Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1941/12.8TBFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO BANCÁRIO
CRÉDITO A DESCOBERTO
CRÉDITO GARANTIDO
SIMULAÇÃO POR INTERPOSIÇÃO FICTÍCIA DE PESSOA
INTERPOSIÇÃO REAL DE PESSOA
MANDATO SEM REPRESENTAÇÃO
CASO JULGADO.
Data do Acordão: 05/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – JC CÍVEL – J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 344º A 350º E 362º C.COMERCIAL.
Sumário: I – O contrato de abertura de crédito, sendo uma operação bancária, é um contrato consensual, através do qual um estabelecimento bancário se obriga a ter à disposição do cliente uma soma em dinheiro, tendo este a possibilidade de a utilizar mediante outras operações.

II - A abertura de crédito pode ser não garantida (a descoberto) ou objecto de garantias prestadas pelo próprio beneficiário ou por um terceiro.

III - A simulação relativa na modalidade de interposição fictícia de pessoa (simulação subjectiva) pressupõe o acordo tripartido entre os sujeitos reais e o fictício ou aparente.

IV - Na interposição real de pessoa, o interposto age em nome pessoal, mas no interesse de outrem, assume os efeitos do negócio celebrado e compromete-se a transferir os efeitos num momento posterior, intervindo com mandato sem representação.

V - O caso julgado incide sobre a decisão e não abrange os fundamentos de facto, quando autonomizados dela.

VI - Tendo os sócios de uma sociedade comercial declarado aquando da dissolução e liquidação da mesma que a sociedade não tem créditos, nem dívidas (activo e passivo), constitui abuso de direito a alegação da existência de crédito garantido na posterior ação em que um terceiro pede a extinção da hipoteca por extinção do crédito garantido.

Decisão Texto Integral:





Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO

1.1.- A Autora – M… – instaurou (4/9/2012) acção declarativa, com forma de processo comum, contra os Réus:

T… Ldª, com sede na Rua …; 

A… e mulher I...

Alegou, em resumo:

A Autora é única e exclusiva proprietária da fracção autónoma designada pela letra “L”, correspondente ao terceiro andar direito, lado norte, destinada a habitação do prédio urbano sito em …, inscrito na respectiva matriz sob o artigo … e descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial da ...

A Ré T… é uma sociedade por quotas que tem por objecto o transporte rodoviário de mercadorias e os Réus A… e I… eram, à data dos factos em causa, e desde aí até agora, ininterruptamente, os únicos sócios e únicos gerentes daquela sociedade co-Ré.

Por escritura celebrada em 23/06/2000, no Cartório Notarial de …, foi outorgado um contrato de abertura de crédito e hipoteca, contrato este através do qual o F…, SA declarou abrir, naquela mesma data, um crédito a favor da Ré T… até ao limite de dez milhões de escudos e na mesma escritura a Autora declarou constituir a favor do referido F… uma hipoteca sobre a fracção autónoma de que era proprietária, destinada a garantir o “pontual pagamento do empréstimo” titulado por aquela mesma escritura, sendo tal hipoteca registada na competente Conservatória do Registo Predial sob a Apresentação nº 10 de ...

O crédito resultante do referido contrato de abertura de crédito foi cedido pelo F… a favor do Réu A…, sendo tal transmissão de crédito averbada na Conservatória do registo Predial sob a Apresentação nº ...

À data da constituição da mencionada hipoteca a Autora namorava com P…, que desde, pelo menos, inícios de 1997, como trabalhador por conta de outrem, trabalhava para a Ré T… exercendo a profissão de motorista.

Em finais de 1998 aquele P… passou a executar a mesma actividade de motorista, mas como “encostado” da Ré T… (termo que na gíria da actividade transportadora significa o exercício da actividade por um transportado individual, não munido de alvará para o exercício da mesma, a coberto de alvará de empresa que o possua, para o que o processamento administrativo inerente à actividade, nomeadamente facturação e recibos, bem como o registo automóvel do veículo utilizado, têm de estar em nome da empresa licenciada para a actividade).

