Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
23/08.1TBPNL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUIS CRAVO
Descritores: SERVIDÃO DE PASSAGEM
EXTINÇÃO
DESNECESSIDADE
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 02/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: PENELA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.1251, 1297, 1543, 1547, 1550, 1569 Nº2 CC
Sumário: 1.- A desnecessidade da servidão traduz-se numa situação em que se conclui que o prédio dominante não precisa da servidão.

2.- A lei (art.1569º, nº2, do C.Civil) exige que a desnecessidade da permanência da servidão deve ser aferida pelo momento da introdução da acção em juízo, mas, em princípio, a desnecessidade será superveniente em relação à constituição da servidão, decorrendo de alterações ocorridas no prédio dominante.

3.- No entanto, a desnecessidade tem de ser aferida pela situação existente no momento em que a acção é proposta (objectiva e actual), e não só após a realização de alterações a levar a cabo no prédio dominante determinada na sentença.

4.- Só deve ser declarada extinta por desnecessidade uma servidão que deixou de ter qualquer utilidade para o prédio dominante; fazer equivaler a desnecessidade à indispensabilidade não é consistente com a possibilidade de extinção por desnecessidade de servidões que não sejam servidões legais.

5.- Incumbe ao proprietário do prédio serviente que pretende a declaração judicial da extinção da servidão o ónus da prova da desnecessidade.

6.- E estando em causa na acção o reconhecimento de uma servidão de passagem constituída por usucapião não tem relevância apurar se existe um outro qualquer caminho que pudesse assegurar as necessárias condições de acesso aos prédios dos autores, que apenas importaria para a constituição de servidão legal de passagem por insuficiência de comunicação com via pública.

Decisão Texto Integral:             Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

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VC (…) e MM (…), residentes em Condeixa-a-Nova, e MR (…), MS (…), MA (…), ML(…) e MC (…), residentes em Coimbra, enquanto representantes da HERANÇA ILÍQUIDA E INDIVISA ABERTA POR ÓBITO DE A.D. (…) intentaram a presente acção declarativa, com processo sumário, contra AM (…)e SF (….), residentes em Podentes, Penela, alegando, em síntese, que o prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia de Podentes, concelho de Penela, sob o art. x...º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Penela sob o n.º 00 y.../060788, veio à titularidade do autor da Herança – (…) – por sucessão por morte de seus pais (…), prédio este que tem estado na detenção, gozo e fruição das ora representantes dessa Herança (herdeiras de (…)), por si e seus antepossuidores, há mais de 20 anos; que, por sua vez, os 1ºs AA, (…), são donos e legítimos possuidores de um prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia de Podentes, concelho de Penela, sob o art. k...º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Penela sob o n.º z.../17012001 que veio à sua titularidade por compra a (…), prédio este que tem estado na detenção, gozo e fruição destes autores, por si e seus antepossuidores, há mais de 20 anos; que, finalmente, os RR. são donos e legítimos possuidores de um prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia de Podentes, concelho de Penela, sob o art. q...º, sendo que o prédio dos AA. (…) confronta com o prédio dos RR. pelo seu lado poente e que o prédio das 2ªs AA. herdeiras confronta com o prédio dos RR. pelo seu lado sul, sendo certo que o prédio das 2ªs AA. herdeiras é encravado e que o prédio dos 1ºs AA. (…) tem uma parte superior, onde é explorada uma vinha, que é encravada; que por assim ser, o acesso ao prédio das 2ªs AA. herdeiras e à parte superior do prédio dos 1ºs AA. sempre foi feito pelo prédio dos RR., há mais de 20 anos, pelo que os AA. beneficiam de uma servidão de passagem a pé e de carro pelo prédio dos RR.; sucedeu que em Julho de 2007, os RR., utilizando uma retroescavadora, fizeram profundos cortes no leito da serventia e ali colocaram pedras, detritos e restos de plantas e de arbustos, impossibilitando o acesso dos AA. aos seus prédios; assim, face a esta violação ilegítima dos seus direitos, os AA. terminam peticionando que os RR. sejam condenados a reconhecê-los como donos e legítimos possuidores dos respectivos prédios; a reconhecer que o seu prédio se encontra onerado, a favor dos AA., com uma servidão de passagem, de pé, carro e tractor; a reporem a leito da serventia para que a passagem seja retomada, a não impedir a passagem pela servidão; e a pagarem-lhes o valor dos danos patrimoniais que se vierem a apurar em execução de sentença.

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Citados, vieram os RR. apresentar a sua contestação-reconvenção, alegando, em síntese, que o prédio das 2ªs AA. herdeiras esteve abandonado desde 1963 e até 2005, sendo que as representantes da Herança e seus funcionários passaram pelo terreno dos RR., empunhando enxadas e forquilhas, e aí derrubaram paredes e destruíram culturas de favas e de videiras; que o 1º AA., (…), impossibilitou a ligação entre a parte de baixo e a parte de cima do seu prédio, que é apenas um único prédio, que os prédios dos AA. devem-se serventia mutuamente e nunca adquiriram qualquer direito de passagem pelo prédio dos RR.; que a parte superior do prédio dos 1ºs AA. (…) confina, numa distância de cerca de cinquenta metros, com um caminho público a sul, designado por caminho do Coiratão, que é um caminho transitável, por onde passam tractores; que a vinha existente no prédio dos 1ºs AA. (…) ficou de pousio dez anos; que nunca se entrou e saiu para os prédios dos AA. através do prédio dos RR.; que antes de 2005, o AA. (…) nunca passou pelo prédio dos RR. e já cultivava a vinha, pelo que usava os acessos que possui dentro do seu próprio prédio; que no prédio dos RR. não havia qualquer caminho ou serventia decalcada de alto a baixo, sendo que o acesso à metade nascente do prédio dos RR. sempre se fez só a pé por existir um desnível de cerca de um metro e meio de altura entre a metade nascente e a metade poente do prédio; que existia uma parede de pedra ao fundo da vinha dos RR., confinante com o terreno de pousio da Junta de Freguesia, que impossibilitava a passagem para baixo, no sentido poente-nascente; que os AA., entre 2004 e 2006, destruíram e arrancaram videiras no terreno dos RR., destruíram culturas de favas, espalharam pedras pelo terreno dos RR., alagaram duas paredes no terreno dos RR., que tiveram de ser reconstruídas; nestes termos, computam estes danos em três mil euros, sendo que desde 2005 que os AA. têm vindo a fazer ameaças de morte aos RR., insultos e provocações com enxadas e forquilhas, pelo que os RR. andam inquietos e o R. marido teve um AVC em 18 de Novembro de 2007, sendo certo que os RR., por força do comportamento dos AA., não dormem, não comem e andam sempre nervosos e atormentados, face ao que os RR. peticionaram, cada um, o montante de três mil, quatrocentos e noventa e nove euros e cinquenta cêntimos a título de danos não patrimoniais; assim, terminaram pugnando pela sua absolvição dos pedidos formulados pelos AA., e pela condenação dos AA. como litigantes de má fé, bem como nos pedidos reconvencionais formulados, concretamente no pagamento de três mil euros a título de danos patrimoniais, em conjunto para ambos os RR., e no pagamento de três mil quatrocentos e noventa e nove euros e cinquenta cêntimos, para cada um dos RR., a

título de danos não patrimoniais.

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Os AA. responderam à contestação-reconvenção apresentada pelos RR., concluindo pela improcedência das excepções e do pedido reconvencional deduzidos na contestação, bem como peticionando a condenação dos RR. como litigantes de má fé.

