Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
390/12.2TBMLD-G.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
HIPOTECA
VENDA
BEM IMÓVEL
PREÇO
MASSA INSOLVENTE
Data do Acordão: 10/29/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA MEALHADA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 47.º, N.º 4, DO CIRE E 686.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, pertencentes ao devedor com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.

2. Tendo os imóveis hipotecados sido vendidos em execução fiscal e adjudicados ao credor hipotecário, que depositou a totalidade do preço, este mantém o mesmo privilégio sobre o produto da venda daqueles bens, apreendido no processo de insolvência do devedor.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           
No Tribunal Judicial da Mealhada corre termos um processo de insolvência contra “A..., L.da”, já identificada nos autos, no qual, veio a mesma a ser declarada insolvente, processo ao qual foram apensos os presentes autos de reclamação de créditos.
            No decurso de tal processo de insolvência foram reclamados vários créditos, entre os quais o da ora recorrente, B..., no montante global de 248.254,84 €, acrescido de juros de mora vincendos, sobre o capital em dívida à taxa de 15,45% e de imposto de selo sobre os impostos já vencidos e comissões.
            Fundamenta tal crédito no facto de ter celebrado com a insolvente, por escritura pública de 26 de Janeiro de 2009, um contrato de abertura de crédito com hipoteca e fiança, no montante de 500.000,00 €, nas condições em tal escritura referidas e em que os respectivos sócios se constituíram fiadores da insolvente.
            Mais alega que, no cumprimento do acordado, foi constituída hipoteca sobre o prédio urbano, composto de terreno para construção, sito na (...), freguesia de (...), concelho da Mealhada, inscrito na respectiva matriz predial, actualmente, sob o artigo (...), o qual, por desanexação, deu origem ao prédio urbano constituído em propriedade horizontal, inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo (...).
            E que., igualmente, beneficia de hipoteca sobre as fracções autónomas designadas pelas letras “A” e “B” do prédio acima identificado e inscritas na respectiva matriz predial sob os artigos (...)-A e (...)-B, da mesma freguesia.
            Procedeu ao registo da referida hipoteca.
            A insolvente deixou de efectuar o pagamento das prestações a que se obrigara a partir de 26 de Julho de 2012, em função do que computou na quantia de 248.254,84 €, o crédito que detém sobre a insolvente.
            No entanto, para cobrança de dívidas de natureza tributária foram instaurados contra a insolvente três processos de execução fiscal, que correram termos nos Serviços de Finanças de Anadia, nos quais foram penhorados os referidos bens e que ali foram vendidos por meio de leilão electrónico em 31 de Julho, 01 e 02 de Agosto de 2012, tendo sido adjudicados à ora recorrente, que os adquiriu, tendo ali procedido ao depósito da totalidade do respectivo preço, nos montantes de 26.500,00 €, 108.500,00 € e 105.000,00 €, respectivamente, que foram transferidos para a massa insolvente.

            Conforme consta de fl.s 64 a 72, veio a Administradora da Insolvência juntar a Relação dos Créditos Reconhecidos, sobre a qual a B... apresentou reclamação, com fundamento em omissões, relativamente ao seu crédito, solicitando as respectivas rectificações e, ainda, que os créditos reclamados pelos trabalhadores não podem ser considerados como privilegiados, bem como a correcção do fundamento que privilegia o crédito do ISS, tudo como melhor consta de fl.s 74 a 81.
            Respondeu a Administradora da Insolvência, como consta de fl.s 82 a 85, reconhecendo a veracidade do alegado pela B..., quanto ao seu crédito e ao do ISS e mantendo o que anteriormente havia considerado acerca da natureza de créditos garantidos dos trabalhadores.
            Em função do que apresentou (cf. fl.s 86 a 94), nova Lista Corrigida dos Créditos Reconhecidos, na qual figura, sob o n.º 8, o crédito da B..., no montante global de 248.254,84 €, com a natureza de “Garantido”.
