Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
66/18.7GAVZL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: CONCURSO APARENTE
RELAÇÃO DE CONSUMPÇÃO
CONDUÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO RODOVIÁRIO CONTRA-ORDENAÇÕES ESTRADAIS
Data do Acordão: 12/18/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE OLIVEIRA DE FRADES)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 291.º DO CP; ART. 134.º, N.º 1, DO CE; ART. 20.º DO RGCO
Sumário: Existe uma situação de consumpção de normas, consumindo o crime, de condução perigosa de veículo rodoviário, as diversas contra-ordenações, de natureza estradal, quando estas infracções consubstanciam as “violações grosseiras” das regras da circulação rodoviária expressamente descritas na al. b) do n.º 1 do artigo 291.º do CP.
Decisão Texto Integral:







Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

No processo abreviado supra identificado, após a realização da audiência de julgamento foi proferida sentença que decidiu:

A) Condenar o arguido, A. pela prática, em autoria material e na forma consumada, em concurso real e efectivo dos seguintes crimes:

a) Dois crimes de injúria agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 181.º, n.º 1; 184.º e 132.º, n.º 2, al. l) todos do Código Penal, na pena de 45 dias de multa, por cada um dos crimes em causa, à taxa diária de € €6,00, perfazendo o montante global de € 270,00 cada.

b) Dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a) e c), e 132.º, n.º 2, al. l), por referência ao artigo 131.º, n.º 1, todos do Código Penal, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de €6,00, perfazendo o montante global de € 360,00, por cada um dos crimes em causa;

c) Um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 152.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 do Código da Estrada e 348.º, n.º 1, al. a) e 69.º, n.º 1, al. c) do Código Penal, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de €6,00, perfazendo o montante global de €360,00. Bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 4 meses.

d) Dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, a), n.º 2 e 132.º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal, na pena, respectivamente de 4 meses de prisão, no que concerne ao Guarda Alves e na pena de 6 meses de prisão no que respeita ao Guarda António Fernandes.

e) Um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelos artigos 291.º, n.º 1, al. b) e 69º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de € 6,00, perfazendo o montante global de €1.080,00; bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 1 ano.

f) Um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art.º 347.º, n.º 1 e n.º 2 do Código Penal, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão.

g) Um crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo artigo 365.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 90 dias de multa à razão diária de €6,00, perfazendo o montante global de €540,00.

B) Operando o cúmulo jurídico, nos termos do art. 77.º do CP e mantendo a diferente natureza das penas ora aplicadas ao arguido, aplicar as seguintes penas únicas:

- a pena única de 450 dias de multa, à razão diária de €6,00 perfazendo o montante global de €2.700,00 (dois mil e setecentos euros).

- a pena única de 2 anos de prisão.

- a pena acessória única de 1 ano e 3 meses de proibição de conduzir veículos com motor.

C) Suspender a pena de prisão aplicada ao arguido pelo período de 2 anos, submetendo a presente suspensão a regime de prova, a ser traçado e fiscalizado pela DGRSP, nomeadamente, com incidência na despistagem e eventuais consumos de álcool, bem como na sensibilização do arguido para a prática de condução segura e respeito pela normas estradais e de convivência social.

D) Absolver o arguido da prática das contra-ordenações que lhe vinham imputadas.


*

O arguido e o Ministério Público, por discordarem de tal decisão, interpuseram recurso, tendo extraído das respectivas motivações as seguintes conclusões:

A- O arguido:

(…).


*

B- O Ministério Público:

1. As contraordenações imputadas ao arguido na acusação pública revestem autonomia relativamente ao crime de condução perigosa, pelo qual o arguido vem condenado.

2. De facto, as referidas contraordenações estão em concurso real e efectivo com a prática do crime de condução perigosa, não existindo nenhum concurso aparente entre estas e o referido crime.

3. Na verdade, o arguido deve ser punido autonomamente por cada uma das contraordenações que lhe foram imputadas, porquanto estas foram cometidas sem que tivesse ocorrido perigo concreto para a vida, a integridade física ou bens patrimoniais alheios de valor elevado.

