Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
25/15.1T8FIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: PRAZO DE PRESCRIÇÃO
DIREITO DE REGRESSO
SEGURADORA
ACIDENTE DE TRABALHO
REGRAS DE SEGURANÇA
Data do Acordão: 04/26/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA, FIGUEIRA DA FOZ, INSTÂNCIA LOCAL – SECÇÃO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 498º Nº 2 DO CC E O ARTIGO 21.º DA APÓLICE UNIFORME DO SEGURO OBRIGATÓRIO DE ACIDENTES DE TRABALHO PARA TRABALHADORES POR CONTA DE OUTREM, NA REDACÇÃO QUE LHE FOI DADA PELAS NORMAS N.º 12/99R, DE 8 DE NOVEMBRO, COM AS ALTERAÇÕES QUE LHE SOBREVIERAM PELAS NORMAS N.º 11/2000R, DE 13 DE NOVEMBRO; 16/2000R, DE 21 DE DEZEMBRO E 13/2005R, DE 18 DE NOVEMBRO
Sumário: O direito de regresso da seguradora contra o tomador do seguro pelo valor das indemnizações ou pensões legais e dos demais encargos pagos à sinistrada em acidente de trabalho resultante de falta de observância das regras de segurança no trabalho prescreve no prazo de três anos consagrado no n.º 2 do artigo 498.º do Código Civil.
Decisão Texto Integral:

            Processo n.º 25/15.1T8FIG.C1 – Apelação

            Comarca de Coimbra, Figueira da Foz, Instância Local – Secção Cível

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

A... – Companhia de Seguros, S.A, com sede na Rua (...) , Lisboa, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra B... , S.A., com sede na Rua (...) , Figueira da Foz, pedindo a sua condenação no montante de 45.711,88€, acrescido de juros de mora, à taxa comercial, desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.

Para fundamentar a sua pretensão, alega, em síntese que, no exercício da sua actividade celebrou com a R. um contrato de seguro de acidentes de trabalho – titulado pela apólice n.º 10/043875- e que em Setembro de 2006, foi participado o sinistro de C..., ocorrido no cerca das 15.15h, do dia 11 de Setembro de 2006, que trabalhando sob a autoridade e direcção da R., foi vítima de um acidente de trabalho, que deu origem ao processo n.º 247/06.6TUFIG, que correu seus termos pelo Tribunal de Trabalho da Figueira da Foz, no qual se conclui que o acidente resultou, directa e casualmente, da inobservância de normas concretas segurança no trabalho, tendo a R. sido condenada a pagar à sua trabalhadora, em via principal, a pensão anual e vitalícia de 7.060,80 euros; 3.029,28 euros a título de diferenças entre a indemnização por ITA devida e aquela que foi paga; juros de mora, à taxa legal, a contar da data de vencimento de cada uma das prestações referidas, até integral pagamento; uma indemnização por danos morais de 15.000 euros, acrescida de juros moratórios legais, e a ré, seguradora, ora autora, em via subsidiária, a pagar a pensão anual e vitalícia no montante de 4.448,30 euros; 299,10 euros a título de diferenças entre a indemnização por ITA devida e aquela que foi paga; juros de mora, à taxa legal, a contar da data de vencimento de cada uma das prestações.

Por fim, alega, que na sequência do acidente de trabalho, em consequência das garantias da apólice e da condenação da sentença transitada em julgado, despendeu a quantia global de 45.771,88€ e tendo sido definido que a responsabilidade na produção do acidente foi única e exclusivamente da R., que não observou as regras sobre segurança e saúde no trabalho, nos termos do art.º 21.º da Apólice Uniforme do Seguro Obrigatório de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores por Conta de Outrem, e art.º 18.ºdo DL 100/97, de 13 de Setembro, conjugado com os art.º 493.º e 498.º do CC, assiste-lhe o direito de regresso contra a R., no montante impetrado nos autos.

Pessoal e regularmente citada, apresentou a R. contestação.

Invoca a excepção da prescrição, alegando que os factos descritos na PI, ocorreram em Setembro de 2006, e que foi citada na presente acção em 9 de Setembro de 2015, tendo decorrido mais de três anos sobre a data de cada um dos pagamentos efectuados, concluindo que o direito da A. se encontra prescrito, por ter transcorrido mais de três anos para o seu exercício, de acordo com o art.º498.º, n.º 2 do CC.

