Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
232/13.1TBMBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
DECISÃO
ACTUALIZAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 07/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 566.º/3 DO C. CIVIL
Sumário: 1 - O único critério legal para a fixação da indemnização do dano biológico (dano futuro) é a equidade (cfr. art. 566.º/3 do C. Civil); o que não significa, que não se use, como auxiliar, como instrumento de trabalho, fórmulas matemáticas, que têm o mérito de impedir “ligeirezas decisórias” ou involuntárias leviandades e subjectivismos, na medida em que obrigando o julgador à externalização, passo a passo, do seu juízo decisório e a uma maior “densificação” da fundamentação da decisão, contribuem para impedir raciocínios mais ligeiros e/ou maquinais na fixação de indemnização.

2 - Fórmulas matemáticas em que está pressuposto que todo o capital é entregue ao lesado no ponto/momento de partida do cálculo.

3 - Assim, quando tal não acontece (e quase sempre tal não acontece), quando há uma dilação entre o ponto/momento de partida do cálculo e a data da entrega do capital inicial, tal “atraso”, normalmente de vários anos, deve ser ponderado no montante indemnizatório (principalmente, quando se diz que este montante indemnizatório é actualizado à data em que se profere a sentença).

4 - Efectivamente, sendo a indemnização em dinheiro o exemplo típico da chamada dívida de valor, o tribunal está autorizado – usando de equidade – a reportar o montante indemnizatório (do dano biológico) à data da PI e, em função disso, a fazer acrescer, ao montante indemnizatório fixado, juros desde a citação, assim como está autorizado a ajustar/actualizar, ao momento da prolação da decisão, a soma final em dinheiro que o há-de indemnizar e, em função disso, nesta 2.ª hipótese, deve reflectir/incorporar (no montante indemnizatório) os juros (frutos civis) que lhe acabariam por ser creditados caso a indemnização fosse com juros desde a citação.

Decisão Texto Integral:







Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A... , solteiro, residente na (...) , Paredes, intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário (hoje, comum) contra a B... Companhia de Seguros, SA, com sede social em Lisboa, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe “a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais a quantia de € 120.238,97, acrescida de juros à taxa legal de 4% ao ano deste a citação até integral pagamento”

Alegou, em síntese, que, no dia 6/09/2007, seguia como passageiro no veículo (...) XU, quando este, conduzido pelo seu proprietário C... e circulando na EN 226 (sentido Moimenta da Beira – Lamego), saiu da faixa de rodagem, embateu numa parede e capotou; sofrendo o A., em consequência, as lesões e sequelas que descreveu (que demandaram socorros hospitalares e que, no final, se traduziram em IPG de 10%), cuja indemnização – que, em detalhe, é de € 40.000,00 pelos danos não patrimoniais; € 60.000,00 pelo dano futuro; e € 20,237,87 pela ITA – solicita da aqui R., seguradora do proprietário e condutor do veículo (...) XU.

A R. contestou, aceitando a transferência da responsabilidade pelo contrato de seguro; impugnando, com fundamento em desconhecimento, o modo como ocorreu o acidente (embora diga que já pagou ao A. por conta da ITA a quantia de € 11.557,24), a generalidade das lesões e sequelas invocadas; e reputando de exagerados e desajustados os montantes indemnizatórios peticionados.

Foi proferido despacho saneador – em que foi declarada a total regularidade da instância, estado em que se mantém – identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

Instruído o processo e realizada a audiência, a Exma. Juíza proferiu sentença, concluindo a sua decisão do seguinte modo:

“Face ao exposto, decide-se, na parcial procedência da presente acção, condenar a Ré “Companhia de Seguros B... , S.A.” a pagar ao Autor A... , as seguintes quantias:

a) € 20.000 (vinte mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros, à taxa legal, desde a notificação da presente decisão até integral pagamento;

b) € 5.890,31 (cinco mil, oitocentos e noventa euros, e trinta e um cêntimos), a título de danos patrimoniais (dano emergente), acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento; e

c) € 10.000,00 (dez mil euros), a título de danos patrimoniais (lucro cessante), acrescida de juros, à taxa legal, desde a notificação da presente decisão até integral pagamento.

Inconformadas, ambas as partes interpuseram recurso.

O A., a título principal, visando o incremento da indemnização; mais exactamente, o incremento da indemnização pelo dano futuro para quantia nunca inferior a € 33.931,18 (em vez dos € 10.000,00 da sentença recorrida).

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

(…)

2ª - se quanto às indemnizações fixadas a título de danos não patrimoniais e a título de dano emergente nada há apontar à decisão recorrida, a indemnização fixada a título do lucro cessante, no montante de € 10.000,00, peca por ser manifestamente escassa.

3ª - É no âmbito dos lucros cessantes que se coloca a problemática dos danos futuros, compensáveis desde que previsíveis conforme estipula o artigo 564º nº 2 do C.C. No fundo, trata-se de procurar compensar o lesado por um ganho que tinha no momento da lesão e que se frustrou, melhor dizendo, a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se lhe daria direito a esse ganho.

4ª - Sobre a incapacidade permanente de que padece o recorrente sabemos apenas que o mesmo está afectado de uma incapacidade permanente geral de 10%, a qual gera esforços acrescidos para a sua actividade profissional.

5ª – A jurisprudência, no plano patrimonial, qualifica essa incapacidade como dano biológico, que pode ser ressarcido ainda que as lesões da vítima não hajam implicado para ela o denominado rebate profissional, isto é, não se repercutam numa efectiva interrupção dos proventos até então por ela auferidos.

6ª - Na opção pelo método de cálculo a adoptar para o cômputo da respectiva indemnização, constitui entendimento jurisprudencial reiterado que ela deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida activa.

7ª -Para superar o grau de subjectivismo que o mero recurso à equidade comporta, julgamos que as tabelas financeiras traduzem o mecanismo de cálculo mais ajustado a obter esse capital, alcançado através de uma taxa anual de 3%, por ser aquela que, no actual quadro de debilidade dos sistemas financeiros, melhor protege os interesses do lesado.

8ª -Ainda no cálculo a adoptar para o cômputo da respectiva indemnização, deve ser considerada o limite da vida activa do recorrente, a qua está hoje fixado, entre nós, em 66 anos e 2 meses, no entanto, em face do crescente movimento do velho continente europeu no sentido de aumentar a idade da reforma deve leva-nos a aceitar a plausibilidade da fixação daquele limite nos 70 anos de idade, solução conforme à jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.