4. Destarte, o crime de condução perigosa pelo qual o arguido vem condenado circunscreve-se apenas à seguinte factualidade dada como provada:

“46. Na CM 1282-1, em Fiais, Vouzela, coordenadas 40.º41’ 05.56”N / 8.º13’ 18.73”O e 40.º41’ 17.35”N / 8.º13’ 19.26”O, o arguido circulou em sentido oposto ao legalmente estabelecido, durante uma extensão de 200 metros.

47. Devido ao facto de o arguido circular em sentido oposto ao legalmente estabelecido, o condutor do veículo com a matrícula QC (...) , da marca Volkswagen, Golf, de cor vermelho, que seguia na referida estrada no sentido Fiais, Campia, foi forçado a desviar-se e a parar o veículo que conduzia na berma da estrada para evitar a ocorrência de um embate frontal com o veículo conduzido pelo arguido, que seguia em contramão.

48. Agindo conforme descrito, o arguido infringiu grosseiramente regras de circulação rodoviária, tais como as do sentido de trânsito, colocando, desse modo, em perigo a vida e o bem-estar físico dos demais utentes daquela via, concretamente, do condutor do veículo automóvel (…), da marca Volkswagen, Golf, de cor vermelho.

49. Gerou, ainda, um risco de destruição desse veículo automóvel que, nesse momento, circulava naquele local.

50. O arguido quis conduzir o referido veículo automóvel da forma descrita, bem sabendo que dessa maneira violava grosseiramente as regras de circulação rodoviária, designadamente as relacionadas com a velocidade, a obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita e o sentido de trânsito, sabendo, além do mais, que colocava em perigo, como colocou, a integridade física do condutor do veículo automóvel (…), da marca Volkswagen, Golf, de cor vermelho, utente daquela via pública, o que quis.”

5. Apenas com esta conduta o arguido colocou em perigo concreto a vida ou integridade física de outrem.

6. Assim, o Tribunal a quo labora em erro quando afirma que as contraordenações imputadas ao arguido na acusação pública integram o crime previsto no art. 291.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, sendo consumidas por este tipo legal de crime.

7. Com efeito, as citadas contraordenações não integram o crime previsto no art. 291.º, n.º 1, al. b) do Código Penal e por isso reclamam punição autónoma.

8. Face ao exposto, a sentença recorrida ao não condenar o arguido pela prática das contraordenações de que vinha acusado, fez uma errada interpretação e violou as regras do concurso entre crime e contra-ordenações, mais concretamente entre o crime de condução perigosa, previsto no art. 291.º. n.º 1, do Código Penal e as contraordenações imputadas ao arguido na acusação pública, violando assim o disposto no art. 38.º, n.º 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, pelo que deverá o presente recurso ser julgado procedente e por via disso revogar-se a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que condene o arguido nas citadas contraordenações, as quais lhe foram imputadas na acusação pública.


*

O Magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo não respondeu ao recurso do arguido, assim como o arguido não respondeu ao recurso do Ministério Público.

Nesta instância a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de o recurso do arguido ser julgado improcedente e, ao contrário, ser julgado procedente o recurso interposto pelo Ministério Público.

Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º, do Código de Processo Penal, não foi obtida resposta.

Os autos tiveram os vistos legais.


***

II- FUNDAMENTAÇÃO

Da sentença recorrida consta o seguinte (por transcrição):

“Factos Provados:

Produzida a prova e discutida a causa, resultou provada, com interesse para a decisão da mesma, a seguinte factualidade:

1. No dia 14-04-2018, pelas 17H.15M., na E.M. 1285, em (…), coordenadas (…), o arguido A. Pereira encontrava-se no interior do veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula (…), estacionado na faixa de rodagem, em plena curva da dita faixa de rodagem.

2. O arguido agiu com o propósito de estacionar o veículo automóvel no referido local, bem sabendo que dessa forma agia contra o direito, o que realizou e quis realizar.

3. De seguida, os militares da GNR Cabo (…) e Guarda (…), devidamente uniformizados, interceptaram o arguido e solicitaram-lhe os documentos pessoais e do veículo, no entanto o arguido não os entregou e aproveitando o facto de o Cabo Fernandes ter ido ver os selos no pára-brisas, iniciou a marcha do veículo e abandonou o local no sentido da localidade de (…), sem previamente ter assinalado a sua intenção de iniciar a marcha do veículo através do sinal luminoso intermitente esquerdo.

