Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
94/10.0GCTND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: CONHECIMENTO SUPERVENIENTE DO CONCURSO DE CRIMES
RELATÓRIO SOCIAL
NOVO CÚMULO JURÍDICO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 12/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE VISEU – JUIZ 2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 77.º E 78.º DO CP; ART. 370.º DO CPP
Sumário: I - Se a natureza facultativa do relatório social não subtrai ao tribunal, quando este o considere necessário, mesmo em caso de decisão decorrente do conhecimento superveniente do concurso de crimes, o poder/dever de o solicitar, na concreta situação, dispondo o Colectivo de um relatório elaborado em Janeiro de 2015 e decorrendo dos autos encontrar-se o recorrente, desde então até ao presente, ininterruptamente privado da liberdade, nada com relevância bastante para a determinação da sanção, que não tenha sido considerado no acórdão, poderia resultar de um novo relatório.

II - Ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de crimes, no cúmulo jurídico de penas a realizar (artigos 77.º e 78.º do CP) devem incluir-se as penas (parcelares) suspensas na sua execução, cujos períodos ainda não decorreram, suspensão essa que pode, ou não, vir a ser mantida no acórdão cumulatório.

III - Porém, quando esgotado já esteja o prazo de suspensão da execução da pena e o tribunal não diligencie por apurar sobre a extinção da dita pena de substituição, omitindo, assim, dever de pronúncia, a decisão fica incursa na nulidade da alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP.

IV - Reformulado o cúmulo jurídico de penas, com a inevitável desconsideração da pena única anteriormente aplicada, as penas parcelares suspensas na sua execução passam a integrar o novo cúmulo enquanto penas de prisão tout court e não já como penas suspensas, transferindo-se o poder/dever de o tribunal se pronunciar sobre uma eventual suspensão para a pena única que vier agora a ser encontrada, a qual pode, ou não, ser suspensa na sua execução.

V - Na verdade, quanto às penas parcelares de prisão suspensas integradas numa decisão de cúmulo jurídico, decorrente do conhecimento superveniente do concurso de crimes, que, mais tarde, com a consideração de novas penas, vem a ser reformulado, na nova decisão cumulatória já não há que atender à suspensão de cada uma daquelas penas, individualmente consideradas, condição que perderam aquando da realização do primeiro cúmulo, pois que o juízo sobre a suspensão passou, então, a incidir sobre a pena única.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do processo comum coletivo n.º 94/10.0GCTND do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Viseu – JC Criminal – Juiz 2, realizada a audiência de cúmulo jurídico a que se reporta o artigo 472.º, n.º 2 do CPP, em 07.12.2016 foi proferido o acórdão, cujo dispositivo se transcreve:

Pelo exposto e tudo ponderado, decide-se:

I) condenar o arguido A... :

a) na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva (que engloba os processos n.º 478/09.7GCTND, n.º 112/08.2TATND, n.º 1926/09.1PBVIS e n.º 94/10.0GCTND, este apenas o crime de coação de que foi vítima D... cometido em 17.3.2010);

b) na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva (que engloba os processos n.º 136/14.0GCTND e n.º 94/10.0GCTND, este apenas o crime de coação, vítima F... , cometido em 1.8.2010, e o crime de violência doméstica).

[…]

Após trânsito, remeta certidão com nota de trânsito em julgado aos processos n.º 136/4.0GCTND e ao processo 2690/15.0T8VIS, ambos da Inst. Central Criminal de Viseu.

2. Inconformado com o assim decidido recorreu o arguido, formulando as seguintes conclusões:

1.ª – Em audiência para realização de cúmulo jurídico, realizada em 07/12/2016, decidiu o Tribunal Coletivo aplicar ao arguido as penas únicas de 5 anos e 6 meses de prisão para o 1.º grupo de condenações e a pena de 4 anos e 6 meses de prisão para o 2.º grupo de condenações.

Foram objeto do cúmulo jurídico as condenações sofridas pelo arguido que infra se descrevem:

- proc. n.º 478/09.7GCTND, da Instância Local de Tondela, foi o arguido condenado na pena de 5 meses de prisão substituída por 150 dias de multa à taxa diária de 6,00 €, que pagou, encontrando-se já extinta a pena, pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada (p. e p. pelo art.º 204.º, n.º 2, al. e) do Código Penal), por factos praticados em 22/12/2009, sentença proferida em 29/04/2010 e transitada em julgado em 19/05/2010. INTEGROU O 1.º GRUPO

- proc. n.º 112/08.2TATND, da Instância Central Criminal de Viseu, J1, foi o arguido condenado na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período, pela prática de um crime de abuso sexual de menores (p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 2 do Código Penal), por factos praticados entre inícios do ano de 2006 até Março de 2008 (com uma interrupção entre meados de 2006 a meados de 2007 altura em que esteve emigrado em Andorra), por acórdão proferido em 14/05/2010 e transitada em julgado em 04/06/2010. INTEGROU O 1.º GRUPO

- proc. n.º 1926/09.1PBVIS, da Instância Local Criminal de Viseu, J3, foi o arguido condenado na pena de 2 anos de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova, pela prática de um crime de roubo por esticão (p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal), por factos praticados em 27/12/2009, por acórdão proferido em 14/05/2010 e transitada em julgado em 04/06/2010. INTEGROU O 1.º GRUPO

- proc. n.º 136/14.0GCTND, da Instância Central Criminal de Viseu, J1, foi o arguido condenado na pena de 3 prisão efetiva, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade (p. e p. pelo art.º 25.º do DL 15/93 de 22/01), por factos praticados entre Maio de 2013 a Maio de 2014, por acórdão proferido em 09/03/2015 e transitado em julgado em 09/04/2015. INTEGROU O 2.º GRUPO

- proc. n.º 94/10.0GCTND, da Instância Central Criminal de Viseu, J2, foi o arguido condenado na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão efetiva, pela prática, sob a forma de autoria material e em concurso efetivo:

- de um crime de violência doméstica agravado, sob a forma consumada, p. e p. pelo art.º 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do Código Penal, praticado entre Março de 2010 a 22/02/2011, na pena de 3 anos de prisão. INTEGROU O 2.º GRUPO

- de um crime de coação agravada, sob a forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 154.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, praticado em 17/03/2010. INTEGROU O 1.º GRUPO

- de um crime de coação agravada, sob a forma consumada, p. e p. pelos art.ºs 154.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, praticado em 01/08/2010. INTEGROU O 2.º GRUPO

2.ª) O presente recurso tem como objeto toda a matéria do acórdão do cúmulo jurídico proferido nos presentes autos;

3.ª) No que concerne às condenações sofridas pelo arguido e objeto do cúmulo jurídico de penas realizado nestes autos, resulta que o arguido/recorrente das 5 condenações que sofreu, 1 foi em pena de prisão que foi substituída por multa que o arguido pagou, estando a pena extinta, 2 em pena de prisão suspensa na sua execução e 2 condenações em pena de prisão efetiva.

4.ª) Na data em que foi proferido o presente acórdão, já tinha decorrido o período de suspensão das penas de prisão que foram aplicadas ao arguido, nos processos n.ºs 1926/09.1PBVIS e 112/08.2TATND.

5.ª) Porém, do acórdão condenatório não resulta que o Tribunal a quo tivesse averiguado se as mesmas foram declaradas extintas ou se as suspensões tivessem sido objeto de revogação, o que constitui omissão de pronúncia e por isso nulidade que expressamente se invoca, tudo nos termos dos artigos 374.º e 379.º do C.P.P;

6.ª) Pese embora tais condenações tenham sido antes objeto de cúmulo jurídico entretanto realizado no âmbito do processo n.º 2690/15.8T8VIS, da Comarca de Viseu, Inst. Central, Secção Criminal, J1 e que deu origem a acórdão proferido em 11/06/2014.

7.ª) Mas já nesse momento havia decorrido o prazo da suspensão da pena aplicada ao arguido no processo n.º 112/08.2TATND, sem que no entanto, do acórdão aí proferido e cuja certidão se encontra junta a estes autos resulte se havia sido averiguado ou não se a referida pena tinha sido declarada extinta.

8.ª) O que ainda assim, na modesta opinião do recorrente, continua a determinar a nulidade do acórdão recorrido, porquanto esse outro acórdão que cumulou tais penas, também perdeu autonomia e eficácia, pelo que deveria ter sido determinado, junto dos processos donde emergiram originalmente as referidas condenações se as penas de prisão suspensas aí aplicadas foram ou não extintas, nos termos do art.º 57.º do CP.

9.ª) Sendo, de resto, este o entendimento que tem vindo a ser sufragado pela nossa jurisprudência, da qual se destaca o acórdão proferido pelo STJ em 21/06/2011 no processo n.º 778/06.8GAMAI.S1 e o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23/11/2010 no âmbito do processo n.º 246/07GEACB.C1.

10.ª) O acórdão recorrido violou também o disposto nos artigos 78.º e 80.º do Código Penal ao não efetuar o desconto dos períodos de privação de liberdade sofridos nas penas concretamente aplicadas ao arguido em cúmulo jurídico, conforme se impunha, embora no ponto 23 dos factos provados os reconheça e descreva;

11.ª) Não tendo também procedido ao desconto da pena já cumprida e declarada extinta no âmbito do processo n.º 478/09.7GCTND, embora no ponto dos factos provados considere que a mesma foi cumprida e esteja extinta;

12.ª) O Tribunal a quo violou também o disposto no n.º 3 do art. 77.º do Código Penal, na interpretação que lhe é dada por NUNO BRANDÃO, ao não conceder ao arguido a possibilidade de optar entre o cumprimento sucessivo de penas aplicadas, que lhe conferia o direito de autonomizar as penas de prisão suspensas na sua execução e que constitui um regime mais favorável ao mesmo e mais consentâneo com as necessidades que o caso sub judice requer;

13.ª) Até porque o caso vertente, nomeadamente o 1.º Grupo de condenações formado pelo Tribunal a quo, é constituído maioritariamente por penas não privativas da liberdade, sendo apenas exceção a pena aplicada no âmbito do processo n.º 94/10.0GCTND em que o arguido foi condenado na pena de 1 ano e 6 meses de prisão efetiva.

