Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
415/05.8TBAGD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
FUNDO DE GARANTIA
Data do Acordão: 02/09/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ÁGUEDA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 2006º DO CÓDIGO CIVIL . ARTIGO 1.º LEI 75/98, 09/11: DEC. LEI N.º 164/99 DE 13/05
Sumário: 1. A obrigação de prestação a cargo do Fundo de Garantia é independente e autónoma, “no sentido de que o Estado não se vincula a suportar os precisos alimentos incumpridos, mas antes a suportar alimentos fixados ex novo”.

2. A prestação de alimentos incumprida pelo primitivo devedor funciona apenas como um pressuposto justificativo da intervenção subsidiária do Estado para satisfação de uma necessidade actual do menor.

3. Deste modo, a prévia declaração de incumprimento é pressuposto da intervenção do Fundo, não tendo de haver condenação prévia deste. Porém, o Fundo responde por uma obrigação própria e não como garante do incumprimento de terceiro.

Decisão Texto Integral: Decisão sumária ao abrigo do disposto no artigo 705º do Código de Processo Civil

A.... interpôs recurso do despacho proferido pelo Tribunal Judicial de Águeda.

   Pretende a revogação do despacho com condenação do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores a proceder ao pagamento das prestações alimentícias vencidas e devidas aos menores.

   Formula, no resumo possível, as seguintes conclusões:

   1 – O Reqdº foi condenado pelo Tribunal a quo a liquidar a quantia de € 75,00 mensais a cada um dos dois menores, seus filhos.

   2 – O incumprimento das referidas prestações alimentícias pelo requerido, desde Julho de 2006, foi declarado por sentença datada de 1/02/2008.

   3 – Requereu, em 13/03/2008, a condenação do Instituto no pagamento dos alimentos aos menores em substituição do devedor, com inclusão das prestações vencidas.

   4 – Apenas a partir de Novembro de 2008 o Reqdº iniciou o pagamento dos alimentos aos menores.

   5 – As condições económicas do Reqdº não lhe permitem proceder ao pagamento do montante correspondente às prestações já vencidas e não pagas.

   6 – Em contrário à opinião perfilhada pelo Tribunal, entende a Recrte. não ter de haver condenação prévia do FGADM em momento anterior ao da apresentação do requerimento a solicitar a condenação daquele em substituição do devedor.

   7 – Não pode aderir à sustentação daquele Tribunal que, pelo facto de, actualmente, a pensão se encontrar a ser paga, legalmente ser inadmissível determinar a condenação do FGADM por carência dos legais requisitos.

   9 – Defende a Recrte. que o Fundo deverá suportar as prestações já vencidas e não pagas pela pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos.

   10 – A questão do momento a partir do qual são devidos alimentos pelo Fundo não é solucionada nem pela Lei 75/98 de 19/11, nem pelo DL 164/99 de 13/05 que regulamentou aquela, pelo que há que lançar mão do disposto no Artº 10º do CC.

   11 – Assim, no que respeita ao momento desde quando são devidos alimentos, dispõe o Artº 2006º do CC, que eles serão devidos desde que o devedor se constituiu em mora.

   12 – O despacho recorrido violou os Artº 3º/1 e 2 e 5º/4 do DL 164/99 de 13/05, 10º, 2003º a 2006º do CC e o Artº 69º/1 da CRP.

   13 – Não foram tidas em consideração as disposições constantes da Declaração dos Direitos das Crianças e a Convenção sobre os Direitos das Crianças assinada em Nova Iorque a 26/01/1990 e ratificada em Portugal a 12/09/90.

   O MINISTÉRIO PÚBLICO respondeu pugnando pela manutenção da decisão recorrida e concluindo que:

   1 – O Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores só garante os alimentos actuais, os que se forem vencendo após fixação e não os anteriores.

   2 – Os alimentos vencidos, estando já o devedor em condições de os pagar, devem por ele ser suportados através de descontos parcelares que acrescerão aos alimentos que se vão vencendo e não pelo Fundo.

   3 – A vocação do Fundo é a assumpção, apenas, das responsabilidades que se prendem com as dificuldades de subsistência actuais dos menores e não com as decorrentes das necessidades passadas.


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   Das conclusões supra exaradas, que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso, extrai-se uma única questão a decidir – cabe ao Fundo de Garantia assegurar o pagamento dos alimentos vencidos?


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   Para melhor enquadramento da questão façamos uma breve síntese processual.