            Na sequência da impugnação por parte da B... relativamente aos créditos dos trabalhadores elaborou-se despacho saneador, quanto a estes créditos.
            Após o que se procedeu ao respectivo julgamento e se veio a proferir a sentença de fl.s 26 a 37, na qual se veio a decidir o seguinte:
“B.2 – Da Graduação Geral (face à existência de bens móveis)
1º - Créditos relativos aos trabalhadores identificados nos presentes autos, a fls. 60-63 e respectivos juros relativos aos últimos 2 anos, que beneficiem de privilégio mobiliário geral, nos termos do artigo 377º, nº 1, al. a), e nº 2, al. a), do Código do Trabalho e artigo 734º do Código Civil;
2º - Créditos da Fazenda Nacional por impostos directos e indirectos, que gozem de privilégio mobiliário geral, nos termos dos artigos 736º e 747º, nº 1, al. a), todos do Código Civil, nos limites previstos no artigo 97º, nº 1, al. a), do CIRE;
3º - Créditos comuns a que se refere o art. 47º, nº 4, al. c), do C.I.R.E.; e
4º - Créditos subordinados, graduados pela ordem prevista no art. 48º do C.I.R.E. (cfr. art. 177º).
***
Os pagamentos aos credores serão efectuados nos termos e com as cautelas previstas nos artigos 173º a 184º do C.I.R.E..
***
Custas pela massa insolvente, nos termos do artigo 304º do C.I.R.E., e na observância da citada regra da precipuidade.”.

Inconformada com a mesma, dela interpôs recurso a reclamante B..., o qual foi recebido, como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo (cf. despacho de fl.s 1), rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
- Tem o presente recurso por objecto a sentença de verificação e graduação de créditos de fls. , que qualificou o produto da venda do prédio urbano descrito na CRP de Mealhada sob o número 1630º, e das fracções autónomas designadas pelas letras A e B, descritas na CRP da Mealhada sob os números (...)º-A e (...)º-B, todos da freguesia da (...), no montante de 240.000,00 €, apreendido nos presentes autos sob a verba 2 do Auto de Apreensão de fls. , como bem móvel , e classificou , como comum , o crédito de natureza hipotecária reclamado e reconhecido à ora recorrente B..., S.A. , na Lista definitiva de créditos reconhecidos de fls como garantido ,
- E , em consequência , graduou , para serem pagos pelo produto daquelas vendas fiscais , em “ 1º – Créditos relativos aos trabalhadores identificados nos presentes autos a fls. 60-63 ( D... e C... ) e respectivos juros relativos aos últimos 2 anos, que beneficiem de privilégio mobiliário geral, nos termos do artigo 377º, n.º 1, al. a) , e n.º 2, al. a), do Código do Trabalho e artigo 734º do Código Civil ;
2º - Créditos da Fazenda Nacional por impostos directos e indirectos, que gozem de privilégio mobiliário geral , nos termos dos artigos 736º e 747º, n.º 1, al. a), todos do Código Civil, nos limites previstos no artigo 97º, n.º 1, al. a) do CIRE;
3º - Créditos comuns a que se refere o artigo 47º , n.º 4, al. c) do C.I.R.E.; e
4º - Créditos subordinados, graduados pela ordem prevista no art. 48º do C.I.R.E. ( cfr. art. 177º)” ( cfr. sentença de fls ) .