14.ª) E é precisamente neste primeiro grupo de condenações onde a punição do arguido é mais severa – 5 anos e 6 meses de pena única – que o Tribunal a quo decidiu não suspender a execução da prisão;

15.ª) Sendo certo que este é também o grupo de condenações relacionados com os primeiros factos criminosos perpetrados pelo arguido, que se encontram bem definidos dentro de um período relativamente curto e não disperso, conforme é referido no acórdão recorrido, concretamente entre finais de Dezembro de 2009 e 14 de Março de 2010 (cerca de 3 meses e meio de atividade delituosa);

16.ª) O Tribunal a quo também violou o artigo 78.º do Código Penal ao não considerar que os crimes objeto da condenação no âmbito do Proc. n.º 94/10.0GCTND foram praticados dentro do mesmo quadro temporal e comportamental do arguido, movido também por comportamentos aditivos;

17.ª) Nesse sentido importa referir, embora se entenda que o crime de violência doméstica só atinge a consumação com a prática do último facto ilícito, que tal crime foi iniciado no dia 07/03/2010, isto é, antes de transitar em julgado a primeira condenação que balizou o cúmulo jurídico, isto é, a condenação sofrida pelo arguido no processo n.º 478/09.7GCTND, cujo trânsito ocorreu em 19/05/2010;

18.ª) Pelo que, se o Tribunal a quo atentasse nessa circunstância e a tivesse englobado no âmbito da atividade perpetrada pelo arguido, conforme resulta do espírito do ar. 77.º e 78.º do Código Penal, teria certamente integrado tal condenação no 1.º grupo de condenações, o que beneficiaria a situação jurídica do arguido, nomeadamente do ponto de vista da ressocialização, sem com isso colocar em causa as finalidades de prevenção geral e especial que o caso requer;

19.ª) Salvo devido respeito por diferente opinião, entende também o recorrente que mal andou o Tribunal a quo em não ter solicitado um relatório social atualizado do arguido aquando da realização da audiência de cúmulo;

20.ª) Isto porque, o relatório social que parece ter servido para balizar as condições pessoais do arguido terá sido um relatório já elaborado em Janeiro de 2015, quando o arguido se encontrava a cumprir medida de coação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, sendo certo que o mesmo já se encontra em cumprimento de pena desde pelo menos Novembro de 2015, conforme resulta dos factos provados.

21.ª) Motivo pelo qual não existe nos autos qualquer notícia do atual momento de vida do arguido, nomeadamente que este se encontra no Estabelecimento Prisional do Campo, em Viseu, uma instituição com um regime de cumprimento de pena mais flexível e onde os reclusos têm oportunidade de se valorizar em termos profissionais;

22.ª) Sendo certo que para o referido Estabelecimento Prisional não são transferidos todos os reclusos, mas apenas aqueles que demonstram ter um comportamento adequado às regras e vontade de mudar as suas vidas;

23.ª) Oportunidade que o arguido tem sabido aproveitar, mas que não se encontra vertida nos autos, o que seria importante para a ponderação de uma eventual suspensão da pena de prisão aplicada ao mesmo.

24.ª) Ao assim não ter diligenciado o Tribunal a quo, entendemos que o mesmo violou o disposto nos artigos 77.º, n.º 1 do CP e 374.º n.º 2 e 279.º ambos do CPP, porquanto se deverá entender não ser suficiente os motivos alegados para não ter sido aplicado ao arguido uma pena igual ou inferior aos 5 anos de prisão e suspensa na execução, quanto ao 1.º grupo de condenações;

26.ª) Caso por mera hipótese assim não se entenda, o recorrente considera ainda assim que em face dos factos dados como provados no acórdão recorrido o Tribunal a quo aplicou penas manifestamente exageradas e desproporcionadas às necessidades de prevenção geral e especial que o caso sub judice requer e que, pelo menos a pena aplicada ao 1.º Grupo de Condenações deveria ser reduzida abaixo dos 5 anos de forma a permitir a suspensão da pena de prisão aplicada;

27.ª) Assim como considera exagerada e desproporcional a pena aplicada ao 2.º grupo de condenações;

28.ª) O Tribunal a quo ao condenar o arguido, que atualmente tem 30 anos de idade, numa pena de 10 anos de prisão, de cumprimento sucessivo, ultrapassou manifestamente a culpa do mesmo e hipotecou a vida do mesmo, que após o cumprimento de tão pesada pena, dificilmente conseguirá retomar a sua vida quando for restituído à liberdade;

30.ª) E ignorou os progressos que o mesmo tem feito desde que recolheu ao estabelecimento prisional, nomeadamente ao nível da interiorização do desvalor dos seus comportamentos passados;

31.ª) Conforme se referiu nas alegações, é inegável que a pena aplicar ao arguido dever revestir a dureza necessária para atingir os seus fins, mas não deverá ser de tal forma grave que se revele e demonstre nociva à recuperação e reintegração social do arguido, o que in casu, se teme que venha efetivamente a acontecer, acaso se mantenha o acórdão recorrido;

32.ª) Pelo que, violou também por aqui o Tribunal a quo os artigos 40.º, 71.º, 77.º e 78.º todos do Código Penal, uma vez que em face dos factos que já haviam sido dados como provados quanto às condições pessoais do arguido, bem como ao facto deste já ter sido o verdadeiro impacto com o sistema judicial e prisional, era e é de ponderar a emissão de um juízo de prognose favorável quanto à prevenção e sucumbência ao crime da parte do arguido e ser-lhe possível aplicar uma pena de prisão suspensa na execução, pelo menos quanto ao primeiro grupo de condenações.

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso e em consequência ser o doutro acórdão recorrido reparado de acordo com as premissas supra expostas.

De todo o modo, farão V. Ex.ªs, como sempre, inteira justiça!

3. Por despacho exarado a fls. 1303 foi o recurso admitido.

4. Respondendo, o Ministério Público manifestou-se no sentido da improcedência total do recurso.

5. Na Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto apôs o visto.

6. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cabendo, pois, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

Mostrando-se os poderes cognitivos do tribunal de recurso limitados em função das conclusões, sem prejuízo do conhecimento de eventuais questões de natureza oficiosa, no caso em apreço impõe-se decidir se (i) Por não haver o tribunal a quo diligenciado pela realização de relatório social do arguido, é nulo o acórdão; (ii) Ao não reportar sobre o estado das penas suspensas que teriam integrado o concurso de crimes, dando origem às penas únicas aplicadas, concretamente quanto à respetiva extinção pelo decurso do período de suspensão correspondente, enferma o acórdão de nulidade por omissão de pronúncia; (iii) Ao não ter dado a possibilidade ao arguido de optar no que às penas suspensas respeitaria entre o cúmulo jurídico e a acumulação material, foi violado o n.º 3 do artigo 77.º do C. Penal; (iv) A não integração da pena sofrida pelo crime de violência doméstica (no âmbito do proc. n.º 94/10.OGCTDN) no primeiro cúmulo jurídico realizado viola o artigo 78.º do C. Penal; (v) As penas únicas encontradas revelam-se desproporcionadas e deveriam ter sido suspensas na sua execução; (vi) Ao não ter procedido ao desconto dos períodos de privação da liberdade sofridos pelo arguido no âmbito dos processos em que foram aplicadas as penas que vieram a integrar os cúmulos e ainda o correspondente à pena já extinta pelo cumprimento, que igualmente integrou o cúmulo, violou o acórdão os artigos 78.º e 80.º do C. Penal.

2. A decisão recorrida

Ficou a constar do acórdão:

2. Fundamentação

2.1. Da matéria de facto provada

Da audiência - a que se procedeu com observância do atinente formalismo legal - resultou provada a seguinte matéria de facto com interesse:

Das condições de vida e personalidade do arguido A...

1. O arguido A... é o único filho fruto de um relacionamento ocasional mantido pelos seus pais. Tem uma irmã consanguínea e um irmão uterino, mais novos, com os quais mantém contactos regulares. Quando tinha apenas nove meses de idade, a mãe entregou-o aos cuidados da avó materna, mãe de nove filhos, a qual já se encontrava nessa altura separada do marido, por este ter abandonado a família para ir viver com outra pessoa.

2. Foi, assim, com dificuldades económicas que a avó do arguido lhe foi proporcionando a satisfação das suas necessidades. Pessoa bastante afetiva, facilmente se constituiu como uma figura de vinculação para o neto, que só via a mãe quando esta, esporadicamente, o ia visitar. Relativamente ao pai, os contactos eram ainda mais escassos, o mesmo não se verificando em relação ao avô materno, que apesar de separado do cônjuge, foi sempre acompanhando de perto o processo de desenvolvimento do neto, assumindo mesmo, uma postura educativa firme e de autoridade, contrariando em várias circunstâncias o carácter rebelde e desobediente de A... . De facto, a avó elegeu um estilo educativo de grande permissividade, tendo revelado dificuldades na adoção das vertentes da autoridade e da firmeza nas suas funções educativas, o que proporcionou que o neto, desde muito cedo, apresentasse problemas de comportamento, nomeadamente no meio escolar, em que era solicitada com frequência a presença daquela familiar, enquanto sua encarregada de educação.

3. O arguido iniciou o seu percurso escolar na idade normal, tendo registado insucesso em dois anos letivos no 1.º ciclo do ensino básico. Posteriormente conclui o 6.º ano de escolaridade, tinha então 15 anos de idade e abandonou o sistema escolar, por revelar muitos problemas de comportamento e por não se sentir motivado para prosseguir o seu percurso escolar.

4. Na altura, o arguido não apresentava qualquer estruturação dos seus tempos livres, o mesmo indo a acontecer após ter abandonado a escola. Habitualmente fazia-se acompanhar com outros jovens com comportamentos não normativos.

5. Ao nível profissional inicia um percurso inconstante com experiências profissionais de curta duração, na área da metalurgia e da hotelaria, sendo que aos 17/18 anos de idade permaneceu 1 ano em Andorra, onde terá feito formação profissional na área da hotelaria, tendo posteriormente conseguido integração laboral nesse sector.

6. A morte do avô materno, familiar com quem tinha grande ligação afetiva, terá precipitado o seu regresso a Portugal. Posteriormente, ainda chegou a deslocar-se para França, na companhia da namorada, onde trabalhou no sector da agricultura, por um curto período de tempo. Regressava ao agregado familiar da avó, já com idade avançada e saúde fragilizada, onde também a dada altura residia uma tia materna e dois filhos menores. Uma destas menores terá sido alvo de abuso sexual por parte do arguido, vindo a ser condenado, no processo 112/08.2, do 2º Juízo do Tribunal de Tondela, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo com sujeição a regime de prova.

7. O envolvimento do arguido no processo anteriormente referido, pela natureza do crime terá contribuído para dificultar a sua inserção laboral e social.

8. Pontualmente exercia atividades profissionais ligadas à agricultura ou construção civil e a sua manutenção era assumida pela parca reforma da avó e do apoio de outra tia materna de que vem a receber apoio após o falecimento da avó, ocorrido há mais de 5 anos.

