparelho GPS, o autor perdeu o controlo do veículo e saiu do asfalto, guinou para a direita, entrou na berma direita, subiu a barreira/talude, após o que capotou, e imobilizou-se na hemi-faixa direita, atento o sentido referido, com o tejadilho “virado” para baixo e assente no asfalto e com o chassis e rodados voltados para cima; 16. No momento do acidente referido, o autor participava num evento denominado “Rallye Verde Pino 2010”; 17. O acidente ocorreu a hora exata não apurada, mas em todo o caso ocorrida pouco tempo depois de o evento supra mencionado em 16. ter começado; 18. O dito evento foi organizado pelo Núcleo de Desportos Motorizados de Leiria – Kartódromo de Leiria, sob a autoridade da Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting e disputava-se em conformidade com o Código Desportivo Internacional da FIA e anexos, com as prescrições aplicáveis às provas de automobilismo e karting e com o seu regulamento; 19. E consistia em prova de competição desportiva automóvel, denominada “Prova de Regularidade em Rampa”, composta por provas de classificação cronometradas, cujos concorrentes têm como objetivo conseguir o melhor tempo e a menor penalização, tendo em vista a melhor classificação e a atribuição do título de vencedor da prova; 20. No momento do acidente referido, o autor competia na prova mencionada e circulava a velocidade exata não apurada; 30. Antes do acidente referido, o autor utilizava diariamente o PZ para se deslocar no exercício da sua atividade profissional.]

Colhe-se destes factos que o acidente se deu quando o Autor participava com a sua viatura numa prova de competição desportiva, vulgo Rally.

Ora, a realização desta condução em estrada fechada ao trânsito normal, aberta só para concorrentes, os quais são determinados pelo objetivo competitivo de conseguir o melhor tempo e a menor penalização, logo, determinados para serem velozes e hábeis, foge às regras do comportamento do condutor comum em trânsito por estradas ou ruas abertas ao trânsito público.

Assim, esta condução desportiva inserida em prova desportiva constitui uma atividade específica que nada tem a ver com as regras comuns viárias, nomeadamente quanto a limites de velocidade, ultrapassagens, geral prudência de condução e perícia comum.

Porque o propósito desta condução desportiva é atingir o melhor tempo possível, com níveis de habilidade acima da média, comporta em si uma carga de risco acrescido que a velocidade sem tais limites faz acrescer a uma qualquer condução automóvel.

Neste contexto, os condutores não estão condicionados pelas regras de conduta normais do direito estradal, das regras que permitem uma circulação terrestre socialmente aceitável.

Por isso, o acidente que advém duma prova desportiva como a descrita nos factos provados, não é, em rigor, um mero acidente de viação no sentido comum do termo, mas sim, um acidente de viação desportivo.

Daí que a jurisprudência tenha vindo a afirmar que, a corrida de automóveis tipifica o exercício de uma atividade perigosa e o meio utilizado - automóveis lançados a alta velocidade - reveste-se de genérica natureza perigosa, subsumível ao disposto no artigo 493º nº 2, do Código Civil.[1]

Definido este acidente como acidente de viação desportivo, importa apreciar se o mesmo se mostrava coberto por contrato de seguro válido celebrado com a Ré.

O A. demandou a R., com base no contrato de seguro de danos próprios com ela celebrado pretendendo a condenação da Ré a pagar-lhe as quantias correspondentes à reparação do veículo e paralisação do mesmo em virtude daquele acidente.

Em sentido contrário, alegou a Ré verificar-se no caso, declarações inexatas no momento da celebração do contrato, geradoras de nulidade, bem como a previsão contratual de diversas cláusulas de exclusão da sua responsabilidade, que permitem a sua absolvição.