4. O arguido agiu com o propósito de iniciar a marcha do aludido veículo sem previamente assinalar tal manobra, bem sabendo que dessa forma agia contra o direito, o que realizou e quis realizar.

5. Os referidos militares da GNR introduziram-se no carro patrulha da GNR, ligaram os avisadores luminosos especiais (pirilampos) do carro patrulha e utilizando o megafone do veículo ordenaram ao arguido que este parasse o veículo que conduzia.

6. No entanto o arguido não obedeceu à ordem de paragem e acelerou a marcha da sua viatura no sentido de (…).

7. Mais à frente na E.M. 1285, em (…), coordenadas (…), o arguido circulou em sentido oposto ao legalmente estabelecido a partir do meio da curva à esquerda.

8. Mais à frente na E.M. 1285, (…), coordenadas (…), o arguido fez a curva à esquerda e circulou em sentido oposto ao legalmente estabelecido a partir do meio da curva à esquerda, tendo pisado e transposto a linha longitudinal contínua com a Marca M1.

9. Mais à frente na E.M. 1285, em (…), coordenadas (…), o arguido no início de uma curva à direita circulou em sentido oposto ao legalmente estabelecido, tendo pisado e transposto a linha longitudinal contínua com a Marca M1.

10. Mais à frente na E.M. 1285, em (…), coordenadas (…), o arguido ao efectuar uma curva à esquerda circulou pelo lado esquerdo da faixa de rodagem, tendo inclusivamente pisado e transposto a linha longitudinal contínua com a Marca M1.

11. Mais à frente na E.M. 1285, em (…), coordenadas (…), o arguido no início de uma curva à esquerda  circulou em sentido oposto ao legalmente estabelecido, tendo pisado e transposto a linha longitudinal contínua com a Marca M1.

12. Mais à frente na E.M. 1285, em (…), coordenadas (…), o arguido após ter saído de uma curva à esquerda saiu da faixa de rodagem e circulou parcialmente com o veículo na berma do seu lado direito, não conservando assim da mesma uma distância suficiente para evitar acidentes.

13. O arguido agiu com o propósito de circular parcialmente com o veículo na berma da estrada, bem sabendo que dessa forma agia contra o direito, o que realizou e quis realizar.

14. Mais à frente na E.M. 1285, em (…) coordenadas (…), o arguido no início de uma curva à direita circulou em sentido oposto ao legalmente estabelecido, tendo pisado e transposto a linha longitudinal contínua com a Marca M1, tendo percorrido uma distância de 125 metros.

15. Mais à frente na E.M. 1285, em (…), coordenadas (…), o arguido ao efectuar uma curva à esquerda circulou pelo lado esquerdo da faixa de rodagem, tendo inclusivamente pisado e transposto a linha longitudinal contínua com a Marca M1.

16. Os militares da GNR ordenaram ao arguido que parasse o veículo, através do megafone instalado no carro patrulha, que durante toda a fuga foi várias vezes repetido, no entanto o arguido não obedeceu e prosseguiu a sua marcha em velocidade excessiva.

17. Mais à frente na E.M. 1285, em (…), coordenadas (…), o arguido ao efectuar uma curva à direita circulou pelo lado esquerdo da faixa de rodagem, tendo inclusivamente pisado e transposto a linha longitudinal contínua com a Marca M1.

18. Mais à frente na E.M. 1285, em (…), coordenadas (…), o carro patrulha da GNR logrou ultrapassar o veículo conduzido pelo arguido, no entanto este inverteu o sentido de marcha numa curva à esquerda de visibilidade reduzida, tendo inclusivamente pisado e transposto a linha longitudinal contínua com a Marca M1.

19. O arguido agiu com o propósito de inverter o sentido de marcha no referido local, bem sabendo que dessa forma agia contra o direito, o que realizou e quis realizar.