O referido P… anuiu a tal modo de exercício da actividade e assim passou a exercer a actividade naqueles moldes, a coberto do Alvará de que a Ré T… era detentora, utilizando o veículo de transporte composto por tractor com a matrícula …LV, de marca Scania, e a respectiva galera com o registo …, de marca ..., e sendo a Ré T… e os co-Réus A… e I… quem, exclusivamente, controlava toda a actividade desenvolvida pelo P...

Em finais de 1999/inícios de 2000 o Réu A… abordou aquele P… alegando que a actividade atravessava dificuldades económicas e que era imprescindível que se obtivesse um empréstimo de 10.000.000$00 (dez milhões de escudos) (49.879,79€) para fazer face às despesas da actividade, sob pena de aquele P… não poder continuar o exercício da actividade e ter de “entregar o camião”, mas que não se preocupasse porque conseguir-se-ia um empréstimo junto do “F…” a juros muito baixos, que facilmente se pagaria, tanto mais que sabia que a sua namorada, a aqui Autora, tinha um casa que poderia hipotecar de modo a que se conseguissem boas condições para o empréstimo.

Num reduzido período de poucos dias, o Réu A… comunicou que o “F…” já tinha concedido o empréstimo e que a necessária escritura se realizava no dia 23/06/2000, no Cartório Notarial de ...

A Autora era e é uma pessoa humilde, operária fabril apenas com a escolaridade básica e confiou nas boas intenções do Réu A…, compareceu no referido Cartório e assinou a escritura que, soube depois, era um Contrato de Abertura de Crédito a favor da T… e não empréstimo ao P…, assim hipotecando o seu imóvel supra identificado, convencida, porque isso mesmo lhe garantia o Réu A…, de que estava a hipotecar a sua casa para garantia de valor e imprescindível ao exercício da actividade de motorista daquele P...

Em 2003 terminou a relação de namoro, desconhecendo que destino deram os Réus T… e A… e I… à quantia de 10.000.000$00, objecto do mencionado contrato, sendo que tal valor foi efectivamente recebido pelos Réus mas nunca lhe foi entregue a ela ou ao referido P…; nem foi utilizada em proveito do P… ou da Autora.

Em Fevereiro de 2003 aquele P… terminou qualquer relação que tinha com os Réus, e para saldar as contas entregou o camião e galera, no valor de 6.500.000$00, bem como o seu automóvel ligeiro, avaliado em 1.700.000$00. Apesar disso, o imóvel da Autora continuou hipotecado.

A Autora vive atormentada por ver o seu único bem imóvel hipotecado e sem obter dos Réus o cancelamento da hipoteca.

            Pediu cumulativamente:

a).Se declare a extinção de hipoteca constituída pela A. através da escritura pública supra identificada no artº 7º da P.I., outorgada em 23/06/2000, no Cartório Notarial de …, lavrada a fls …, que recaiu sobre a fracção autónoma identificada supra no artº 4º (fracção autónoma letra “L” do prédio urbano sito em …), hipoteca esta e respectivo averbamento de transmissão de crédito registados naquela Conservatória, respectivamente, sob a Apresentação nº … - seja por força da inexistência da dívida que visava garantir -, seja, subsidiariamente, pela invalidade, por erro ou por simulação, da constituição da hipoteca, seja, também subsidiariamente, pela resolução do respectivo contrato de constituição – tudo, que também se requer seja declarado;

b) O cancelamento dos registos efectuados sob aquelas Apresentações nº …;

c) A condenação solidária dos Réus a pagar à Autora compensação pelos danos morais sofridos e a sofrer, no montante de € 2.500,00, acrescidos de €500,00 por cada mês que decorrer até que se proceda ao efectivo cancelamento da hipoteca. 

            Contestaram os Réus A… e mulher I… defendendo-se, em síntese:

A garantia hipotecária existe e continua activa, e por outro lado, a dívida resultante da conta caucionada que aquela hipoteca garante também continua por pagar, mas agora ao R. A…, por força da cessão de crédito.

Não ocorreu qualquer causa de extinção da hipoteca, prevista no art.730 CC.

            A Autora replicou.

No saneador afirmou-se a validade e regularidade da instância.