Aduz, ainda, que pagou directamente à sinistrada todas as quantias a que foi condenada por sentença no processo 247/06.TUFIG, incluindo as pensões desde a data do acidente até ao trânsito em julgado da decisão, pelo que as quantias pagas pela A. a título de pensões provisórias, no montante de 15.061,02€, se por hipótese o direito não estivesse prescrito, apenas podiam ser reclamadas à sinistrada.

Defende-se, ainda, a R. impugnando a materialidade alegada na petição, aduzindo que as despesas judiciais e com mandatários, reclamadas pela A., apenas podem ser objecto de reembolso nas respectivas acções a título de custas de parte e que os juros mora são contabilizados à taxa civil.

Notificada para se pronunciar sobre a excepção deduzida, respondeu a A., alegando que a contagem do prazo de prescrição apenas se inicia com o trânsito em julgado da sentença proferida no processo 247/06.6TUFG, pois só a partir de então a A. teve conhecimento do direito que lhe competia, sendo que anteriormente não se mostrava constituído o direito de regresso da A. com fundamento na violação das normas de segurança.

Contrapõe, ainda, que contrariamente ao pretendido pela R., não é aplicável ao caso o prazo de prescrição de três anos, porquanto os prazos de prescrição a que alude o art.º 498.º do CC, reportam-se a situações de indemnização com base em responsabilidade civil extracontratual e, no caso dos autos, o facto gerador dos créditos cujo pagamento peticiona não emerge do acidente propriamente dito, mas sim do acidente de trabalho e regularização do mesmo com fundamento no contrato de seguro celebrado, pugnando que o prazo prescricional é o que se encontra previsto no art.º 309.º do CC.

Mais, alega que, se assim não se entender, sempre é aplicável ao caso presente o art.º 31.º da Lei n.º 100/97, posto que existe um direito de reembolso que considerando-se um direito de sub-rogação, coloca a A. na posição do credor primitivo, pelo que o prazo a atender é o do n.º 3 do art.º 498.º do CC, posto que os factos descritos na PI, são susceptíveis de enquadrar um crime de ofensa à integridade física, ao que será de aplicar o prazo prescricional mais longo, de cinco anos, pugnando pela improcedência da excepção invocada.

Alega, ainda – quanto às pensões que a R. pagou à sinistrada desde a data do acidente até ao trânsito em julgado-, que na pendência do processo 247/06.6TUFG, ficou responsável pelo pagamento provisório desde a alta clínica da sinistrada, facto do qual a R., por ser parte na acção, teve conhecimento directo e expresso, pelo que deveria ter apenas pago a diferença, e cumprindo uma obrigação que sobre si não impendia, pagou indevidamente, devendo por essa razão solicitar o sua devolução à trabalhadora.

Por despacho de fls. 194, ao abrigo do disposto no art.º 590.º, n.º 2 do CPC, foi a A. convidada a concretizar a data do trânsito da sentença proferida no processo n.º 247/06.6TUFG e os montantes parcelares e datas em que procedeu aos pagamentos alegados no art.º 53.º da PI.

Foi, ainda, notificada para juntar certidão da referida sentença, com nota de trânsito em julgado.

A fls. 195 verso e ss especificou a A. os diversos pagamentos efectuados e suas datas, juntando a certidão do trânsito a fls. 102, com data de 14 de Fevereiro de 2011, nada dizendo a R. no prazo concedido para o exercício do contraditório.

Com interesse para a decisão do excepção peremptória da prescrição, emerge dos autos que a presente acção foi intentada em 7 de Janeiro de 2015 (cfr. fls. 51) e a R. citada em 9 de Janeiro de 2015 ( fls. 147)

Depois de ter lugar a audiência prévia, foram os autos conclusos à M.ma Juiz a quo, tendo sido proferida a decisão de fl.s 206 a 211 v.º, em que se julgou procedente a invocada excepção de prescrição, absolvendo-se a ré do pedido, ficando as custas a cargo da autora.

