Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
246/14.4TACVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: MULTA
TAXA DIÁRIA
Data do Acordão: 05/04/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (INSTÂNCIA LOCAL DA COVILHÃ)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.47.º DO CP; ARTS. 340.º E 371.º DO CPP
Sumário: I - A pena de multa é uma verdadeira pena, que tem de representar uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada.

II - Apenas em situações de pobreza ou indigência poderá o quantitativo diário da multa aproximar-se do limite mínimo legal de € 5,00, sob pena de ser violada a finalidade da punição e o princípio da igualdade.

III - Tornando-se difícil ao Juiz obter prova sobre os elementos necessários à correta determinação do quantitativo diário de multa, deve fazer uso dos seus poderes de investigação oficiosa, nos termos, designadamente, do disposto nos artigos 340.º, n.º 1 e 371.º do Código de Processo Penal.

Decisão Texto Integral:


Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

 Relatório

Pela Comarca de Castelo Branco – Instância Local da Covilhã - Secção Criminal – J1, sob pronúncia que recebeu a acusação do Ministério Público, a que o assistente D... aderiu, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, o arguido

A... , casado, empresário, nascido no dia 28.11.1937, natural da Freguesia de Canhoso, Covilhã, filho de (...) e de (...) , residente na Rua (...) Covilhã;

imputando-se-lhe a autoria de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 132.º, n.º 2, alínea l), 180.º, 183.º, n.º 1, alínea a) e 184.º, todos do Código Penal.

            O assistente D... deduziu pedido de indemnização civil contra A... peticionando a condenação deste a pagar -lhe a quantia de € 50 000,00, acrescido de juros moratórios contados desde 18 de Fevereiro de 2014.

           

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 29 de Outubro de 2015, decidiu:

- julgar procedente a acusação e, em consequência, condenar o arguido A... como autor material de um crime de difamação agravada previsto e punido pelos artigos 180.º/1, 182.º e 184.º, ex vi do art.132.º/2/l do Código Penal,  na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 12 euros; e

- julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil e, em consequência condenar o arguido/requerido a pagar ao assistente a quantia de € 2.000,00 a título de indemnização.

Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o Ministério Público, concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1.º O único ponto em discussão neste recurso prende-se com a taxa diária da pena de multa que foi fixada pelo Tribunal a quo.

2.oO Ministério Público entende que o Tribunal a quo deveria ter condenado o arguido em taxa mais gravosa.

3.o Ao assim não ter decidido, o Tribunal violou os art.ºs 40.º, 47.º, n.º 2, e 71.º, n.ºs 1 e 2, al. d), todos do Código Penal que regem a determinação da pena e da sua medida concreta.

4.oDa conjugação destes normativos legais entende-se que a pena deve ser determinada através da ponderação de todas as circunstâncias gerais que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, em particular o grau de ilicitude do facto, a intensidade do dolo e a conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime, bem como as suas condições pessoais e a sua situação económica e, por outro lado, as exigências de prevenção geral e especial da prática de futuros crimes, balizadas pelo limite inultrapassável da culpa do agente e do prejuízo causado com a conduta criminosa.

5.ºPois bem, ao ter decidido como fez, o Tribunal violou estas normas, pois quanto a este ponto, o Tribunal a quo entendeu muito sumariamente nos factos dados como provados em 15. a 19.

  “15- O arguido é Administrador do grupo B... SA;

    16.º É empresário respeitado e considerado;

    17.º É cidadão honrado, considerado e respeitado na comunidade;

    18.º Vive em casa própria;

    19.º Aufere cerca de 3000 euros de reforma;”

6.ºA final, o Tribunal entendeu como adequado fixar o quantitativo diário da pena de multa na quantia de 12,00 euros, fundamentando tal juízo “atento o disposto no art.º 47/2 do Código Penal”.

7.º O Ministério Público não aceita este juízo por tal violar o princípio da igualdade material e o disposto nos art.ºs 40.º, 47, n.º 2, e 71.º, n.ºs 1 e 2, al. d), todos do Código Penal.