9. Nestas circunstâncias, o seu quotidiano foi gerido de forma pouco estruturada, sem objetivos de vida e compromissos que potenciem a assunção de uma responsabilidade social própria às pessoas da sua idade, elegendo relacionamentos interpessoais com jovens com problemáticas semelhantes.

10. Desde os 16 anos consume regularmente haxixe, tendo ainda registado posteriores consumos de heroína e cocaína, o que abandonou depois de frequentar consultas no CRI de Viseu.

11. Desde que a avó faleceu o arguido permaneceu na habitação da mesma assumindo o pagamento da respetiva renda, sendo que era apoiado não só em termos económicos como na higiene da habitação e alimentação pela tia materna que sempre foi uma familiar presente.

12. Com a mãe mantinha contactos pontuais e o pai, como sempre, revelou-se uma figura parental completamente ausente.

13. Neste período de tempo para além das tarefas pontuais de caracter indiferenciado, trabalhou durante algum tempo como empregado de mesa num bar de alterne, contexto laboral que não lhe agradava, pelo que manteve-se sempre inscrito no Centro de Emprego no sentido de conseguir um posto de trabalho que lhe proporcionasse mais estabilidade. Neste contexto foi encaminhado por esta instituição para uma empresa de aplicação de caldeiras, tendo celebrado contrato de trabalho em Outubro de 2013, com salário de 485€ mensais.

14. Em Agosto do mesmo ano abandonou a habitação da avó e arrendou uma casa, pelo valor mensal de 170€ mensais, em (...) onde se manteve até à data da reclusão nos presentes autos. No sentido de conseguir assumir este compromisso financeiro por vezes realizava trabalhos para o senhorio (pai do coarguido).

15. Interrompeu curso de formação profissional, que decorria desde 14 de Abril de 2014 pelo período decorrente até 28 de Maio de 2014, na área de Proteção Florestal na mesma zona da sua residência, auferindo uma bolsa mensal de 210€ mensais.

16. A execução da medida de coação de obrigação de permanência na habitação mediante vigilância eletrónica, que cumpre desde 25 de Setembro de 2014 à ordem do PCC 136/14.0GCTND, desta Instância Central Criminal de Viseu, está a decorrer sem incidentes. Cumpre o confinamento habitacional 24/h por dia sem registo de transposições dessa área e os restantes procedimentos de controlo, mantendo uma atitude cooperante com os técnicos responsáveis na sua vigilância. A execução da medida decorre no agregado familiar da mãe, figura parental praticamente ausente no seu processo de crescimento, mas que, desde que o arguido foi preso preventivamente, tem tentado compensa-lo e apoia-lo na resolução dos seus problemas, considerando ter melhores condições e mais estabilidade económica e relacional para assegurar ao filho.

17. No decurso desta medida de coação conseguiu refazer a relação com a mãe (atualmente desempregada) e outro irmão (24 anos e desempregado) e conviver com o padrasto que tem aceitado à sua permanência no seu contexto habitacional e assegurado a sua manutenção, pois neste momento é o único elemento com situação profissional regular.

18. O arguido A... foi condenado definitivamente:

19. no processo nº478/09.7GCTND, da Inst. Local de Tondela, por sentença de 29.04.2010, transitada em julgado em 19.05.2010, pela prática, em 22.12.2009, de um crime de furto qualificado na forma tentada, p. p. pelo art.204º, nº2, al. e), do C. Penal, na pena de 5 meses de prisão, substituída por 150 dias de multa, à taxa diária de €6,00, que pagou, com a consequente extinção da pena; porquanto o arguido, acompanhado de uma menor, entrou numa residência particular, através de escalamento de uma janela, para ali subtrair objetos de valor que encontrassem, vindo a ser surpreendidos no seu interior; o arguido não colaborou para a descoberta da verdade, tendo sido julgado na ausência, tudo conforme certidão de fls.1058-1069 que aqui se dá por inteiramente reproduzida.

20. no processo 112/08.2TATND, da Inst. Central Criminal de Viseu J1, por acórdão de 14.05.2010, transitado em julgado em 04.06.2010, pela prática, em 07.04.2008, de um crime de abuso sexual de crianças, p. p. pelo art.171º, nº2, do C. Penal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período. Esta pena foi englobada no cúmulo jurídico efetuado no processo 2690/15.0T8VIS, da Inst. Central Criminal de Viseu, J1, tendo perdido autonomia; porquanto, em data não apurada do início do ano de 2006, tinha a ofendida, sua prima B... , 11 anos de idade, que consigo vivia juntamente com os seus familiares na casa da avó do arguido, este puxou-a para o quarto dela e apalpou-lhe o rabo, os seios e a vagina e, após a despir, introduziu o pénis na sua vagina. Após este episódio, cinco a seis vezes por mês, até Março de 2008, o arguido manteve relações sexuais com a referida menor, exceto desde meados de 2006 a meados de 2007, altura em que esteve emigrado em Andorra. Em consequência destes factos a menor B... padeceu de profunda angústia e sofrimento, tendo tentado o suicídio por duas vezes. O arguido não colaborou para a descoberta da verdade, negando os factos, tudo conforme certidão de fls.1029-1052 que aqui se dá por inteiramente reproduzida.

21. no processo 1926/09.1PBVIS, da Inst. Local Criminal de Viseu J3, por sentença de 25.11.2013, transitada em julgado em 09.01.2014, pela prática em 27.12.2009 de um crime de roubo por esticão, p. p. pelo art.210º, nº1, do C. Penal, na pena de 2 anos de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova; porquanto o arguido e outro no dia 27.12.2009 subtraíram por esticão a mala com dinheiro, telemóvel e documentos que a ofendida K... transportava, o que o arguido A... fez quando seguia numa viatura conduzida pelo outro individuo. O arguido colaborou para a descoberta da verdade, confessando integralmente os factos e tendo reparado a vítima, tudo conforme certidão de fls.1010-1026 que aqui se dá por inteiramente reproduzida. Esta pena foi englobada no cúmulo jurídico efetuado no processo 2690/15.0T8VIS, da Inst. Central Criminal de Viseu, J1, por acórdão de 11.06.2014, transitado em julgado no dia 11.07.2014, que englobou além daquela pena a do processo nº112/08.2TATND, tendo sido aplicada a pena única de 5 (cinco) anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, sob regime de prova, tudo conforme certidão de fls.1201-8 que aqui se dá por inteiramente reproduzida.

22. no PCC 136/14.0GCTND, desta Instancia Central Criminal de Viseu J1, por acórdão de 9.03.2015, transitada em julgado em 09.04.2015, pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade, p. p. pelo art.25º, do DL 15/93, de 22/01, na pena de 3 anos de prisão efetiva; porquanto o arguido A... e outro desde maio de 2013 até maio de 2014 procederam ao cultivo de cannabis para posterior vendas das respetivas folhas em doses individuais, o que fizeram nomeadamente a cinco indivíduos. No dia 15 de maio de 2014 foi apreendida ao arguido uma plantação com 79 + 16 plantas de cannabis, sementes e diversos objetos utilizados no cultivo e conservação daquela substancia. O arguido colaborou parcialmente para a descoberta da verdade, confessando cultivo, mas negando a comercialização de cannabis, tudo conforme certidão de fls.926-1003 que aqui se dá por inteiramente reproduzida.

23. Neste PCC 136/14.0GCTND o arguido encontrou-se detido/preso desde 16.05.2014 até 25.09.2014, ficando a partir desta data em OPHVE até ao trânsito em julgado do acordo condenatório, tendo sido desligado desse processo no dia 16.11.2015 e ligado ao PCC n.º94/10.0GCTND para cumprimento da pena aqui aplicada, à ordem do qual se encontra preso, tudo conforme liquidação de fls.862-9 e mandado de fls.924 que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.

24. Nos presentes autos de PCC n.º94/10.0GCTND, da Instância Central Criminal de Viseu – J2, o arguido foi condenado, por acórdão de 17.04.2015, transitado em julgado em 18.05.2015, pela prática, sob a forma de autoria material e em concurso efetivo:

a) de um crime de violência doméstica agravado, sob a forma consumada, p. e p. pelo art.152, n.°1 al. b), e n.°2, do C. Penal (vitima C... ), na pena de 3 (três) anos de prisão;

b) de um crime de coação agravada, sob a forma tentada, p. e p. pelos artigos 154.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal (vítima, o ofendido D... ), na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

c) de um crime de coação agravada, sob a forma consumada, p. e p. pelos artigos 154.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al.a), ambos do Código Penal (vitima, o ofendido F... ), na pena de 3 (três) anos de prisão.

Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva.

25. Porquanto arguido e a ofendida C... viveram em união de facto um com o outro. Após a primeira separação em inícios de Março de 2010 até 22.02.2011, as relações entre o ex-casal pautaram-se por desentendimentos frequentes, sendo reciprocas as discussões e as agressões entre o arguido e a sua ex-companheira.

26. No dia 7 de março de 2010, por volta das 18h30, a ofendida C... e D... , seu amigo, deslocaram-se para a cidade de Viseu. Após regressarem a (...) , à noite, quando se encontravam no interior do automóvel, o arguido A... , acompanhado do arguido E... , decidiu ir ao encontro daquela. Ali chegados, o arguido A... saiu da viatura em que se fazia transportar e dirigindo-se à ofendida C... , em tom sério e voz alta, chamou-a por várias vezes de "puta". Disse-lhe ainda que lhe dava um murro e que a matava, só não lhe tendo conseguido bater porque esta tinha o vidro da janela fechado. Nas mesmas circunstâncias, o arguido desferiu um murro e um pontapé no veículo do D... e abandonou o local.

27. Posteriormente, entre as 22.46 horas e as 23.12 horas, ainda nesse dia, o arguido A... enviou para o telemóvel da ofendida C... as mensagens escritas transcritas a fls.6 e 7 (fotografadas a fls. 8 a 11) que aqui se dão integralmente por reproduzidas para todos os efeitos legais, chamando-a além do mais de "vaca de merda" e "puta".

28. Também no dia 9 de março de 2010, o arguido A... enviou para o telemóvel da ofendida C... diversas mensagens escritas, fotografadas a fls.22, que aqui se dão integralmente por reproduzidas para todos os efeitos legais, chamando-a além do mais "não vales uma merda”, “vai km o karalho”, “vaka de merda", "ex uma puta", “kala vaka”.

29. No dia 14 de março de 2010, às 00.56horas, o arguido A... enviou para o telemóvel da ofendida C... uma mensagem escrita, fotografada a fls.23, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, através da qual a chamava de "vaka”.