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Os RR. apresentaram um articulado de tréplica, no qual pediram, além do mais, a condenação dos AA. como litigantes de má fé, que não foi admitido.

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Foi efectuada perícia com vista à fixação do valor da acção.

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Na sequência foi elaborado despacho saneador, no qual se admitiu a reconvenção, prosseguindo-se com a afirmação da verificação dos demais pressupostos processuais e com a operação de selecção da matéria de facto, decisões que foram impugnadas pelos RR., sem embargo de ter sido rejeitado o correspondente recurso quanto aos segmentos atinentes à questão da personalidade judiciária da herança e ao do desentranhamento do articulado de fls. 128 a 133 (cópia) [cf. fls. 469-470 dos autos],  e de ter sido considerado improcedente o recurso respeitante à questão do valor da acção.

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Os RR. apresentaram um articulado superveniente, peticionando que seja declarado que o acesso ao prédio dos AA. (…) sempre se fez pelo caminho público existente a sul do Cerolico, que se prolonga dentro do prédio, desde a entrada do prédio a nascente e até à parte mais alta do prédio, pelo caminho das aveleiras; que estes AA. sejam condenados a demolir a piscina, parque de merendas e relva e todas as construções feitas no leito do caminho público que atravessa o seu terreno, bem como a retirar o portão existente no extremo nascente desse caminho e do seu prédio, por se tratar de um caminho que deve permitir o acesso a terceiros; que seja declarado que o outro acesso ao prédio destes AA. é através do caminho a poente do Cerolico ou caminho do Coiratão ou até à estrada municipal a norte; que seja declarado que o acesso ao prédio da Herança sempre se fez e faz única e exclusivamente pelo caminho do poente do Cerolico, que vai da estrada municipal a norte, prolonga-se no sentido norte-sul até à eira pública e desta descreve-se uma servidão predial pelos prédios de (…); que seja declarado que os prédios de (…)estão onerados com uma servidão de passagem a favor do prédio da Herança; que seja declarado que os AA. e os Chamados sempre tiveram conhecimento dos mencionados acessos aos prédios.

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Este articulado superveniente foi admitido e, em consequência, foram adicionados dois factos à matéria de facto assente.

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Os RR. suscitaram o incidente de intervenção principal provocada de HE (…) e MR (…).

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Realizou-se audiência de julgamento, com observância do legal formalismo, que incluiu inspecção judicial ao local, após o que foi dada resposta à matéria de facto, sem reclamações, culminando-se nas respostas à base instrutória que constam do despacho de fls. 804 a 830, sem reclamação.

Na sentença, considerou-se, em suma, e declarou-se, quanto ao que releva, que o prédio rústico inscrito na matriz predial respectiva de Penela sob o art. x...º, pertencia às ora 2ªs AA. herdeiras e que o prédio rústico inscrito na matriz predial respectiva de Penela sob o art. k...º, pertencia aos 1ºs AA., sendo os RR. condenados a tal reconhecer e bem assim que a favor desses dois prédios existe uma servidão de passagem de pé, carro e tractor, constituída por usucapião, sobre o prédio rústico deles RR. [o inscrito na matriz predial respectiva de Penela sob o art. q...º], mais sendo os RR. condenados a reporem a faixa de terreno, por onde se encontra constituída a dita serventia, como se encontrava antes da respectiva intervenção, permitindo a circulação a pé, carro e tractor pela servidão para acesso aos prédios dos AA., mas finalizando-se com a absolvição dos RR. dos pedidos de condenação respectivos [no pagamento de indemnização por danos patrimoniais formulado pelos AA., em multa e indemnização por litigância de má fé dos RR. a favor dos AA.] e bem assim, no demais, na absolvição dos AA. do pedido de condenação no pagamento de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais formulado pelos RR., bem como dos outros pedidos reconvencionais formulados pelos RR..

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Inconformados, apresentaram os RR./reconvintes recurso de apelação contra esta sentença, cuja alegação finalizam com as seguintes conclusões:
(…)

                       

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Apresentaram as AA. as suas contra-alegações a fls. 1092-1100, nas quais formulam as seguintes conclusões :

(…)

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De referir que quanto à arguição das nulidades da sentença, a Exma. Juíza que prolatou a mesma, indeferiu a sua verificação através do despacho de sustentação de fls. 1167-1168.

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            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

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            2QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos Recorrentes nas conclusões das suas alegações (arts. 684º, nº3 e 685º-A, nºs 1 e 3, ambos do C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no art. 3º, nº3 do C.P.Civil:

- nulidade da sentença e de todo o processado por falta de legitimidade da Autora Herança Ilíquida e Indivisa (falta de personalidade jurídica e judiciária da mesma);

- nulidade da sentença por omissão de pronúncia (aspecto da litigância de má fé dos AA. e aspecto do valor da servidão predial ajuizada);

- nulidade da sentença por contradição dentro da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão;

- nulidade da sentença por falta de fundamentação;

- valor da acção;

- reapreciação de “toda a decisão da matéria de facto” com base na “análise crítica de todas as provas”;

- incorrecto julgamento de direito, na vertente do regime substantivo das servidões prediais.

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3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1 – Como ponto de partida, e tendo em vista o conhecimento dos factos, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado/fixado pelo tribunal a quo, obviamente sem olvidar que tal enunciação terá um carácter “provisório”, na medida em que o recurso tem em vista a alteração parcial dessa factualidade.  

            São então os seguintes os factos que se consideraram provados na 1ª instância:

I – No dia 14/03/2005, faleceu intestado e sem qualquer outra disposição de última vontade, (…) o qual era casado, em primeiras e únicas núpcias de ambos, sob o regime de comunhão geral de bens, com (…). [al.A) dos factos Assentes];

II – Para além (…), o falecido deixou ainda como únicas e universais herdeiras (…) casada sob o regime de comunhão de adquiridos com (…) e (…). [al.B)];

III – Os herdeiros supra referidos ainda não partilharam o acervo hereditário, permanecendo tal herança ilíquida e indivisa. [al.C)];

IV – Faz parte do acervo hereditário prédio rústico constituído por “Terreno de vinha com 26 oliveiras e 2 nogueiras, sito na Lagariça, com a área de 0,4350 Ha, a confrontar do Norte com JF..., Nascente e Sul com MM... e Poente com MP..., com o valor patrimonial de € 122,93 (cento e vinte e dois Euros e noventa e três Cêntimos) e inscrito na matriz predial respectiva da Freguesia de Podentes sob o artigo x...º, descrito na Conservatória do Registo Predial de Penela, sob o nº 00 y.../060788 e aí inscrito a favor do de cujus através da inscrição G1, doravante designado, para efeitos de instrução da presente causa, como prédio A. [al.D)];

V – Tal imóvel adveio à titularidade e posse do de cujus, por sucessão por morte de seus pais, (…). [al.E)];

VI – As herdeiras de (…), bem como todos os que anteriormente as antecederam na titularidade de tal prédio, mantiveram-no inscrito na Repartição de Finanças e descrito na Conservatória do Registo Predial e, pagando os respectivos impostos. [al.F)];

VII – Os autores (…) e mulher são proprietários do prédio rústico constituído por “Terreno de cultura, vinha, mato e pinhal, com oliveiras, videiras, árvores de fruto, com a área de 1,7299 Hectares, sito na Lagariça, inscrito na respectiva matriz predial da Freguesia de Podentes, sob o artigo k...º, com o valor patrimonial de 253,28 Euros e descrito na Conservatória do Registo Predial de Penela, através da descrição nº z.../17012001 e aí inscrito a seu favor dos através da inscrição