9ª - E é com base nesses dados, aplicando-os ao caso concreto de acordo com a factualidade provada, ou seja, a consolidação médico-legal das lesões ocorreu em 21/01/2009; a data de nascimento do A. em 15/11/1986; a esperança de vida activa de cerca de 50 anos; ainda que o A. auferia um vencimento mensal médio de € 1.098,96; que se verifica o manifesto defeito da quantia arbitrada;

10ª É fundamental partir do princípio que o cálculo da frustração de ganho deverá conduzir a um capital que considere a produção de um rendimento durante todo o tempo de vida activa da vítima, adequado ao que auferiria se não fora a lesão correspondente ao grau de incapacidade, e adequado a repor a perda sofrida.

11ª – Ora, qualquer que seja o critério utilizado, é praticamente unânime que, no que concerne aos danos futuros, a indemnização a pagar ao lesado deve produzir o rendimento mensal fixo perdido, mas sem que tal constitua um enriquecimento ilegítimo à custa do lesante.

12ª - E se o cálculo destes danos é sempre uma operação delicada, uma vez que obriga a ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não tivesse sofrido a lesão, o que implica uma previsão, pouco segura, sobre dados verificáveis no futuro, o certo é que a jurisprudência tem-se debruçado sobre o modo mais equilibrado de encontrar as indemnizações, servindo-se de tabelas ou fórmulas de carácter matemático ou estatístico nem sempre coincidentes, mas todas com vista a prevenir que o arbítrio atingisse proporções irrazoáveis e a conseguir critérios o mais possível conformes com os princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade.

13ª - Para fixação de tal cálculo tem a jurisprudência utilizado a fórmula matemática adoptada no acórdão do STJ de 5-5-94, in CJSTJ, ano II, Tomo II, pág. 87, a qual vem sido seguida também por este Venerando Tribunal da Relação de Coimbra.

14ª - Deste modo, tendo em atenção a idade do autor (21 anos, à data da consolidação das lesões médico-legais), o lato período de tempo que terá de conviver com a sua limitação, desde labilidade emocional, perturbação persistente do humor, duas cicatrizes no membro superior direito, insónia intermédia e desconforto em ambientes barulhentos, à circunstância destas lesões agravarem com a idade e com os esforços acrescidos na sua actividade profissional, cremos que aquele valor, à luz da equidade, deve subir para os € 33.931,18 euros, a qual se nos afigura adequadamente compensadora dos danos futuros em causa.

15ª - Errou assim o Tribunal a quo ao fazer incorrecta interpretação a aplicação do direito, violando, designadamente, o artigo 564 do C.C..

16ª – Impõe-se assim que este Venerando Tribunal altere a sentença ora em crise, substituindo-a por outra, que condene a R. a pagar ao recorrente quantia nunca inferior a € 33.931,18 a titulo de danos patrimoniais (lucros cessantes). (…)”

A R., subordinadamente, visando a redução da indemnização; mais exactamente, que à indemnização pelo dano futuro e à indemnização pelos danos não patrimoniais não sejam concedidos montantes indemnizatórios autónomos, sendo antes globalmente indemnizados (estes dois danos) com apenas € 20.000,00.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1ª Insurge-se o A. contra o quantum indemnizatório a título de dano patrimonial futuro, pois entende que deverá ser fixado em 33.931,18 euros. Ora, com todo o respeito, a alegação do autor parte de pressupostos errados ou inexistentes, e daí o seu vício de raciocínio.

2ª Desde logo, invoca que deve ter-se em conta o limite da vida activa do recorrente, que entende ser aos 70 anos, porém, estando em causa um dano inerente à perda de capacidade de ganho e ao esforço inerente para trabalhar decorrente do dano biológico ou défice funcional, deve considerar-se o limite da vida activa do lesado que é de 66 anos, e não 70 como alega, pois só até aí é que irá trabalhar, ou seja, até atingir a reforma, e beneficia desta independentemente da IPG ou Défice Funcional.

3ª In casu tendo o autor à data do acidente 21 anos de idade e a vida activa até aos 66 anos, o cálculo terá se ser efectuado com base em 46 anos futuros de vida activa, e não em 50 anos.

4ª Por outro lado, salvo o devido respeito, não pode considerar-se neste cálculo o vencimento acrescido do subsídio de alimentação, pois recebe o subsídio sempre, independentemente do défice funcional ou da IPP, e além disso é um subsídio para despesas com alimentação, que o autor tem sempre independentemente de trabalhar, ou não.

5ª De igual modo, não podemos atender ao prémio de produtividade e subsidio de deslocação, pois que estes valores não são fixos e permanentes, não consubstanciando salário ou retribuição.

6ª Por outro lado, sendo atribuída uma indemnização que não está sujeita a IRS e não sendo efectuados quaisquer descontos para a Segurança Social, deve a mesma ser cuidadosamente ponderada.

7ª Bem como importa considerar, para além do rendimento auferido e da sua incapacidade, o facto de o capital lhe ser adiantadamente pago de uma só vez, isto é beneficio de antecipação, podendo, inclusive, rentabilizá-lo em termos financeiros, em vez o ser, como seria normal, ao longo dos anos, o que impõe que seja feito um desconto à quantia a pagar-lhe, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado.

Do recurso subordinado :

8ª A douta sentença recorrida condenou a apelada a pagar ao apelante a quantia de 10.000,00€ a título de dano patrimonial futuro, por perda de capacidade de ganho, bem como na quantia de 20.000,00€ a titulo de danos não patrimoniais, mas não pode a ré concordar com tais indemnizações e, em consequência, recorre subordinadamente.

9ª Isto porque, em consequência do sinistro o autor apenas ficou a sofrer de uma incapacidade de 10 pontos, que não é impeditiva do exercício de qualquer actividade como é manifesto, público e notório, pelo que tal défice é in casu irrelevante em termos laborais, e só pode ter efeitos em termos de danos não patrimoniais, e não em termos de lucros cessantes ou perda de capacidade de ganho.

10ª Considerando a globalidade das sequelas-corpo, funções e situações de vida, o défice funcional permanente da integridade física e psíquica pode repercutir-se nas atividades do sinistrado e, bem assim, também na atividade laboral, que poderá eventualmente desempenhar, mas sujeitando-se a esforços suplementares. Esses danos são geralmente designados por danos biológicos ou danos corporais.

11ª É certo que se discute a questão de saber se este dano deve ser indemnizado a título de danos não patrimonial, ou a título de dano patrimonial, quando se verifica que a incapacidade permanente parcial não implica uma perda de ganho do rendimento auferido, pelo que deve, casuisticamente, oscilar entre dano patrimonial ou dano não patrimonial, porque de facto a autora pode exercer a profissão de agricultura, eventualmente com algum esforço suplementar.

12ª O simples facto de ver reduzida a capacidade física ou intelectual para o trabalho só se traduzirá em dano patrimonial se aquele a quem acontece deixar de conseguir as vantagens económicas que conseguiria com a sua plena capacidade para o trabalho intocada, se só conseguir tais vantagens aplicando mais tempo.