Inconformada com a mesma, dela interpôs recurso a autora “ A... , SA”, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – (cf. despacho de fl.s 221), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

I. A sentença proferida não pode manter-se uma vez que a mesma traduz a violação do disposto nos artigos 309.º, 498.º, n.ºs 2 e 3 e 31.º da LAT;

II. A Recorrente intentou a presente acção contra a Recorrida peticionando a condenação desta no pagamento de determinados valores que foram por si liquidados com fundamento no contrato de seguro, do ramo Acidentes de Trabalho, celebrado com aquela, titulado pela apólice n.º 10/043875, nos termos do qual assegurou a cobertura do risco completo dos danos traumatológicos causados aos trabalhadores daquela indicados nas respectivas folhas de salários;

III. Por brevidade e economia processual remete-se para a matéria alegada na petição inicial;

IV. Por sentença transitada em julgado no dia 14 de Fevereiro de 2011, no âmbito do processo que se encontrou pendente no Tribunal do Trabalho da Figueira da Foz, verificou-se que o acidente que vitimou a trabalhadora, se ficou a dever à falta de observação pela entidade empregadora, ora Ré, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, razão pela qual aquela sociedade foi condenada a pagar à trabalhadora os valores aí identificados;

V. A responsabilidade pela produção do acidente de trabalho recaiu, única e exclusivamente, sobre a aqui Ré, nos termos e para os efeito do disposto no artigo 18.º da Lei dos Acidentes de Trabalhos, responsabilidade essa indiscutível face ao teor da sentença transitada em julgado;

VI. Para fundamentar os factos alegados e o pedido a Recorrente juntou os documentos que reputou como essenciais, para cujo teor, por brevidade e economia processual, se remete;

VII. Face à data do trânsito em julgado da sentença em causa não se verifica a apontada prescrição;

De facto,

VIII. Os prazos de prescrição a que alude o artigo 498.º do Código Civil, reportam-se às situações de indemnização com base em responsabilidade civil extracontratual;

IX. O facto gerador dos créditos cujo pagamento a Recorrente peticiona emergem do acidente de trabalho e regularização do mesmo com fundamento no contrato de seguro oportunamente celebrado com a Recorrida;

X. A Autora/Recorrente, enquanto seguradora de acidentes de trabalho, não é responsável, à luz de qualquer facto ilícito e, como tal, não lhe será aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 498.º do Código Civil;

XI. É inquestionável que o prazo prescricional é o prazo ordinário previsto no artigo 309.º do Código Civil, razão pela qual não se verifica a prescrição dos seus direitos;

Noutra ordem de considerações, e sem prejuízo,

XII. Por brevidade e economia processual, remete-se para o teor do artigo 31.º da Lei n.º 100/97, aplicável ao acidente em apreço nos autos;

XIII. Existe um direito de reembolso (seja ele um direito de regresso ou mais propriamente um direito de sub-rogação, ou até mesmo um direito próprio) por parte da seguradora da entidade patronal da sinistrada em relação à ora Ré/Recorrida;

XIV. A sub-rogação, sendo uma forma de transmissão das obrigações, coloca o sub-rogado na titularidade do mesmo direito de crédito (conquanto limitado pelos termos do cumprimento) que pertencia ao credor primitivo;

XV. O direito de regresso é um direito nascido ex novo na titularidade daquele que extinguiu (no todo ou em parte) a relação creditória anterior ou daquele à custa de quem a relação foi considerada extinta;

XVI. A Recorrente entende que ao presente caso é aplicável o prazo previsto no n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil;

XVII. Verificando-se que os factos apurados no âmbito do processo que se encontrou pendente no Tribunal do Trabalho da Figueira da Foz e descritos na petição inicial são susceptíveis de enquadrar responsabilidade criminal (ofensa à integridade física), aplicar-se-á o prazo prescricional mais longo, ou seja, de cinco anos;

XVIII. Não exige a lei, para a aplicação do prazo de prescrição mais longo a efectiva pendência do respectivo processo crime, mas apenas que os factos possam enquadrar ilícitos criminais;

XIX. Mesmo que se entenda que aos presentes autos é aplicável o regime previsto nos artigos 18.º e 37.º da LAT e 21.º das Condições Gerais da Apólice Uniforme do Seguro de Acidentes de Trabalho, ainda assim é defensável a extensão do prazo prescricional para cinco anos, o que, desde já, se invoca e defende;

XX. Ou seja, o direito invocado pela Autora/Recorrente não se encontra prescrito;

XXI. Nesta conformidade, se conclui que a Autora/Recorrente exerceu o seu direito de regresso sobre a Ré/Recorria atempadamente, pelo que deverá improceder a excepção de prescrição invocada, ordenando-se, por essa razão, a revogação da sentença em causa e o prosseguimento dos autos, com todas as consequências legais.