8.º O Tribunal a quo condenou o arguido em taxa reduzida, que normalmente é aplicada a condenados que auferem quantias próximas do salário mínimo nacional, não chegando a mesma a atingir metade do vencimento mensal do arguido, não constituindo assim um sacrifício relevante para o arguido.

9.ºSendo o entendimento seguido pelo Tribunal de que uma taxa diária de 12,00 euros para um condenado com as condições do arguido salvaguarda as finalidades da punição contrário ao estabelecido nas supra citadas normas legais, que assim se mostram violadas.

10.ºDeste modo, o Ministério Público entende que as finalidades de punição quanto a este crime impõem a condenação do arguido em pena de multa cuja taxa diária não seja inferior a 50,00 euros.

Termos em que, pelos fundamentos e nos termos expostos, com o douto suprimento de Vossas Excelências, se requer seja agravada a taxa diária da pena de multa em que o arguido foi condenado nos termos acima peticionados.

O arguido A... respondeu ao recurso interposto pelo  Ministério Público, pugnando pelo seu não provimento e manutenção integral da sentença recorrida.

            O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá proceder, devendo a final ser o arguido condenado nos termos indicados pelo recorrente.

Notificado deste parecer, nos termos e para efeitos do n.º 2 do art.417.º do Código de Processo Penal, o arguido nada disse.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação

            A matéria de facto apurada e respetiva motivação constantes da sentença recorrida é  a seguinte:

Factos provados:

1.º) O Assistente D... , foi Presidente da Câmara Municipal da (...) , entre outros mandados, de 1998 a 20.10.2013.

2.º) No dia 18 de Fevereiro de 2014, no Salão Nobre da Câmara Municipal da (...) , sito na sede do Município, teve lugar uma reunião pública convocada pelo actual Presidente da Câmara Municipal, Dr. K..., com a designação “ X(...) ”.

3.º) Nessa dita reunião pública estavam presentes cerca de 100 pessoas, incluindo vários jornalistas.

4.º) No decurso da mesma, procedeu-se à apresentação de vários assuntos relacionados com a autarquia, os quais foram apresentados pelo Ex.º Sr. Presidente do Município, através de um ficheiro de “powerpoint”, que se encontra juntos aos autos.

5.º) Depois disso, o arguido pediu a palavra e, no seu uso, perante o auditório, proferiu as seguintes palavras: “Foi a M... que construiu a PT, destruindo o nosso aeródromo, quando eu, na altura, era da opinião que a PT devia ser construída junto ao PARKURBIS, que era outra alternativa. Porque eu participei nessa construção e nesse problema da PT. Ah. E entendi, apenas, que não se devia ter destruído o aeródromo como se destruiu. Porque, também foi a M....que construiu a PT e construiu a casa do antigo senhor Presidente.” 6.º) Ora, o arguido, com as aludidas expressões, que foram gravadas por uma jornalista da Rádio (...) , e que se encontram transcritas juntas aos autos, agiu com o propósito de propalar, na presença de todo aquele vasto auditório, e dos jornalistas ali presentes, que o assistente, antigo titular do cargo de Presidente da Câmara Municipal da (...) , tinha sido “agraciado/favorecido” por um conhecido grupo de construção civil e obras públicas ( M....) com a construção da sua casa particular, a troco de algum “favor” que o mesmo teria prestado a tal grupo de construção.

7.º) O arguido bem sabia que tal imputação/afirmação correspondia a factos não verdadeiros, uma vez que o assistente não é proprietário de nenhum imóvel que tenha sido construído pelo grupo M...., e, mesmo conhecendo a falsidade de tal imputação, não se coibiu de a fazer perante todos os presentes no salão nobre da Câmara Municipal assim como aos microfones da Rádio (...) .