            1.2. Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que, na parcial procedência da acção, decidiu:

a) Declarar a extinção da instância relativamente à sociedade Ré dissolvida, por falta de personalidade judiciária, que assim se absolve da  mesma; 

b) declarar a extinção de hipoteca constituída pela A. através da escritura pública supra identificada no artº 7º da P.I., outorgada em 23/06/2000, no Cartório Notarial de …, que recaiu sobre a fracção autónoma identificada supra no artº 4º (fracção autónoma letra “L”, , do prédio urbano sito em …), hipoteca esta e respectivo averbamento de transmissão de crédito registados naquela Conservatória, respectivamente, sob a Apresentação nº … -  por força da inexistência da dívida que visava garantir;

c) ordenar o cancelamento dos registos efectuados sob aquelas Apresentações nº …;

d) absolver os  Réus do  pedido  de condenação  solidária no  pagamento à  Autora  de compensação pelos danos morais sofridos e a sofrer, no montante de 2.500,00€ acrescidos de 500,00€ por cada mês que decorrer até que se proceda ao efectivo cancelamento da hipoteca.

            e) Custas pelos Réus contestante e pela Autora na proporção de 3/4 para os  primeiros e 1/4 para a  última.

            1.3.- Inconformados, os Réus A… e I… recorreram de apelação, com as seguintes conclusões:

            A Autora contra-alegou no sentido da improcedência do recurso.


II – FUNDAMENTAÇÃO

            2.1.- O objecto do recurso

            A impugnação de facto;

            A extinção da hipoteca.

            2.2. – Os factos provados (descritos na sentença)

            2.3.- Os factos não provados ( descritos na sentença )

            2.4.- A impugnação de facto

            Num juízo de ponderação global, a prova indicada não impõe decisão diversa, improcedendo a alteração de facto.

            2.5.- A extinção da hipoteca

            Em 23 de Junho de 2000 o Banco F… abriu um crédito a favor da sociedade T.. Lda até ao limite de dez milhões de escudos, tendo a Autora constituído a favor do Banco uma hipoteca voluntária sobre o seu prédio urbano (terceiro andar direito, sito na …) no valor de 14.600.000$00.

            Por escritura de 3 de Dezembro de 2009 o Banco cedeu o crédito ao Réu A...

            Sendo a pretensão da Autora a da extinção da hipoteca, por extinção da obrigação que serve de garantia (art.730 a) CC), a sentença recorrida julgou a acção procedente argumentando, no essencial, que, dada a inversão do ónus da prova (art.343 nº1 do CC), os Réus não demonstraram a existência do crédito (obrigação garantida), em face dos factos não provados (quesitos 6) e 7) da BI).

            Os Apelantes objectam dizendo que cumpriram o ónus da prova, pois comprovou-se o crédito garantido, que se mantém.

            Contudo, fizeram-no no pressuposto da alteração de facto, que não lograram obter.

            Por isso a sentença justificou, assim, a procedência da acção:

“ Mas importa voltar à causa de pedir, o que assenta, num primeiro plano, na invocação da inexistência do crédito - que cumpre apreciar. Neste caso, no que concerne ao ónus de prova, diremos, cabe aos réus a alegação e prova da existência do crédito, ocorrendo a inversão do ónus da prova, como resulta do art 343º, nº 1 do CCivil: - pretendendo a autora que o tribunal declare a inexistência de um direito ou de um facto, estando subjacente uma atitude de “arrogância” extra-judicial da parte contrária relativamente à titularidade desse direito de crédito - contrariamente a outros tipos de acção em que a alegação e prova de actos constitutivos do direito que se pretende fazer valer em juízo competiria ao autor que os invoca – cf. art 342º CCivil. E tal prova não ocorreu (veja-se a resposta não provado ao facto que se questionara sob o nº 6 e 7 da base instrutória. “.

            O crédito garantido é o resultante da abertura de crédito no F...

Como se sabe, o contrato de abertura de crédito, sendo uma operação bancária (art.362 Código Comercial), não aparece tipicamente regulamentado. Trata-se de um contrato consensual, através do qual um estabelecimento bancário se obriga a ter à disposição do cliente uma soma em dinheiro, tendo este a possibilidade de a utilizar mediante outras operações. Segundo determinada modalidade, o banco vai fornecendo dinheiro ao cliente através da abertura de uma conta corrente.