30. No dia 4 de abril de 2010, domingo de Páscoa, por volta das 18h15, a ofendida C... encontrava-se no interior do bar " ..... ", sito nesta cidade de ..... , quando o arguido A... se dirigiu a si e lhe apertou o pescoço, dizendo-lhe depois "levas uma cabeçada nessa testa que até os olhos te saltam", mais lhe tendo dito "aviso-te, quando me vires na rua passa para o outro lado."

31. Nesse mesmo dia, entre as 00.06horas e as 18.35 horas, o arguido A... enviou para o telemóvel da ofendida C... várias mensagens escritas, fotografadas a fls.23, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, através das quais a chamava de "trixte d karalho”, “nojenta d merda”, “vait fudr oh vaka”, “ex a pior merda k anda ai karalho! metex nojo”, “vai lá moxtrar ax sms ah bofia vaka d karalho!”.

32. No dia 5 de abril de 2010, às 12.57h e às 13.03 horas, o arguido A... enviou para o telemóvel da ofendida C... duas mensagens escritas, fotografadas a fls.24, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, através da qual a chamava de "grande vaca” e “não sabia que também gostavas de enfiar garrafas”.

33. No dia 22 de abril de 2010, entre as 12.06h e as 12.23h, o arguido A... enviou para o telemóvel da ofendida C... quatro mensagens escritas, fotografadas a fls.24, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, através das quais lhe dizia além do mais que lhe havia de cuspir na cara, “vai para o karalho oh nojenta”, “vaka de merda”.

34. Também no dia 23 de abril de 2010, entre as 00.39h e as 00.55h, o arguido A... enviou para o telemóvel da ofendida C... quatro mensagens escritas, fotografadas a fls.25, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, através das quais a mandava foder, “keru ir prexo por t arrebentar a kara td ao soko”, “porka d merda”, “vou ter k t dar unx murrx e arrnjr gente pa ver e pa ir dntro”.

35. Já no dia 1 de maio de 2010, às 3.51h, o arguido A... enviou para o telemóvel da ofendida C... uma mensagem escrita, fotografada a fls.25, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, através da qual lhe dizia que não valia nada e estava bem era com a cabeça espetada num pau no ponto mais alto do caramulo.

36. No dia 3 de maio de 2010, às 1.28h, o arguido A... enviou para o telemóvel da ofendida C... uma mensagem escrita, fotografada a fls.26, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, através da qual lhe dizia que estava com alguém que haveria de limpar os que andavam com ela.

37. No dia 5 de maio de 2010, entre as 13.09h e as 13.25h, o arguido A... enviou para o telemóvel da ofendida C... várias mensagens escritas, fotografadas a fls.26, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, através da qual lhe dizia que “ex uma ganda puta”, lhe dava um “xapo nax trombx” e que só a largava quando se vingasse.

38. No dia 6 de Junho de 2010, às 1.20h, o arguido A... enviou para o telemóvel da ofendida C... uma mensagem escrita, fotografada a fls.292, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, através da qual lhe dizia que ela estava fodida com ele e que tinha perdido o medo de lhe partir a boca.

39. No dia 7 de Junho de 2010, às 21.33h, o arguido A... enviou para o telemóvel da ofendida C... uma mensagem escrita, fotografada a fls.292, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, através da qual a chamava além do mais de puta e vaca.

40. No dia 21 de Junho de 2010, às 00.54h, o arguido A... enviou para o telemóvel da ofendida C... uma mensagem escrita, fotografada a fls.292, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, através da qual lhe dizia que não se livrava dele, ainda tinha que lhe aturar muito.

41. Em data e hora não apuradas, mas situada entre o dia 4 de abril e o dia 28 de Junho de 2010, quando a ofendida C... se encontrava na sua residência, o arguido telefonou-lhe e disse-lhe: "já perdi o medo de te bater, só quero encostar a minha mão na tua cara e vais logo parar quinze dias ao hospital".

42. A queixosa, que ficou com medo do que o arguido A... lhe estava a dizer, perguntou-lhe o porquê de estar a falar assim consigo, ao que o arguido lhe respondeu "não penses que estou a brincar, o que te estou a dizer é mesmo a sério e é para teres medo", mais lhe tendo dito "és uma puta, és mais puta do que aquelas que estão nas casas da putas, onde quer que estejas e com quem estejas, não importa, vais levar nesse focinho", "não penses que por ires a (...) com os teus amigos e seguranças que vou deixar de te bater, estou a chegar a casa e venho buscar uma coisa, ai de alguém que se venha meter comigo agora".

43. Mais lhe disse "já que és uma puta eu vou-te raptar e vais comigo para Espanha, vais trabalhar para mim como puta".

44. Desde Novembro de 2010 até 22.02.2011, o arguido A... viveu novamente com a ofendida C... . Nesse período, quer no interior da residência do casal, quer no elevador de acesso à mesma, o arguido A... , na sequência de discussões entre ambos, pelo menos em duas ocasiões distintas, pontapeou as pernas e apertou o pescoço da ofendida C... , agressões a que também esta respondia com murros e pontapés no corpo dele e com insultos designadamente chamando-o de corno.

45. Em consequência de toda a relatada atuação do arguido, a ofendida C... sofreu dores com as mencionadas agressões físicas, sentindo-se ainda atemorizada, humilhada e vexada com as expressões injuriosas e intimidatórias que lhe dirigiu.

46. Na noite de 17 de março de 2010, movido pelo ciúme relativamente à ofendida C... , o arguido A... desferiu um murro na cara e pontapés nas pernas do queixoso D... , após o que o puxou do interior da viatura, só não o tendo conseguido retirar porque o queixoso se agarrou ao volante.

47. Seguidamente, o arguido A... apontou-lhe um objeto, que disse ser uma arma, dizendo-lhe ainda que o matava, acabando por lhe desferir nova pancada na cabeça com o dito objeto empunhado.

48. Em consequência daquela relatada atuação, o ofendido D... sofreu traumatismo contundente que lhe demandaram 6 dias de doença, sem afetação da sua capacidade geral e/ou profissional, conforme relatório pericial de fls.98-101 que aqui se dá por inteiramente reproduzido.

49. Na tarde do dia 1 de agosto de 2010, no café (...) , sito em (...) , o arguido A... encostou um objeto, com a configuração de uma pistola, à boca do queixoso F... , ao mesmo tempo que lhe disse que, caso não se afastasse da ofendida C... , o matava.

50. O arguido não colaborou para a descoberta da verdade, nem reparou os danos sofridos pelas vítimas, tudo conforme acórdão de fls.755-794 e informação de fls.1162 que aqui se dá por inteiramente reproduzida.


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2.3. Motivação da decisão de facto

A convicção do tribunal formou-se com base na certidão das sentenças/acórdãos, despachos e informações juntas supra identificadas, que aqui se dão por inteiramente reproduzidas, conjugadas com o certificado de registo criminal atualizado junto, tudo examinado em audiência.


*

2.4. Aspeto jurídico da causa

Realizada que foi a audiência prevista no art.472º, do C. Proc. Penal, cumpre proceder ao cúmulo de penas em razão do conhecimento superveniente do concurso de crimes, tendo em consideração nos termos dos art.ºs 77º e 78º, do C. Penal, o conjunto dos factos e a personalidade do arguido, a partir dos seguintes critérios legais que ao caso interessam:

I. -- A pena conjunta não pode ser inferior à mais elevada das penas parcelares;

II. -- Não pode ser superior à soma material das mesmas penas parcelares;

III. -- Não pode exceder o máximo legal da penalidade;

IV. -- A pena única ou pena de concurso pode assumir duas formas diferentes: a pena unitária (ou única) ou pena conjunta. A pena unitária (ou única) existe quando a punição do concurso sobrevém sem consideração pelo número de crimes concorrentes e independentemente da forma como poderiam combinar-se as penas que a cada um caberiam; a pena conjunta verifica-se quando as molduras penais previstas, ou as penas concretamente determinadas para cada um dos crimes em concurso, são depois transformadas ou convertidas segundo um princípio de combinação legal na moldura penal ou na pena do concurso, resultando de uma avaliação conjunta dos factos e da personalidade do agente;

V. -- Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores -art.77º, nº3 do C. Penal. As penas de espécie diversa (multa e prisão) não estão sujeitas a cúmulo jurídico, razão pela qual são cumuladas materialmente em vez de originarem uma pena conjunta.

VI. -- Encontrando-se as penas de prisão, em situação de concurso, devem ser objeto de cúmulo jurídico, apesar de alguma(s) delas ter sido suspensa na sua execução. Ainda que suspensa na respetiva execução, a pena de prisão mantém a mesma natureza da prisão efetiva. Conforme jurisprudência dominante, a forma da sua execução (suspensão) não é abrangido pelo caso julgado formado por cada uma das condenações e o cúmulo jurídico destas penas é a solução que melhor se adequa à avaliação global dos factos e da personalidade do arguido, escopo fundamental do instituto em apreço.

VII. -- É inadmissível o cúmulo jurídico por arrastamento, já que é pressuposto substantivo da regra da punição (art.77º, nº1 do C. Penal) que o cúmulo jurídico só opera em relação às penas efetivamente em situação de concurso, havendo sucessão daquelas que se encontrem excluídas dessa situação e que devem ser cumpridas autonomamente no processo da respetiva condenação - cf. neste sentido Paulo Dá Mesquita, in O Concurso de Penas, 1997, pg.57 e ss; STJ 7.02.2002, CJ, t.1, 202 (com amplas citações de outros Acórdãos do STJ no mesmo sentido); STJ 17.01.2002, CJ, t.1, 180; STJ 6.05.99; STJ 4.12.97; STJ 20.03.91 e RL 6.07.2000, todos in www.dgsi.pt.

VIII. -- A circunstância de alguma das penas em concurso se encontrar cumprida, prescrita ou extinta atualmente não obsta ao respetivo cúmulo jurídico, exceto se este for desfavorável para o arguido por não poder desconta-la na pena única. Com efeito, a nova redação do cit art.78.º, n.º 1, do C. Penal, com a supressão do segmento “mas antes de a respetiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta”, diversamente do que ocorria na redação anterior, veio prescrever que o cúmulo jurídico consequente ao conhecimento superveniente de novo crime, que se integre no concurso, não exclui, antes passa a abranger, as penas já cumpridas (ou extintas pelo cumprimento), procedendo-se, após essa inclusão, no cumprimento da pena única que venha a ser fixada, ao desconto da pena já cumprida. Após a reforma de 2007 passaram a ser cumuláveis as penas já cumpridas, alteração que obviamente, se mostra favorável ao arguido (como refere o Ac STJ 25-03-2009, CJ, t.1, pg.233), apenas sendo de excluir a pena cumprida no caso de não existir qualquer benefício para o arguido se se fizer o cúmulo jurídico da referida pena com outra ou outras condenações, considerada a previsão dos arts. 80.º e 81.º, do C.Penal, como é o caso da pena de prisão suspensa se tiver sido declarada extinta nos termos do art.57.º, nº1, do C. Penal.