13ª Atento o teor da matéria de facto assente – dez pontos, apenas implicando esforços complementares para a sua actividade profissional -, e sendo as sequelas do autor psíquicas e não físicas, à luz daquele entendimento por corresponder à interpretação dos normativos invocados neste matéria, integra-se o referido dano em termos da sua ressarcibilidade nos danos de natureza não patrimonial.

14ª Assim, não se provou que o lesado sofrerá um dano futuro com uma efectiva redução de rendimentos, visto que as sequelas de que a mesma ficou a padecer implicam apenas esforços complementares, sendo, por isso e à contrariu senso, compatíveis com o exercício da sua actividade profissional habitual de calceteiro.

15ª Assim, por o défice físico e psíquico ser tratado unitariamente e globalmente, a situação ser compatível com o exercício da atividade habitual, é que podemos e devemos à semelhança da mais moderna jurisprudência do S.T.J arbitrarmos uma indemnização a englobar todos os danos sofridos pelo A. quer de natureza patrimonial quer de natureza não patrimonial.

16ª Por isso, salvo o devido respeito, não é de atribuir à demandante qualquer quantia a título de indemnização por danos patrimoniais futuros autonomamente, devendo tão só ser valorizada em termos de danos não patrimoniais.

17ª No que concerne aos danos não patrimoniais, foi atribuído ao autor uma indemnização no montante de 20.000,00€ que a ré considera injustificada, pelo que recorre subordinadamente, porquanto,

18ª São sobejamente conhecidas as dificuldades em quantificar os danos não patrimoniais e em traduzi-los numa quantia em dinheiro que, de alguma forma, compense o sofrimento, desgosto e dor.

19ª Quanto aos danos não patrimoniais deve ponderar a equidade e “o seu montante deve ser proporcional à gravidade do dano, ponderando-se, para tal, nas regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas” e do criterioso sopesar das realidades da vida.

20ª A indemnização não visa então, propriamente ressarcir, tornar indemne o lesado, mas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido.

21ª O montante de indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado segundo critérios de equidade, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, ao quadro concreto de cada pessoa e à sua situação social, profissional e meio e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem.

22ª Estes princípios impõem que sejam tratados e indemnizados de modo razoável e justo situações idênticas, devendo seguir-nos por critérios e medidas padrão, em que se obtenha, tanto quanto possível um modelo indemnizatório que permita uma maior certeza jurídica, de igualdade e socialmente justa.

23ª Na verdade, e na nossa óptica, os danos não patrimoniais deverão, em nossa opinião, contemplar o dano biológico, dano estético, quantum doloris/sofrimento físico e psíquico, ou seja, salvo o devido respeito e melhor opinião, todos os danos não patrimoniais.

24ª Resultou provado que a autora ficou com Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica e fixável em 10 pontos, e que as sequelas são, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares.

Acresce que,

25ª Foi atribuído ao autor a título de danos patrimoniais pelo dano biológico traduzido no défice funcional permanente da integridade física em 12 pontos a quantia de 10.000,00 euros e a título de danos não patrimoniais foi atribuído à autora o valor de 20.000,00 euros.

26ª Face aos factos expostos, a compensação global a atribuir ao demandante e correspondente aos danos efectivamente sofridos (IPP de 10 pontos, apenas com esforços acrescidos para a sua actividade profissional, por ter 21 anos de idade à data do acidente e porque ficou a padecer das seguintes sequelas: labilidade emocial; perturbação persistente do humor com ligeira repercussão na automonia pessoal, social e profissional; duas cicatrizes no membro superior direito; insónia intermedia e desconforto em ambientes barulhentos), e de acordo com os valores normalmente atribuídos em casos análogos, deve situar-se nos 20.000,00 euros que nos parece a quantia justa, equilibrada e equitativa para a situação em apreço, não se justificando indemnização autónoma por danos patrimoniais.

27ª Pelo exposto e salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 483º, 494, 496º, 562º, 563º e 566º do CC e ainda do disposto no art. 4º e 7º nº 1 da Portaria 377/2008 de 26/05 na sua redação actual. (…)”

Não foram apresentadas quaisquer respostas.

Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


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II – Fundamentação de Facto

A - Factos Provados

1. No dia 6 de Setembro de 2007,cerca das 19 horas e 15 minutos, na E.N. 226,ao Km 39,620, na freguesia de Leomil, deste concelho e comarca, ocorreu um acidente de viação em que foi interveniente o veículo ligeiro de passageiros de matrícula (...) XU – 1º PI.

2. O XU era conduzido pelo seu proprietário C... , residente à data do acidente em S. António, Funchal, Madeira, no seu próprio interesse e sob a sua direção efetiva, e transportava como passageiro o A. – 2º, 3º e 4º PI.

3. A responsabilidade civil dimanada de acidentes de viação causados por este veículo encontrava-se transferida para a Ré, pela apólice AU22824255, válida à data do acidente – 5º PI.

4. O veículo XU circulava na direção Moimenta da Beira / Lamego – 6º PI.

5. Ao referido km 39,620, o XU saiu da hemi-faixa de rodagem que se destina ao trânsito que se processa no sobredito sentido, atravessou a hemi-faixa destinada ao trânsito que circulava em sentido contrário e foi embater com a frente numa parede situada do lado esquerdo da faixa de rodagem, atendo o referido sentido – 7º PI.

6. Na sequência do embate o XU rodopiou, capotou e ficou com o tejadilho assente no asfalto na posição resultante do esboço anexo à participação do acidente – 8º PI.

7. A estrada é no local uma curva para a direita, atendo o sentido de marcha do XU, o pavimento estava em bom estado de conservação, e o estado do tempo era bom, encontrando-se o pavimento seco – 10º e 11º PI.

8. O A. nasceu em 15/11/1986, pelo que tinha 20 anos de idade à data acidente – 23º PI.

9. Era calceteiro de 1ª, atividade que desenvolvia sob as ordens, direção e fiscalização de D... , Lda., com sede na Rua d (...), concelho de Gondomar e pela qual auferia o salário de € 518,50 x 14 meses, € 150,00 x 11 meses referente a prémio de produtividade, 300,00 x 11 meses como subsidio de deslocação e € 5,93 x 22 dias de subsídio de alimentação – 24º PI.

10. Em consequência do acidente em causa e causal e adequadamente do mesmo resultou para o A. traumatismo crânio-encefálico com perda fugaz de consciência, traumatismo da região dorsal e traumatismo do membro superior direito – 22º PI.

11. Por via das ditas lesões foi assistido nos serviços de urgência do Hospital de S. Teotónio de Viseu e nos Serviços Clínicos da R., tendo sido sujeito no primeiro a TAC cerebral e RX da coluna vertebral, e a internamento durante cinco dias – 26º a 28º PI.