8.º) Desta forma, o arguido, ao propalar o que acima ficou dito, e que consta dos documentos juntos aos autos, pretendeu e conseguiu lançar a suspeita sobre a conduta do aqui assistente/ofendido, além de afectar a sua honra, prestígio, bom nome, reputação, idoneidade e consideração social e profissional, bem sabendo que atingia directamente o anterior Presidente da Câmara da (...) , por factos ligados ao directo exercício das suas funções.

 9.º) Na verdade, o arguido, ao proferir as palavras supra descritas, pretendeu e conseguiu dar a entender que o assistente D... , no âmbito das suas funções enquanto Presidente da Câmara Municipal da (...) , e aproveitando-se dessas mesmas funções, praticou, no mínimo, um acto desonesto e reprovável, ética e profissionalmente, ao ter beneficiado, a título pessoal, com a construção da sua casa pelo mesmo grupo empresarial que havia construído o “Data Center” da PT.

10.º) Além disso, o arguido, ao proceder da forma supra descrita, fê-lo de modo a beneficiar da difusão pública que as suas palavras iriam ter, na medida em que sabia perfeitamente que o auditório do Salão Nobre da Câmara se encontrava cheio e que ali estavam jornalistas, e outros órgãos de comunicação social, que rapidamente reproduziram as palavras do arguido, como foi o caso do Rádio Clube da (...) , que publicou “online”, no seu site, www.radio (...) .pt, no dia 20 de Fevereiro de 2014, a notícia constante do “print” de folhas 12 que aqui de dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, e que contém as palavras ditas, naquela ocasião, pelo arguido.

11.º) Desta forma, o arguido, agravou a divulgação das suas palavras atentatórias do bom nome do assistente, ao dar -lhes uma publicidade acrescida pela sua difusão através dos meios de comunicação social.

12.º) O arguido em tudo agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

13. O assistente é pessoa honrada, com reputação e consideração intocada gozando de consideração e credibilidade perante os cidadãos em geral e amigos e familiares em particular;

14- A imputação do arguido provocou no assistente grande nervosismo, desgosto tendo-o levado a recorrer a acompanhamento médico.

15- O arguido é Administrador do grupo B... SA;

16- É empresário respeitado e considerado;

17- É cidadão honrado, considerado e respeitado na comunidade;

18- Vive em casa própria;

19. Aufere cerca de 3000 euros de reforma;

Factos não provados:

a) A envolvente da casa do assistente passou a ser destino de “romaria”, especialmente aos fins de semana, de pessoas que tiravam fotos e proferiam expressões depreciativas contra o assistente;

b) A conduta do arguido tenha provocado o agravamento do estado de saúde do assistente, nomeadamente pelo agravamento da patologia de que padece ao arguido Síndrome de pernas inquietas”

c) O arguido tenha passado a viver em Lisboa para não ser confrontado com o facto acusatório imputado pelo arguido

d) E tenha sido causa da ruptura familiar da companheira com quem vivia;

Motivação:

Os factos dados como provados colhem a sua demonstração nos documentos e folhas 10 a 12 e o auto de transcrição de CD-AUDIO de folhas 34; conjugado com a confissão do arguido sobre serem suas as declarações dadas como provadas; mais dizendo saber agora ser falsa a afirmação, embora negando ter, com ela, querer insinuar que a empresa M....tivesse construído a casa como pagamento de favor; todavia, não deu explicação para ter proferido tal expressão, nomeadamente ter ligada a construção da PT à casa do assistente;

Face a tal confissão e às declarações do assistente D... , que disse ter tido conhecimento das declarações do arguido através de amigos e da comunicação social, concretamente a RCC; que tomou as declarações do arguido, que ligou a construção da PT pela M....à da sua casa (situada na mesma zona geográfica) como querendo significar, que foi construída de forma graciosa, para pagar favor; tal conclusão foi igualmente retirada pela testemunha C... , engenheiro civil; esteve na assembleia, e disse ter concluído que o arguido insinuava ter sido a empresa M....pagar a casa do Presidente D... ; estavam, estima, entre 50 a 100 pessoas e, ainda, jornalistas;