G2, doravante designado, para efeitos de instrução da presente causa, como prédio B. [al.G)];

VIII – O qual adveio à sua titularidade por o haverem comprado a (…)[al.H)];

IX – Os réus são donos e legítimos possuidores do prédio rústico constituído por “Terreno de vinha com oliveiras e árvores de fruto, sito na Serrada”, com a área de 0,6591 hectares, inscrito na respectiva matriz predial rústica da Freguesia de Podentes, sob o artigo q...º, doravante designado, para efeitos de instrução da presente causa, como prédio C. [al.I)];

X – O prédio A confina pelo seu lado Sul com o prédio B. [al.J)];

XI – Em 30 de Dezembro de 1885 foi celebrada uma escritura de partilhas entre (…) e suas mulheres, que consta de fls. 555 a 564, transcrita a fls. 650 a 658 e que aqui se dá por reproduzida.[al.L)];

XII – Em 10 de Setembro de 1883 foi celebrada uma escritura de compra (…)e outros, que consta de fls. 565 a 568, transcrita a fls. 659 a 661 e que aqui se dá por reproduzida. [al.M)];

XIII – As autoras, herdeiras de (…), e antes de si, os seus antecessores, têm estado na detenção, gozo e fruição do prédio A, há mais de 20 anos e nele vindo a praticar os seguintes actos:

a. Amanhando-o, cultivando-o, lavrando-o, adubando-o e estrumando-o.

b. Plantando, podando e limpando as árvores e videiras e destas colhendo os respectivos frutos.

c. Nele entrando e saindo sempre que necessário, por forma explorá-lo e a praticar os actos atrás referidos.

d. O de cujus, muito antes de morrer, arrancou a vinha existente no prédio A, substituindo-a por um olival.

e. Para ele se deslocando os seus titulares, deslocando ainda consigo carros de animais, máquinas agrícolas, tractores e automóveis.

f. Por uma servidão sita em toda a extrema norte do prédio C, prolongando-se, de seguida, no sentido nascente, numa extensão de cerca de 140 m e com a largura que varia entre 2,5 m e 3 m (doravante designada, para efeitos de instrução da presente causa, apenas como servidão).

g. O trânsito foi feito, sempre que necessário, à vista de todos, sem oposição de ninguém, permanente e reiteradamente e na convicção do exercício dum direito próprio e sem prejuízo para terceiros. [resposta ao quesito 1º da Base Instrutória];

XIV – Os actos referidos no número anterior, têm vindo a ser praticados:

a. à vista de todos.

b. de forma não violenta, nem contra a vontade, ou oposição de terceiros.

c. de forma contínua e ininterrupta.

d. com o convencimento, da parte dos autores, de que a prática de tais actos resulta do facto de exercitarem um direito só próprio de quem é dono e daí não advir qualquer prejuízo para outrem. [resposta ao quesito 2º];

XV – O prédio B confronta do Norte com MC... e outro, Nascente com AT..., Sul com AR... e Poente com V... EM... e outros. [resposta ao quesito 3º];

XVI – Os autores (…), e antes de si, os seus antecessores na titularidade do prédio B, têm estado na detenção, gozo e fruição do mesmo, há mais de 20 anos e nele vindo a praticar os seguintes actos:

a. Mantendo-o inscrito na Repartição de Finanças e Conservatória do Registo Predial, e, assim, pagando os respectivos impostos.

b. Lavrando-o, cavando-o, adubando-o e estrumando-o e preparando as árvores e videiras e colhendo os respectivos frutos.

c. Tendo recentemente plantado na parte mais alta do terreno uma vinha, substituindo a que antigamente aí se encontrava.

d. E surribado o terreno.

e. Para ele se deslocando, deslocando ainda consigo carros de animais, máquinas agrícolas, tractores e automóveis. Nele entrando e saindo sempre que necessário, por forma explorá-lo e a praticarem os actos atrás referidos, através do prédio C.

f. Por uma servidão sita em toda a extrema norte do prédio C, prolongando-se, de seguida, no sentido nascente, numa extensão de cerca de 140 m e com a largura que varia entre 2,5 m e 3 (doravante designada, para efeitos de instrução da presente causa, apenas como servidão).

g. O trânsito foi feito, sempre que necessário, à vista de todos, sem oposição de ninguém, permanente e reiteradamente e na convicção do exercício dum direito próprio e sem prejuízo para terceiros. [resposta ao quesito 4º];

XVII – Os actos referidos no número anterior, têm vindo a ser praticados:

a. à vista de todos.

b. de forma não violenta, nem contra a vontade, ou oposição de terceiros.

c. de forma contínua e ininterrupta.

d. com o convencimento, da parte dos autores, de que a prática de tais actos resultava do facto de exercitarem um direito só próprio de quem é dono e daí não advir qualquer prejuízo para outrem. [resposta ao quesito 5º];

XVIII – O prédio C confronta do Norte com MP... da Costa, Nascente AS..., Sul com AM... e Poente com caminho. [resposta ao quesito 6º];

XIX – O prédio B confronta com o prédio C pelo seu lado poente. [resposta ao quesito 7º];

XX – O prédio A não tem qualquer ligação directa à via pública, que lhe permita o trânsito de pessoas, carros de tracção animal e mecânica, nomeadamente tractores. [resposta ao quesito 8º];

XXI – O Prédio B resultou da fusão de dois outros prédios rústicos, efectuada pela anterior proprietária dos mesmos. [resposta ao quesito 9º];

XXII – Sendo que, embora confinantes entre si, são presentemente, em termos de exploração económica, autónomos. [resposta ao quesito 10º];

XXIII – Tendo uma parte que se situa num plano mais alto, sendo aí explorada uma vinha que os primeiros autores recentemente plantaram e uma outra parte, que fica num vale, no sopé da anterior, onde se cultivam batatas, feijões e outros produtos agrícolas. [resposta ao quesito 11º];

XXIV – A parte inferior tem ligação com a estrada pública, permitindo o acesso à mesma, com carros e tractores, ao passo que, a parte superior não tem qualquer acesso directo à via pública. [resposta ao quesito 12º];

XXV – Não é possível o trânsito de carros, ainda que de tracção animal, e tractores da parte mais baixa para a mais alta. [resposta ao quesito 13º];

XXVI – O acesso de pessoas, carros e animais, quer ao prédio A, quer à parte alta (a da

vinha) do prédio B, sempre foi feito através do prédio C. [resposta ao quesito 14º];

XXVII – Por uma servidão, situada em toda a estrema Norte do prédio C, e com inicio a Poente, junto a um caminho público aí existente prolongando-se, de seguida, no sentido nascente, numa extensão de cerca de 140 m e com a largura que varia entre 2,5 m e 3m (doravante designada, para efeitos de instrução da presente causa, apenas como servidão). [resposta ao quesito 15º];

XXVIII – O leito da servidão sempre esteve bem visível, no terreno, e devidamente assinalado e marcado, através de sulcos na terra batida. [resposta ao quesito 16º];

XXIX – Encontrando-se, até ao final de Julho de 2007, desprovida de vegetação e “atapetada” em quase toda a sua extensão com gravilha. [resposta ao quesito 17º];

XXX – Sem a servidão, não seria possível aos possuidores dos prédios A e B usufruir, na sua plenitude, das utilidades que os mesmos lhes proporcionavam. [resposta ao quesito 18º];

XXXI – Os réus, no final de Julho de 2007, utilizando uma retro-escavadora, procederam a vários e profundos cortes no leito da servidão. [resposta ao quesito 19º];