IX. -- No caso de conhecimento superveniente do concurso de penas de substituição (ex. prisão substituída por multa [1], trabalho a favor da comunidade, etc.), o concurso destas com outra pena de prisão deve ser conhecido e - assim - realizado o cúmulo jurídico das duas penas principais de prisão, após o que, uma vez determinada a pena conjunta, o Tribunal decidirá da admissibilidade e pertinência da sua substituição - cf. F. Dias in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pg.295. Em relação às penas de substituição e mais concretamente à pena de prisão substituída por multa, conforme Ac. RP 14.05.2008, www.dgsi, deve ser efetuado o cúmulo jurídico com a pena de prisão (pena principal), independentemente de ter sido paga a multa de substituição, colocando-se, no caso de ter havido lugar a tal pagamento, a questão ao nível da liquidação da respetivo pena única. 

X. – A circunstância de alguma das penas em concurso se encontrar cumprida, prescrita ou extinta atualmente não obsta ao respetivo cúmulo jurídico.


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A formação do cúmulo jurídico implica sempre a eliminação de cúmulos parcelares anteriores, ou seja, não é possível integrar nos cúmulos penas conjuntas, mas apenas penas parcelares.

Segundo a melhor doutrina fixada pela jurisprudência superior a respeito da interpretação da expressão “por qualquer deles” referida no art.77º, n.º1, do C. Penal, o momento determinante para a realização do cúmulo jurídico só pode ser o do trânsito em julgado da primeira condenação que ocorrer.

Assim, atente-se no seguinte cronograma das condenações relevantes do arguido:

478/09.7GCTND112/08.2TATND1926/09.1PBVIS136/14.0GCTND94/10.0GCTND
5 meses, extinta4a6m2a3a---
Factos

07.04.2008

Factos

22.12.2009

Facto

27.12.2009

Factos

17.3.2010

Coação D...

1a6m

Sentença

29.04.2010

Sentença

14.05.2010

Trans

19.05.2010

Trans

04.06.2010

Factos

1.8.2010

Coação F...

3 anos

Factos

até 22.02.2011

Violência domestica

3 anos

Sentença

25.11.2013

Trans

09.01.2014

Factos

Até Maio de 2014

Sentença

9.03.2015

Trans

09.04.2015

Sentença

17.04.2015

Trans

18.05.2015

                  1º grupo de condenações

                  Tendo presentes os ensinamentos supra enunciados verificamos no caso concreto que a primeira condenação, aqui relevante, transitada do arguido ocorreu no processo nº478/09.7GCTND, no dia 19.05.2010, sendo esse o (primeiro) momento determinante para a realização do cúmulo jurídico [2].

                  Com esta primeira condenação transitada apenas se encontram em relação pura de concurso superveniente os factos objeto dos processos nº112/08.2TATND,  1926/09.1PBVIS e os factos de 17.3.2010 relativos à coação de que foi ofendido D... a que corresponde a pena de 1 ano e 6 meses de prisão [3].

                  Neste 1º grupo de condenações a pena parcelar mais elevada foi de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão aplicada no processo nº112/08.2TATND, somando as demais 3 (três) anos e 11 (onze) meses de prisão.

                  2º grupo de condenações

                  Sucede-lhe o trânsito em julgado em 09.04.2015 da condenação no cit processo nº136/14.0GCTND, com o qual se encontram em concurso efetivo as penas parcelares do processo nº94/10.0GCTND relativas aos factos de 1.8.2010 (coação, vitima F... ) com a pena de 3 anos e os factos da violência doméstica cometidos até 22.02.2011 com a pena de 3 anos.

                  Neste 2º grupo de condenações a pena parcelar mais elevada foi de 3 (três) anos aplicada no processo nº136/14.0GCTND, somando as demais 6 (seis) anos de prisão.

                  Resta-nos, então, determinar a pena única emergente de cada um destes dois grupos de penas em concurso, nos termos dos art.ºs 77º e 78º do C. Penal, tendo em consideração a avaliação conjunta dos factos e a personalidade do arguido que respiga dos respetivos acórdãos condenatórios.

                  Assim, ponderar-se-á que:

                  - o grau de ilicitude dos factos e a culpa do arguido foram globalmente acentuados nos crimes em concurso em cada grupo de condenações;

                  - nestes grupos de condenações, na sua maioria, o arguido não prestou colaboração relevante;

                  - tem várias condenações em juízo e pela prática de diversos tipos de crimes, sobressaindo a violência de alguns desses crimes;

                  - revela acentuada propensão para o cometimento de crimes, tendo várias outras condenações por crimes de diversa natureza;

                  - o reiterado empreendimento criminoso do arguido apresenta acentuada dispersão temporal, interrompida pela privação da liberdade a que entretanto foi sujeito;

                  - de modesta condição social, o percurso de vida do arguido revela instabilidade social, profissional e económica;

                  - são elevadas as exigências de prevenção geral e especial que, no caso, se fazem sentir.

                  Neste quadro afigura-se equilibrada, em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares de prisão:

                  - a pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão para o 1º grupo de condenações;

                  - a pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão para o 2º grupo de condenações.

                  Suspensão da execução da pena

                  Em abstrato, as penas únicas até 5 (cinco) anos de prisão consentem a suspensão da sua execução nos termos do art.50º, do C. Penal.

                  O arguido tem várias condenações por diversos crimes graves, muitos deles cometidos no período da suspensão da execução de penas de prisão anteriores, como melhor se observa no cronograma supra.

                  Não apresenta qualquer atenuante de relevo designadamente sinal de arrependimento, antes indiferença perante a justiça.

                  São muito elevadas as exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.

                  Com efeito, tem vários antecedentes criminais por diversos tipos de crimes, com propensão para os crimes violentos, a revelar que os vários contactos com o Sistema de Justiça não colheram no arguido impacto positivo em termos de alteração de comportamentos.

                  As suas características pessoais associadas à deficiente integração social e profissional consubstanciam significativos fatores de risco, encontrando-se atualmente recluso.

                  Neste contexto não é possível concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão possam responder eficazmente a imposições de prevenção geral e especial.

                  Em suma, num juízo de prognose desfavorável, a suspensão daquela pena única deve ser negada.

3. Apreciação

§1. Da violação dos artigos 77.º, n.º 1, do C. Penal, 374.º, n.º 2 e 379.º do CPP em consequência do tribunal a quo não ter diligenciado pela realização de relatório social do arguido.

Nos pontos 19.º a 24.º das conclusões insurge-se o recorrente contra o facto de o Coletivo não haver diligenciado pela realização do relatório social, com o que, à luz dos preceitos legais invocados - artigos 77.º, n.º 1, do C. Penal; 374.º, n.º 2 e 379.º do CPP –, teria dado causa à nulidade do acórdão.

Sobre a obrigatoriedade do tribunal determinar a realização de relatório social já muito se tem escrito, sem que se suscite dúvida no sentido de, com a Lei n.º 59/98, de 25.08, haver sido suprimida mesmo para o caso - previsto na versão inicial do CPP – de arguido, à data da prática dos factos, menor de 21 anos, sendo, assim, de concluir pela respetiva natureza facultativa.

Veja-se, a título exemplificativo, o acórdão do STJ de 15.03.2012 [proc. n.º 236/07.3GEALR.E1.S1], de cujo sumário se extrata: «A realização e junção aos autos de relatório social, era obrigatória antes da atual redação do art. 370.º do CPP, introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25-08, relativamente a arguidos menores de 21 anos de idade, por dever equacionar-se, em caso de condenação os pressupostos da atenuação especial da pena. A requisição do relatório social podia, assim, revestir duas modalidades: a facultativa, que constituía a regra, e a obrigatória, verificado o pressuposto subjetivo da idade do arguido (…) e os elementos consignados no n.º 2 do art. 370.º do CPP. (…) Ainda assim, entendia-se que a omissão de relatório social, quando obrigatória a sua requisição, não era fundamento de nulidade, constituindo mera irregularidade que se tinha como ultrapassada se a matéria de facto provada consentisse a formulação de uma imagem precisa e favorável do arguido menor. Caso contrário, a ausência do relatório social, quando obrigatório, determinava o vício da al. a) do art. 410.º, n.º 2, do CPP. (…) Com a Lei 59/88, de 25-8, não há obrigatoriedade legal de realização e junção de relatório social. Aliás, o relatório social não constitui prova pericial, mas somente uma informação auxiliar do juiz, a ter em conta no âmbito da livre apreciação da prova a que alude o art. 127.º do CPP. Logo, a inexistência do reclamado relatório social não constitui nulidade de per se».

No mesmo sentido pode ler-se no acórdão do STJ de 15.06.2011 [proc. n.º 721/08.0GBSLV.E2.S1]: «No que concerne à questão resultante da não realização do relatório social, verifica-se que a lei adjetiva penal não estabelece a obrigatoriedade de requisição do relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social. (…)

Aliás, o Tribunal Constitucional já decidiu, no seu acórdão n.º 182/99, Processo n.º 759/98, de 99.03.22, não ser inconstitucional a norma do n.º 3 do artigo 370.º do CPP quando interpretada no sentido de não ser obrigatória a requisição do relatório social.

Por outro lado, certo é que a falta de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, caso se entenda indispensável a sua requisição, apenas poderá constituir mera irregularidade, visto que a lei não comina a respetiva falta com a sanção da nulidade».

Afastada, pois, a obrigatoriedade de realização de relatório social e, por conseguinte a nulidade invocada, a questão que se pode colocar é a de saber se no acórdão em crise não constam os factos pertinentes relativos às condições do arguido, em suma os respeitantes ao seu percurso de vida, donde se possam extrair, entre o mais, os contornos de personalidade.

Ora, na presente situação, como desde logo realça o recorrente - cf. pág. 12 da motivação de recurso -, os elementos reveladores da sua condição pessoal, económica e social decorrem do “relatório social para determinação da sanção” de fls. 738/744, elaborado, em 26-01-2015, no âmbito do processo n.º 136/14.0GCVIS. Por outro lado, evidenciam os autos que, desde data anterior à da elaboração do referido relatório social e até ao presente momento, o recorrente tem-se mantido ininterruptamente privado da liberdade, quer em cumprimento de pena, quer – no período compreendido entre 25.09.2014 e 16.11.2015 – mediante a obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, sendo que relativamente ao tempo em que cumpriu a dita medida de coação, como bem realça o Exmo. magistrado do Ministério Público na sua resposta, «o acórdão recorrido deu como provados os factos relativos à sua inserção sócio -profissional e familiar, tal como resulta dos factos descritos no ponto 16».