Termos em que o recurso deve merecer provimento.

                             Assim se fará, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!

Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.          

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se se verifica a prescrição do direito a que se arroga a autora.

A matéria de facto a ter em conta para a decisão em causa, é a que consta do relatório que antecede.

Se se verifica a prescrição do direito a que se arroga a autora.

Como resulta do relatório que antecede, importa decidir qual a natureza do direito que a autora aqui pretende fazer valer e o correspondente prazo para o respectivo exercício, o que equivale a questionar quando terá ocorrido a prescrição.

Como se constata da petição inicial, a autora funda o seu direito no facto de ter celebrado com a ré um contrato de seguro de acidentes de trabalho relativamente aos trabalhadores desta.

Ocorreu e foi-lhe participado um acidente de trabalho, que teve como interveniente/vítima, uma das funcionárias da ré.

Está, igualmente, assente que este acidente de trabalho deu origem ao processo n.º 247/06.6TUFIG, em cuja sentença se concluiu que o mesmo resultou, directa e causalmente, da inobservância de normas de segurança no trabalho, em consequência do que foi a entidade patronal, ora ré, condenada, em via principal, a pagar à sinistrada as quantias nela referidas e a ora autora, foi, igualmente na qualidade de seguradora e em via subsidiária, a pagar à mesma sinistrada as quantias ali mencionadas.

Quantias, estas, que a ora autora pagou à sinistrada e por via da presente acção, pretende reaver da ré.

Na sentença recorrida decidiu-se que, embora o prazo prescricional se inicie com o trânsito em julgado da sentença proferida no Tribunal do Trabalho e por referência às datas em que foram pagas as quantias em causa, deve o mesmo ser fixado em 3 anos, pelo que quando a presente acção foi intentada já o mesmo havia decorrido, uma vez que a mesma foi intentada em 07 de Janeiro de 2015, tendo a ré sido citada em 9 desse mês e tendo por referência a data de 14 de Fevereiro de 2011, data do trânsito em julgado da referida sentença do Tribunal do Trabalho e as datas em que a autora efectuou os pagamentos ora reclamados.

Contra o que esta se insurge, argumentando que o artigo 498.º do Código Civil se reporta a casos de responsabilidade civil extra-contratual e aqui a autora baseia a sua pretensão com fundamento no contrato de seguro que celebrou com a ré, pelo que terá de se aplicar o prazo ordinário de prescrição, a que se refere o artigo 309.º do CC.

E, continua, ainda que se aplique o disposto no aludido artigo 498.º, quer se considere que exerce um direito de sub-rogação ou um direito de regresso, sempre lhe aproveitará o disposto no n.º 3, deste preceito, por os factos em causa, consubstanciarem a prática de um crime de ofensa à integridade física, pelo que o prazo de prescrição a considerar seria o de 5 anos.

Dado que na génese da pretensão aqui deduzida pela autora está o supra referido acidente de trabalho, importa ter em linha de conta o que, à época, se encontrava estabelecido na LAT (Lei dos Acidentes de Trabalho) – Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro.

Efectivamente, nos termos do que se dispunha no seu artigo 18.º, n.º 1, al. b), em caso de o acidente resultar de falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, as prestações, nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, terão por base a redução de capacidade resultante do acidente.

E no seu artigo 37.º, dispunha-se que:

“n.º 1 – As entidades empregadoras são obrigadas a transferir a responsabilidade pela reparação prevista na presente lei para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro.

n.º 2 – Verificando-se alguma das situações previstas no art.º 18.º, n.º 1, a responsabilidade nela prevista recai sobre a entidade empregadora, sendo a instituição seguradora, apenas subsidiariamente pelas prestações normais previstas nesta lei …”.