20. Quando o arguido ainda estava a realizar a manobra de inversão de marcha, o Guarda (…) saiu do carro patrulha e dirigiu-se para a frente do veículo e mais uma vez ordenou ao arguido que parasse a marcha do veículo, no entanto o arguido mais uma vez desobedeceu à ordem de paragem e prosseguiu com a marcha do veículo.

21. Por tal motivo o Guarda (…) introduziu-se parcialmente no interior do veículo, através da janela do condutor que se encontrava aberta e com o objectivo de imobilizar o veículo puxou o travão de mão do mesmo.

22. Contudo, o arguido destravou o veículo e prosseguiu a sua marcha, tendo acelerado repentinamente a marcha do mesmo.

23. O Guarda (…) ao aperceber-se que o arguido acelerou repentinamente a marcha do veículo e dessa forma atentava contra a sua integridade física, abandonou o veículo, saltando para a estrada, no entanto sentiu dores no joelho e perna esquerda.

24. O arguido agiu com o propósito de desobedecer à ordem de paragem que lhe foi dada pelo referido guarda da GNR, cuja qualidade conhecia, e de impedir que este levasse a cabo a sua missão de o fiscalizar, no exercício das suas funções, bem sabendo que ao conduzir o referido veículo contra o Guarda da GNR atentava contra a sua integridade física, o que quis e fez com intuito de se opor ao comando que pelo mesmo lhe foi dirigido, bem como a que este praticasse o acto compreendido na sua função de agente policial, por forma a colocar em causa a autoridade subjacente ao mesmo.

25. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido resultaram para o Guarda (…), dor física no joelho e perna esquerda.

26. O arguido, ao agir da forma descrita, representou como possível que em consequência da sua conduta poderia ferir e causar dor ao corpo do Guarda da GNR (…), cuja qualidade conhecia e actuou conformando-se com tal resultado.

27. Na E.M. 1285, em (…), coordenadas (…), o arguido ao efectuar uma curva à direita circulou pelo lado esquerdo da faixa de rodagem, tendo inclusivamente pisado e transposto a linha longitudinal contínua com a Marca M1.

28. Na E.M. 1285, em (…), coordenadas (…), o arguido ao sair de uma curva à esquerda circulou pelo lado esquerdo da faixa de rodagem, tendo inclusivamente pisado e transposto a linha longitudinal contínua com a Marca M1.

29. Na E.M. 1285, em (…), coordenadas (…), o arguido ao iniciar uma curva à direita circulou pelo lado esquerdo da faixa de rodagem, tendo inclusivamente pisado e transposto a linha longitudinal contínua com a Marca M1.

30. Na E.M. 1285, em (…), coordenadas (…), o arguido ao sair de uma curva à direita circulou pelo lado esquerdo da faixa de rodagem, tendo inclusivamente pisado e transposto a linha longitudinal contínua com a Marca M1.

31. Na E.M. 1285, em (…), coordenadas (…), o arguido ao iniciar uma curva à esquerda circulou pelo lado esquerdo da faixa de rodagem, tendo inclusivamente pisado e transposto a linha longitudinal contínua com a Marca M1.

32. Na E.M. 620, em (…), coordenadas (…), o arguido ao efectuar uma curva à esquerda circulou parcialmente pelo lado esquerdo da faixa de rodagem.

33. Na E.M. 620, em (…), coordenadas (…), o arguido ao efectuar uma curva à direita circulou parcialmente pelo lado esquerdo da faixa de rodagem.

34. Na E.M. 620, em (…), coordenadas (…), o arguido ao efectuar uma curva à esquerda circulou pelo lado esquerdo da faixa de rodagem, tendo inclusivamente pisado e transposto a linha longitudinal contínua com a Marca M1.

35. Na E.M. 620, em (…), coordenadas (…), o arguido ao efectuar uma curva à direita circulou pelo lado esquerdo da faixa de rodagem, tendo inclusivamente pisado e transposto a linha longitudinal contínua com a Marca M1.

36. Na E.M. 620, em (…), coordenadas (…), o arguido ao efectuar uma curva à esquerda circulou pelo lado esquerdo da faixa de rodagem, circulando em sentido oposto ao legalmente estabelecido.