Como assim, seguindo a posição, num caso similar, defendida no já citado acórdão do STJ de 15.06.2011, deve, nas circunstâncias, o dito relatório social com base no qual o tribunal a quo fixou os aspetos relevantes para a determinação da sanção – matéria onde não se detetam omissões relevantes - considerar-se atualizado. De facto, em consequência do regime de privação da liberdade em que o recorrente desde então se mantém – a partir de 16.11.2015 sempre em cumprimento de pena - nada de significativo permitiria acrescentar ao que resulta do relatório social inserto nos autos.

Em suma, se a natureza facultativa do relatório social não subtrai ao tribunal, caso o considere necessário à correta determinação da sanção, o poder/dever de o solicitar, devendo a decisão no que a tal respeita, designadamente em caso de cúmulo superveniente, passar pela ponderação «na elaboração da nova decisão cumulatória da necessidade da elaboração ou da atualização do relatório social para uma correta determinação da pena conjunta a aplicar …» - [cf. acórdão do STJ de 20.04.2016, proc. n.º 519/10.5JDJSB.L1.S1], na situação que nos ocupa, dispondo o Coletivo de um relatório social elaborado em Janeiro de 2015 e decorrendo dos autos encontrar-se, nos termos sobreditos, desde então até ao presente, o recorrente ininterruptamente privado da liberdade nada com relevância bastante para a determinação da sanção, que não tenha sido considerado no acórdão, poderia resultar de um novo relatório social.

Soçobra, assim, nesta parte o recurso.

§2. Da nulidade prevista no segmento inicial da alínea c), do n.º 1 do artigo 379.º do CPP decorrente da falta de referenciação, no acórdão recorrido, sobre se as penas parcelares, declaradas suspensas, sob o regime de prova, foram declaradas extintas, ou, ao invés, revogadas

Não se conforma o recorrente com a circunstância de o tribunal a quo não haver diligenciado no sentido de apurar se as penas de prisão que lhe foram aplicadas nos processos n.º 1926/09.1PBVIS e 112/08.2TATND – ambos integrados no primeiro cúmulo realizado nos presentes autos – se encontravam extintas ou, ao invés, haviam sido revogadas, aduzindo que, à data da prolação do presente acórdão, já se mostrava decorrido o período de suspensão das mesmas.

Efetivamente a posição predominante, designadamente no seio do Supremo Tribunal de Justiça, é «no sentido da inclusão da pena de prisão suspensa na execução [no cúmulo jurídico superveniente], defendendo-se que a “substituição” deve entender-se, sempre, resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso e que o caso julgado forma-se quanto à medida da pena e não quanto à sua execução», não constituindo, assim, «óbice à integração dessa pena em cúmulo jurídico de penas aplicadas a crimes ligados entre si pelo elo da contemporaneidade, não seccionada por condenação transitada pela prática de qualquer deles» - [cf. o acórdão do STJ de 11.05.2011 (proc. n.º 1040/06.1PSLSB.S1); no mesmo sentido, entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 21.04.2005 (proc. n.º 1303/05), 08.06.2006 (proc. 1558/06 – 5.ª), 21.09.2006 (proc. n.º 2927/06 – 5.ª), 25.10.2012 (proc. n.º 242/10.00GHCTB.S1), 20.04.2016 (proc. n.º 519710.5JDLSB.L1.S1)], entendimento, também, maioritário na doutrina.

Assim considera Figueiredo Dias enquanto refere que quando uma pena parcelar de prisão tenha sido suspensa na sua execução, «torna-se evidente que para efeito de formação da pena conjunta relevará a medida da prisão concretamente determinada e que porventura tenha sido substituída» e que «de todo o modo, determinada a pena conjunta, e sendo de prisão, então sim, o tribunal decidirá se ela pode legalmente e deve político-criminalmente ser substituída por pena não detentiva», não podendo, em caso de conhecimento superveniente do concurso, recusar-se «a valoração pelo tribunal da situação de concurso de crimes, a fim de determinar se a aplicação de uma pena de substituição ainda se justifica do ponto de vista das exigências de prevenção, nomeadamente de prevenção especial» - [cf. Direito Penal PortuguêsParte Geral II – As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2013, págs. 285, 290 e 295].

No mesmo sentido se pronuncia Paulo Dá Mesquita concluindo que no caso da suspensão da execução da pena «a pena aplicada é uma pena de prisão (cuja execução fica suspensa), pelo que não existe obstáculo ao cúmulo de uma pena de pena de prisão, cuja execução foi suspensa, com uma outra qualquer pena de prisão», defendendo o Autor tratar-se da solução «que melhor se adequa à avaliação global da personalidade do arguido no momento da escolha da pena, e a dogmaticamente correta, pois (…) o cúmulo jurídico não é «a forma de execução das penas parcelares (-), mas um caso especial de determinação de penas» - [cf. O Concurso de Penas, Coimbra Editora, 1997, págs. 95, 96 e 98].

Deste entendimento não diverge Paulo Pinto de Albuquerque no seu Comentário do Código Penal, 2010, Universidade Católica Editora, pág. 287 e, bem assim, André Lamas Leite ao evidenciar que, em tais circunstâncias, o caso julgado não possui um caráter de absoluta intangibilidade, mostrando-se antes condicionado pela cláusula rebus sic stantibus – [cf. “A suspensão da execução da pena privativa da liberdade sob pretexto da revisão de 2007 do Código Penal”, STVDIA IVRIDICA 99, Ad Honorem – 5, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Separata de ARS IVDICANDI, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Vol. II, Coimbra Editora, págs. 608-610].

Também o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 3/2006, de 3 de Janeiro de 2006 não julgou inconstitucionais as normas dos artigos 77.º, 78º e 56º, nº 1 do Código Penal quando interpretados no sentido de que, verificando-se uma situação de conhecimento superveniente de concurso de infrações na pena única do mesmo resultante pode não ser mantida a suspensão da execução de penas parcelares de prisão constantes de anteriores condenações.

Em síntese, ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de crimes no cúmulo jurídico de penas a realizar (artigos 77.º e 78.º do C. Penal), devem incluir-se as penas (parcelares) suspensas na sua execução, suspensão, essa, que pode, ou não, vir a ser mantida no acórdão cumulatório.

Questão diversa é a de saber se, encontrando-se à data da decisão de cúmulo já esgotado o prazo de suspensão da execução da(s) pena(s) parcelar(es) relativamente à(s) quais estão presentes, nos termos dos artigos 77.º e 78.º do C. Penal, os pressupostos temporais para o integrar, a sua inclusão naquele, sem que previamente o tribunal cuide de averiguar se a(s) respetiva(s) pena(s) já se encontra(m) extinta(s), constitui omissão de pronúncia a implicar a nulidade da sentença/acórdão.

Com efeito, como refere o acórdão do STJ de 20.01.2010 (proc. n.º 392/02.7PFLRS.L1.S1): «Se a pena aplicada for declarada extinta, nos termos do art.º 57.º, n.º 1, do CP, no termo final do período de suspensão da execução da pena, em virtude de não ter praticado outro ilícito criminal, não haverá lugar a desconto, pois que a Lei 59/2007, de 04.09, apenas alterou o regime do concurso superveniente de infrações no caso de uma pena que se encontre numa relação de concurso se mostrar devidamente cumprida, descontando-se na pena única o respetivo cumprimento, mas não as penas prescritas ou extintas (…)», concluindo, assim, por, em tais casos, não ser de operar a sua inclusão no cúmulo «por tal “cumprimento” não corresponder a cumprimento de pena de prisão, não estar em causa privação da liberdade e o desconto só operar em relação a medidas ou penas privativas de liberdade …».

Decorrência deste entendimento, no qual nos revemos, é a de no caso supra enunciado, ou seja quando esgotado se mostre o prazo de suspensão de pena em condições temporais de integrar o cúmulo jurídico e o tribunal não diligencia por apurar sobre a sua extinção, omitindo, assim, o dever de pronúncia, a decisão ficar incursa na nulidade da alínea c), do n.º 1, do artigo 379.º do CPP.

Orientação que tem sido maioritariamente defendida pela jurisprudência, como, a título exemplificativo, resulta dos acórdãos do STJ de 21.06.2012 (proc. n.º 778/06.8GAMAL.S1), 05.07.2012 (CJ – STJ, 2012, I, pág. 217), de 25.10.2012 (proc. n.º 242/10.00GHCTB.S1), todos unânimes no sentido de a decisão que englobar no cúmulo as penas parcelares de alguns processos, todas elas já com o prazo de suspensão ultrapassado, sem apurar previamente sobre a sua eventual extinção incorrer na dita nulidade.

Isto dito, vejamos o caso concreto.

Em questão estariam, pois, as penas aplicadas nos processos n.º 1926/09.1PBVIS e 112/08.2TAND – integradas no primeiro cúmulo -, relativamente às quais, no dizer do recorrente, à data da prolação do acórdão em crise já se mostrava decorrido o respetivo período de suspensão.

Impõe-se, assim, considerar:

As penas aplicadas: (i) no processo n.º 1926/09.1PBVIS, da Secção Criminal da Instância Local de Viseu, por sentença de 25.11.2013, transitada em julgado em 09.01.2014 e por factos de 27.12.2009, pela prática em coautoria de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 do C. Penal, a saber: 2 (dois) anos de prisão, declarada suspensa na sua execução por igual período, mediante regime de prova e (ii) no processo 112/08.2TATND, do Círculo Judicial de Viseu, por acórdão de 14.05.2010, transitado em julgado em 04.06.2010 e por factos de 07.04.2008, pela prática do crime de abuso sexual de menores, p. e p. pelo artigo 171.º, n.ºs 1 e 2, do C. Penal, a saber: 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, cuja execução foi declarada suspensa na sua execução por idêntico período, sob regime de prova, penas, essas, que já haviam sido objeto de cúmulo no âmbito dos autos 2690/15.0T8VIS, da Secção Criminal da Instância Central de Viseu – J1, no qual por acórdão de 11.06.2014, transitado em julgado em 11.07.2014, foi imposta ao arguido a pena única a pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, acompanhada de regime de prova.