XXXII – Nela colocando pedras, detritos e restos de plantas e arbustos, ao mesmo tempo que, tentaram desfazer todos os vestígios existentes no seu leito, nomeadamente arrasando os sulcos nela existentes. [resposta ao quesito 20º];

XXXIII – Assim tendo tornado impossível o acesso pedonal, de carro, camioneta, ou tractor, ou carro tirado por animais, dos autores ao prédio A e à parte alta do prédio B. [resposta ao quesito 21º];

XXXIV – Todos os autores têm necessidade em entrar e sair dos seus prédios, utilizando a servidão. [resposta ao quesito 23º];

XXXV – Sendo necessário preparar os terrenos tanto para o cultivo da vinha, como do olival, e lavrar, fresar, limpar e adubar os terrenos, bem como podar e tratar as videiras e oliveiras, sob pena de se perder não só a próxima produção, como as que se lhe seguirem, por não tratamento das respectivas árvores e videiras. [resposta ao quesito 24º];

XXXVI – Para a execução das tarefas descritas no número anterior é necessária a utilização de tractores e demais alfaias agrícolas, bem como o acesso pedonal dos respectivos trabalhadores. [resposta ao quesito 25º];

XXXVII – Os réus plantaram oliveiras e videiras no leito da servidão. [resposta ao quesito 27º];

XXXVIII – E colocaram, no início da servidão, junto à estrada, uma rede apoiada em postes de madeira. [resposta ao quesito 28º];

XXXIX – Actualmente, o prédio A é composto, essencialmente, por oliveiras e nogueiras. [resposta ao quesito 30º];

XL – O prédio B, na parte baixa, designada por Adro, tem acesso a um caminho público, designado por caminho da casinha. [resposta ao quesito 44º];

XLI – O prédio B, na parte superior, designada por Lagariça, tem uma vinha e confina com um carreiro designado por caminho do coiratão, numa distância de cerca de 30 metros, num plano superior em relação ao prédio B e em declive em relação a este, numa parte vedada por arame. [resposta ao quesito 48º];

XLII – Existe actualmente um desnível no prédio C. [resposta ao quesito 70º].

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3.2 – A primeira questão que com precedência lógica importa solucionar é a que se traduz nas alegadas nulidades, mormente da sentença.

Começando pela arguição de que tal ocorre por falta de legitimidade da Autora Herança Ilíquida e Indivisa (falta de personalidade jurídica e judiciária da mesma), diremos o seguinte:

Os RR./Recorrentes sustentam neste particular que se verifica a nulidade da sentença “assim como” de todo o processado, “por causa” da falta de legitimidade da autora herança ilíquida e indivisa, “por falta” de personalidade jurídica e judiciária.

Face aos termos literais em que estas questões vêem colocadas, desde logo se constata uma evidente confusão dogmática entre os pressupostos processuais da legitimidade e personalidade (jurídica e judiciária), para além de manifesta incompreensão do conceito e efeito das nulidades processuais, designadamente em contraponto com as excepções processuais.

Na verdade, e muito brevemente, diremos que quer a legitimidade, quer a personalidade judiciária[1] são pressupostos processuais, cuja falta constitui excepção dilatória (cf. art. 288º, nº1, als. c) e d) do C.P.Civil), sendo certo que a falta de personalidade judiciária (fora do caso referido no art. 8º) é insanável, ao contrário do que acontece com a ilegitimidade, pois que, em regra, só a ilegitimidade singular também o é (insanável).

Ora, nos termos do art. 201º, nº1 do C.P.Civil, não sendo as ditas excepções dilatórias da falta de personalidade judiciária e da ilegitimidade casos de “nulidade” legalmente tipificada (a ineptidão da petição inicial, a falta de citação, seja do réu, seja do Ministério público quando deva intervir como parte principal, o erro na forma de processo e a falta de vista ou de exame ao Ministério Público quando deva intervir como parte acessória e a falta não tenha sido devidamente sanada, ditas “nulidades principais” ou “nulidades nominadas” - cf. os arts. 193º, 194º, 2ª parte do nº2 do 198º, 199º e 200º, todos do C.P.Civil[2]), temos que também não são das constantes de disposição avulsa que comine tal vício à infracção em causa, ditas “nulidades secundárias” (a saber, a prática de acto que a lei não admita, bem como a omissão de acto ou formalidade que a lei prescreva, só produzem “nulidade” quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa).

Com o queremos dizer que, relativamente aos aspectos da falta de personalidade judiciária e da ilegitimidade, manifestamente nem está em causa uma “nulidade” processual por alegado desvio do formalismo processual seguido relativamente àquele que deveria ter sido observado, nem uma “nulidade” da sentença por algum dos fundamentos previstos no art. 668º, nº1 do C.P.Civil (aplicáveis aos despachosex vi” do art. 666º, nº3 do C.P.Civil)…

Estamos assim liminar e incontornavelmente circunscritos à qualificação e aferição dos alegados vícios no quadro das “excepções” processuais (dilatórias). 

Acontece que no despacho saneador foram apreciados – e afirmados positivamente – os pressupostos da personalidade judiciária e legitimidade dos AA., enquanto representantes da HERANÇA ILÍQUIDA E INDIVISA ABERTA POR ÓBITO DE (…) (cf. fls. 359 a 361 dos autos), com argumentação e fundamentação que merece o nosso integral acolhimento[3].

Na verdade, foram todos os herdeiros da dita HERANÇA ILÍQUIDA E INDIVISA (aqui 2ªs AA. herdeiras), que intentaram a presente acção, não em nome próprio, mas em nome do património autónomo que representam, reunindo no seu conjunto o requisito da personalidade judiciária, bem como o da legitimidade processual activa, sendo certo que a referência feita na p.i. à “HERANÇA” deve entender-se como o fundamento e a qualidade que une os herdeiros devidamente identificados como representantes, agindo em bloco em nome desta e sendo assim parte legítima na lide.[4]     

 Improcede, assim, esta via de argumentação aduzida pelos RR./Recorrentes como fundamento para a procedência do recurso.

                                                           *

E que dizer do argumento da nulidade da sentença por omissão de pronúncia (aspecto da litigância de má fé dos AA. e aspecto do valor da servidão predial ajuizada)?

Segundo o artigo 668º, nº1, al.d) do C.P.Civil, é nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento".

            Estando em causa nesta sede quer o vício designado por “omissão de pronúncia”, quer o do “excesso de pronúncia”, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no nº 2 do artº 660 do C.P.Civil, que é, por um lado, o de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas em que a lei lhe permite delas conhecer oficiosamente).

Ora, perante esta explicitação do conceito e sentido da arguida causa de nulidade, não vislumbramos de todo – a não ser por manifesto lapso ou deficiente compreensão dos conceitos legais – como é que se pode invocar e sustentar que a sentença poderá ter incorrido em qualquer um desses referenciados vícios, na medida em que, desde logo, o dito aspecto da litigância de má fé dos AA. se encontrava fora das questões submetidas a apreciação na sentença.

 Explicitando: sobre esse aspecto não tinha a sentença que se pronunciar expressa e obrigatoriamente, dado que o mesmo fora suscitado/requerido pelos RR. ora Recorrentes em articulado que foi mandado desentranhar, sendo que o recurso oportunamente deduzido sobre tal foi rejeitado (cf. fls. 469-470 dos autos), e sem que neste recurso da sentença final tal concreta questão tenha sido um dos fundamentos do recurso.