37. Na E.M. 620, em (…), coordenadas (…), o arguido travou o veículo com alguma intensidade, tendo assim diminuído a velocidade do mesmo, sem previamente se certificar que da sua conduta não resultava perigo os demais utentes da via.

38. O arguido agiu com o propósito de travar o veículo da forma descrita, bem sabendo que dessa forma agia contra o direito, o que realizou e quis realizar.

39. Na E.M. 620, em (…), coordenadas (…), o arguido efectuou uma curva à esquerda e circulou em sentido oposto ao legalmente estabelecido, tendo pisado e transposto a linha longitudinal contínua com a Marca M1.

40. Na E.M. 620, em (…), coordenadas (…), ao lado do sinal de início da localidade de (…), o arguido circulou em sentido oposto ao legalmente estabelecido.

41. Na E.M. 620, em (…), coordenadas (…), o circulou em sentido oposto ao legalmente estabelecido, tendo pisado e transposto a linha longitudinal contínua com a Marca M1.

42. Na EM 1282-1, em (…), coordenadas (…), o arguido efectuou uma curva à direita e circulou em sentido oposto ao legalmente estabelecido, tendo pisado e transposto a linha longitudinal contínua com a Marca M1.

43. Na EM 1282-1, em (…), coordenadas (…), o arguido circulou parcialmente no lado esquerdo da faixa de rodagem, tendo pisado e transposto a linha longitudinal contínua com a Marca M1.

(…).

47. Devido ao facto de o arguido circular em sentido oposto ao legalmente estabelecido, o condutor do veículo com a matrícula (…), da marca Volkswagen, Golf, de cor vermelho, que seguia na referida estrada no sentido (…), foi forçado a desviar-se e a parar o veículo que conduzia na berma da estrada para evitar a ocorrência de um embate frontal com o veículo conduzido pelo arguido, que seguia em contramão.

48. Agindo conforme descrito, o arguido infringiu grosseiramente regras de circulação rodoviária, tais como as do sentido de trânsito, colocando, desse modo, em perigo a vida e o bem-estar físico dos demais utentes daquela via, concretamente, do condutor do veículo automóvel (…), da marca Volkswagen, Golf, de cor vermelho.

49. Gerou, ainda, um risco de destruição desse veículo automóvel que, nesse momento, circulava naquele local.

50. O arguido quis conduzir o referido veículo automóvel da forma descrita, bem sabendo que dessa maneira violava grosseiramente as regras de circulação rodoviária, designadamente as relacionadas com a velocidade, a obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita e o sentido de trânsito, sabendo, além do mais, que colocava em perigo, como colocou, a integridade física do condutor do veículo automóvel (…), da marca Volkswagen, Golf, de cor vermelho, utente daquela via pública, o que quis.

51. O arguido agiu da forma descrita, com o propósito de conduzir o veículo em sentido oposto ao legalmente estabelecido, bem como do lado esquerdo ou fora do lado direito da faixa de rodagem e ainda com o propósito de pisar e transpor as linhas longitudinais contínuas com a Marca M1, bem sabendo que dessa forma agia contra o direito, o que realizou e quis realizar.

52. O arguido percorreu um trajecto de 4,8 Km entre (…), coordenadas (…) e (…), coordenadas (…), imprimindo no veículo que conduziu uma velocidade média de 59 KM/h.

53. O arguido percorreu um trajecto de 600 metros entre o início da entrada para os bombeiros voluntários de Campia e o último entroncamento à esquerda antes da curva, imprimindo no veículo que conduziu uma velocidade média de 98 KM/h.

54. O arguido agiu da forma descrita, com o propósito de desobedecer às ordens de paragem que lhe foram dadas pelos referidos militares da GNR, cuja qualidade conhecia e ainda com o propósito de conduzir o veículo em velocidade excessiva e em excesso de velocidade, bem sabendo que dessa forma agia contra o direito, o que realizou e quis realizar.

55. Nas referidas vias a velocidade máxima permitida é de 50 KM/h.

56. Na EM 1282-1, em (…), coordenadas (…), o arguido saiu da referida estrada e entrou num pinhal, tendo parado o seu veículo uns metros mais à frente.