- A recorrente B..., SA reclamou, com referência a 12.09.2012, um crédito de natureza hipotecária no montante global de 248.254,84 € (sendo 237.500,00 € de capital, 10.620,84 € de juros moratórios vencidos, calculados à taxa de 15,45%, desde 26.07.2012 até àquela data (12.09.2012) e 134,00 € de comissões) proveniente de um contrato de abertura de crédito com hipoteca e fiança, no montante de 500.000,00 €, outorgado por escritura pública de 26/Janeiro/2009, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos, calculados sobre o capital em dívida, à taxa de 15,45%, desde 12.09.2012, até efectivo e integral pagamento, e imposto de selo nos termos da respectiva Tabela Geral;
- Alegou, para o efeito, que tal crédito encontrava-se garantido por hipoteca até ao montante máximo em capital e acessórios de 751.750,00 € sobre o prédio urbano, sito na (...), descrito na CRP da Mealhada sob o número 1630 da freguesia da (...) e sobre as fracções autónomas designadas pelas letras “A” e “B”, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na (...), descritas na Conservatória do Registo Predial da Mealhada sob o números (...)/20110121-A e (...)/20110121-B ambas da freguesia de (...), e inscritas nas respectivas matrizes prediais sob os artigos (...)º-A e (...)º-B daquela freguesia,
– Prédios esses penhorados no âmbito dos Processos de Execução Fiscal n.º 0035201001023055, 0035201001023390 e 0035201101025074 e respectivos Apensos, do Serviço de Finanças de Anadia, instaurados contra a insolvente A... Lda.
– Mais alegou que, na sequência das vendas judiciais (leilão electrónico) ocorridas em 31/Julho/2012, 01/Agosto/2012 e 02/Agosto/ 2012 naquelas execuções fiscais, os três imóveis (descrições (...)/20110121-A e (...)/20110121- B da freguesia da (...)) foram vendidos e adjudicados à ora recorrente, que depositou a totalidade do preço, nos termos do preceituado no artigo 256º al. h) do C.P.P.T., pelos valores de 26.500,00 € (prédio urbano), 108.500,00 € (fracção A) e 105.000,00 € (fracção B), tudo no montante global de 240.000,00 €, transferindo-se, assim, para os respectivos produtos daquelas vendas, nos termos do artigo 824º, nº 3, do C. Civil, as garantias hipotecárias da B..., S.A., oportunamente reclamadas naqueles autos de execução fiscal.
- A reclamação de créditos apresentada nos presentes autos pela credora B..., SA não foi impugnada pelos demais credores, tendo o crédito reclamado no montante de 248.254,84 € sido reconhecido, como garantido, pela Sr.ª A.I. na lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos (artigo 129º C.I.R.E.), constante a fls. 2-10, posteriormente rectificada a fls 118 e ss, quer quanto ao montante, quer quanto às garantias detidas pela B..., SA nos exactos termos impugnados pela ora recorrente a fls 12 a 19, reconhecendo a Sr.ª A.I., naquela nova lista, expressa e inequivocamente que as garantias hipotecárias reclamadas pela credora transferiram-se para os respectivos produtos das vendas fiscais;
- Após julgamento, com produção de prova, e discussão da causa, não logrou provado que os créditos reclamados pelos trabalhadores D... e C... beneficiem de privilégio imobiliário especial sobre os imóveis hipotecados à ora recorrente, e cujo produto da venda se mostra apreendido nos presentes autos, pelo que foi a impugnação deduzida pela B..., SA julgada totalmente procedente,
- E, em consequência, “ homologada a relação apresentada a fls. 122-130 ( já com as correcções supra , na decorrência da falta de oposição à impugnação – artigo 131º, nº 3 do CIRE ) e , nessa medida (…) reconhecidos e como tal verificados os créditos aí constantes , apenas excluindo , na decorrência do julgamento, de qualquer privilégio imobiliário especial os créditos dos trabalhadores D... e C... – sob os nºs 16 e 25 ”.
10ª – Não obstante a factualidade dada como provada, na sentença ora recorrida o crédito hipotecário da ora recorrente foi graduado como crédito comum e os créditos reclamados pelos trabalhadores e pela Fazenda Nacional como privilegiados.