12. Após, o autor que passou a consultas de neurologia e psiquiatria até à data da respetiva alta médica, que ocorreu em 21.1.2009, tendo nesse período realizado vários exames de diagnóstico, designadamente TAC e eletroencefalograma – 29º PI.

13. Como consequência direta e necessária das lesões invocadas o A. esteve absolutamente incapacitado para o trabalho desde a data do acidente até 21.01.2009 – 30º PI.

14. O autor sofreu um défice funcional temporário total de 5 dias, um défice funcional temporário parcial de 499 dias, e repercussão temporária na atividade profissional de 504 dias – 31º PI.

15. Em consequência direta e necessária das lesões sofridas e supra alegadas ficou o A. padecer das seguintes sequelas:

- Labilidade emocional; Perturbação persistente do humor com ligeira repercussão na autonomia pessoal, social e profissional;

- Duas cicatrizes no membro superior direito,

- Insónia intermédia;

- Desconforto em ambientes barulhentos – 32º PI.

16. Estas sequelas determinam-lhe uma incapacidade parcial permanente geral de 10% - 33º PI

17. As sequelas com que o A. ficou, geram esforços acrescidos para a sua atividade profissional – 34º PI.

18. Antes do acidente o autor era saudável e robusto – 36º PI.

19. O A. sofreu de dores e de considerável desgosto face a tudo quanto se expôs – 40º PI.

20. Por conta dos danos patrimoniais sofridos, designadamente devido aos períodos de incapacidade para o trabalho, o autor recebeu da ré a quantia de € 11.557,24 – 12º cont.


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B – Factos não Provados

Não se provou:

a) O veículo seguro na ré circulava a uma velocidade superior a 90km/hora – 13º PI.

b) O autor foi sujeito a internamento durante sete dias – 28º PI.

c) A alta médica do autor ocorreu em 28.12.2009 – 29º PI.

d) O autor deixou de auferir no período de I.T.A., a título de salários e subsídios, a quantia global de € 20.238,87 – 31º PI.

e) Em virtude do acidente, o autor ficou a padecer de stresse pós traumático consubstanciado em labilidade do humor, revivência noturna do acidente, ataques de ansiedade, insónias, irritabilidade; TCE com Lâmina de hematoma subdural; Cefaleias associadas ao movimento, ruido e variações ambientais; Alterações sexuais, com perda do líbido; Intolerância ao ruido; Tonturas e náuseas frequentes; Dificuldades de concentração e atenção e ataxia – 32º PI.

f) O dano estético sofrido, pelas cicatrizes de que é portador, é valorizado na escala médico-legal em 6 de 7 possíveis – 38º PI.

g) Face às disfunções de que ficou a padecer, o autor ficou afetado em todos os seus atos da vida corrente, tendo designadamente disfunção sexual, mas também dificuldade em realizar atos da vida corrente como vestir-se, tomar banho, caminhar, praticar desporto já que nessas sofre designadamente de tonturas com descontrolo muscular – 39º PI.

h) O autor sofre ainda de dores e de considerável desgosto – 40º PI.

*

III – Fundamentação de Direito

A apreciação e decisão das duas apelações, como resulta do relato/transcrição das respectivas conclusões, circunscreve-se aos danos; mais exactamente, ao montante indemnizatório que há-de reparar a IPG com que o A/lesado ficou e ao montante indemnizatório que há-de compensar os danos não patrimoniais sofridos pelo A/lesado.

Efectuando um muito breve e “tabelar” enquadramento jurídico, diremos que a acção se funda nas regras da responsabilidade civil; e, em princípio, é responsável civilmente quem, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem causando-lhe danos.

Competia assim ao A. alegar e provar os vários requisitos da responsabilidade civil (483º e ss. do C. C.).

Ónus que cumpriu quanto à alegação.

E cuja discussão, quanto à prova, em face do confronto entre o decidido na sentença recorrida (em que a questão da culpa pela eclosão do acidente foi atribuída em exclusivo ao condutor do veículo segurado na R.) e o âmbito dos recursos interpostos, se encontra circunscrita aos danos e montantes indemnizatórios a atribuir pelas “lesões” sofridas; efectivamente, não está minimamente em causa a questão da culpa pela eclosão do acidente (que, repete-se, a sentença recorrida atribuiu em exclusivo ao segurado da R.), assim como não está verdadeiramente em causa saber se os danos que foram indemnizados na sentença recorrida o são ou não: a essência das questões suscitadas nos recursos está tão só em saber se, quanto a dois dos três danos concedidos (os € 5.890,31 do terceiro dano - incapacidade temporária - não são colocados em crise por qualquer um dos recursos), foram equitativamente fixados os montantes indemnizatórios atribuídos e, em caso negativo, a que montantes indemnizatórios, diminuídos ou não, se pode/deve chegar.

Assim:

Quanto à indemnização pela IPG ou pelo dano biológico (ou como agora se diz pelo Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica):

Começar-se-á por repetir, a propósito de tal questão/indemnização, que não está em causa saber se tal dano é indemnizável, mas, verdadeiramente, insiste-se, a questão está na sua configuração jurídica e, em função disso, no “quantum” indemnizatório a atribuir-lhe.

Hoje[1] – e o “hoje” não se iniciou com o preambulo da Portaria 377/2008, de 26-05[2] – fora dos danos não patrimoniais, não só a diminuição da actividade profissional é geradora de danos indemnizáveis; hoje, fala-se em “dano biológico” para aludir ao dano causado ao corpo e à saúde do lesado, ao dano causado à integridade física e psíquica que a todos assiste.

Parte-se da ideia que a lesão corporal sofrida pelo lesado merece ser apreciada e o respectivo dano reparado independentemente de repercussões sobre a sua capacidade de ganho; e que sendo o normal estado de saúde a premissa indispensável para uma capacidade produtiva normal não se esgota ou consome apenas e só na capacidade produtiva.

E, nesta linha, afirma-se o dano corporal ou dano à saúde como um dano autónomo – tertium genus para alguns – com um lugar próprio que não se esgota nem é totalmente assimilado pelo clássico dualismo patrimonial (em sentido estrito) - não patrimonial.

Acrescenta-se ainda, em abono de tal tese, que o homem, na sua integridade psico-somática, desenvolve a sua existência terrena na sua vida e realização profissionais e na sua vida relacional – relacionando-se e interagindo com os demais seres humanos; pelo que pode haver dano corporal, nesta faceta da sua vida relacional, tenha ou não havido qualquer rebate anátomo-funcional.