O que serve para dizer que sendo a eventual condenação por litigância de má fé um dos aspectos sobre os quais a sentença acessoriamente se pronuncia[5], e se é certo que tal pode acontecer oficiosamente, já quando tal não se encontrava validamente requeridos nos autos, uma omissão de pronúncia sobre tal não pode obviamente configurar a arguida nulidade por omissão de pronúncia.

                                                           *

Já quanto à sub-questão da omissão de consideração e apreciação do aspecto do valor da servidão predial ajuizada, resulta, ao invés, do devido cotejo e confronto da sentença recorrida, que esta contém os fundamentos, de facto[6] e de direito, devidamente expostos, sendo que nela se concluiu em perfeita harmonia com o exposto, e que nomeadamente nela se conheceu, sem omissão, dessa concreta questão, embora considerando esse aspecto negligenciável, por estar em causa uma servidão de passagem constituída por usucapião (cf. pontos “2.7.” e “2.8.” da sentença, mormente nos parágrafos que começam com o advérbio “Concluindo”, a fls. 854 e 855 dos autos, respectivamente).

Acresce que a discordância por parte dos RR./Recorrentes quanto à bondade da decisão neste particular não configura claramente a nulidade por omissão de pronúncia de cuja apreciação se cuida…

Termos em que improcede também esta via de argumentação aduzida pelos RR./Recorrentes como fundamento para a procedência do recurso.

                                                           *

Vejamos agora do argumento da nulidade da sentença por contradição dentro da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão:

Segundo a alínea c) do citado art. 668º, nº1, a sentença será nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão”: obviamente que quando se fala, a tal propósito, em “oposição entre os fundamentos e a decisão”, está-se a aludir à contradição real entre os fundamentos e a decisão; está-se a aludir à hipótese de a fundamentação apontar num sentido e a decisão seguir caminho oposto.[7]

Ora, o que se detecta como tendo ocorrido na sentença, foi o perfilhar um certo enquadramento de direito, designadamente quanto aos requisitos da declaração e reconhecimento da reivindicada servidão de passagem, com suporte em interpretação doutrinal e jurisprudencial que nesse sentido se invocou, entendendo os RR./Recorrentes que a outra e diferente conclusão se deveria ter chegado no caso, mas isso não configura claramente a nulidade a que se reporta este dispositivo.

Dito de outro modo: o que foi citado em termos de fundamentação jurídica pelo tribunal a quo, poderá significar um alegado erro de julgamento (de direito) sobre a questão sub judice, mas não um vício estrutural da sentença, que tivesse virtualidades para conduzir à nulidade da mesma.

Termos em que igualmente improcede claramente esta via de argumentação aduzida pelos RR./Recorrentes como fundamento para a procedência do recurso, sem embargo do que infra se decidirá na apreciação do também alegado fundamento recursório do “erro na aplicação do direito”.

                                                           *

Finalmente, sustentam os RR./Recorrentes, nesta parte do fundamento em “nulidades”, que ocorre a nulidade da sentença por falta de fundamentação.

“Quid iuris”?

A resposta a esta questão é também negativa – e releve-se este juízo antecipativo.

É que segundo o artigo 668º, nº1, al.b), é nula a sentença quando “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.”

Porém, desde logo quando se fala, a tal propósito, em “falta de fundamentação”, está-se a aludir à falta absoluta e não às situações em que a fundamentação é deficiente, incompleta ou não convincente.

Sem embargo, importa ter presente que se constitui como mais completo e rigoroso o entendimento de que também e ainda ocorre essa nulidade “quando a fundamentação de facto ou de direito seja insuficiente e em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial[8].

Ora, na sentença recorrida encontram-se claramente especificados os fundamentos de facto e de direito da decisão, pelo que não vislumbramos como possa ter acolhimento esta concreta causa de nulidade da mesma!

Acresce que quanto ao dever do Juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, tem sido entendido que não constitui nulidade a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que os RR./recorrentes houvessem invocado nos articulados.[9]  

                                                                       *

            3.3 – Os RR./Recorrentes aludem ao desacerto da decisão proferida nos autos quanto ao valor da acção.

Esta questão é a última que aparece colocada nas conclusões – e até sem qualquer fundamentação concreta a sustentá-la – mas na medida em que enquanto questão “processual” tem precedência lógica sobre as que se seguem nesta apreciação, sobre ela nos vamos já pronunciar.

E fazendo-o, diremos que a sua sindicância só se pode compreender como fruto de distracção ou equívoco por parte dos RR./Recorrentes.

 Na verdade, sobre esta questão (do valor da acção), já tinha incidido um recurso[10], cuja decisão final foi no sentido da improcedência do mesmo, com a manutenção do despacho de fixação do valor da acção nos seus precisos termos.  

Formou-se assim caso julgado neste particular, não cumprindo – e nem podendo nem devendo – este tribunal de recurso voltar a pronunciar-se sobre tal!

                                                           *

3.4 – Os RR./Recorrentes suscitam a reapreciação de “toda a decisão da matéria de facto” com base na “análise crítica de todas as provas”:

            Neste particular, diremos que em nosso entender tal se encontra inabalavelmente impossibilitado.

Na verdade, tendo presente o disposto no nº2 do art. 685ºB do C.P.Civil, com referência à al.b) do nº1 do mesmo, entendemos que se impõe a rejeição da impugnação da matéria de facto, em decorrência e como consequência dos precisos termos em que foi formulada.     

Com efeito, e confrontando as alegações de recurso em referência, constatamos que os RR./Recorrentes, pouco mais fazem do que sustentar, de modo vago e generalista, que “A sentence faz errada apreciacao das provas, errada e viciada apreciacao dos depoimentos, ao dar total credibilidade aos depoimentos dos autores e ao descredibilizar as testemunhas dos réus, quando a apreciacao correcta num juizo imparcial é a inversa”, bem como que “A prova testemunhal produzida pelos réus deve ser considerada credível porque de facto as terstemunhas depuseram de forma isenta, nenhuma depende dos réus, nao tem interesse na causa. A PROVA TESTEMUNHAL TRANSCRITA NO PRESENTE RECURSO DAS TESTEMUNHAS (…)DEVE SER CONSIDERADA VALIDA E UM ELEMENTO PROBATÓRIO VÁLIDO E VERDADEIRO, QUE RETRATA A REALIDADE DAQUELES TRES PRÉDIOS NOS VINTE ANOS QUE ANTECEDERAM A PROPOSITURA DA ACCAO”, finalizando-se por sustentar “Os réus requerem ao Tribunal da Relacao de Coimbra que se dignem ouvir todos os depoimentos, e reapreciar toda a decisao da matéria de facto.
Segue-se algumas transcricoes de depoimentos de testemunhas dos réus , gravadas nos ficheiros identificados na respective transcricao conforme as actas de julgamento existentes no processo
”.

Também no corpo das alegações foi sustentado que “A prova testemunhal dos autores deve ser toda desvalorizada, porque basta ouvir aqueles depoimentos para se perceber que estavam todos muito afectados, muito parciais, muito apaixonados, porque influenciados pelos autores, e movidos pela intenção de nprestar homenagem ao falecido engenheiro Correia que era uma pessoa respeitada e por isso as pessoas, testemunhas dos autores lá foram jurar falso ao Tribunal a favor das suas herdeiras”.

Sendo ainda – e antes de discriminar um conjunto de pontos da base instrutória que se julgavam incorrectamente julgados – para tanto fundamentado/aduzido que “Pontos DA MATÉRIA INSTRUTÓRIA incorrectamente julgados e que impõem decisão diversa de acordo com toda a prova documental existente nos autos e com a prova testemunhal produzida pelos RÉUS E RECONVINTES, mormente com os depoimentos transcritos no presente recurso.”     