11ª - O produto da venda dos imóveis (hipotecados à ora recorrente) em sede de execução fiscal, ainda que objecto de apreensão nos presentes autos de insolvência, nos termos do artigo 149º, n.º 2 CIRE, não configura, nem poderá ser classificado como um (mero) bem móvel surgido ex novo no património da insolvente, mantendo, para todos os efeitos, em especial em sede de verificação e graduação de créditos, a mesma “ natureza “ e regime do bem de que emerge (artigo 204º, n.º 1, al. d) C. Civil);
12ª - A ora recorrente B..., SA reclamou oportunamente os seus créditos e respectivas garantias, quer nos autos de execução fiscal n.ºs 0035201001023055, 0035201001023390 e 0035201101025074 e Aps., do Serviço de Finanças de Anadia (onde viriam a ser vendidos os imóveis hipotecados), quer nos presentes autos de insolvência;
13ª – A venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida e determina a caducidade dos direitos de garantia que onerarem os bens transmitidos, os quais se transferem para o produto da venda dos respectivos bens (artigo 824º C. Civil), mantendo os seus titulares o estatuto de credor garantido e o direito de serem pagos por tal quantia com as mesmas preferências que lhe competiam em relação aos prédios onerados e objecto de venda judicial.
14ª – A hipoteca que a recorrente B..., SA detinha sobre os imóveis vendidos nas referidas execuções fiscais confere-lhe o privilégio de ser paga em primeiro lugar, pelo valor de 240.000,00 €, correspondente ao produto da venda dos três imóveis hipotecados apreendido para a massa insolvente, privilégio esse que não se extingue com a apreensão judicial do produto da venda;
15ª – A hipoteca reveste-se, assim, da natureza de um direito real de garantia na medida em que apresenta as notas características dos direitos reais, tais como o direito de sequela e o direito de preferência, conferindo ao credor hipotecário o direito a ver solvido o seu crédito, por força do bem hipotecado, onde quer e com quer que este esteja,
16ª – Pelo que “ vendido em execução fiscal o imóvel sobre o qual estava constituída hipoteca e depositado o respectivo preço, se posteriormente esse valor (produto da venda) vier a ser apreendido em processo de insolvência e, se o credor hipotecário nestes autos reclamar o seu crédito, mantém o mesmo o direito a ser pago por tal quantia, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo” (Acórdão da Relação do Porto de 20.11.2012, Proc. 52/12.0TJPRT-B.P1, disponível em www.dgsi.pt).
17ª – Violou, pois, o Tribunal “a quo” as disposições dos artigos 686.º, n.º1, 749º e 824º, n.º 3 do Código Civil, e bem assim os artigos 47º, n.º 4, al. a), 130º, 136º, n.ºs 2, 4 e 6, 140.º n.º2, 174º n.º1 e 175º todos do CIRE.
18ª - A douta sentença deverá, portanto, ser substituída por outra que gradue o crédito reclamado pelo ora recorrente, em 1.º lugar a ser pago pelo produto da venda dos imóveis apreendido sob a verba 2 do Auto de Apreensão e os demais créditos reconhecidos, por não beneficiarem de qualquer privilégio, como comuns.
Por tudo o exposto, E com o douto suprimento desse Venerando Tribunal, deve a sentença recorrida ser revogada, proferindo-se acórdão que gradue o crédito da ora recorrente para ser pago, em 1º lugar, pelo produto da venda dos imóveis objecto de venda nas execuções fiscais e hipotecados à B..., SA, apreendido sob a verba 2 do Auto de Apreensão, com preferência sobre os demais créditos reclamados, com as demais consequências legais.

            Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados os vistos legais, há que decidir.  
Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de averiguar qual a natureza do crédito reclamado pela ora recorrente.

            São os seguintes os factos dados provados na decisão recorrida:
1. O trabalhador D... dispõe de um crédito laboral de 10.644,24 euros, o qual foi qualificado como privilegiado, na lista de fls. 1-13, com privilégio imobiliário especial, com base no facto de alegadamente o trabalhador prestar o seu serviço no imóvel prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo (...), da freguesia de (...) e descrito na CRP da Mealhada sob o nº 1630, mas também sobre as fracções autónomas designadas sob pelas letras A e B, inscritas nas respectivas matrizes prediais sob os artigos (...)-A e (...)-B, descritas na CRP da Mealhada sob os (...)-A e (...)-B (alínea A) dos Factos Assentes).