A primeira observação que a alegação nos suscita é no sentido de que não cabia ao tribunal recorrido sindicar a correção do acórdão cumulatório realizado no proc. n.º 2690/15.0T8VIS, concretamente colmatar qualquer lacuna no mesmo existente, porquanto se entende que a reformulação do cúmulo nos presentes autos, com a desconsideração do que no referido processo foi levado a efeito, se reconduz à perda de relevância da pena conjunta então encontrada com a consequente autonomia das penas parcelares no mesmo integradas, as quais, tendo subjacente uma relação de concurso de crimes, supervenientemente conhecido, irão conduzir, como foi o caso, a uma «nova» pena única. Com o devido respeito, não se nos afigura defensável imputar ao acórdão agora proferido a nulidade por omissão de pronúncia, em consequência de alegadamente num outro processo (n.º 2690/15.0T8VIS) não se haver o tribunal detido sobre uma eventual extinção, pelo decurso do período da respetiva suspensão, das penas de prisão ali cumuladas; A ter-se verificado a nulidade, deveria a mesma ter sido invocada no âmbito dos ditos autos pois que seria a decisão ali proferida, e não a aqui prolatada, a enfermar do vício.

Contudo, há que dizê-lo, nunca assistiria razão ao recorrente, dado que aquando da prolação, em 11.06.2014, do acórdão cumulatório nos autos n.º 2690/15.0T8VIS, considerando a data do trânsito em julgado da sentença proferida no proc. n.º 1926/09.1PBVIS (09.01.2014) e o período de suspensão fixado (2 anos), naturalmente que a pena neste aplicada não se encontrava extinta [cf. ponto 21. da matéria de facto provada]. O mesmo se diga quanto à pena relativa ao proc. n.º 112/08.2TATND, a qual, por ocasião do dito acórdão cumulatório (de 11.06.2014), atenta a data do trânsito da sentença que a aplicou (04.06.2010) e o período de suspensão determinado (4 anos e 6 meses), também ainda não se mostrava extinta [cf. ponto 20 da matéria de facto provada].

A segunda, na nossa perspetiva, bem mais definitiva objeção à argumentação expendida no recurso, pode sintetizar-se da seguinte forma: reformulado o cúmulo jurídico das penas, com a inevitável desconsideração da pena única anteriormente aplicada, as penas parcelares suspensas na sua execução passam a integrar o novo cúmulo enquanto penas de prisão tout court e não já como penas suspensas, transferindo-se o poder/dever do tribunal se pronunciar sobre uma eventual suspensão para a pena única que vier agora a ser encontrada, a qual pode, ou não, ser suspensa na sua execução. Fixada, portanto, a pena conjunta, verificar-se-á, perante ela, ponderando os critérios legais, se deve (ou não) ser declarada suspensa.

Na verdade, quanto às penas parcelares de prisão suspensa integradas num cúmulo que mais tarde, com a consideração de novas penas, vem a ser reformulado, incluindo-se neste último já não há que atender à suspensão de cada uma individualmente considerada, condição que perderam aquando da realização do primeiro cúmulo, pois que o juízo sobre a suspensão passou, então, a incidir sobre a pena única.

Significa, pois, que no caso em apreço com o acórdão cumulatório prolatado no âmbito dos autos 2690/15.0T8VIS deixou de poder ser considerada a suspensão das penas parcelares, as quais ao integrarem o dito cúmulo perderam em definitivo semelhante natureza, tendo dado origem a uma pena única, sobre a qual incidiu o juízo de uma eventual suspensão, que veio a ser decretada por acórdão de 11.06.2014, transitado em julgado em 11.07.2014, sendo então imposta ao arguido a pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, acompanhada de regime de prova, pena essa relativamente à qual em 07.12.2016 estava longe de se mostrar esgotado o período de suspensão.

Resulta, assim, claro não ocorrer a invocada nulidade do acórdão (por omissão de pronúncia), pois que no quadro acima traçado não havia, fosse qual fosse a perspetiva, que diligenciar no sentido de apurar se a(s) dita(s) pena(s), pelo decurso do período de suspensão, se mostrava(m) extinta(s).

§3. Da violação do artigo 77.º, n.º 3 do C. Penal

Convocando a posição defendida por Nuno Brandão [cf. RPCP, Ano 15, N.º 1, Janeiro-Março 2005, pág. 117 e ss.], entende o recorrente haver o tribunal a quo, «ao não conceder ao arguido a possibilidade de optar entre o cumprimento sucessivo de penas aplicadas, que lhe conferia o direito de autonomizar as penas de prisão suspensas na sua execução», violado o n.º 3 do artigo 77.º do C. Penal.

Ressalvado o respeito devido não nos identificamos – como decorre do exposto no ponto antecedente - com semelhante posição, fazendo, antes, nossas as palavras de Rodrigues da Costa quando, a propósito do conhecimento superveniente do concurso, escreve: «São transponíveis as regras relativas à determinação do concurso previstas no art.º 77º. Se tiver havido cúmulos anteriores, estes são anulados e reelaborados em função dos novos crimes que entram no concurso.

Há quem esteja em desacordo total com este princípio de transposição, pondo nomeadamente em causa a possibilidade de “anulação” das penas de substituição transitadas em julgado (…).

A jurisprudência dominante do STJ tem assentado na ideia de que não se forma caso julgado sobre a suspensão da execução da pena, mas tão-somente sobre a medida da pena, entendendo-se que a substituição está resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso, e ainda nas ideias de provisoriedade da suspensão da execução da pena e do julgamento rebus sic stantibus quanto a tal questão.

[…]

Esta posição jurisprudencial, caucionada pelo Tribunal Constitucional, tem ainda a sancioná-la as posições doutrinais assumidas por PAULO DÁ MESQUITA, ANDRÉ LAMAS LEITE e PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE.

[…]

Posição específica, do ponto de vista doutrinário, é a de NUNO BRANDÃO (…). O referido Autor entende que as penas de execução suspensas, aplicadas por decisões transitadas em julgado, não devem poder ser revogadas para efeitos de formação de uma pena conjunta, privativa da liberdade, a menos que o condenado nisso consinta. Ou seja, o critério seria o do designado cúmulo jurídico facultativo, em que o condenado, com base numa dada interpretação do art. 77.º, n.º 3 do CP, poderia optar entre o cúmulo jurídico ou a acumulação material das penas, conforme ele próprio achasse mais favorável para si, hipótese em que se justificaria uma eventual quebra do caso julgado com a perda de autonomia e da especificidade da pena de substituição, pela sua integração no cúmulo jurídico» - [cf. Estudo sobre “O Cúmulo Jurídico na Doutrina e na Jurisprudência do STJ”, disponível em http://www.stj.pt/documentacao/estudos/penal], entendimento que, como bem salienta o Autor, se nos afigura não ter apoio na lei, do mesmo passo que não tem tido consequências ao nível da jurisprudência do STJ – [cf. v.g. o acórdão do STJ de 24.04.2016 (proc. n.º 519/0.5JDLSB.L1.S1)].

§4. Da violação do artigo 78.º do C. Penal em consequência de o tribunal a quo não haver considerado «que os crimes objeto da condenação no âmbito do Proc. n.º 94/10.0GCTND foram praticados dentro do mesmo quadro temporal e comportamental do arguido»

Prende-se a alegação com o facto de o tribunal recorrido não ter integrado a pena sofrida pelo crime de violência doméstica no âmbito do proc. n.º 94/10.0GCTDN no 1.º cúmulo (1.º grupo de condenações), pois que – acrescenta – a conduta que deu origem à condenação, iniciada em 07.03.2010, teria ocorrido «dentro do mesmo quadro temporal e comportamental do arguido, movido também por comportamentos aditivos».

Contudo, uma vez mais, não lhe assiste razão porquanto, como desde logo cuida – e bem – de assinalar, a consumação do crime em referência [tratando-se de comportamento reiterado] acontece com a prática do último ato de execução, o qual, no caso concreto, ocorreu em Fevereiro de 2011, logo após o trânsito em julgado da primeira condenação que balizou o cúmulo jurídico, verificado em 19.05.2010.

§5. Da desproporcionalidade das penas

Manifesta-se ainda o recorrente contra as penas únicas aplicadas, as quais considerada desadequadas por desproporcionais às exigências de prevenção geral e especial que o caso requer.

Vejamos.

Na concretização da regra estabelecida no nº 1 in fine, do artigo 77º do Código Penal, de acordo com o qual na medida da pena - no que à punição do concurso concerne - são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, tem sido pacífico, designadamente ao nível da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que essencial «na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação desse bocado de vida criminosa com a personalidade, de tal forma que a pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares» - [cf. Ac. STJ de 05.07.2012, Proc. n.º 145/06.SPBBRG.S1], o que, contudo, não dispensa o recurso às exigências de prevenção geral e especial, encontrando, também, a pena conjunta o seu limite na medida da culpa.

Por outro lado, como refere o acórdão do STJ de 27.06.2012 [proc. n.º 70/07.0JBLSB – D.S1], em caso de conhecimento superveniente, «a reformulação de um cúmulo jurídico anteriormente fixado, considerando a nova realidade relativa à situação do arguido anteriormente conhecida processualmente, deve ter lugar em dois segmentos distintos: no primeiro, estando em causa a condenação em pena singular, o tribunal em função da condenação proferida e do crime anterior, conclui sobre a pena conjunta do concurso; se a condenação anterior tiver já sido em pena conjunta perante uma pluralidade de crimes, o tribunal desconsidera-a e, em função das penas parcelares concretas, anteriormente aplicadas, determina uma nova pena de conjunto que abranja todas as penas que integram o concurso e que devam ser consideradas. E isto mesmo quando tenha havido antes, por circunstâncias processuais, a aplicação de mais de uma pena única, devido à consideração em separado de conjuntos de crimes entre si em concurso, mas que posteriormente se verifica estarem afinal todos numa mesma relação de concurso por aplicação dos critérios do artigo 77º, nº 1 e 78º nº 1 do CP.

[…]

Sempre que houver que reformular o cúmulo jurídico por terem sido aplicadas novas penas parcelares, o tribunal procede às respetivas operações como se o anterior cúmulo não existisse, sem atender às penas que foram então fixadas, o que significa que, quando houver que fazer novo cálculo, a nova pena não pode ser obtida pela acumulação com a pena única anterior [cf., v.g., acórdão do STJ de 06-03-2008, processo 2428/07, CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 248, e acórdãos de 26/11/2008, proc. n.º 3377/08; de 19/3/2009, proc. n.º 3063/09), nem a medida da pena única anterior … condiciona os limites da moldura a considerar para a (nova) fixação da pena única».

No mesmo sentido discorre o acórdão do STJ de 15.01.2104 [proc. n.º 73/10.8PAVFC.L2.S1], em cujo sumário se lê:

«I. O caso julgado relativo à formulação do cúmulo jurídico entre as penas de um processo vale rebus sic stantibus, ou seja, nas circunstâncias que estiveram na base da sua formulação.