57. De imediato, o Cabo da GNR saiu do carro patrulha e correu atrás do veículo conduzido pelo arguido.

58. Aí chegado, o Cabo da GNR ordenou ao arguido que saísse do veículo, no entanto este mais uma vez não obedeceu.

59. Então o Cabo da GNR abriu a porta do veículo e puxou o arguido pelo braço esquerdo, no entanto o arguido reagiu agressivamente e desferiu-lhe um murro com a mão direita, atingindo-o na boca.

60. De seguida, o arguido proferiu a seguinte expressão: “eu mato-te”.

61. Entretanto, o Guarda da GNR (…) chegou ao local e os dois militares da GNR lograram concretizar a detenção do arguido, tendo necessidade de recorrer ao uso da força física necessária, adequada e proporcional para deter o arguido.

62. Para além disso e não obstante já algemado, o arguido dirigiu-se aos referidos militares da GNR e proferiu as seguintes expressões: “seus filhos da puta, eu mato-vos.”

63. No posto territorial da GNR de (…) o Cabo da GNR (…) ordenou ao arguido que se submetesse ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado, para detectar eventual álcool no sangue, tendo o mesmo se recusado.

64. O Cabo da GNR (…) advertiu-o por três vezes que, no caso de se recusar a submeter ao aludido exame de pesquisa de álcool, incorria na prática de um crime de desobediência, no entanto o arguido recusou-se terminantemente.

65. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com intenção de desobedecer à ordem que legal e legitimamente lhe fora comunicada pelo Cabo da GNR (…), bem sabendo que estava obrigado a submeter-se ao aludido exame de pesquisa de álcool e que, não o fazendo, cometia um crime de desobediência.

66. O Cabo (…) foi assistido no Centro de Saúde de (…) no dia 14-04-2018, com alta no próprio dia.

67. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido resultaram para o Cabo (…), para além de dor física nas zonas atingidas, lesões na face, mais concretamente escoriação com 20 X 4mm descontínua no lábio inferior em posição mediana e paramediana direita, as quais lhe demandaram 10 dias para a cura, sem afectação da capacidade de trabalho e sem consequências permanentes.

68. O arguido tinha conhecimento que os ofendidos são militares da GNR, que os mesmos actuavam nessa qualidade e ao proferir as expressões descritas agiu com o propósito de os amedrontar e assustar.

69. O arguido queria e sabia que as expressões supra descritas eram, pelo seu teor, tom sério e contexto em que foram proferidas, de acordo com a experiência comum, susceptíveis de causar medo e inquietação nos militares da GNR, como efectivamente causaram, com isso fazendo-os recear pela sua vida, perturbando a tranquilidade daqueles e afectando-os na sua liberdade, o que representou e quis.

70. Todas estas imputações feitas aos militares da GNR atingiram gravemente a sua honra e consideração, tanto como homens, como na qualidade de guardas de uma força policial.

71. Ao praticar os factos descritos, o arguido A. actuou com o propósito concretizado de ofender os referidos militares da GNR na sua honra, honestidade e consideração, não só pessoais, mas, também e principalmente, na qualidade de agentes de uma força policial, o que quis.

72. O arguido bem sabia que tais afirmações eram susceptíveis de afectar, como afectaram, a honra e consideração dos militares da GNR.

73. O arguido agiu com o propósito, concretizado, de molestar o corpo e a saúde do Cabo (…), cuja qualidade conhecia e de lhe provocar as lesões verificadas, o que quis e conseguiu.

(…).

Mais se provou que

(…)

Factos não provados:

Com relevo para a decisão da causa, não resultaram não provados quaisquer factos.

Motivação

(…).


***

APRECIANDO

O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.

Assim, atendendo ao texto das motivações e respectivas conclusões, as questões colocadas à apreciação deste Tribunal são:

a) pelo arguido:

- a nulidade da prova;

- a errada apreciação da prova, com violação dos princípios da livre apreciação da prova, da presunção de inocência e in dubio pro reo;

- a (não) verificação dos crimes de resistência e coacção sobre funcionário, de ameaça agravada, de desobediência, de denúncia caluniosa, de ofensa à integridade física;

- subsidiariamente, a redução das penas.

b) pelo Ministério Público:

- o concurso (real ou aparente?) entre as contra-ordenações estradais e o crime de condução perigosa de veículo rodoviário.