2. O trabalhador C... dispõe de um crédito laboral de 10.017,37 euros, o qual foi qualificado como privilegiado, na lista de fls. 1-13, com privilégio imobiliário especial, com base no facto de alegadamente o trabalhador prestar o seu serviço no imóvel prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo (...), da freguesia de (...) e descrito na CRP da Mealhada sob o nº 1630, mas também sobre as fracções autónomas designadas sob pelas letras A e B, inscritas nas respectivas matrizes prediais sob os artigos (...)-A e (...)-B, descritas na CRP da Mealhada sob os (...)-A e (...)-B (alínea B) dos Factos Assentes).
B) FACTOS NÃO PROVADOS
Nada mais resultou provado, designadamente os pontos 1. e 2. da BI. (nas quais se perguntava se os trabalhadores D... e C..., prestavam a sua actividade laboral nos imóveis aludidos em A) e B), respectivamente).

            Em face do disposto no artigo 659.º, n.º 3, ex vi artigo 713.º, n.º 2, ambos do CPC (artigos 663.º e 607.º, n.º 4, na nova redacção, em face dos elementos documentais juntos aos autos, consideram-se, ainda, provados os seguintes factos:
            3. A ora recorrente reclamou nestes autos um crédito no montante global de 248.254,54 €, como acima já referido no relatório que antecede, com fundamento em ter celebrado com a outorgante um contrato de abertura de crédito com hipoteca e fiança, que registou a seu favor, incidindo a hipoteca sobre o prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia da (...), concelho da Mealhada, sob o artigo (...).º e as fracções “A” e “B” do prédio urbano constituído em propriedade horizontal a que aquele deu origem, inscritas na respectiva matriz predial sob os artigos (...)-A e (...)-B, hipoteca que registou a seu favor – cf. doc.s de fl.s 45 a 61 e 193 a 218.
            4. O crédito aqui reclamado pela ora recorrente, B..., veio a ser totalmente reconhecido pela Administradora de Insolvência, com a natureza de “Garantido”, cf. Relação de Créditos Reconhecidos, de fl.s 86 a 94 (crédito a que corresponde a verba n.º 8, de fl.s 88).
            5. Para cobrança de dívidas de natureza tributária da insolvente, foram-lhe instaurados nos Serviços de Finanças de Anadia, três processos de execução fiscal, no âmbito dos quais foram penhorados os imóveis sobre os quais recaem as hipotecas que justificam o crédito aqui reclamado pela ora recorrente.
            6. No decurso de tais processos, ainda antes da sentença que declarou a insolvente da ali executada, procedeu-se à venda de tais imóveis por meio de leilão electrónico, em 31 de Julho, 01 e 02 de Agosto de 2012, os quais foram adjudicados à aqui recorrente, que procedeu ao depósito da totalidade do preço, pelos valores de 26.500,00 € (prédio urbano); 108.500,00 € (fracção A) e 105.000,00 € (fracção B).
            7. A ora recorrente procedeu, igualmente, à reclamação do seu crédito no âmbito dos referidos processos de execução fiscal – cf., certidão de fl.s 103 a 276, a qual serve, também, de base para a demonstração dos factos ora descritos nos itens 5.º ao presente.
            8. Conforme auto de arrolamento e apreensão de bens, de fl.s 277 a 279, foi apreendido à ordem dos presentes autos a quantia de 240.000,00 €, correspondente ao depósito relativo ao produto da venda em processo de execução fiscal dos bens sobre os quais foi constituída hipoteca a favor da B....

Natureza do crédito reclamado pela recorrente.
