Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
229/15.7GASPS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELENA BOLIEIRO
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
MISSÃO DE PRONÚNCIA
RECURSO
MATÉRIA CÍVEL
REQUISITOS
ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
Data do Acordão: 05/10/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (J L DE S. PEDRO DO SUL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 374.º, 379.º E 400.º, DO CPP
Sumário: I - Quando a enumeração dos factos provados e não provados efectuada na sentença recorrida não contempla toda a matéria que reveste importância para a decisão da causa, verifica-se que o tribunal deixou de se pronunciar sobre questões que deveria apreciar.

II - Tratando-se de questões factuais e jurídicas que o tribunal a quo tinha o dever de conhecer e apreciar, incluindo-as na sentença recorrida, o silêncio quanto à ponderação de tais elementos constitui causa de nulidade da referida peça decisória, nos termos previstos no artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP.

III - Para que o recurso [da parte da sentença relativa à indemnização cível] seja admissível é necessário que se mostrem preenchidos dois pressupostos cumulativos: 1) o valor do pedido deve ser superior à alçada do tribunal recorrido e 2) a sucumbência do recorrente há-de ser superior a metade do valor daquela alçada.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório 

1. No Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Instância Local de S. Pedro do Sul – Secção de Competência Genérica – J1, o Ministério Público requereu o julgamento em processo comum com intervenção do tribunal singular dos arguidos A... e B... , com os demais sinais dos autos, imputando-lhes a prática dos seguintes crimes:

- ao arguido A... , em co-autoria material, na forma consumada, com dolo directo, um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 191.º do Código Penal;

- ao arguido B... , em autoria material, na forma consumada, com dolo directo, um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal, e em co-autoria material, na forma consumada, com dolo directo, um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 191.º do Código Penal.

A assistente C... deduziu acusação particular, acompanhada pelo Ministério Público, contra o arguido A... , a quem imputa a autoria, na forma consumada, de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º do Código Penal.

A demandante C... formulou pedido de indemnização civil contra o arguido A... pedindo que o mesmo fosse condenado a pagar-lhe a quantia de 1.402,00 €, a título de danos não patrimoniais, e contra o arguido B... , pedindo que este fosse condenado a pagar-lhe a quantia de 508,50 €, a título de danos não patrimoniais e patrimoniais.

Por sentença de 22 de Junho de 2016:

- foi o arguido A... condenado pela prática, em co-autoria material, de um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 191.º do Código Penal, na pena de 30 dias de multa, e de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º do Código Penal, na pena de 90 dias de multa, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 100 dias de multa à taxa diária de 5,00 €, o que perfaz um total de 500,00 € e que corresponde a 66 dias de prisão subsidiária, nos termos do artigo 49.º do Código Penal; e

- foi o arguido B... condenado pela prática de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 120 dias de multa, e, em co-autoria material, de um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 191.º do Código Penal, na pena de 60 dias de multa, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 150 dias de multa à taxa diária de 5,00 €, o que perfaz um total de 750,00 € e que corresponde a 100 dias de prisão subsidiária, nos termos do artigo 49.º do Código Penal.

Mais foi decidido condenar o arguido A... a pagar à demandante C... a quantia de 1 102,00 €, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, e condenar o arguido B... a pagar à referida demandante

a quantia de 1 008,50 €, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.

2. Inconformados com a sentença, dela recorreram os arguidos, finalizando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

“I) Fundamenta o presente Recurso a condenação dos arguidos pela prática, em co-autoria material, na forma consumada, com dolo directo, cada um deles, por um crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo artigo 191 ° do Código Penal, o arguido A... , na pena de 30 dias de multa e o arguido José, na pena de 120 dias de multa,

II) A condenação do arguido A... como autor material de um crime de injúria na pena de 90 dias de multa e a pagar à demandante C... , a quantia de € 1.102,00, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais e

III) A condenação do arguido B... no pagamento à demandante C... da quantia de € 1.008,50, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.

IV) E, isto porque, desde logo, a condenação do arguido B... no pagamento da quantia de € 1.008,50 à demandante, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais enferma de nulidade da douta sentença, por falta de fundamentação, nos termos do disposto no artigo 379°, al. c) do CPP, conforme resulta do texto da própria decisão.

V) Mostrando-se, assim, violado o artigo 379°, al. c) do CPC, por manifesta falta de fundamentação da sentença, na parte dispositiva relativa à condenação do arguido B... no pagamento da indemnização arbitrada e, nesse sentido, arbitrária.