*

A- Recurso do arguido:

(…).


***

B- Recurso do Ministério Público:

Pugnando pela revogação da sentença, na parte em que absolveu o arguido das contraordenações de que vinha acusado, diz o recorrente:

as contraordenações imputadas ao arguido na acusação pública revestem total autonomia relativamente ao crime de condução perigosa, pelo qual o arguido vem condenado.

De facto, as referidas contraordenações estão em concurso real e efectivo com a prática do crime de condução perigosa, não existindo nenhum concurso aparente entre estas e o referido crime.

O arguido deve ser punido autonomamente por cada uma das contraordenações que lhe foram imputadas, porquanto estas foram cometidas sem que tivesse ocorrido perigo concreto para a vida, a integridade física ou bens patrimoniais alheios de valor elevado. Desta feita, existe concurso real e efectivo entre as contraordenações citadas e o crime de condução perigosa.

A sentença recorrida absolveu o arguido da prática das contraordenações de vinha acusado, com os seguintes fundamentos:

«o arguido foi altamente temerário, tal como resulta do vasto acervo de infracções cometidas pelo arguido na sua condução ao longo da distância que o arguido percorreu, em fuga às autoridades policiais. Tal como resulta evidente dos factos provados, são evidentes as circunstâncias concretas da circulação rodoviária com perigo previsível. Podemos mesmo referir, com absoluta certeza que apenas não se deu nenhum acidente por acaso, sendo o sinistro eminente com o Golf vermelho, não se tendo concretizado porque o seu condutor decidiu imobilizar a marcha do veículo.

Assim, dúvidas não temos que o arguido, na descrita conduta, causou perigo para os demais utentes da via por força do desrespeito das normas relativas a todas as regras constantes na disposição legal, saber: prioridade; obrigação de parar; ultrapassagem; mudança de direcção; passagem de peões, inversão do sentido da marcha, manobra de marcha atrás, limite de velocidade; obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita.

Resultou evidente que com tal actuação, o arguido criou efectivamente perigo para os demais utentes da via, usou mesmo o veículo, conscientemente, como instrumento perigoso, adequado a criar perigo de lesão de bens pessoais ou patrimoniais de elevado valor, obrigando-os a desviarem-se e a parar para evitar colisões, o que não foi possível ao ofendido fazer.

Nestes termos, resulta que o arguido, com a conduta dada como provada, violou grosseiramente as normas estradais acima citadas, conduta essa dolosa e por via da qual praticou o ilícito previsto na alínea b) do n.º 1 do art. 291º do Código Penal.

Olhando agora para o vasto leque de contra-ordenações imputadas ao arguido, consideramos que as mesmas não podem ter carácter autónomo face ao imputado crime de condução perigosa de veículo rodoviário, sob pena de estarmos a punir em sede criminal e contra-ordenacional a mesma resolução. Dadas as circunstâncias do caso concreto constatamos que, não obstante o motivo que levou o arguido a iniciar a marcha, certo é que a violação grosseira das regras estradais decorre da prática de todas as contra-ordenações que lhe vêm imputadas e que, quanto a nós têm previsão na al. b) do art. 291.º, 1, portanto são consumidas pelo tipo legal de condução perigosa. Não podendo, todavia, a enormidade de regras violadas deixar de ser ponderada em sede de ilicitude e censurabilidade.

Bem sabemos que quando há concurso de crime e contra-ordenação, o processamento da contra-ordenação cabe às autoridades competentes para o processo criminal (artigo 38.º, nº 1 do Regime Geral da Contra-Ordenações e Coimas) (…).

Constitui contra-ordenação rodoviária todo o facto ilícito e censurável, para o qual se comine uma coima, que preencha um tipo legal correspondente à violação de norma do Código da Estrada ou de legislação complementar, bem como de legislação especial cuja aplicação esteja cometida à Direcção-Geral de Viação (artigo 131.º do Código da Estrada), mas estando em causa a prática de um crime que tem subjacentes essas mesmas condutas não podemos valorar a acção do arguido no plano penal e contra-ordenacional.