A recorrente entende que sendo a quantia apreendida à ordem destes autos o produto da venda dos bens sobre os quais havia sido constituída hipoteca a seu favor, o que lhe conferia o direito a ser paga com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo, tal direito deve manter-se, por tais razões, sobre a quantia depositada, sendo esta a única forma de se lhe ser reconhecido o direito que lhe advém das supra referidas hipotecas.
Ao invés, na sentença recorrida, considerou-se não existirem bens imóveis apreendidos, mas apenas bens móveis, por tão só “resultar apreendido depósito relativo ao produto da venda em processo de execução fiscal”, com o fundamento em que, se bem percebemos, a qualificação do crédito da recorrente como “garantido” respeitar ao depósito e não ao bem propriamente dito.

Desde já, adiantando a conclusão, parece-nos não ser de manter o entendimento defendido na sentença em análise, estando a razão do lado da recorrente.
Efectivamente, como é sabido, ao processo de insolvência subjaz o carácter de “execução universal”, no sentido de que abrange todo o património dos insolventes e a que são chamados todos os seus credores, a fim de nele reclamarem os seus créditos, como resulta, v.g. dos artigos 1.º; 36.º, n.º 1, al.s g) e j), 47.º, n.º 1 e 128.º, todos do CIRE.
Por outro lado, nos termos do seu artigo 88.º, n.º 1, a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvente.
O que explica que, nos termos do artigo 46.º, n.º 1, do CIRE, se considere que, salvo disposição em contrário, a massa insolvente abrange todo o património do devedor á data de declaração de insolvência.
Outro dos efeitos da declaração de insolvência é o de que o insolvente fica privado dos poderes de administração e disposição dos bens integrantes da massa insolvente, que passam a competir ao administrador da insolvência, cabendo a este a apreensão dos bens integrantes da massa insolvente, como resulta do disposto nos artigos 81.º, n.º1, 149.º e 150.º, n.º 1, do CIRE.
Obrigação, esta, que se mantém ainda que os bens tenham sido arrestados, penhorados ou apreendidos, seja em que processo for (artigo 150.º, n.º 1), precisando-se no n.º 2 deste preceito que, no caso de os bens já terem sido vendidos, a apreensão tem por objecto o produto da venda, caso este ainda não tenha sido pago aos credores ou entre eles repartido.

Daqui decorre que nos termos do supra citado artigo 88.º, n.º 1, a execução fiscal não poderia prosseguir os seus ulteriores termos, designadamente, proceder ao pagamento aos credores com base no produto da venda, o qual, nos termos do artigo 46.º, do CIRE, passou a integrar o objecto da massa insolvente, o qual, nestes termos, a Administradora de Insolvência devia apreender (como apreendeu) para os presentes autos.
Todavia, os bens já haviam sido licitados e adjudicados à ora recorrente, à qual, nos termos do disposto no artigo 256.º, n.º 1, al. h) do CPPT, era, como foi, exigido que procedesse ao depósito do preço devido pela compra.
Sem esquecer, ainda, como acima já referido, que a aqui recorrente, com fundamento nas mencionadas hipotecas também reclamou o seu crédito nas execuções fiscais, sem que o mesmo já tivesse sido ou viesse a sê-lo, satisfeito e, por isso, atento, o disposto no artigo 686.º do Código Civil, ali seria paga com preferência pelos demais credores, assim, logrando, obter o pagamento do seu crédito.
Estamos, pois, em face de uma situação em que não obstante os bens terem sido adjudicados à recorrente e esta ter pago o respectivo preço, em virtude de a execução não poder prosseguir os seus ulteriores termos, a recorrente não chegaria a ver satisfeito o seu crédito, uma vez que o produto da venda, que substitui o valor dos imóveis que havia adquirido, foi apreendido para a massa insolvente, servindo como meio de pagamento a todos os credores da mesma, nos termos dispostos no CIRE quanto à forma como devem processar-se os pagamentos.