   Por requerimento de 14/03/2008 a ora Recrte. requereu a fixação do montante que o Estado, em substituição do devedor, deve prestar através da garantia de alimentos devidos a menores nos termos da Lei 75/98 de 19/11 e do DL 164/99 de 13/05 no valor correspondente á prestação fixada, € 75,00 por cada menor, mensais, competindo o respectivo pagamento ao Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, com inclusão das prestações vencidas.

   Foi, em 10/02/2009, proferida decisão da qual consta que “com relação à suscitada intervenção do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, objecto de debate,... entende o Tribunal tal qual entende o Digno Magistrado do MºPº na sua promoção de fls. 544, tendo por necessária a sua reprodução. Sempre se dirá ser nosso entendimento que o referido Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores apenas deve ser accionado em situações limite sendo certo que, salvo melhor opinião, ao mesmo não incumbe o pagamento de prestações vencidas e não pagas”.

   Da citada promoção do Ministério Público constava que “Pese embora o período em que os menores se encontram privados dos alimentos que lhes eram devidos, o facto é que não foi proferida decisão de condenação do FGA a suprir tal pagamento. Por outro lado, ambos os requeridos concordam entre si que, actualmente, a pensão se encontra a ser paga, pelo que, legalmente, é inadmissível actualmente determinar a condenação do FGA, por carência dos legais requisitos.”

   Ao que se entende (visto não constar explícita a decisão), o Tribunal a quo indeferiu o requerimento em causa.

   Em 1/02/2008 havia sido julgado verificado o incumprimento da prestação alimentícia a cargo do pai desde o mês de Julho de 2006 até á data.


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   Podemos, agora, entrar na discussão da questão trazida a recurso que se prende directamente com a que foi objecto do Acórdão do STJ nº 12/2009 que uniformizou jurisprudência no sentido de “a obrigação de prestação de alimentos a menor, assegurada pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, em substituição do devedor... só nasce com a decisão que julgue o incidente de incumprimento do devedor originário e a respectiva exigibilidade só ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, não abrangendo quaisquer prestações anteriores” (DR. I série, nº 150, de 5/08/2009).

   Pretende a Recrte. que se decida no sentido de o Fundo assegurar os alimentos vencidos e não pagos pelo devedor.

   Tal questão está claramente abrangida pela decisão contida no Acórdão uniformizador supra citado, porquanto ela pressupõe a resposta a uma outra, ou seja, qual o momento em que nasce a responsabilidade do Fundo.

   O Artº 1º da Lei 75/98 de 19/11 dispõe que quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfazer as quantias em dívida... e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional, nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação.

   Dispõe-se ainda no diploma regulamentar – o DL 164/99 de 13/05 – que o centro regional de segurança social inicia o pagamento das prestações, por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal.

   A jurisprudência dividiu-se, durante alguns anos sobre a questão de saber desde quando é que o Fundo é obrigado a pagar os alimentos devidos, tendo-se delineado três correntes: uma, defendia que o Fundo ficava obrigado a pagar desde o momento em que o devedor deixou de cumprir; outra, desde a notificação da sentença e, outra ainda, desde o momento em que foi deduzida a pretensão contra o Fundo.

   O Acórdão Uniformizador supra citado, ao qual se adere, resolveu a questão decidindo que a obrigação nasce com a decisão que julgue o incidente de incumprimento do devedor originário, mas apenas é exigível no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, não abrangendo quaisquer prestações anteriores.

   Dali resulta que a obrigação de prestação a cargo do Fundo é independente e autónoma, “no sentido de que o Estado não se vincula a suportar os precisos alimentos incumpridos, mas antes a suportar alimentos fixados ex novo”. “A prestação de alimentos incumprida pelo primitivo devedor funciona apenas como um pressuposto justificativo da intervenção subsidiária do Estado para satisfação de uma necessidade actual do menor”.

   Deste modo, a prévia declaração de incumprimento é pressuposto da intervenção do Fundo, não tendo de haver condenação prévia deste, conforme invoca a Recrte. Porém, o Fundo responde por uma obrigação própria e não como garante do incumprimento de terceiro.

   Deste modo, não cabe ao Fundo assegurar o pagamento dos alimentos vencidos, conforme pretende a Recrte., pelo que a decisão do Tribunal a quo, por não violar quaisquer das normas citadas no recurso, deve manter-se.

   Em conformidade com o exposto, nego provimento ao agravo, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.

   Custas pela Recrte..