Ora, resulta da factualidade provada que:

«1. Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 751250276, o autor transferiu para a ré a responsabilidade resultante da circulação do veículo ligeiro de passageiros marca Porsche, modelo 911 Turbo, com a matrícula (...)PZ;

2. Das “Condições Particulares” do contrato de seguro referido consta, sob a epígrafe “Coberturas, capitais e franquias”, designadamente o seguinte: “Choque, Colisão ou Capotamento; Capitais: € 55.326,00; Franquias: 1.000,00”;

3. As informações solicitadas pela R. e prestadas pelo A. aquando da formalização da proposta do seguro referido em 1. são as que constam do documento de fls. 132 e 133, de teor aqui dado por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais; -

4. Do contrato de seguro referido faz parte o documento intitulado “Condições Gerais Uniformes e Especiais”, junto a fls. 141-192, que aqui se dá por integralmente reproduzido, cujo artigo 1.º das Condições Gerais do Seguro Automóvel Facultativo dispõe que “As presentes Condições Gerais são aplicáveis ao Seguro Automóvel Facultativo, que poderá abranger as seguintes coberturas: (…) Choque, Colisão e Capotamento”;

5. Cujo artigo 5.º das Condições Gerais do Seguro Automóvel Facultativo, com a epígrafe “Exclusões”, dispõe, sob o n.º 1, alínea g), que “As garantias contratadas ao abrigo do Seguro Automóvel Facultativo nunca garantem sinistros ocorridos quando o veículo seguro se encontrar em serviço diferente e de maior risco do que o contratado…”;

6. …Sob o n.º 1, alínea i), que “As garantias contratadas ao abrigo do Seguro Automóvel Facultativo nunca garantem sinistros causados por (…) participação em atividades que ponham em risco a estabilidade e domínio do veículo seguro”…;

7. …E sob o n.º 1, alínea o), que “As garantias contratadas ao abrigo do Seguro Automóvel Facultativo nunca garantem (…) acidentes ocorridos em resultado de apostas ou desafios”;

8. Cujo artigo 6.º das Condições Gerais do Seguro Automóvel Obrigatório, com a epígrafe “Exclusões Aplicáveis ao Seguro Obrigatório”, aplicável segundo o artigo 5.º, n.º 2, das Condições Gerais do Seguro Automóvel Facultativo, dispõe, sob o n.º 4, alínea e), exclui da garantia do seguro “Quaisquer danos ocorridos durante provas desportivas e respetivos treinos oficiais, salvo tratando-se de seguros celebrados especificamente para esse fim”;

9. E cujo artigo 2.º das Condições Especiais do Seguro Automóvel Facultativo – Choque, Colisão e Capotamento estabelece que, para efeito desta condição especial, se considera “Choque” o “embate do veículo contra qualquer corpo fixo ou sofrido por aquele imobilizado”…;

10. …“Colisão” o “embate do veículo em movimento contra qualquer outro corpo em movimento” e “Capotamento” o “acidente em que o veículo perca a sua posição normal e não resulte de Choque ou Colisão”».

Do documento de fls. 132 e 133 (proposta do contrato de seguro) constata-se ainda que, das informações prestadas pelo A. à Ré aquando da formalização da proposta do seguro não consta qualquer indicação de que pretendesse utilizar a viatura para fins desportivos ou de competição, ou que o pretendesse fazer circular em circuito fechado.

O que poderia e deveria ter feito, pois, como é visível de fls. 132 a pergunta constante do bloco 4. “Dados do veículo: “O veículo circula em áreas de acesso restrito?” – permitia essa informação.

 Mas a resposta foi “Não”.

Se a resposta tivesse sido afirmativa, havia na proposta de seguro alternativas várias para a especificação de áreas de acesso restrito como “aeroportos”, “portos”, “áreas fabris internas” e “outra…” sendo que, nesta última teria cabimento a resposta: “circuitos de rallys ou outros de natureza desportiva”, por se tratar de uma área de acesso restrito, pelo menos durante o período de tempo em que o mesmo se desenvolve.

Ora, o A. omitiu tal informação da seguradora aquando da celebração do contrato de seguro, ou seja, no momento da declaração inicial do risco, o que legitima por parte desta a invocação de declarações inexatas e consequente “nulidade”.