Contudo, em relação à prova documental (qual seja ela?) e da inspecção judicial constantes dos autos, não especifica nem explicita a concreta razão da discordância[11], isto é, em que termos é que se evidencia o invocado erro de julgamento na apreciação dos ditos meios de prova e, em contraponto, qual o mais correcto modo da sua apreciação.

Ora, particularmente no que à prova testemunhal diz respeito, temos que quanto à produzida pelos Autores, para além de afirmações desprimorosas várias, designadamente sobre o respectivo carácter e moral, ou ainda sobre a respectiva razão de ciência, não se explica nem explicita em que pontos ou segmentos dos respectivos depoimentos é que se evidenciava essa menor credibilidade; e em contraponto, quanto às testemunhas arroladas pelos próprios RR./reconvintes, não logram eles discriminar e/ou especificar os pontos ou segmentos dos respectivos depoimentos que convincente e concludentemente poderiam e deveriam conduzir à convicção factual reclamada: note-se que apesar de terem procedido a algumas transcrições desses depoimentos, constituindo uma espécie de “anexo” às suas alegações, tal mostra-se largamente truncado e mesmo aí pontuado/legendado com despropositadas e não concretamente identificadas afirmações/avaliações/comentários da subscritora das alegações (!?).

Acontece que tem sido doutamente sustentado em arestos desta mesma Relação de Coimbra, designadamente em data recente que    

1. Os artigos 712.º e 690.º-A do CPC impõem ao recorrente que pretenda a reapreciação da prova por parte da Relação que fundamente a sua discordância em relação ao decidido na 1.ª Instância, que identifique os concretos erros de julgamento da 1.ª Instância, que indique os concretos meios probatórios que foram mal apreciados e que, apreciados do modo pretendido, devem conduzir a decisão diversa, suficientemente enunciada e sugerida, da proferida na 1.ª Instância.

2. É sempre insuficiente um pedido mais ou menos global e genérico para levar a Relação a reapreciar a prova.[12]

Note-se que ao referir-se a “concretos meios probatórios” a lei está a colocar a exigência de que se alegue o porquê da discordância, que se apontem as passagens precisas dos depoimentos que fundamentam a concreta divergência, que se explique em que é que os depoimentos contrariam a conclusão factual do tribunal recorrido.

Exigência esta também imposta pelo princípio do contraditório, pela necessidade que a parte contrária tem de conhecer os argumentos concretos e devidamente delimitados do impugnante, para os poder contrariar.

Sendo certo que não se pode considerar suprida a dita omissão da “identificação precisa e separada dos depoimentos” e de “identificar com exactidão as passagens da gravação em que se funda” (cf. art. 685º-B, nº2 do C.P.Civil) pelo confronto do “anexo” contendo alguns excertos desses ditos depoimentos...

E nem se alegue que tal tarefa estava impossibilitada pelo facto da gravação efectuada não o permitir: ao invés, a mesma mostra-se[13] efectuada, cronometrando a cada momento o desenrolar desses depoimentos, pelo que, o equipamento dessa gravação e inerentemente o respectivo suporte, propiciavam, sem dúvida, tal possibilidade[14].

Esta mesma linha de entendimento e com referência a uma situação com bastante paralelismo com a do caso sub iudice, foi doutamente sustentada no já supra citado aresto, no segmento em que se disse o seguinte:

O recorrente parece, salvo o devido respeito, laborar no erro de pensar que basta juntar a transcrição do julgamento – que faz num anexo com 89 páginas – para meter a Relação a reapreciar genericamente a prova – porventura até toda a prova – produzida em 1.ª Instância.
Não é, porém, assim.
Os art. 712.º e 685.º-B impõem a quem pretenda a reapreciação da prova, por parte da Relação, que fundamente a sua discordância em relação ao decidido na 1.ª Instância, que identifique onde estão os concretos erros de julgamento da 1.ª Instância, que indique os concretos meios probatórios que foram grosseiramente apreciados e que, apreciados do modo pretendido, devem conduzir a decisão diversa da proferida na 1.ª Instância; e, evidentemente, que não omita nada disto – e, muito menos, tudo isto – das conclusões.
Assim, porque não se mostra efectuado pelos RR./Recorrentes a indicação legalmente estabelecida, rejeita-se e não se procede ao escrutínio da decisão de facto, não havendo assim lugar a qualquer reapreciação/alteração à matéria de facto fixada pela tribunal a quo.
                                                           *

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Cumpre agora entrar na apreciação da questão seguinte supra enunciada, esta já directamente reportada ao mérito da sentença, na vertente da fundamentação de direito da mesma, a saber, ter havido incorrecto julgamento de direito, na vertente do regime substantivo das servidões prediais:

Tanto quanto se consegue descortinar do que vem sustentado nas alegações, invoca-se neste particular que na sentença recorrida não se teve em conta a desnecessidade que o prédios dos 1ºs AA. tem da serventia ajuizada (porque tem possibilidades de ter bom acesso com pouco dispêndio; além de confinar com os dois outros caminhos a Norte e a Nascente); que em relação ao prédio da herança ilíquida e indivisa foi aplicado incorrecta e indevidamente o art. 1550º do C.Civil; que eles RR./reconvintes haviam cumprido o ónus de provar os factos impeditivos, modificativos e extintivos do direito de servidão de passagem alegado pelos AA., face ao que resultaria o impedimento e a extinção do direito destes.

Comecemos por dizer que o pedido dos AA., consubstanciado no reconhecimento de uma servidão de passagem a favor dos seus prédios, onerando o prédio dos RR., tem a sua causa de pedir na usucapião.

Consabidamente a servidão é um direito real que permite aumentar as utilidades que um direito real de gozo sobre um imóvel proporciona, mediante a correlativa restrição de um outro direito real de gozo sobre outro prédio pertencente a dono diferente.

Sendo que se diz “serviente” o prédio sujeito à servidão e “dominante” o prédio que dela beneficia (art. 1543º do C. Civil), definição de que se destacam quatro notas: a servidão é um encargo; o encargo recai sobre um prédio; aproveita a outro prédio; e os prédios têm de pertencer a donos diferentes.

A servidão pode constituir-se pela posse por lapso de tempo bastante para usucapir (art. 1547º, 1, do C.Civil).

 E a posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (corpus) e o faz com intenção de agir como titular desse direito (animus) – cf. art. 1251º do mesmo  C.Civil.

Ora, quando uma situação possessória se prolonga no tempo, é-lhe reconhecida a conversão numa situação jurídica definitiva pela via da usucapião.

Contudo, a posse usucapível supõe determinadas características essenciais: a publicidade e a pacificidade, pois a posse oculta e a posse violenta não merecem a tutela do direito.

Assim, os prazos da usucapião só se iniciam quando cessa a violência ou a posse se torna pública (art. 1297º do C. Civil), e a posse é “pacífica” quando é adquirida sem violência e “pública” quando se exerce de modo a poder ser conhecida pelos interessados (cf. arts. 1261º e 1262º do C. Civil).

Dito de outro modo: a constituição da servidão por usucapião repousa na posse (art. 1287º do C.Civil), e esta carece de ser caracterizada, além do mais, pela boa fé ou má fé, que consiste na ignorância de lesar direito alheio (art.1260º, nº1 do C.Civil), pela pacificidade (art. 1261º do C.Civil) e pela publicidade (art. 1262º do C.Civil).