A idêntica conclusão disse ter chegado a testemunha F... , casado, enfermeiro, que e forma clara disse ter percepcionado da afirmação do arguido a insinuação de que tinha sido construída pela M....para pagamento de favores; que igual conclusão, disse, chegaram as pessoas das suas relações pessoais e profissionais; igualmente a testemunha G... disse ter informado o assistente da afirmação do arguido, mais lhe dizendo que corria um boato de que a casa tinha sido feita pela M....; também a testemunha E... (médico), amigo desde sempre do assistente, disse ter tido conhecimento das declarações do arguido pelo Dr. D... ; que este estava que estava muito alterado; muito nervoso; ansioso, irritabilidade; Ansiolíticos, pediu-me ajuda a nível medicamentoso, foi nessa altura que lhe contou a razão do distúrbio; aconselhou-a a ausentar-se.

Face ao entendimento do assistente e testemunhas, ligado ao conjunto das afirmações do arguido, deu-se como provado que, com elas, viva insinuar que a M....tinha construído a casa do assistente como pagamento de favor, salientando-se, que o arguido não deu qualquer explicação para ter ligado ambas as construções.

A testemunha N... , mediador de seguros; estava na assembleia e disse ter ficado apenas com a ideia de a casa ter sido construía pela M....;

Quanto à finalidade da assembleia valorou-se o depoimento de K... , actual presidente da CM, que disse ter o arguido usado da palavra na assembleia; que a assembleia visava expor publicamente, explicando a fase em que se encontravam / suas consequências; dois dossiês (águas da (...) ) e parque de estacionamento; que a assembleia foi muito participada; nada mais sabia;

I... , administrador; esteve presente, e disse estarem na sala jornalistas; Não ouviu o arguido proferir tais afirmações; Sobre a situação pessoal e económica do arguido valoraram-se as suas declarações e, ainda, sobre o seu carácter os depoimentos de J... gestor, , não esteve na sessão; conhece o arguido, formalmente, desde 20 anos; empresário de referência; directo; Frontal e pesa o que diz: P...., professor, vereador CM, conhece o arguido há 30 anos; empresário, cidadão e homem; simples, honesto; frontal; homenagem na CM; H... , casado, professor, divergência; L..., casado, consultor, boa fé, frontal;

Sobre os vertidos em sede de não provados não foi qualquer prova para além das declarações do assistente, não corroboradas por qualquer outra prova credível, pelo que se deram como não provados pois, atenta a natureza dos factos, deveria o assistente ter complementados com outra prova.»

                                                                           *

            O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. (Cf. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1]e de 24-3-1999 [2]e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do Ministério Público a questão a decidir é a seguinte:

- se o quantitativo diário da pena de multa deve ser fixado em montante não inferior a € 50,00.

O recorrente, Ministério Público, defende que o Tribunal a quo violou o princípio da igualdade material e a conjugação dos artigos 40, 47.º, n.º 2, e 71.º, n.ºs 1 e 2, al. d), todos do Código Penal, que regem a determinação da pena e da sua medida concreta, ao aplicar ao arguido uma taxa diária de € 12,00 de multa.

Alega para o efeito e em síntese que a taxa diária de € 12,00 de multa é uma taxa reduzida, que normalmente é aplicada a condenados que auferem quantias próximas do salário mínimo nacional, não chegando a mesma a atingir metade do vencimento mensal do arguido, não constituindo assim um sacrifício relevante para o arguido.

Considerando os factos dados como provados nos pontos n.ºs 15 a 19 o Ministério Público entende que as finalidades de punição quanto ao crime em causa impõem a condenação do arguido em taxa diária de multa não inferior a € 50,00.

Já o recorrido entende que a dimensão da multa aplicada é adequada atento o disposto no art.71.º, n.º1 do Código Penal, por ser suficiente para o afastar de uma nova delinquência. Pese embora a al.d), n.º2 do art.71.º do Código Penal falar na situação económica do agente,  aratio da multa não é uma castigo sobre os arguidos, e não é pelo facto da situação económica do arguido ser melhor que o valor da multa tem de ser mais elevado. 