Dispõe, com efeito o artigo 429º do C. Com.[2]  alusivo às “Consequências das declarações inexatas ou reticentes” que “Toda a declaração inexata, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo”.

Seguindo a jurisprudência dominante[3] também nós entendemos que a nulidade a que o art. 429.º do C.Com. alude é uma mera anulabilidade.

No caso do art. 429.º do C.Com., a natureza particular dos interesses em presença, por um lado, e a inexistência de violação de qualquer norma imperativa, por outro, justificam que deva ser a anulabilidade a consequência jurídica associada à emissão de declarações inexatas ou reticentes do segurado, passíveis de influir na existência ou nas condições do contrato de seguro.

Tal sanção é, além do mais, a que se harmoniza com a estabelecida em geral para os vícios na formação da vontade – arts. 247.º e 251.º a 257.º do CC.

Retira-se de tal norma legal que não é uma qualquer declaração inexata ou reticente que pode desencadear a possibilidade de anulação do seguro. Torna-se indispensável que as declarações inexatas ou reticentes influam na existência e nas condições do contrato, de sorte que o segurador, se as conhecesse, não teria contratado ou teria contratado em diversas condições.

E, aqui chegados, poderemos adiantar que, concordando, embora com a 1ª instância no respeitante ao ónus de alegação e prova - “ incumbirá sempre à seguradora, num tal tipo de casos, a alegação e prova não só das declarações inexatas, mas também de que não teria celebrado o contrato se conhecesse o facto verídico (no caso de falsidade da declaração) ou omitido (caso se trate apenas de falta de comunicação)” já discordamos da afirmação feita nessa instância de que “ foi essa prova que a R. efetivamente não logrou fazer no caso concreto”, a qual chegou mesmo a considerar “não estar descartada a hipótese de neste caso, a dita R. poder até ter querido contratar em idênticos termos, caso a informação lhe tivesse sido prestada hipótese que não será de descartar tendo em conta o particular carro que está em causa, conotado obviamente com maiores velocidades, porque as permite atingir (trata-se de um porsh)”!

Salvo o devido respeito, não podemos subscrever tal desenvolvimento.

Qual é a seguradora, entidade que se rege por intuitos lucrativos, que não se importa com o uso que vai ser dado à viatura, objeto de seguro?

Qual é a seguradora para quem é indiferente a viatura ser destinada a uma utilização normal ou a uma utilização competitiva, com o inerente desgaste rápido e potenciação do risco?

Segurar uma viatura de alta cilindrada para uma circulação normal, não tem de pressupor automaticamente a admissão da sua utilização em competições desportivas.

Assim, em apelo a regras de presunção judicial, pode afirmar-se resultar da lógica da experiência comercial, conhecida do cidadão comum que, a potenciação do risco em causa – pela condução da viatura em Rallies – é suscetível de influir, na hora de contratar, na celebração ou condições do contrato, por parte da seguradora.

As presunções (legais e judiciais) são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, sendo certo que as presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (artºs 349º e 351º do C.Civ.).

Lê-se em “Prova por Presunção no Direito Civil” de Luís Filipe Pires de Sousa, Almedina, 2013, 2ª ed, p. 29: “A presunção pode definir-se como um raciocínio em virtude do qual, partindo dum facto que está provado (facto-base/facto indiciário), chega-se à consequência da existência de outro facto (facto presumido), que é o pressuposto fáctico de uma norma, atendendo ao nexo lógico entre os dois factos”, acrescentando o autor que “De uma forma menos precisa mas impressiva… na presunção um facto narra outro facto”.

A parte que pretenda beneficiar da presunção terá de provar o facto indiciário ou facto base ou os seus pressupostos, de acordo com as regras da prova.

Ora, a seguradora demonstrou através do próprio impresso da proposta de seguro e das informações discriminadas no mesmo, que procurava saber se a viatura se destinava a circular em áreas de acesso restrito e em que áreas de acesso restrito a viatura iria circular.