VI) Além disso, tendo sido pedida pela demandante, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, no âmbito do pedido de indemnização formulado, a quantia de € 508,50, a douta sentença padece também de nulidade, porquanto o artigo 609°, n.º1 do CPC dispõe que "A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir",

VII) Dispondo o artigo 615°, n.º1, al. e) do CPC, que essa proibição é sancionada com a nulidade da sentença.

VIII) Nesse seguimento, mostra-se violado artigo 6090 do CPC, relativamente à condenação do arguido B... no pedido de indemnização formulado.

IX) Por outro lado, e quanto ao crime de injúria em que o arguido A... foi condenado, os factos provados não preenchem os elementos objectivo e sujectivo do crime de injúria, nem a gravidade necessária conducente à sua condenação.

X) Na verdade, resultando dos factos provados que após discussão sobre a colocação da placa, o arguido A... se dirigiu à assistente C... dizendo: "Ladra, tu queres é roubar o terreno, sua ladra" e resultando também dos factos provados que a mãe do arguido A... e esposa do arguido B... beneficia do registo em seu nome e de seus irmãos de um prédio que engloba a parcela de que a assistente se arroga proprietária, parcela em causa nos autos, tal comportamento não poderá ser considerado de gravidade tal que resulte na condenação do arguido A... pelo crime de injúria, até porque,

XI) Como bem se decidiu no Acórdão datado da Relação de Coimbra datado de 24 de Setembro de 2003, relatado pelo Senhor Juiz Conselheiro Oliveira Mendes - in - "difamar é desacreditar, diminuir a reputação, o conceito público em que alguém é tido, isto é, imputar a outra pessoa um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou da sua consideração. No entanto, certo é que nem todo o facto ou juízo que envergonha e perturba ou humilha, cabem na previsão do art.º 1800 do Código Penal, tudo dependendo da intensidade da ofensa ou do perigo da ofensa." Ora,

XII) Não ficou provado, nem sequer levemente aflorado, que alguém acreditasse que aquelas palavras fossem proferidas em tom sério e credíveis, antes resultando do calor da discussão então mantido, fruto, aliás, da indefinição da propriedade em causa - registada a favor da mãe e tios do arguido A... , mulher e cunhados do arguido
José.

XIII) Não há, por isso, preenchimento dos elementos necessários ao tipo de crime de injúria, pelo que, a interpretação do art.º 1810 do CP dada pelo Mma Juiz a quo se mostra, com devido respeito, errada.

XIV) Aliás, o próprio inquérito padece de erros e omissões, porquanto resulta na acusação dos arguidos A... e B... pelo crime de introdução em lugar vedado ao público sem que estivesse esclarecida a propriedade da parcela, propriedade que se encontra a ser discutida no âmbito do processo comum que corre seus termos no Tribunal a quo com o número 155/15.0T8SPS, conforme consta da contestação crime apresentada pelo arguido A... e conforme consta, também, do requerimento apresentado pela assistente a fls. 139.

XV) Ou seja, há uma questão cível prévia por esclarecer que deveria ter ditado o arquivamento dos autos relativamente ao crime de introdução em lugar vedado ao público, pois a parcela de que a assistente se arroga está englobada no prédio cuja aquisição se mostra registada a favor da mãe (e outros) do arguido A... , esposa
(e outros) do arguido José, por força da escritura referida no ponto 22 dos factos provados.

XVI) Assim, ao dar como provados os factos 2 a 5, o Mmo Juiz a quo apreciou questão que lhe estava, nesta sede, vedada, dado que é uma questão a dirimir no foro cível, no qual, de resto, corre já a respectiva acção.

XVII) O Mmo Juiz a quo violou, assim, o artigo 7° do Código do Registo predial, pois que o registo definitivo constitui presunção (ilidível) de que o direito existe e pertence ao titular inscrito.

XVIII) Ora, o titular inscrito não é a demandante/assistente/queixosa.

XIX) O titular inscrito é a mãe (e outros) do arguido A... , esposa do arguido José.

XX) Consequentemente, não é o processo penal o meio próprio para conhecer da propriedade da dita parcela, revelando-se, inclusivamente, confuso, pensar-se que na acção cível que se encontra a decorrer, o mesmo Mmo Juiz venha, dessa feita em sede própria, a decidir o contrário do que aqui se decidiu nos pontos 2 a 5.

XXI) Mas seria sempre nessa sede e não nesta sede penal, que a presunção legal poderia ser ilidida.

XXII) Donde, teremos de concluir não haver dolo, como foi decidido- art.º 13° do CP, sendo errada a interpretação que sobre esse ponto foi sufragada.

XXIII) E não havendo dolo, toma-se evidente que não pode haver crime de introdução em lugar vedado ao público, porquanto o art.º 191º não o prevê – art.º 14° do CP.