Vejamos.

O procedimento para determinação da pena de multa, segundo o sistema dos dias-de-multa, consagrado no Código Penal, exige:

- num primeiro momento, a determinação do número de dias e,

- num segundo momento, e a determinação do quantitativo diário.

Nos termos do art.71.º, n.º 1 e 2 do Código Penal – aplicável à pena de multa por força da remissão do art.41.º, n.º1, do mesmo Código –, a determinação do número de dias da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o Tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele.

A culpabilidade é um juízo de reprovação que se faz sobre uma pessoa, censurando-a em face do ordenamento jurídico-penal, por ter atuado em desconformidade com a ordem jurídica quando podia, e devia, ter atuado em conformidade com esta.

As exigências de prevenção remetem para a realização in casu das finalidades da pena e para o disposto no art.40.º, n.º1, do Código Penal, que esclarece que a aplicação de penas (e de medidas de segurança) visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Esta proteção implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo primordialmente para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração). É a prevenção geral positiva que fornece uma moldura de prevenção dentro de cujos limites podem e devem atuar considerações de prevenção especial.

Por sua vez, a reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.

As circunstâncias gerais enunciadas exemplificativamente no n.º2 do art.71.º do Código Penal são elementos relevantes para a culpa e para a prevenção e, por isso, devem ser consideradas uno actu para efeitos do art.72.º, n.º1; são numa palavra, fatores relevantes para a medida da pena por força do critério geral aplicável.

As alíneas a), b), c) e e), parte final, do n.º 2 do art.71.º, do Código Penal, integram  fatores relativos à execução do facto; as alíneas d) e f), os fatores relativos à personalidade do agente; e a alínea e), os fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto.

Por respeito à eminente dignidade da pessoa a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa ( art.40.º, n.º 2 do C.P.) , designadamente por razões de prevenção.

Como assertivamente esclarece o Prof. Figueiredo Dias, a respeito da determinação do número de dias de multa, «… todas as considerações atinentes quer à culpa, quer à prevenção, geral e especial, devem exercer unicamente influência nesta fase de determinação da pena e, portanto sobre o número de dias de multa, não sobre o quantitativo diário. Em contrapartida, tudo quanto respeite à situação económico-financeira do condenado qua tale deve ser expurgado de consideração nesta fase, apenas assumindo relevância na fixação do quantitativo diário da multa – salvo quando tal se mostrar de imediata relevância para determinação da medida da culpa.».[4]

Ou seja, sob pena de violação do princípio da proibição de dupla valoração, « as condições pessoais do agente e a sua situação económica» referidas no art.71.º, n.º 2, al. d) do Código Penal, só poderão relevar para a determinação do quantitativo diário quando “ tais fatores possuam influência directa sobre a medida da culpa, v.g, por determinantes de uma menor imputabilidade ou exigibilidade”.[5]

Fixado o número de dias de multa, importa determinar, num segundo momento, o quantitativo de cada dia de multa.

Nos termos do art.47.º, n.º 2 do Código Penal, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, « Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.».

Para o Prof. Figueiredo Dias – que aqui seguimos –, o silêncio da lei quanto a critérios mais precisos para a fixação da taxa diária da multa este silêncio “só pode significar … o desejo do legislador de oferecer ao juiz o maior campo possível de eleição de fatores relevantes. É seguro que deverá atender-se … à totalidade dos rendimentos próprios do condenado, qualquer que seja a sua fonte … Como é seguro, por outro lado, que àqueles rendimentos hão-de ser deduzidos os gastos com impostos, prémios de seguro … e encargos análogos. Como igualmente parece legítimo tomar em conta … rendimentos e encargos futuros, mas já previsíveis no momento da condenação …”.[6]

Tornando-se difícil ao Juiz obter prova sobre os elementos necessários à correta determinação do quantitativo diário de multa, deve fazer uso dos seus poderes de investigação oficiosa, nos termos, designadamente, do disposto nos artigos 340.º, n.º1 e 371.º do Código de Processo Penal e “se se tornar inevitável, o juiz determinará aqueles fatores por estimativa (prova por presunção natural)” fundamentando-a sempre …”.[7]