A apelante seguradora provou, assim, por presunção judicial o requisito anulatório da declaração omitida: que se soubesse que ao veículo iria ser dado um destino competitivo em circuito fechado, outro ou nenhum seria o seguro.

Daí que a Ré/apelante tenha logrado provar a invalidade do contrato por declarações inexatas, sem necessidade de recorrer à validação e eficácia das cláusulas – e são várias – que excluem a cobertura contratual em prova desportiva.

Mas, ainda que o Autor no momento da celebração do contrato não vislumbrasse tal utilização desportiva, a verdade é que não podia deixar de saber, no momento em que optou por tal utilização, que o seguro apenas cobria uma utilização normal do objeto segurado, ou seja, apenas cobria as condições normais de risco.

A não ser assim, estar-se-ia a abrir as portas à possibilidade de o segurado usar o objeto seguro em diversas funções – desviadas da sua atividade previsível, comum, em aumento extremo do risco, como, por exemplo, usá-lo em competição desportiva num autódromo.

 Independentemente das condições gerais uniformes e especiais do contrato excluírem tal cobertura, independentemente do dever por parte da seguradora de comunicar ao tomador do seguro essas condições, o que só importaria averiguar se o contrato se apresentasse à cabeça, válido e eficaz, a verdade é que ao segurado se impõe um dever geral de boa-fé quer na formalização da proposta de seguro, quer no decurso do contrato, que lhe impunham o dever de informar a seguradora da utilização para fins desportivos e em circuito fechado, de modo a dar conta dum agravamento dos riscos normais.

A proposta de seguro é um elemento pré-contratual de particular relevo.

Trata-se de um impresso fornecido pelo segurador e onde o proponente tem o dever de fazer constar todos os elementos essenciais para que o segurador avalie os riscos contratuais para que possa decidir.

Na fase pré-contratual e durante toda a vida do contrato de seguro, as partes têm de respeitar os princípios da máxima boa-fé e lealdade, de modo recíproco com respeito pelas regras impostas pelo artigo 227 nº1 do CC.

 O proponente/tomador do seguro tem o dever de declarar o risco ou riscos a transferir e todas as circunstâncias que conheça e que razoavelmente tenha por significativas para que o segurador possa avaliá-los de modo esclarecido, livre e equitativo, sem vícios de vontade.

Como supra referimos, no caso dos autos o A., na proposta de seguro declarou que o veículo não circularia em áreas de acesso restrito, mas ocultou que o Porsche iria ser usado para participar em rallies e em competições de velocidade, em áreas de acesso restrito, expondo-o assim, de forma acentuada, a um agravamento dos riscos.

Por se tratar de um acentuado agravamento dos riscos, o legislador no Dec-Lei nº 291/2007 de 21/08 (que aprova o regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel) obriga a que “quaisquer provas desportivas de veículos terrestres a motor e respetivos treinos oficiais só podem ser autorizados mediante a celebração prévia de um seguro feito caso a caso, que garanta a responsabilidade civil dos organizadores, dos proprietários dos veículos e dos seus detentores e condutores em virtude de acidentes causados por esses veículos” (art. 6º nº 5).

Ora, retomando o contrato dos autos, impõe-se-nos concluir que, o Autor não agiu como qualquer proponente/tomador do seguro, medianamente zeloso, no momento da avaliação inicial do risco, pois que, não informou a seguradora do destino competitivo que igualmente iria dar à viatura e, por isso, omitiu declaração decisiva na ponderação de contratar ou de como contratar por parte da seguradora.

Caso em tal momento, não lhe ocorresse ainda a possibilidade de tal situação, impunha-lhe a boa-fé que, quando a mesma ocorresse, se dirigisse à seguradora dando-lhe conta dessa intenção, no sentido de colher informação quanto à validade e cobertura ou não, na circunstância e para o caso, do seu contrato de seguro obrigatório de  responsabilidade civil “normal”, e porque misto, e se no âmbito das  cláusulas facultativas estas se mantinham ou, se teria de celebrar um seguro próprio para o evento competitivo com início na data do seu começo e  termo na data em que acabasse.