            Concebendo a abertura de crédito como uma operação negocial distinta do contrato de mútuo, o Prof. Antunes Varela define-a como “um contrato pelo qual uma das partes (o creditante), por via de regra um banco, se obriga a conceder à outra (creditada) o crédito até certo limite, em determinadas condições, cabendo à creditada decidir se, quando e em que termos vai utilizar o benefício posto à sua disposição“ ( RLJ ano 114, pág.116 ).

            A legislação portuguesa não prevê o contrato de conta corrente bancária, podendo qualificar-se como uma das modalidades, embora autónoma, do contrato comercial de conta corrente, regulado nos arts. 344 a 350 Código Comercial, na qual uma das partes (correntista) põe em massa comum todos os seus créditos recíprocos, transformando-os em artigos de “deve“ e “haver“, remetendo para momento ulterior a respectiva liquidação global por compensação ( cf., por ex., Simões Patrício, A Operação Bancária de Depósito, pág.39 ).

            E a abertura de crédito pode ser não garantida (a descoberto) ou objecto de garantias prestadas pelo próprio beneficiário ou por um terceiro.

            Na situação dos autos a abertura de crédito foi garantida por hipoteca dada por um terceiro, precisamente a Autora, que o fez porque a abertura de crédito seria em proveito da parceria entre o então namorado P… e a Ré T...

            Do precipitado da prova não resultou provado sequer qual o montante concreto do crédito utilizado, concedido pelo Banco, sabendo-se apenas que foi convencionado que seria até ao limite de 10.000.000$00, nem sequer a data do encerramento da conta corrente bancária. Ou seja, atenta a natureza da conta corrente bancária, impor-se-ia apurar o saldo, mas cujo valor se ignora.

            É certo que na escritura pública de 3 de Dezembro de 2009 de cessão de crédito declarou-se como crédito cedido o valor de €54.709,06. Mas também se comprova que em 7 de Julho de 2015 os sócios da T… Lda, A… e I…, deliberaram dissolver a sociedade e proceder à liquidação, declarando que não tinha qualquer activo ou passivo.

Ora, se o Banco cedeu a A… o crédito sobre a sociedade, devedora é a sociedade, mas são os próprios Réus A… e I… (únicos sócios da mesma) a reconhecer que a sociedade já não tem qualquer crédito, logo já não existe. E se não existe o crédito, extingue-se a garantia hipotecária (art.730 a) CC).

            Será que os elementos factuais disponíveis apontam, sem mais, para a interposição fictícia da sociedade T… Lda no contrato de abertura de conta, sendo o verdadeiro titular o motorista P…?

            A sentença abordando a questão concluiu nesse sentido, a partir da noção de “encostado” que passa a efectivar o transporte a coberto do alvará da empresa licenciada, para o efeito.

A este propósito, discorre a sentença – “Mas como resulta do respaldo fáctico, a operação de abertura de crédito reflecte um relacionamento negocial global sui generis, havido entre a sociedade co-ré, formalmente mutuária e um determinado indivíduo seu trabalhador – P…- designado de “encosto”- actuação feita com o fito claro de defraudar legislação fiscal e económica“.

            No entanto, os elementos factuais só por si são insuficientes, pela simples razão de que se ignora o que na verdade foi acordado entre o motorista P… e a sociedade.

Por outro lado, a sentença apoia-se (cf. ponto K) dos factos provados) nos factos provados descritos no anterior processo (nº ...), em acção proposta pela sociedade T… Lda contra P… e M…, em que reclamou o pagamento de umas letras de câmbio.

            Só que o caso julgado incide sobre a decisão e não abrange os fundamentos de facto, conforme orientação doutrinária e jurisprudencial prevalecente.

Neste sentido, elucida Antunes Varela (Manual de Processo Civil, 1984, pág 697); “Os factos considerados como provados nos fundamentos da sentença não podem considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado, para o efeito de extrair deles outras consequências, além das contidas na decisão final”.
Também Teixeira de Sousa (Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 577), para quem “os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado”.

No âmbito jurisprudencial, por ex. Ac do STJ de 2/03/2010, proc. n.º 690/09.9, disponível em www.dgsi.pt/jstj, onde se afirma – “(…) a problemática do respeito pelo caso julgado coloca-se sobretudo ao nível da decisão, da sentença propriamente dita, e, quando muito, dos fundamentos que a determinaram, quando acoplados àquela. Os fundamentos de facto, nunca por nunca, formam, por si só, caso julgado, de molde a poderem impor-se extraprocessualmente”.