Porém, também se refere e avisa, “a fim de evitar super-equações de danos (com indemnizações em duplicado, em triplicado ou até mesmo em quadruplicado)” e “no intuito de pôr cobro à autêntica anarquia que se instalou nas decisões judiciais[3] que os únicos 3 tipos de danos existentes são, respectivamente, o dano à saúde, o dano patrimonial em sentido estrito (decorrente de incapacidade com incidência no desempenho profissional) e o dano moral; e que, sendo o dano à saúde alheio a quaisquer incidências sobre a capacidade de ganho do lesado, importa não esquecer “que há zonas de tangência e até de intersecção entre vectores diferenciados e autonomizados duma mesma realidade[4].

Tradicionalmente, a análise dualista – patrimonial / não patrimonial – abarcava todo o campo da discussão que os danos corporais comportavam, situando-se toda a discussão em volta da parametrização ressarcitória de tal tipo de danos e da autonomização de um ou outro parâmetro de avaliação, sempre inserido num dos termos da referida dualidade. Agora, ao erigir-se em categoria autónoma de dano (dano biológico) o que, antes, não passava dum parâmetro de avaliação doutro dano, importa que avaliação global não dê lugar a duplicações.

Em síntese, a lesão do direito ao corpo e à saúde é, enquanto dano autónomo – quer o consideremos como um verdadeiro “tertium genus”, quer como uma “nova” faceta e perspectiva do dano patrimonial, como parece ser a inclinação do STJ[5] – fonte de obrigação de indemnização, a suportar pelo autor do facto ilícito e em benefício de quem viu a sua integridade corporal beliscada, independentemente de quaisquer consequências pecuniárias ou actuais repercussões patrimoniais de qualquer natureza; mas a sua avaliação tem que ser acompanhada duma correcta delimitação de realidades e conceitos, para que não haja sobreposições.

Isto dito, regressando ao caso dos autos, temos que o dano indemnizável sob apreciação – olhado basicamente na sua vertente patrimonial (na medida em que limita as oportunidade no futuro, gerando tais danos) – decorre do A., em consequência do acidente, ter ficado, como se refere nos factos deste acórdão, com um coeficiente de desvalorização, em termos de incapacidade permanente geral (ou em termos de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica), de 10 pontos percentuais, exigindo as sequelas com que ficou esforços acrescidos/suplementares no exercício da sua actividade profissional[6].

E temos, como único critério legal para a sua fixação – nunca é demais enfatiza-lo, para que não paire a menor dúvida – tão só a equidade (cfr. art. 566.º/3 do C. Civil).

O que não significa, em situações como a presente – isto é, sempre que se visa encontrar um capital que se vai diluir ao longo de vários anos – que se rejeite a ajuda da lógica matemática; que não se use, como auxiliar, como instrumento de trabalho, fórmulas matemáticas, que podem ter o mérito de impedir “ligeirezas decisórias” ou involuntárias leviandades e subjectivismos, na medida em que obrigando o julgador à externalização, passo a passo, do seu juízo decisório e a uma maior “densificação” da fundamentação da decisão, contribuem para impedir raciocínios mais ligeiros e/ou maquinais na fixação de indemnização[7].

Permita-se-nos pois, sempre cientes que o único critério legal é a equidade e não ignorando que estamos “apenas” perante um dano biológico, uma IPG (e não perante uma IPP) – compatível com o exercício da sua profissão, exigindo “esforços suplementares no exercício da sua actividade profissional”e não perante uma incapacidade com actual repercussão/rebate, directo e proporcional, sobre a capacidade de ganho da A., que façamos um “ensaio/estimativa” do que seria a indemnização caso estivéssemos perante esta última hipótese.

Então:

Tinha a A. 22 anos na data da alta (21/01/2009); à data do acidente trabalhava como calceteiro – auferindo o salário de € 518,50 x 14 meses, € 150,00 x 11 meses referente a prémio de produtividade, 300,00 x 11 meses como subsídio de deslocação e € 5,93 x 22 dias de subsídio de alimentação – pelo que, não sendo o subsídio de deslocação algo seguro e definito na sua remuneração, vamos tomar como remuneração anual o montante de € 10.000,00[8]; e teria mais 44 anos de vida activa[9].

Isto pressuposto, “funcionemos” com a referida incapacidade de 10% e recorramos, instrumentalmente, ao auxílio de fórmulas e cálculos matemáticas que, encontrada a prestação anual a que o lesado teria direito e conhecido o número de anos por que a mesma se deve manter, nos dizem qual o capital que será necessário deter no ano inicial para, esgotando-se totalmente no final, obter em cada um dos anos a prestação anual[10].

Tudo considerado, chegamos ao valor (aplicando a fórmula matemática referida em nota[11]) de € 35.599,73 (factor de 35.599730 X a hipotética pensão anual de € 1.000,00, correspondente a 10% X € 10.000,00).

Assim, nunca perdendo de vista que o que estamos a indemnizar é “apenas” o dano biológico (com os contornos supra traçados e sem “duplicações” e “sobreposições”) e não, como no ensaio/estimativa feito, um dano com rebate e repercussão na actual perda de ganho, admitindo que tal dano biológico se prolongará além da vida activa (até ao termo da esperança de vida), reputamos num julgamento “ex aequo et bono” – tomando em conta “todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida[12] – como inteiramente justo e equilibrado, como a boa justiça do caso concreto, fixar a indemnização por tal dano, actualizada à data da sentença da 1.ª instância (07/03/2016), em € 29.000,00.

Efectivamente, insiste-se, o resultado de € 35.599,73 que a fórmula matemática nos deu – uma vez que a fórmula está apenas vocacionada para auxiliar no cálculo de incapacidades com repercussão/rebate, directo e proporcional, sobre a capacidade de ganho – merece e suscita (em tese), num julgamento “ex aequo et bono”, uma compressão/redução de cerca de 1/3 do seu valor.

Verificando-se, porém, no caso concreto, em face do termo inicial dos juros –“dados”, pela sentença recorrida, desde a data da sua notificação – uma “tensão” compensatória de sentido oposto, que faz “reduzir a redução” (perdoe-se-nos a redundância) e que faz com que a mesma se situe em apenas cerca de 1/5 do seu valor.

Expliquemo-nos:

O raciocínio da fórmula, como se referiu, tem em vista encontrar um capital inicial que, está também pressuposto, vencerá, ano após ano, os respectivos juros do capital (que só se esgotará totalmente no final), isto é, no raciocínio da fórmula está pressuposto que todo o capital inicial é/foi entregue ao lesado no ponto/momento de partida do cálculo (que, no caso presente, foi o dia da alta, ou seja, 21/01/2009).