Em suma, o produto da venda constitui a contrapartida da venda dos imóveis que, anteriormente, eram pertença da executada, ora insolvente.
Assim, atento a que a recorrente, não obstante tenha reclamado o seu crédito no âmbito das supra referidas execuções fiscais, não o viu satisfeito, não pode ficar desprotegida por virtude de em vez de existirem os bens sobre que beneficiava de hipoteca, estar apreendido o produto da respectiva venda, dado que este mais não constitui do que a contrapartida de tal venda, assim, ingressando na massa insolvente, sob pena de as hipotecas que haviam sido constituídas para garantia do seu crédito, ficarem desprovidas de valor.
Nos termos do artigo 47.º, n.º 4, do CIRE, constituem “créditos garantidos” aqueles que beneficiem de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente.
A recorrente beneficia de hipoteca, a qual, nos termos do disposto no artigo 686.º, n.º 1, do Código Civil, lhe confere o direito de ser paga pelo valor de certas coisas imóveis, pertencentes ao devedor com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.
Como expressamente se refere na sentença recorrida, os trabalhadores não gozam de qualquer privilégio imobiliário especial, sendo que, quanto a esta parte, a mesma transitou em julgado, por não objecto de recurso.
Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 824.º, n.º 3, do CC, os direitos que oneravam os bens vendidos transferem-se para o produto da respectiva venda, o que equivale a considerar, como se fez no Acórdão da Relação do Porto, citado pela recorrente, de 20/11/2012, Processo 52/12.0TJPRT-B.P1, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrp (na esteira do Acórdão da mesma Relação, de 16/10/2012, Processo n.º 1505/07.8TJPRT-G.P1, disponível no mesmo sítio), que a recorrente mantém o seu direito de credor garantido, com base na hipoteca de que beneficiava.
Como mais nenhum dos créditos reclamados prevalece sobre o da ora recorrente, não pode subsistir, nesta parte, a sentença recorrida, devendo ser graduado em 1.º lugar o crédito reclamado pela ora recorrente, B..., procedendo, pois, o recurso, sendo que quanto aos demais créditos, não foi a decisão recorrida objecto de qualquer recurso, pelo que, quanto a estes, se mantém o decidido.
 
            Nestes termos se decide:
            Julgar procedente o presente recurso de apelação e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida, na parte em que reconheceu e graduou os créditos reclamados, relativamente ao produto da venda dos imóveis objectos de venda nas execuções fiscais e hipotecados à B..., apreendido sob a verba n.º 2 do Auto de Apreensão de bens, os quais passam a graduar-se da forma seguinte:
1.º  - o crédito reclamado pela B..., proveniente da hipoteca de que beneficia;
2º - Créditos relativos aos trabalhadores identificados nos presentes autos, a fls. 60-63 e respectivos juros relativos aos últimos 2 anos, que beneficiem de privilégio mobiliário geral, nos termos do artigo 377º, nº 1, al. a), e nº 2, al. a), do Código do Trabalho e artigo 734º do Código Civil;
3º - Créditos da Fazenda Nacional por impostos directos e indirectos, que gozem de privilégio mobiliário geral, nos termos dos artigos 736º e 747º, nº 1, al. a), todos do Código Civil, nos limites previstos no artigo 97º, nº 1, al. a), do CIRE;
4º - Créditos comuns a que se refere o art. 47º, nº 4, al. c), do C.I.R.E.; e
5º - Créditos subordinados, graduados pela ordem prevista no art. 48º do C.I.R.E.
(cfr. art. 177º).
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Os pagamentos aos credores serão efectuados nos termos e com as cautelas previstas nos artigos 173º a 184º do C.I.R.E..
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Custas pela massa insolvente, nos termos do artigo 304º do C.I.R.E., e na observância da citada regra da precipuidade.
Coimbra, 29 de Outubro de 2013.

Arlindo Oliveira (Relator)
Emídio Francisco Santos
Catarina Gonçalves