A falta dessa boa-fé negocial ou contratual é funcionalmente prévia à exigência de a seguradora, após análise do risco, dever comunicar, quais as cláusulas que excluem a sua responsabilidade contratual.

 Um segurado razoável, zeloso e medianamente diligente, informaria a seguradora desse risco ou não submeteria o seu veículo à circulação no âmbito de uma prova desportiva e competitiva, sabendo ou podendo saber que o seguro não contemplava tal realidade, procurando, quanto muito que o viesse a contemplar.

Ora, no âmbito desta fundamentação, em que sobreleva a boa-fé pré-contratual do ato de declaração inicial do risco, a partir do qual a seguradora, analisando o risco, apresentaria a sua proposta de contrato, através nomeadamente de cláusulas contratuais gerais (contando-se nestas as cláusulas de exclusão de responsabilidade e o inerente dever de as comunicar) e, perante as declarações inexatas do A. proponente do contrato de seguro, suscetíveis de influenciar quer a existência, quer as condições do contrato (com tarifários/prémios mais elevados), o contrato é anulável, nos termos excecionados pela apelante/seguradora e, nos termos conjugados do art. 429º do Cód. Comercial e artigos 251º e 247º do C.Civil.

Perante tal vício, não pode considerar-se como abrangido pela cobertura do seguro o sinistro em causa.

Não deve a Ré, por isso, ser responsabilizada pelos danos advenientes do acidente a que os autos se reportam.

Satisfeita a pretensão da Ré/apelante na absolvição do pedido, prejudicados se mostram os demais fundamentos do recurso que, apenas foram invocados a título subsidiário.

Em suma:

- A condução numa prova de competição desportiva, vulgo Rally, em estrada fechada ao trânsito normal, aberta só para concorrentes, os quais são determinados pelo objetivo competitivo de conseguir o melhor tempo e a menor penalização, logo, determinados para serem velozes e hábeis, foge às regras do comportamento do condutor comum em trânsito por estradas ou ruas abertas ao trânsito público.

- Porque o propósito desta condução desportiva é atingir o melhor tempo possível, com níveis de habilidade acima da média, comportando uma carga de risco acrescido, o acidente que advém de tal condução não é um mero acidente de viação mas um acidente de viação desportivo.

- O proponente/tomador do seguro tem o dever de declarar o risco ou riscos a transferir e todas as circunstâncias que conheça e que razoavelmente tenha por significativas para que o segurador possa avaliá-los de modo esclarecido, livre e equitativo, sem vícios de vontade.

- Um segurado razoável, zeloso e medianamente diligente, informaria a seguradora desse risco ou não submeteria o seu veículo à circulação no âmbito de uma prova desportiva e competitiva, sabendo ou podendo saber que o seguro não contemplava tal realidade, procurando, quanto muito que o viesse a contemplar.

- O segurado que omite tal informação da seguradora aquando da celebração do contrato de seguro, ou seja, no momento da declaração inicial do risco, legitima por parte desta a invocação de declarações inexatas e consequente “nulidade” nos termos conjugados do artigo 429º do Cód. Comercial e artigos 251º e 247º do Cód. Civil.

                                                            IV

Termos em que, acorda-se em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida que se substitui por outra que absolve a Ré dos pedidos.

Custas pelo apelado.

(Anabela Luna de Carvalho ( Relatora)

 (João Moreira do Carmo)

 (José Fonte Ramos)


[1] Como exemplo, acórdãos do STJ de 12-05-1987, P.74431 (Magalhães Baião) e de 17-11-2005 P. 4B4372 (Pires da Rosa) in www.dgsi.pt.
[2] À data da celebração do contrato – 26/12/2006 - não estava ainda em vigor o DL 72/2008 de 16/04, que revogou os artigos 425.º a 462.º do Código Comercial.
[3] Nesse sentido, entre outros, o Ac. STJ de 11-09-2012, P.2083/07.3TBCLD.L1.S1, Relator: Nuno Cameira, in www.dgsi.pt.