Daí que, na sentença proferida no Tribunal do Trabalho, como acima referido, tenha sido condenada, em via principal, a entidade patronal e a ora ré, apenas, em via subsidiária.

Quantias que a seguradora, aqui autora, pagou à sinistrada e agora, pretende reaver da entidade patronal, aqui ré.

Para tal, dispunha o artigo 21.º da Apólice Uniforme do Seguro Obrigatório de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores por conta de Outrem, na redacção que lhe foi dada pelas Normas n.º 12/99R, de 8 de Novembro, com as alterações que lhe sobrevieram pelas Normas n.º 11/2000R, de 13 de Novembro; 16/2000R, de 21 de Dezembro e 13/2005R, de 18 de Novembro, na parte aqui relevante, o seguinte:

“1. Após a ocorrência de um acidente de trabalho, a seguradora apenas tem direito de regresso contra o tomador do seguro:

(…)

b) pelo valor das indemnizações ou pensões legais e dos demais encargos, quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar de falta de observância das regras sobre a higiene, segurança e saúde nos locais de trabalho.”.

Por último, o artigo 31.º da LAT, que a autora invoca para fundamentar a sua pretensão, dispunha, no seu n.º 1, que:

“Quando o acidente for causado por outros trabalhadores ou terceiros, o direito à reparação não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos da lei geral.”.

Acrescentando o seu n.º 4 que:

“A entidade empregadora ou a seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente tem o direito de regresso contra os responsáveis referidos no n.º 1, se o sinistrado não lhes houver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente.”.

Este preceito não tem aplicação ao caso concreto, uma vez que o acidente dos autos não resultou de uma conduta de outros trabalhadores ou de terceiros, mas apenas e tão só, como se refere na sentença proferida no Tribunal do Trabalho da Figueira da Foz, “directa e causalmente, da inobservância de normas concretas sobre segurança, higiene e segurança no trabalho que deveriam ter sido respeitadas, e não foram, pela entidade empregadora.” – (cf. fl.s 163 dos autos).

Consequentemente, tem a pretensão da autora, de ser apreciada à luz dos demais preceitos já citados, não cabendo na previsão do ora, por último, referido.

Assim sendo, a questão a decidir consiste, pois, no fundo, em saber se o alongamento do prazo de prescrição do direito à indemnização derivada de factos que constituam a prática de um crime, a que se refere o n.º 3 do citado artigo 498.º, também prevalece em casos em que se pretenda exercer um direito de regresso, sendo de um direito de regresso que se trata, em face do que, por via legislativa, assim, se qualificou (como se refere no Acórdão do STJ, de 07/05/2014, Processo n.º 8304/11.0T2SNT-Al1.S1, disponível no respectivo sítio do itij, para uma norma de sentido/conteúdo semelhante, diz-se que “por via da expressa disposição legal, este direito que a autora pretende exercer é qualificado como direito de regresso”.

Não obstante, esta questão (do prazo prescricional a considerar) não tem vindo a merecer decisão unânime por parte da jurisprudência, como se colhe da decisão recorrida e das posições expressas por cada uma das partes.

Como desde há muito assente, a prescrição assenta na falta de exercício de um poder, na inércia ou não exercício de um direito, que poderia ser exercido e não o foi, num certo lapso de tempo e que acarreta, que tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou a ela se opor, por qualquer modo, tal como decorre disposto no artigo 304.º, n.º 1, do CC.

A controvérsia acerca de qual o prazo de prescrição a ter em conta em casos como o ora em apreço, deriva, em grande parte, da questão de saber se estaríamos perante uma sub-rogação ou um verdadeiro direito de regresso.

Efectivamente, ao passo que na sub-rogação legal, em conformidade com o estipula o artigo 593.º, n.º 1, do CC, se verifica uma transmissão do direito para o sub-rogado, conservando a extensão, os poderes, as garantias e acessórios do direito transmitido, no direito de regresso, trata-se da constituição de um direito novo, independente da fonte da obrigação que esteve na sua génese, do que decorre, consequentemente, que o direito de regresso exercido, v. g., pela seguradora, não se confunde com o direito de indemnização que suportou perante os lesados, vítimas do acto ilícito que o originou.