O Prof. Jorge Figueiredo alertava em 1993 que uma observação atenta da jurisprudência publicada conduz à convicção de que a média do número de dias de multa e o quantitativo diário “ … conduz à convicção de serem aqueles valores muito baixos – se não por vezes risíveis – por relação com os limites mínimos e máximos fixados na lei; e não terem assim correspondência com o sofrimento que implicaria a privação da liberdade pelo número de dias (mesmo que só normativamente) correspondente.”.[8]

Efetivamente, a pena de multa é uma verdadeira pena, que tem de representar uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada.

Apenas em situações de pobreza ou indigência poderá o quantitativo diário da multa aproximar-se do limite mínimo legal de € 5,00, sob pena de ser violada a finalidade da punição e o princípio da igualdade.

No caso em apreciação o Tribunal a quo deu como provado, no que respeita à situação económica e financeira e seus encargos pessoais, que o arguido é Administrador do grupo B... SA; que este é empresário, vive em casa própria e aufere cerca de € 3.000,00 de reforma.

Auferindo o arguido cerca de € 3.000,00 de reforma, vivendo em casa própria e sendo administrador e empresário do grupo B... SA que, é do conhecimento público, generalizado, ser um dos mais importantes produtores de tecidos laneiros na Europa, na qual se integra , entre outras empresa a conhecida “ O....”, o Tribunal da Relação considera que a taxa diária da pena de multa fixada na douta sentença recorrida, de € 12,00,  peca  claramente por defeito, não tendo correspondência com o sofrimento que implica a privação de liberdade pelo número de dias (mesmo que só normativamente correspondente).

A taxa diária de 12,00 euros, pelo seu reduzido montante, colocaria em causa  as finalidades próprias da multa , como pena criminal , pecuniária, bem como o princípio da igualdade, pois quando os limites da taxa diária se situam entre de € 5,00 e € 500,00 o Tribunal a quo coloca uma dos maiores empresários da industria portuguesa próximo do nível dos indigentes, que não auferem qualquer rendimento, nem possuem meios económicos para se sustentarem sem o apoio da solidariedade de terceiros.

Tendo a pena de multa de representar uma censura suficiente do facto e , simultaneamente , uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada, atentos os critérios supra enunciados que se retiram do art.47.º, n.º2 do Código Penal, o Tribunal da Relação entende como equilibrada e adequada à situação económica da arguida, que se conseguiu apurar , fixar em € 50,00 a taxa diária de multa a aplicar ao arguido.

Efetivamente esta taxa não constitui sacrifício injusto ou incomportável para remissão do crime de difamação agravada, ou seja, não é incompatível com a sobrevivência digna do arguido, e já constitui para si um sacrifício razoável.

Procedendo, deste modo, o recurso interposto pelo Ministério Público, e fixando-se o quantitativo diário da pena de multa em € 50,00, vai o ora recorrido condenado na multa de € 5.000,00 (100 dias de multa, à taxa diária de € 50,00), pela prática de um crime de difamação agravada p. e p. pelos artigos 180.º, n.º1 , 182.º e 184.º, ex vi do art.132.º, n.º 2, alínea l), do Código Penal.

Decisão

            Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e revogando-se parcialmente a douta sentença recorrida, fixa-se a taxa diária da pena de multa em € 50,00 (cinquenta euros).

            Sem custas.

                                                                         *

(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.). 

                                                                       *

Coimbra, 4 de Maio de 2016

(Orlando Gonçalves – relator)

(Inácio Monteiro - adjunto)


[1]Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.
[4]  “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Noticias Editorial, pág. 127.
[5]  Prof. Figueiredo Dias, obra cit., pág. 135.
[6]  Obra cit. pág. 129.
[7]  Obra cit. pág. 133.
[8]  Obra cit. pág.152.