No mesmo sentido, o Ac STJ de 5/5/2005, proc. nº 05B691, em www dgsi.pt., ao decidir que “Não pode é confundir-se o valor extraprocessual das provas produzidas (que podem ser sempre objecto de apreciação noutro processo) com os factos que no primeiro foram tidos como assentes, já que estes fundamentos de facto não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial. Transpor os factos provados numa acção para a outra constituiria, pura e simplesmente, conferir à decisão acerca da matéria de facto um valor de caso julgado que não tem, ou conceder ao princípio da eficácia extraprocessual das provas uma amplitude que manifestamente não possui”.

            Ainda que se perspective no âmbito do valor probatório da sentença, enquanto documento público, os factos apreciados num processo não se impõem noutro processo, porque a sentença prova plenamente a realização do julgamento (dos actos praticados pelo juiz), mas não quanto à realidade dos factos dados como provados. Daqui resulta, na esteira de Calamandrei, a rejeição de qualquer “eficácia probatória “ das premissas de uma decisão (cf. Maria José Capelo, A Sentença entre a Autoridade e a Prova, pág.114 e segs.).

            Além disso, há ainda um outro argumento que afasta a simulação relativa na modalidade de interposição fictícia de pessoa (simulação subjectiva), e que é o facto de esta pressupor o acordo tripartido entre os sujeitos reais e o fictício ou aparente. É que todos têm que intervir para se dar o conluio, e, no caso, também não se provou sequer o conluio por parte do Banco.

            Por conseguinte, sem o acordo tripartido não há simulação na modalidade de interposição fictícia, e a situação pode reconduzir-se a uma interposição real em que o interposto age em nome pessoal, mas no interesse de outrem, assume os efeitos do negócio celebrado e compromete-se a transferir os efeitos num momento posterior, intervindo com mandato sem representação (cf., por ex., Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, pág.361, Vaz Serra RLJ ano 111, pág.247; Ac STJ de 9/10/2014 ( proc. nº 199/03), em www dgsi.pt ).

            Por esta via, não havendo simulação subjectiva, repete-se que devedora é a sociedade, e cedido o crédito pelo Banco ao sócio A…, a devedora é a sociedade.

            Se os sócios, aqui Réus A… e I…, declararam aquando da dissolução e liquidação que a sociedade não tem dívidas (inexiste activo e passivo) constitui até abuso de direito (art.334 CC ) vir agora na acção alegar que o crédito ainda existe.

                        2.6.- Síntese conclusiva

a) O contrato de abertura de crédito, sendo uma operação bancária, é um contrato consensual, através do qual um estabelecimento bancário se obriga a ter à disposição do cliente uma soma em dinheiro, tendo este a possibilidade de a utilizar mediante outras operações.

b) A abertura de crédito pode ser não garantida ( a descoberto ) ou objecto de garantias prestadas pelo próprio beneficiário ou por um terceiro.

c) A simulação relativa na modalidade de interposição fictícia de pessoa ( simulação subjectiva) pressupõe o acordo tripartido entre os sujeitos reais e o fictício ou aparente.

d) Na interposição real de pessoa, o interposto age em nome pessoal, mas no interesse de outrem, assume os efeitos do negócio celebrado e compromete-se a transferir os efeitos num momento posterior, intervindo com mandato sem representação.

e) O caso julgado incide sobre a decisão e não abrange os fundamentos de facto, quando autonomizados dela.

            f) Tendo os sócios de uma sociedade comercial declarado aquando da dissolução e liquidação da mesma que a sociedade não tem créditos, nem dívidas (activo e passivo), constitui abuso de direito a alegação da existência de crédito garantido na posterior acção em que um terceiro pede a extinção da hipoteca por extinção do crédito garantido.


III – DECISÃO

Pelo exposto, decidem:

1)


            Julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença.

2)

            Condenar os Apelantes nas custas.

            Coimbra, 9 de Maio de 2017.


( Jorge Arcanjo )

( Isaías Pádua )

( Manuel Capelo )