Como se menciona no Acórdão do STJ de 07/05/2014, acima já citado “na hipótese do direito de regresso só está em aberto o direito da seguradora ao reembolso do que pagou ao lesado e não a determinação da responsabilidade extracontratual do lesante, ponto já assente e indiscutido nesse momento.

(…)

A seguradora, na acção de regresso, não exerce um direito igual ao lesado que indemnizou, não propõe contra o réu uma acção de indemnização por danos, antes se limita a exigir o reembolso do que pagou.”.

Só quando a seguradora liquida tal indemnização, é que surge na sua esfera jurídica um direito de crédito novo (o de exigir ao causador do sinistro, seu segurado, as quantias que pagou), o qual nada tem que ver com a fonte da obrigação que a seguradora extinguiu ao cumprir o contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil ou de acidente de trabalho que tinha celebrado com o lesante.

Ainda que do ponto de vista da pureza da doutrina jurídica se possa discutir se o direito que a ora recorrida pretende exercer se deve configurar como uma sub-rogação ou um direito de regresso, o certo é que, como acima já referido, ex vi legis, o mesmo tem de ser tratado como direito de regresso, face ao disposto no já referido preceito da citada Apólice Uniforme.

Efectivamente, como decorria do que, então, dispunha o artigo 21.º, da já referida Apólice Uniforme:

“1. Após a ocorrência de um acidente de trabalho, a seguradora apenas tem direito de regresso (sublinhado nosso) contra o tomador do seguro:

(…)

b) pelo valor das indemnizações ou pensões legais e dos demais encargos, quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar de falta de observância das regras sobre a higiene, segurança e saúde nos locais de trabalho.”.

Assim, tem a questão sub judice, de ser tratada e decidida tendo por base a ideia de que a demandante exerce um direito de regresso, nos termos expostos.

Como resulta assente dos autos, a sinistrada perdeu a mão direita, em consequência do acidente de trabalho de que foi vítima, o que configura a prática de um crime de ofensas à integridade física e a ora recorrente foi condenada a pagar à lesada, a título de indemnização, as quantias que, com a presente acção, pretende reaver, pelo que se coloca a questão de saber se deve ter-se em conta o prazo de prescrição (mais longo) previsto para o procedimento criminal.

Efectivamente, conforme artigo 498.º, do CC:

“1. O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar do dia em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.

2. Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.

3. Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável”.

Em face da natureza do direito de regresso: direito novo, que nada tem a ver com a fonte da obrigação, como acima melhor já referido, somos de opinião, que aos casos de direito de regresso não se aplica o prazo mais longo, previsto no n.º 3 do ora (parcialmente) transcrito artigo 498.º do CC.

Como tem vindo, mais recentemente e de forma quase unânime, a ser decidido pelo STJ, se é certo que o elemento literal de interpretação desta norma não afasta, só por si, qualquer das teses em confronto, o certo é que, salvo o devido respeito por opinião em contrário, a razão de ser para o alongamento concedido pelo seu n.º 3 não se enquadra com o exercício de um direito de regresso.

Como refere Afonso Correia, in Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil – Direito de Regresso da Seguradora, em II Congresso nacional de Direito de Seguros, pág. 204:

“o direito de regresso conferido pelo artigo 19.º do DL 522/85, de 31 de Dezembro, à seguradora é mais um direito de reembolso do que ela pagou em circunstâncias que tornam inaceitável o risco assumido. A seguradora, na acção de regresso, não exerce um direito igual ao do lesado que indemnizou, não propõe contra o réu uma acção de indemnização por danos, antes se limita a exigir o reembolso do que pagou, uma vez que o risco que contratualmente assumira não se compadece com condutores sem habilitações legais, com condutores que abandonam sinistrados, que agem sob a influência do álcool. Ou seja, é o desvalor da acção, que não o desvalor do resultado, que está no espírito da norma …”.

Esta conclusão é, igualmente, de extrair para o caso em apreço face ao que se dispõe no referido artigo 21.º da Apólice Uniforme, que, reitera-se, também, qualifica o direito da seguradora do trabalho, como constituindo um direito de regresso.

Por outro lado, a razão de ser do alongamento do prazo de prescrição só se compreende estando em causa o direito do lesado mas não quando se trata do direito de regresso da seguradora.