Sendo certo que compete ao pretenso titular do direito de servidão alegar e provar o uso ou a reiterada utilização do acesso, por si e antepossuidores, como direito seu, como sua posse, ocorrida, enquanto tal, de boa ou , e com publicidade, ou seja, à vista de todos e, principalmente, que tivesse sido acompanhada da convicção de se comportarem como titulares do direito correspondente (o chamado “animus”, ou elemento psicológico).

Em função da natureza da posse exigem-se determinados prazos, mais ou menos longos, para conduzir à usucapião, sendo que não havendo registo do título ou da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de quinze anos, se a posse for de boa fé, e de vinte anos, se for de má fé (art. 1296º do C.Civil).

Acontece que no caso vertente os AA. conseguiram comprovar claramente todos esses requisitos, tal como a aparência e visibilidade dos sinais reveladores da servidão (cf. art. 1548º do C.Civil).

Aliás, só verdadeiramente se compreende e pode aceitar que os RR./recorrentes tivessem questionado em via de recurso a constituição da servidão (também falando em  “impedimento” dessa constituição), com referência e suporte nos ditos factos “impeditivos”, “modificativos” ou “extintivos” desse direito dos AA..

Sucede que estando eles controvertidos, os mesmos tiveram quase integralmente resposta negativa em sede de respostas aos quesitos da base Instrutória [cf. respostas negativas aos quesitos 29º, 31º a 43º, 51º a 69º e 71º a 78º, sendo que as respostas restritivas aos remanescentes quesitos (30º, 44º a 50º e 70º) nada de concludente trazem neste particular].

Sendo certo que a impugnação da matéria de facto já foi supra considerada totalmente improcedente!

Assim, enquanto sustentado nessa via de argumentação, logo por aí inabalavelmente teria que improceder este fundamento recursivo dos RR./Recorrentes.

Contudo, por isso ser questão que já entronca com a alegada “desnecessidade” para os prédios dominantes da servidão ajuizada, vamos passar seguidamente a apreciar um tal fundamento.

                                                           *

Efectivamente, o nº 2 do art. 1569º do C.Civil permite que as servidões constituídas por usucapião possam ser judicialmente declaradas extintas, a requerimento do proprietário do prédio serviente, desde que se mostrem desnecessárias ao prédio dominante.

Contudo, não nos diz a lei, em que se traduz tal “desnecessidade”, nem se a mesma tem que ser originária ou superveniente à constituição da servidão.

Segundo o Prof. Oliveira Ascensão[15], a “desnecessidade” tem de ser objectiva, típica e exclusiva da servidão, caracterizada por uma mudança na situação objectiva do prédio dominante verificada em momento posterior à constituição da servidão, e, em consequência da qual, perdeu utilidade para o prédio dominante.

Dito de outro modo: traduz-se numa situação em que se conclui que o prédio dominante não precisa da servidão.

Por outro lado, parte da jurisprudência vinha entendendo que a desnecessidade supunha uma alteração no prédio dominante posterior à constituição da servidão[16], mas na doutrina, o Prof. Luís Carvalho Fernandes[17], sustenta que o que está em causa no nº 2 do art. 1569º é a desnecessidade superveniente, que consiste na cessação das razões que justificavam a afectação de utilidades do prédio serviente ao prédio dominante.

Mais recentemente, o Ac. do S.T.J. de 16-03-2011[18] pronunciou-se no seguinte sentido (sumário):

«1. A desnecessidade de uma servidão de passagem tem de ser aferida em função do prédio dominante, e não do respectivo proprietário.

2. Em princípio, a desnecessidade será superveniente em relação à constituição da servidão, decorrendo de alterações ocorridas no prédio dominante.

3. Só deve ser declarada extinta por desnecessidade uma servidão que deixou de ter qualquer utilidade para o prédio dominante; fazer equivaler a desnecessidade à indispensabilidade não é consistente com a possibilidade de extinção por desnecessidade de servidões que não sejam servidões legais.

4. Incumbe ao proprietário do prédio serviente que pretende a declaração judicial da extinção da servidão o ónus da prova da desnecessidade.»

Concordamos com esta última interpretação, por nos parecer que está mais de acordo com o espírito e a letra da lei.

Entendemos, no entanto, que a “desnecessidade” tem de ser aferida pela situação existente no momento em que a acção é proposta, e não só após a realização de alterações (obras) a levar a cabo no prédio dominante determinada na sentença.

Este é aspecto que resulta expressamente da letra da lei, ao exigir que a servidão se mostre desnecessária na altura em que é invocada, e não que sejam realizadas alterações que determinem essa situação de “desnecessidade”, sob pena de se entender que tais alterações são uma consequência da declaração de extinção[19].

No caso vertente e cotejando os factos provados não se vislumbra neles conteúdo bastante para consubstanciar este fundamento legal extintivo.

Na verdade não se apurou que os AA. tenham outro acesso aos seus prédios, ou, tendo-o, que ele lhe proporciona acessibilidade de igual ou muito idêntico jaez e comodidade por reporte ao que lhe é proporcionado pela servidão ajuizada, quer em termos de distância percorrida, quer em termos de maior ou menor dificuldade na acessibilidade (em função do estado do leito acessante, da sua largura, configuração, etc.).

Ao invés, como bem se vincou na sentença recorrida, a linha de argumentação aduzida pelos RR./recorrentes na sua contestação/reconvenção não resultou de todo apurada: em relação ao prédio dos 1ºs AA.[20], não resultou existir positivamente um actual e efectivo acesso pelos caminhos públicos invocados (ditos “caminho da Casinha”, “caminho das Aveleiras” e “caminho do Coiratão”); e em relação ao prédio das 2ªs AA. herdeiras, também não resultou apurado ser possível a ele aceder por caminho e por servidão predial pelos prédios de (…).

Dito de forma breve e decisiva: a “desnecessidade” que os RR./recorrentes invocaram, não estava de todo apurada nem definida no momento em que foi formulado o pedido reconvencional.

Face ao que resulta inquestionável a efectiva e positiva necessidade de utilização da servidão ajuizada para acesso aos respectivos prédios dos AA..

                                                           *

Acresce até que – como igualmente bem foi aduzido na sentença recorrida – que  a falta de encrave dos prédios dos AA. só teria relevância se estivesse em causa a constituição da servidão “legal” de passagem.

Ora, o que está em causa nesta acção “é antes o reconhecimento de uma servidão de passagem constituída por usucapião que, verificadas todas as suas condicionantes, sempre terá de ser reconhecida, ainda que o prédio dominante disponha de outros meios de comunicação com a via pública.”[21]

Na verdade, importa distinguir a constituição de uma servidão de passagem por usucapião (que estava em causa nestes autos, e que dogmaticamente também é designada por servidão “voluntária”), das servidões “legais” de passagem.

 As denominadas servidões “legais”, a que alude o n.º 2 do artigo 1547º do C. Civil, podem ser constituídas por negócio jurídico (se as partes acordarem nos termos da sua constituição), por decisão judicial (na falta desse acordo por sentença constitutiva) ou por decisão administrativa (quando o suprimento do acordo, nos termos da lei, compete às autoridades administrativas).[22]

 A servidão “legal” é, pois, a faculdade (direito potestativo) de constituir coercivamente uma servidão, se verificados certos requisitos objectivos, como no caso da servidão legal de passagem em benefício de prédios encravados: com efeito, os proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, têm a faculdade de exigir a constituição de servidão de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos; e de igual faculdade goza o proprietário que tenha comunicação insuficiente com a via pública, por terreno seu ou alheio (cf. art. 1550º do C.Civil).

Acontece que não estava em causa nesta acção a constituição de uma servidão “legal” de passagem (“tout court”), pelo que bem se decidiu na sentença recorrida quando se disse que era infundada a defesa centrada na existência de um outro caminho ou acesso à via pública.