Isto dito, entendo que as contra-ordenações imputadas ao arguido estão em concurso aparente com o crime de condução perigosa de veículo rodoviário, como tal, não pode existir punição autónoma das mesmas, pelo que, vai o arguido absolvido das contra-ordenações descritas na Acusação Pública e que damos por integralmente reproduzidas.»

Entendemos que bem decidiu a Mmª Juiz a quo.

O crime de condução perigosa de veículo rodoviário p. e p. pelo artigo 291º do CP é um crime de perigo concreto na medida em que da conduta do agente terá de resultar um perigo real e efectivo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, mas o que tem de ser concreto é o perigo de tal ocorrer, não sendo necessário que se verifique efectivamente a lesão. A este propósito se pronunciaram, nomeadamente, Figueiredo Dias, na Comissão Revisora do CP/82 – Acta n.º 32 da sessão ocorrida em 17-5-90; Germano Marques da Silva, in Crimes Rodoviários – Pena Acessória e Medidas de Segurança, Univ. Católica, Lisboa, 1996, pág. 14 e segs; e Maia Gonçalves, in Código Penal Português, anotado e comentado.

Nas alíneas a) e b) do n.º 1 deste preceito estão descritas quais as condutas capazes de determinar insegurança na condução, respectivamente, a falta de condições para a condução e a violação grosseira das regras de circulação rodoviária.

Com a violação grosseira das regras de condução que se mostram exemplificadas na alínea b) do n.º 1 do art. 291º do CP o agente terá de colocar em perigo a vida, a integridade física ou bens patrimoniais alheios de valor elevado. Este perigo, concreto, traduz-se na forte probabilidade de ocorrer o dano ou o resultado desvalioso que a norma pretende evitar que aconteça.

Quanto ao conceito de violação grosseira considera o Prof. Germano Marques da Silva que “não se trata simplesmente de violação das regras de trânsito, nem da violação que ocasione um perigo concreto …, mas de temeridade, de ousadia perante o perigo quase certo, previsto e previsível atentas as circunstâncias”, in obra citada, pg. 51.

Ora, a apurada conduta do arguido integra, em simultâneo, a prática do crime de condução perigosa de veículo rodoviário e de contraordenações estradais. E, como estabelece o n.º 1 do artigo 134º (Concurso de infracções) do Código da Estrada «Se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contraordenação, o agente é punido sempre a título de crime, sem prejuízo da aplicação da sanção acessória prevista para a contraordenação».

Igual preceito tem o RGCO – o artigo 20º.

Portanto, a lei impõe que o agente seja punido pelo crime, dado ser a infracção de natureza mais grave, sem prejuízo da aplicação das sanções acessórias previstas para a contraordenação, a menos que o crime também as preveja.

Como referem Oliveira Mendes e Santos Cabral ([1]), trata-se de imposição que decorre do princípio non bis in idem, segundo o qual ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo facto (art. 29º, n.º 5, da CRP), sendo certo que conquanto a lei fundamental apenas proíba o duplo julgamento e não também a dupla penalização, é óbvio que a proibição do duplo julgamento pretende evitar tanto a condenação de alguém que já tenha sido definitivamente absolvido pela prática da infracção, como a aplicação renovada de sanções pela prática do mesmo facto.

Estamos, pois, em presença de uma situação de consumpção de normas, em que o crime “consome” a contraordenação, não havendo, assim, concurso real entre o crime p. e p. pelo artigo 291º, n.º 1., al. b), do CP e as infracções ao Código da Estrada.

Por conseguinte, tinha o arguido de ser absolvido das contraordenações estradais de que vinha acusado.


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III- DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:

- Negar provimento aos recursos do arguido e do Ministério Público.

Custas a cargo do recorrente, fixando-se em 3 UCs a taxa de justiça.

Sem tributação, quanto ao recurso do Ministério Público.

                                                      

Coimbra, 18 de Dezembro de 2019

Elisa Sales (relatora)

Jorge Jacob (adjunto)



[1] - Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 2ª edição, Almedina, Págs. 63/64.