Isto porque, em casos em que o ilícito configura crime, mercê do princípio da adesão consagrado no artigo 71.º do CPP, não teria lógica que o direito do titular à indemnização cível, necessariamente exercido no processo penal, fosse cerceado pela prescrição, quando ainda não se tinha completado o prazo da prescrição criminal, por regra, mais longo do que o da prescrição civil, daí que, em tais casos, se justifique o alongamento do prazo de prescrição civil a fim de que, em idêntico prazo, se possa apreciar, também, a responsabilidade civil, ou seja, em tais casos, enquanto o facto ilícito puder ser discutido em sede penal, deve poder ser apreciado no âmbito da responsabilidade civil, aqui residindo, reitera-se, a razão de ser do alongamento do prazo de prescrição a que se reporta o n.º 3 do artigo 498.º, do CC.

A qual deixa de ter relevância, em caso de direito de regresso, dado o seu carácter ex novo, a que acima já fizemos referência e ainda porque o mesmo, nos termos do n.º 2 de tal preceito, deve ser cumprido, a contar do cumprimento, independentemente da fonte da obrigação que a seguradora extinguiu ao satisfazer a indemnização, pelo que tem de prevalecer o interesse da lei na rápida definição da situação e dando à seguradora um prazo mais curto para o exercício do direito do que o concedido ao lesado, porque, neste caso, o prazo só se inicia depois de definido o direito que a este compete (n.º 1), ao passo que o direito da seguradora se define com o pagamento da indemnização, independentemente da gravidade do ilícito. “Assim, por exemplo, nos casos de veículo não inspeccionado ficaria sem se compreender a diferença de prazos de acordo com os prazos prescricionais do crime preenchido com o acidente de viação. Ou, então, com o ilícito que esteve na base da primitiva indemnização, passam a existir outros, em plano de igualdade, com prazos de prescrição diversos…”, consoante o crime em causa, como se salienta, por exemplo, no Acórdão do STJ, de 04/11/2010, Processo n.º 2564/08.1TBCB.A.C1.S1, disponível in http://www.dgsi,pt/jstj.

Assim sendo, face ao exposto, entendemos que não se aplica ao caso em apreço o alongamento do prazo de prescrição a que se refere o n.º 3 do artigo 498.º, do Código Civil, pelo que o prazo de prescrição a considerar é de três anos, consagrado no seu n.º 2, dado tratar-se de um direito de regresso.

 Neste sentido, para além dos Arestos já citados, podem ver-se os do STJ, de 06/05/1999, in CJ, STJ, 1999, tomo II, pág. 99 e os de 29/11/2011, Processo n.º 1507/10.7TBPNF.P1.S1; de 17/11/2011; Processo n.º 1372/10.4T2AVR.C1.S1; de 16/11/2010, Processo n.º 2119/07.8TBLLE.E1.S1; de 27/10/2009; Processo n.º 844/07.2TBOER.L1, de 04/11/2008; Processo 08A3119 e, por último, o de 13/05/2014, Processo n.º 360/12.0T2AND.C1.S1, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj.

Também, no mesmo sentido, entre outros, os Acórdãos desta Relação de 24/01/2012, Processo 644/10.2TBCBR-A.C1 e 07/09/10, Processo 329/06.4TBAGN.C1, disponíveis em http://www.dgsi.pt/jtrc.

Assente que o prazo de prescrição a considerar é o de três anos, que a sentença relativa ao acidente de trabalho transitou em 14 de Fevereiro de 2011 e que a última quantia foi satisfeita, pela ora recorrente, à sinistrada, em 24 de Fevereiro de 2011, tendo a acção dado entrada em juízo no dia 07 de Janeiro de 2015, é indubitável que já tinham decorrido mais de três anos contados desde a liquidação da indemnização e a propositura da acção de que emanam os presentes autos (tendo-se concluído os 3 anos no dia 24 de Fevereiro de 2014), pelo que procede a alegada excepção de prescrição do direito invocado, a qual constitui uma excepção peremptória que acarreta a absolvição do pedido – cf. artigo 576.º, n.os 1 e 3, do NCPC.

Assim, face ao exposto, improcede o presente recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Coimbra, 26 de Abril de 2016.

Arlindo Oliveira (Relator)
Emidio Francisco Santos
Catarina Gonçalves