Assim, quando tal não acontece – mais exactamente, como quase sempre tal não acontece – quando há uma dilação entre o ponto/momento de partida do cálculo e a data da entrega do capital inicial, tal “atraso”, normalmente de vários anos, mitiga[13] a referida inicial “tensão” no sentido da compressão/redução[14]; o que – reduzindo a inicial “tensão” no sentido da compressão/redução – pode/deve ser juridicamente feito ao abrigo e nos termos do art. 566.º/2 do C. Civil, dizendo-se que o montante indemnizatório (a que se chegou pela fórmula) se mantém com uma redução porventura menor, uma vez que se está a proceder à sua actualização ao momento presente/sentença (no caso, repete-se, sentença de 1.ª Instância)[15].

Razão porque afirmámos – mantendo-se o procedimento de actualização da indemnização ao momento da prolação da sentença de 1.ª Instância – verificar-se, no caso, em face do termo inicial dos juros “dados” pela sentença recorrida, uma “tensão” majoratória que mitiga (compensa em parte) a antes mencionada compressão/redução; situando a concreta redução em cerca de 1/5 do seu valor e a indemnização de tal dano futuro (IPG de 10%) em € 29.000,00.

Neste ponto – sobre a actualização ou não da indemnização em dinheiro (quer do dano biológico, quer do clássico dano patrimonial futuro, quer do dano não patrimonial), sobre o momento para a efectuar e sobre o termo inicial dos juros – concordamos plenamente com o que o Prof. Calvão da Silva expende na RLJ, ano 134, pág. 125/8, ou seja, não obstante o sentido do Acórdão Uniformizador 4/2002, entendemos ser possível não efectuar (e verbalizá-lo) a actualização da indemnização em causa à data da sentença e, então, não se fazendo a actualização, conceder juros, não desde a própria sentença, mas desde a citação[16]; assim como entendemos – no pólo oposto – que a sentença de 1.ª Instância não é necessariamente a data mais recente atendível e, por conseguinte, fazer a actualização à data do Acórdão da Relação.

Como é evidente, sendo a equidade manejada com perícia, a indemnização a conceder, em termos úteis e práticos, há-de ser a mesma com ou sem actualização à data da sentença (ou do acórdão proferido em recurso); isto é, ao actualizar-se a indemnização à data da sentença/acórdão, o quantum indemnizatório não pode deixar de reflectir/incorporar os juros (frutos civis) da quantia que, segundo as premissas do raciocínio (que visa encontrar um capital que se vai diluir – e vencer juros – ao longo de todos os anos por que a prestação se irá manter), já estariam creditados ao lesado se o quantum indemnizatório estivesse nas suas mãos desde a data inicial das premissas do raciocínio.

Efectivamente – talvez não seja ocioso repeti-lo mais uma vez – num cálculo como o efectuado, o capital encontrado é por reporte a uma data anterior – no caso, 21/01/2009 – e numa lógica, é este o ponto relevante, de que é logo nessa data que o capital (quantum indemnizatório) é disponibilizado (e começa a dar “frutos civis”) ao lesado e não passados 7 anos (estamos a reportar-nos à data da sentença da 1.ª instância), pelo que é “preciso” compensar esses quase 7 anos, o que pode/deve ser feito ou através da actualização da indemnização (como é o caso vertente) ou através da concessão de juros desde a citação.

É que a indemnização em dinheiro – dir-se-á para terminar – é o exemplo típico da chamada dívida de valor (devido é o valor do dano, a diferença entre o valor actual do património do lesado e valor que teria se o facto lesivo não se tivesse verificado – cfr. 566.º/2 do CC), em que o objecto originário da prestação reside no dano, não ligado a uma expressão ou soma pecuniária; não constituindo (a indemnização) uma dívida pecuniária, em que o objecto originário da prestação é dinheiro e em que valeria o princípio nominalista (550.º do C. Civil), com o credor a correr o risco da desvalorização da moeda.

Daí que estejamos sempre autorizados – com o auxílio do “metro especial” que é o montante do dano – a reportar o montante indemnizatório (do dano biológico) à data da PI e, em função disso, a fazer acrescer, ao montante indemnizatório fixado, juros desde a citação, assim como estamos autorizados, procedendo do mesmo modo que a sentença recorrida, a ajustar/actualizar, ao momento da prolação da decisão, a soma final em dinheiro que o há-de indemnizar e, em função disso, a fixar o seu montante indemnizatório nos referidos € 29.000,00, acrescidos de juros desde a notificação da sentença (e não desde a sua prolação, por ter sido desde a notificação que se escreveu/decidiu na decisão a quo)[17].

Concluindo, quanto a esta questão, da indemnização pela IPG (pelo dano biológico, pelo Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica) com que o A. ficou, revoga-se parcialmente o decidido (incrementando-se o montante indemnizatório de € 10.000,00 para € 29.000,00); julgando-se assim, neste ponto, parcialmente procedente o recurso do A. e totalmente improcedente o recurso da R..

Quanto à indemnização pelos danos não patrimoniais “clássicos” sofridos pelo A..

É costume observar-se que a indemnização, no caso dos danos não patrimoniais, reveste uma natureza acentuadamente mista, uma vez que visa reparar os danos sofridos pela pessoa lesada e, além disso, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.

Isto ponderado, sendo indiscutível que estamos perante danos não patrimoniais que pela sua gravidade merecem a tutela do direito, afigura-se-nos ajustado e equilibrado (cfr. 496.º/1 e 494.º, ambos do CC) – numa perspectiva que não pode nem deve ser miserabilista – compensar com € 16.000,00[18] todas as dores, receios e angústias (passados e futuros), tratamentos hospitalares, consultas e exames que o A., com 20 anos à data do acidente, sofreu; que os factos deste acórdão detalham – os diversos traumatismos, tratamentos e dores sofridos pelo autor – e de que, aqui, se respiga e salienta em termos de “gravidade” merecedora da tutela do direito (cfr. 496.º/1) o seguinte:

Em consequência do acidente, resultou para o A. traumatismo crânio-encefálico com perda fugaz de consciência, traumatismo da região dorsal e traumatismo do membro superior direito

Por via de tais lesões foi assistido nos serviços de urgência do Hospital de S. Teotónio de Viseu e nos Serviços Clínicos da R., tendo sido sujeito no primeiro a TAC cerebral e RX da coluna vertebral e a internamento durante cinco dias

Após, o que passou a consultas de neurologia e psiquiatria até à data da respetiva alta médica, que ocorreu em 21.1.2009, tendo nesse período realizado vários exames de diagnóstico, designadamente TAC e electroencefalograma.

Ficando, em consequência direta e necessária das lesões sofridas, a padecer das seguintes sequelas:

- Labilidade emocional; perturbação persistente do humor com ligeira repercussão na autonomia pessoal, social e profissional;

- Duas cicatrizes no membro superior direito,

- Insónia intermédia;

- Desconforto em ambientes barulhentos.