Nesta linha de entendimento, incorrem até os RR./Recorrentes em deficiente interpretação ou equívoco quando sustentam o desacerto da sentença recorrida por errada interpretação do art. 1550º do C.Civil[23], pois que, se bem cotejarmos a sentença recorrida, não se vislumbra em nenhum ponto ou segmento do respectivo enquadramento jurídico, que a afirmação de procedência da acção se fundasse substantivamente neste dito art. 1550º do C.Civil… 

Assim, e concluindo, porque como os factos provados revelam inequivocamente a existência de sinais visíveis e permanentes (não totalmente destruídos pela actuação dos RR. em 2005!), e a actuação dos AA. no exercício de um direito de servidão de passagem, consubstanciado no corpus, traduzido nos actos materiais correspondentes, e no necessário animus, revelado na convicção de que exerciam um direito próprio, numa posse pública, pacífica e de boa fé, durante período de tempo bastante para usucapir, está a apelação totalmente votada ao insucesso.

                                                                       *

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I – A desnecessidade da servidão traduz-se numa situação em que se conclui que o prédio dominante não precisa da servidão.

II – A lei (art.1569º, nº2, do C.Civil) exige que a desnecessidade da permanência da servidão deve ser aferida pelo momento da introdução da acção em juízo, mas, em princípio, a desnecessidade será superveniente em relação à constituição da servidão, decorrendo de alterações ocorridas no prédio dominante.

III – No entanto, a desnecessidade tem de ser aferida pela situação existente no momento em que a acção é proposta (objectiva e actual), e não só após a realização de alterações a levar a cabo no prédio dominante determinada na sentença.

IV – Só deve ser declarada extinta por desnecessidade uma servidão que deixou de ter qualquer utilidade para o prédio dominante; fazer equivaler a desnecessidade à indispensabilidade não é consistente com a possibilidade de extinção por desnecessidade de servidões que não sejam servidões legais.
V – Incumbe ao proprietário do prédio serviente que pretende a declaração judicial da extinção da servidão o ónus da prova da
desnecessidade.

VI – E estando em causa na acção o reconhecimento de uma servidão de passagem constituída por usucapião não tem relevância apurar se existe um outro qualquer caminho que pudesse assegurar as necessárias condições de acesso aos prédios dos autores, que apenas importaria para a constituição de servidão legal de passagem por insuficiência de comunicação com via pública.

                                                                       *

6 - DISPOSITIVO

            Pelo exposto, julga-se a apelação totalmente improcedente e confirma-se a decisão recorrida.

Custas do recurso pelos RR./recorrentes.

                                                                       *

           

Luís Filipe Cravo ( Relator )

Maria José Guerra

Albertina Pedroso


[1] E tenha-se presente que a “personalidade judiciária” consiste na susceptibilidade de ser parte, sendo que quem tiver “personalidade jurídica” tem igualmente “personalidade judiciária” (cf. art. 5º, nºs 1 e 2 do C.P.Civil).
[2] Cf. mais aprofundadamente sobre estas nulidades “principais”, ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA,  in “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, Coimbra Editora, 1985, a pags. 387-391. 
[3] De referir que não se pode considerar essa parte de tal despacho devidamente transitado em julgado (como entendido pela Exma. Juíza a quo no despacho de sustentação das nulidades!), pois que, ao invés, com a rejeição do recurso atinente oportunamente decidida, se relegou naturalmente tal questão para ser suscitada e apreciada no recurso da sentença final (cf. art. 691º, nºs 3 e 4 do C.P.Civil)…  
[4]  Cf. neste sentido, o Ac. da Rel. de Coimbra de 27-05-2008, proc. nº 400/2002.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc.
[5] Assim o diz LEBRE DE FREITAS in Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, a pags. 678.
[6] Cumprindo esclarecer neste particular que não se considera ter havido omissão do facto atinente ao valor patrimonial do prédio dos RR. (art. matricial q...º), designadamente no ponto “9.” dos Factos Provados alinhados na sentença, quando havia um relatório pericial a ter em conta, pois que o valor constante do relatório pericial a que aludem os RR./recorrentes teve em vista a decisão do incidente do valor da acção, e não a instrução dos autos quanto a matéria controvertida, acrescendo, obviamente, que não se trata esse relatório pericial de um “documento” com o sentido técnico-jurídico invocado…     
[7] Cf. sobre este fundamento de nulidade, o que sobre tal discorre LEBRE DE FREITAS, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, a pags. 704.
[8] cf., “inter alia”, o Ac. deste mesmo T.R. de Coimbra de 17-04-2012, no processo nº 1483/09.9TBTMR.C1, acessível in www.dgsi.pt.
[9] Assim o entende LEBRE DE FREITAS, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, 2ª ed., Coimbra Editora, 2008, a págs. 704.
[10] É o apenso “C” dos autos.
[11] Isto sem embargo de ter sido alegado que na inspecção judicial se viu ou observou determinados aspectos, mas que “a juiz não quis consignar” e que “(…) mas outros ainda lá estão que a ré chamou a atenção da juiz para eles aquando da inspecção judicial ao local”, só que, se bem cotejarmos, o auto de inspecção ao local (cf. fls. 708-709), nada com valor ou relevância jurídico-processual (cf. art. 615º do C.P.Civil) se infere nestes sentidos….
[12] Citámos o Ac. da Rel. de Coimbra de 29-02-2012, proc. nº 1324/09.7TBMGR.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc.
[13] Conclusão a que se chegou pelo confronto da identificação e conteúdo do conjunto de ficheiros constantes dos CD’s contendo a gravação da prova enviado a esta instância.
[14] Isto sem embargo da deficiente elaboração da acta “ex vi” do disposto no art. 522º-C, nº2 do C.P.Civil, para que o normativo em referência remete, pois que apenas daí consta que as declarações se encontravam gravadas na aplicação informática “Habilus Media Studio”.
[15] In “Desnecessidade e Extinção de Direitos Reais”, Separata da Revista da Faculdade de Direito de Lisboa, 1964, a págs. 10-12.
[16] Cf., inter alia, os Acs. da R.C. de 25/10/1983, in CJ, T4, a págs. 62, e de 16/04/2002, in CJ, T2 a págs. 23; da R.P. de 02/12/1986, in CJ, T5, a págs. 229, de 07/03/1989,in CJ, T2 a págs. 189, e de 26/11/2002, in CJ, T5, a págs.182
[17] In “Lições de Direitos Reais”, 2ª ed., a págs. 438.
[18] No proc. nº 263/1999.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[19] Dando particular relevância a este aspecto da actualidade da “desnecessidade”, veja-se o recentíssimo Ac. da Rel. de Coimbra de 13-11-2012, no proc. nº 472/10.5TBTND.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc.
[20] E note-se que está em causa a designada “parte alta” do mesmo, designada por “Lagariça”, à via pública…
[21] Citámos o Ac. da Rel. do Porto de 25-06-2011, no proc. nº 566/07.4TJVNF.P1, acessível em www.dgsi.pt/jtrp, que versou sobre uma situação de facto com bastante similitude com a ajuizada nestes autos.
[22] Cf. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, in “Código Civil Anotado”, Vol. III, 2ª ed.,a  págs. 628.
[23] Previsão normativa que corresponde ao exercício de um direito potestativo, que confere ao respectivo titular a faculdade de constituir uma servidão sobre determinado prédio, independentemente da vontade do dono deste, passando a constituir um encargo normal sobre a propriedade alheia, desde que ocorram os respectivos pressupostos.