II. Se as circunstâncias se alterarem por, afinal, do concurso fazer parte outro crime e outra pena, há uma modificação que altera a substância do concurso e a respetiva moldura penal, com a subsequente alteração da pena conjunta. Daí que, não subsistindo as mesmas circunstâncias, tem de ficar sem efeito o caso julgado em que se traduziu a primitiva pena única, adquirindo as penas parcelares toda a sua autonomia para a determinação da nova moldura penal do concurso.

Traçadas, no essencial, as coordenadas relevantes na matéria, apreciemos, então, o caso concreto.

A pena única aplicada ao 1.º concurso englobou as seguintes penas parcelares:

- A pena – já extinta - de 5 [cinco] meses de prisão pela prática, em 22.12.2009, de um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelo artigo 204º, n.º 2, alínea e) do C. Penal;

- A pena de 4 [quatro] anos e 6 [seis] meses de prisão pela prática, em 07.04.2008, de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 2 do C. Penal;

- A pena de 2 [dois] anos de prisão pela prática, em 27.12.2009, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 do C. Penal;

- A pena de 1 [um] ano e 6 [seis] meses de prisão pela prática, em 17.03.2010, de um crime de coação agravada, sob a forma tentada, p. e p. pelos artigos 154.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a) do C. Penal.

Já a pena única aplicada ao 2.º concurso compreendeu as seguintes penas parcelares:

- A pena de 3 [três] anos de prisão pela prática, desde Maio de 2013 até Maio de 2014, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º do D.L. n.º 15/93, de 22.01;

- A pena de 3 [três] anos de prisão pela prática, em 01.08.2010, de um crime de coação agravada, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 154.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a) do C. Penal;

- A pena de 3 [três] anos de prisão pela prática, até 22.02.2011, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelos artigos 152.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do C. Penal.

Significa, pois, à luz do n.º 2 do artigo 77.º do Código Penal [aplicável, de acordo com o artigo 78.º do CP, ao concurso superveniente], que a moldura penal abstrata a atender para efeitos do concurso de crimes, no seio da qual há-de ser encontrada a pena conjunta, se situa, respetivamente:

a) Entre um limite mínimo de 4 [quatro] anos e 6 [seis] meses de prisão [correspondente à mais elevada das penas parcelares aplicadas aos vários crimes em concurso] e um limite máximo de 8 [oito] anos e 5 [cinco] meses de prisão [correspondente à soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes] - (1.º concurso);

b) Entre um limite mínimo de 3 [três] anos de prisão [correspondente à mais elevada das penas parcelares aplicadas aos vários crimes em concurso] e um limite máximo de 9 [nove] anos de prisão [correspondente à soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes] - (2.º concurso).

Dentro das ditas molduras considerou o tribunal a quo, ponderando que (i) o grau de ilicitude dos factos e a culpa do arguido foram globalmente acentuados nos crimes em concurso em cada grupo de condenações; (ii) na maioria dos crimes integrantes de cada um dos concursos não prestou, o mesmo, colaboração relevante; (iii) regista várias condenações pela prática de diversos tipos de crime, sobressaindo a violência de alguns deles; (iv) o arguido revela acentuada propensão para o cometimento de crimes, com várias condenações por crimes de diversa natureza; (v) o reiterado empreendimento criminoso do arguido denota acentuada dispersão temporal, interrompida pela privação da liberdade a que entretanto foi sujeito; (vi) a instabilidade social, profissional e económica que o seu percurso de vida deixa transparecer; e (vii) as elevadas exigências de prevenção geral e especial que, no caso, se fazem sentir adequadas as penas conjuntas de 5 [cinco] anos e 6 [seis] meses de prisão (1.º concurso) e 4 [quatro] anos e [seis] meses de prisão (2.º concurso).

A semelhante juízo limita-se o recorrente a contrapor o progresso registado desde que ingressou no estabelecimento prisional, nomeadamente ao nível da interiorização do desvalor dos seus comportamentos passados, circunstância que, embora louvável, é comum a um número significativo de casos, sendo de todo natural que a reclusão propicie a reflexão sobre os males causados à sociedade e, particularmente, às vítimas. Nada, porém, na apreciação levada a efeito no acórdão permite, sequer consente, concluir no sentido de as penas únicas encontradas extravasarem da culpa, refletida nos factos, e/ou se apresentarem desproporcionadas às exigências de prevenção quer geral, quer especial.

Pelo contrário, os factos apurados fornecem a imagem global de uma atitude significativamente desconforme ao direito, que se arrastou por um período considerável de tempo, pondo em causa bens jurídicos de diferente natureza, não só patrimoniais como pessoais, atingindo diferentes vítimas, sem que deixe de sobressair a violência contra as pessoas, condutas criminosas essas que nem a suspensão, em vários casos, das penas de prisão conseguiram lograr produzir o efeito através delas prosseguido, antes resultando frustrados os fins que presidiram à sua aplicação.

Não nos merecem, assim, censura as penas únicas em questão, as quais de modo algum ultrapassam a culpa e proporcionais às significativas exigências de prevenção geral e especial que o caso reclama.

Por outro lado, o não aproveitamento pelo arguido do voto de confiança que esteve na base das sucessivas suspensões das penas e prisão, revelando uma postura indiferente e insensível aos vários apelos que lhe foram sendo dirigidos sobre a necessidade de ajustar a sua conduta às regras leva a que se corrobore o juízo de prognose desfavorável à suspensão da pena conjunta aplicada no segundo cúmulo – única que reúne os pressupostos ditos formais para o efeito – razão pela qual, também, nesta parte, é de manter o acórdão recorrido porquanto reflete uma correta aplicação das normas – artigos 40.º, 71.º, 77.º, 78.º e 50.º, todos do C. Penal.

§6. Da violação dos artigos 78.º e 80.º do C. Penal resultante de no acórdão em crise não se ter procedido ao desconto dos períodos de privação da liberdade já sofridos e bem assim ao correspondente ao da pena já extinta pelo cumprimento [proc. n.º 478/09.7GCTND].

Dissente ainda o recorrente da circunstância de no acórdão cumulatório o Coletivo não haver procedido ao desconto supra enunciado.

Como deixamos consignado no acórdão do TRC de 8.03.2015, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc, «… Cientes embora da divergência que gira em torno da matéria, temos para nós que tratando-se de «omissão» sem interferência na decisão da causa isto é não revelando, no caso concreto, para a aplicação do direito no «momento processual em questão – note-se que a pena (que vale para todos os efeitos) é fixada independentemente do desconto do tempo de privação da liberdade já sofrido -, salvo o devido respeito, não estava o tribunal obrigado a, sobre a mesma, emitir pronúncia, circunstância que afasta a preconizada nulidade.

Com efeito, se o «desconto» a que se reporta o n.º 1 do artigo 80.º do C. Penal, não assumir relevância no momento da decisão condenatória, como manifestamente sucede quando a privação da liberdade já sofrida pelo agente igualar ou ultrapassar a pena aplicada, pode o mesmo ocorrer por ocasião de decisão posterior do juiz, a qual será sempre passível de recurso.

Acompanhamos, por conseguinte Victor Sá Pereira e Alexandre Lafayette quando no seu Código Penal Anotado, Quid Juris, 2008, págs. 242/243, escrevem: «Decorre do nº 1 e é lógica e cronologicamente exato, que num primeiro momento se condena e num outro, posterior, se faz o desconto. Este, entretanto, pode ter lugar no mesmo ato, ou seja, na própria decisão condenatória, mas pode também ocorrer por via de decisão posterior. O STJ, a respeito e em consequência, já decidiu assim: «o desconto da prisão preventiva não tem que ter lugar na decisão condenatória, resultando imperativamente da lei» (BMJ, 345/228). Obviamente no sentido da não preclusão do desconto naquela não operado. Como, aliás, não poderia deixar de ser» - [destaques nossos].

Também Maia Gonçalves, “Código Penal Português”, 18.ª edição, pág. 318, a propósito do «desconto» escreve: «A locução adverbial no cumprimento da pena, constante do n.º 1, foi introduzida pela Comissão revisora e significa que o juiz deve condenar na pena que ao caso cabe, abstraindo de que há desconto a efetuar, dizendo depois, na sentença ou em despacho, quanto deve ser descontado (…)».

O próprio Supremo Tribunal de Justiça na fundamentação do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 9/2011 [DR, 1.ª série, N.º 255 – 23 de Novembro de 2011] não deixa de reconhecer que casos há, como aqueles em que o «desconto» a efetuar decorra também de tempo de privação da liberdade sofrido em processo ou processos distintos, em que surgem dificuldades ou demoras na recolhas dos elementos necessários à sua comprovação e determinação, que poderão, com frequência, conduzir a que o «desconto» não seja mencionado na sentença condenatória, admitindo, assim, que o mesmo venha a ser ordenado em decisão judicial posterior, nomeadamente no momento da homologação do cômputo da pena.

Ora, se situações ocorrem em que a precisão na comprovação e determinação do tempo de privação da liberdade por via de regra não se compadece com o «desconto» – obrigatório e legalmente predeterminado – desde logo na sentença/acórdão são precisamente os que resultam do conhecimento do concurso superveniente de crimes conduzindo à decisão de cúmulo jurídico de penas, demandando a recolha dos elementos imprescindíveis a uma decisão, a tal respeito, precisa e o mais possível segura.

Ora, assegurada que está a possibilidade de reação, designadamente por parte do arguido, a uma decisão posterior versando sobre o «desconto», não se vê que a não efetivação do mesmo no acórdão em crise viole as disposições legais invocadas, tão pouco que consequencie a respetiva nulidade, sendo que se trata de omissão insuscetível de afetar os direitos de defesa.

II. Dispositivo

Termos em que deliberam os juízes que compõem este tribunal em julgar improcedente o recurso.

Custas, com taxa de justiça que se fixa em 4 (quatro) UCs a cargo do recorrente – artigos 513.º e 514.º do CPP e 8.º do RCP.

Coimbra, 13 de Dezembro de 2017

[Processado e revisto pela relatora]

Maria José Nogueira (relatora)

Isabel Valongo (adjunta


[1] É o caso da pena de 5 meses de prisão, substituída por multa, aplicada no cit. processo 478/09.7GCTND.
[2] Como sobredito, a circunstância da pena deste processo se encontrar extinta, por cumprimento, não obsta ao respetivo cúmulo jurídico, devendo ser descontada na pena única final.

[3] E só por inadmissível arrastamento era possível cumular estas condenações com as restantes.