Tendo sofrido dores e considerável desgosto face a tudo quanto se expôs.

Significa tudo o que se acaba de dizer, em síntese, que os € 20.000 atribuídos na sentença recorrida (mesmo não perdendo de vista, insiste-se, que tal montante foi actualizado à data da sentença de 1.ª Instância: 07/03/2016) constituem um montante algo acima da “justiça do caso concreto” – equidade.

Concluindo, quanto a esta questão, da indemnização pelos danos não patrimoniais, revoga-se também parcialmente o decidido (reduz-se o montante indemnizatório de € 20.000,00 para € 16.000,00); julgando-se assim, neste ponto, parcialmente procedente o recurso da R..


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Em síntese, incrementa-se a indemnização pela IPG para € 29.000,00 e reduz-se a indemnização pelos danos não patrimoniais para 16.000,00; revogando-se/substituindo-se nesta medida o sentenciado[19].

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IV - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente quer a apelação da A. quer a apelação da R., revogando-se o decidido quanto à indemnização de € 10.000,00 pelo dano biológico (IPG), que se substitui pela indemnização de € 29.000,00, e revogando-se o decidido quanto à indemnização de € 20.000,00 pelos danos não patrimoniais, que se substitui pela indemnização de apenas € 16.000,00; mantendo-se em tudo o mais o decidido, em função do que se substitui a decisão recorrida – incorporando toda a condenação (mesmo a que aqui não está sob recurso) – pela condenação da R. a pagar ao A. as seguintes quantias:

a) € 16.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros, à taxa legal, desde a notificação da decisão de 1.ª Instância até integral pagamento;

b) € 5.890,31, a título de danos patrimoniais (dano emergente), acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento; e

c) € 29.000,00, a título de danos patrimoniais futuros (IPG de 10%), acrescida de juros, à taxa legal, desde a notificação da decisão de 1.ª Instância até integral pagamento.


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Quanto a custas: da apelação do A., a cargo do A. e da R. na proporção de 1/6 e 5/6, respectivamente; da apelação da R., a cargo da R. e do A., na proporção de 5/6 e 1/6, respectivamente; da 1.ª instância, a cargo de A. e R., na proporção de 7/12 e 5/12, respectivamente.

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Coimbra, 06/07/2016

(Barateiro Martins)

(Arlindo Oliveira)


(Emídio Santos)



[1] Seguimos de muito perto o que já escrevemos nos inúmeros recursos em que apreciámos e decidimos esta mesma questão.

[2] Preambulo da Portaria em que, vale a pena aqui mencioná-lo, se diz que “só há lugar à indemnização por dano patrimonial futuro quando a situação incapacitante do lesado o impede de prosseguir a sua actividade profissional habitual ou qualquer outra”, para logo a seguir se acrescentar que “ainda que o lesado não tenha direito à indemnização por dano patrimonial futuro, em situação de incapacidade permanente parcial o lesado terá direito à indemnização pelo seu dano biológico, entendido este como ofensa à integridade física e psíquica”.
[3] J. Álvaro Dias, in Dano Corporal, pág. 138/139.
[4] J. Álvaro Dias, in Dano Corporal, pág. 395.

[5] A expressão “dano biológico”, traduzindo o dano à saúde, terá surgido jurisprudencialmente em Itália, o que, segundo alguns, aconteceu por o art. 2059.º da lei italiana apenas permitir (ao contrário do nosso art. 496.º do C. Civil) o ressarcimento do dano não patrimonial “nos casos determinados na lei”; ou seja, terá surgido em Itália para ampliar o conceito de dano patrimonial e permitir a indemnização de danos e lesões que doutro modo não seriam abrangidos pelo referido art. 2059.º. Assim, segundo Calvão da Silva (in Compra e venda de Coisa Defeituosa, pág. 215), “em face do art. 496.º do nosso C. Civil, o jurista português não precisa de qualificar o dano à saúde em si e por si como dano patrimonial: Em si e por si, no seu aspecto essencial e na sua estática, o direito à saúde é um direito fundamental, um direito de presonalidade (art. 64.º). E, como em todas as lesões dos direitos de personalidade, os danos resultantes da sua lesão são de natureza não patrimonial e os danos patrimoniais são indirectos ou consequenciais, pelo que o jurista português não tem de lançar mão do expediente de considerar um membro do corpo humano bem patrimonial em si e por si, coisificando-o, para ressarcir a utonomamente a sua perda”.

Seja como for, sem qualquer menosprezo pelos tradicionais conceitos de dano patrimonial e não patrimonial, não se pode deixar de reconhecer toda a pertinácia às observações feitas no Ac. do STJ de 01/07/2010, in CJ, STJ, Tomo II, pág. 75/8, em que se diz: I - A perda relevante de capacidades funcionais - mesmo que não imediatamente reflectida nos rendimentos salariais auferidos na profissão exercida - representa uma verdadeira capitis diminutio do lesado (uma substancial restrição ou limitação às possibilidades/oportunidades profissionais à sua disposição), constituindo assim fonte actual de futuros lucros cessantes, a indemnizar como verdadeiro dano patrimonial. II - Ao mesmo tempo, tal perda relevante de capacidades funcionais representa ainda uma degradação do padrão de vida do lesado - quer nos aspectos não directamente associados ao exercício da profissão, quer na maior penosidade que a actividade profissional passou a representar - a compensar como dano não patrimonial. III - É pois nesta dupla vertente que a ressarcibilidade do dano biológico - independentemente do seu enquadramento ou qualificação jurídicas (ou como dano patrimonial ou como dano não patrimonial ou, ainda, como um "tercium genus", como um dano de natureza autónoma e específica) - consistente na perda genérica de potencialidades laborais e funcionais, deve ser perspectivada e satisfeita.

Observações que o nosso mais alto Tribunal vem repetindo invariavelmente, como recentemente aconteceu, quer no Ac. STJ de 26 de Janeiro de 2016: “ O dano biológico resulta da afetação da integridade psicossomática da pessoa, devendo ser primordialmente qualificado como dano patrimonial se o acidente causou ao lesado sequelas físicas permanentes que, se no imediato e por razões conjunturais, não afetam o auferimento de réditos laborais, no futuro terão repercussão na sua atividade física por via de uma capacidade laboral irreversivelmente diminuída. Nesse caso, o dano é presente e futuro e deve, por regra, ser indemnizável como dano patrimonial.”; quer no Ac STJ de 10 de Março de 2016: “I A lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação constitui em si um dano real ou dano-evento, designado por dano biológico, na medida em que afeta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do bem “saúde”. II - Trata-se de um “dano primário” do qual pode derivar, além de incidências negativas não suscetíveis de avaliação pecuniária, a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para a atividade profissional habitual do lesado, impliquem, ainda assim, um maior esforço no exercício dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expetável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual.”; quer ainda no Ac do STJ de 07 de Abril de 2016 (todos na CJ, 2016, Tomo I, sumários finais): “A afectação da integridade físico-psíquica (que tem vindo a ser denominada “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial, compreendendo os primeiros a redução da capacidade de obtenção de proventos no exercício de actividade profissional ou de outras actividades económicas (perda da capacidade geral de ganho)”
[6] Como claramente consta do facto 16) deste acórdão e das conclusões dos Relatórios do INML.
[7] O que não significa ou impede que se lance um olhar pela Portaria 377/2008, de 26 de Maio (alterada pela Portaria 679/2009, de 25 de Junho) – mesmo nos casos em que tal diploma legal não cubra temporalmente os factos em análise (como é o caso: o acidente ocorreu em 06/09/2007 e a Portaria foi publicada em 26/05/2008) – sem embargo de se entender, como vem sendo uniformemente decidido nos nossos Tribunais (Cfr., v. g. Ac. STJ de 26/01/2012, in CJ Online Ref. 308/2012; de 25/03/2012, in CJ Online, Ref. 4254/2010; de 11/03/2010, in CJ Online, Ref. 4241/2010; de 26/01/2012, in CJ Online, Ref. 308/2012), que a Portaria só vale, só contém regras juridicamente vinculantes e obrigatórias, numa fase anterior, de regularização amigável e extra-judicial dos danos, uma vez que – será, a nosso ver, o sentido útil da Portaria – a mesma pode funcionar como standard mínimo indemnizatório, ou seja, como o limite mínimo de indemnização de que os tribunais não devem baixar.
[8] A soma de todos os montantes referidos no ponto 9 dos factos daria € 13.644,06 por ano.
[9] Considerando os 66 anos em que anda a idade da reforma; embora, tratando-se duma IPG, dum dano biológico, o dano no corpo, na saúde, na integridade física – os esforços acrescidos – irão por certo perdurar para além da vida activa, até ao termo da esperança de vida.

[10] Acrescentando-se, como é hoje mais ou menos pacífico, que tais fórmulas devem garantir, ano após ano, a manutenção em termos reais da prestação (e não em termos meramente nominais), para o que é forçoso que as fórmulas contemplem a inflação anual, os ganhos de produtividade e as evoluções de rendimentos.

[11]

C = capital a depositar logo no 1º ano;

P = prestação a pagar no 1º ano;

N = Número de anos (44) porque a prestação se há-de manter

i = taxa de juro, sendo i =

r = taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras (3,0% - taxa ajustada à média ponderada dum relativamente longo período temporal);

k = taxa anual de crescimento de P (2 % - taxa de crescimento que, no longo prazo – pese embora as vicissitudes do momento – se afigura razoável/expectável para o crescimento do PIB).

Fórmula esta que, salienta-se, é a mesma que a Portaria 377/2008 utiliza (assim como, v. g., o Ac. desta Relação de 1995, in CJ, Tomo II, pág. 23); porém, com a seguinte diferença: em vez da taxa de 5% da Portaria, utilizamos a taxa de 3% como taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras (quanto maior é a taxa, menor é o valor do capital a que se chega a final; não podendo/devendo olvidar-se que o passado recente e todos os cenários futuros conhecidos apontam para uma ambiente geral de baixas taxas de juros – razão por que, com todo o respeito, não seguimos os 4% ou 5% também defendidos no Ac. STJ de 10 de Março de 2016, supra referido).
[12] Pires de lima e Antunes Varela, C. C. Anotado, 4ª ed., Vol. 1º, p. 501.
[13] Conforme o tempo de dilação entre uma coisa e outra.

[14] Voltando à lógica matemática como auxiliar da lógica jurídica: se reduzíssemos o montante a que a fórmula nos conduziu em 1/3, chegaríamos a cerca de 24.000,00 de indemnização, porém, no raciocínio da fórmula está pressuposto que todo esse capital (de € 24.000,00) tivesse sido entregue ao lesado no ponto/momento de partida do cálculo (que, no caso presente, era o dia da alta, ou seja, 21/01/2009); ora – é o ponto a que se quer chegar – utilizando a taxa de juro de 3% da fórmula, tais € 24.000,00 (se estivessem em poder do lesado desde 21/01/2009) já lhe teriam rendido mais de € 5.000,00 (ou seja, já teria € 29.000,00).

[15] O que – quando se diz/decide que os juros são desde a citação, que não se faz a actualização ao momento da sentença (mas ao momento da citação) e que os juros concedidos (desde a citação) “compensam” a circunstância do capital inicial não estar em poder do lesado no ponto/momento de partida do cálculo (como é pressuposto de raciocínio da fórmula) – também significa, nesta hipótese, que a redução terá que ser maior (o tal 1/3); basta pensar (em harmonia com tal raciocínio), que só os juros legais, nos 7 anos que vão entre a data da alta e a data da sentença de 1.º Instância, dão, numa soma linear, 28%.

[16] O Acórdão Uniformizador n.º 4/2002, insiste-se, não estabeleceu – na compatibilização dos artigos 805.º/3 e 566.º/2, ambos do CC – que, na indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco, os juros são sempre devidos apenas desde a decisão. Diferentemente, veio tão só estabelecer que “sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º/3 (interpretado restritivamente), e 806.º/1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”. Diferentemente, veio tão só confirmar a impossibilidade de duplicações indemnizatórias, isto é, que a obrigação acessória de juros não se pode iniciar em data anterior àquela a que se reporta a fixação da indemnização.

[17] Assim como seria possível fixar o montante indemnizatório à data do presente acórdão, acrescendo então os juros, sobre tal montante indemnizatório, apenas desde a data de hoje.

[18] Um montante algo inferior não constituiria um montante sem significado, desajustado ou que ferisse a equidade; há, porém, uma ocorrência que nos faz considerar os € 16.000,00 como a melhor justiça do caso concreto: o acidente ocorreu em 06/09/2007 e só passados cerca de 8 anos e meio (data da sentença a quo) tal dano foi “liquidado”, dizendo-se (em obediência ao art. 566.º/2 do CC) que a sua liquidação/fixação é actualizada à data da sentença, o que significa que a sua fixação, para ser inteiramente justa e equitativa, deve também incorporar uma reparação pelo tempo em que o A. (entre o acidente e a data da sentença) não pôde dispor do montante que lhe era devido.

[19] Observa-se, mais uma vez, que o montante indemnizatório (parcelar) de € 5.890,31, a título de danos patrimoniais (pelo dano emergente da incapacidade temporária), não está colocado em crise e não faz parte do objecto do presente recurso.