XXIV) Sendo assim, ambos os arguidos deveriam ter sido absolvidos do crime de introdução em lugar vedado ao público de que vinham acusados.

XXV) Até porque não ficou demonstrado que a parcela de que a assistente se arroga proprietária seja anexa à sua habitação, antes pelo contrário – a dita parcela situa-se do outro lado da estrada – ponto 5 dos factos provados.

XXVI) Entendemos, salvo o devido respeito, que o presente recurso deverá ser julgado procedente, revogando a douta sentença recorrida, que deverá ser declarada nula.

XXVII) Caso assim se não venha a entender, na revogação da douta sentença, deverão, a final, os arguidos A... e B... ser absolvidos dos crimes de injúria e introdução em lugar vedado ao público em que forma condenados, bem como nos pedidos de indemnização em que também oram condenados.

XXVIII) Mostram-se violados, por todo o exposto, entre outros que V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão, os artigos 13°, 14°, 181° e 191° do Código Penal, 379° do CPP, 7° do Cód. do Registo Predial, 1.305° do Código Civil, 62° da Constituição da República portuguesa, 6090 do CPC, concatenados entre si e correlacionados com os elementos dos autos, na aplicação sufragada na douta sentença, ao sustentarem a condenação dos arguidos, sendo certo que numa interpretação que reputamos, honesta e humildemente, aplicável, tais normas legais ditariam a absolvição dos arguidos pelos crimes em que foram condenados, à excepção do crime de dano, a cuja condenação do arguido B... nada há a apontar.

Assim decidindo, V.ªs Ex.ªs farão a sempre pedida, acostumada e sã

JUSTIÇA!”



3. Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):
1- A douta sentença proferida nos autos, que condenou os arguidos A... e B... encontra-se devidamente fundamentada de facto e de direito, não merecendo qualquer censura.
2- Das motivações e conclusões do recurso interposto os recorrentes não impugnaram a matéria de facto provada, apontando, outrossim, somente questões de direito, pelo que a matéria de facto dever-se-á considerar como definitivamente assente.
3- A expressão proferida pelo arguido recorrente A... à assistente: “Ladra, tu queres é roubar o terreno, sua ladra” tem um significado inequivocamente ofensivo da honra e consideração à luz dos padrões médios de valoração social, estando muito longe da mera violação das regras de cortesia e de boa educação, atingindo outrossim, aquele mínimo de respeito indispensável ao relacionamento em sociedade, pelo que, integra a prática de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º n.º 1 do Código Penal.
4- O crime de introdução em lugar vedado ao público não é um crime contra o património, mas sim um crime contra as pessoas, visando-se, através dele tutelar, ainda, a intimidade pessoal a que todo o cidadão tem direito.
5- Não estando em causa uma entrada/permanência no quintal da assistente fundada em decisão judicial ou administrativa que porventura o autorizasse, a entrada dos arguidos, sem autorização da possuidora / detentora / utilizadora desde o ano de 1990 do referido quintal, devidamente vedado e fechado com portão, configurou uma violação ao direito da mesma de admitir a entrada/permanência daqueles arguidos ou, pelo contrário, de a excluir.
6- Ora, se bem sabiam os arguidos recorrentes que o quintal estava na posse da assistente, que esta o utilizava desde 1990 em exclusividade e estava o mesmo vedado e fechado e mesmo assim decidiram entrar contra a vontade daquela, não conseguimos vislumbrar que insuficiência existe dos factos apurados para a subsunção ao Direito e norma incriminadora.
7- Actuaram os arguidos recorrentes com dolo directo, ou seja, actuaram com vontade e consciência do que estavam a fazer, não foram descuidados ou levianos.
8- Entendemos, pelo exposto, não merecer a decisão “a quo”, agora posta em crise, qualquer censura no que respeita à parte criminal, devendo o recurso improceder na totalidade.

V. Exas., porém, como sempre, farão JUSTIÇA”.

4. Respondeu também ao recurso a assistente C... em que veio pugnar no sentido da sua improcedência, invocando, no essencial, que os recorrentes não questionam a matéria de facto dada como provada, pelo que tem a mesma que se considerar como assente, sendo que dela resulta o preenchimento de todos os elementos objectivos e subjectivos dos tipos legais de crime pelos quais os arguidos foram condenados, assinalando que a factualidade provada sob pontos 1 a 3 da sentença recorrida comprova inequivocamente o direito de propriedade e legítima posse da assistente sobre o prédio invadido por aqueles, e no que respeita à questão da exigibilidade do montante pago a título de taxa de justiça pela constituição de assistente, a mesma não tem a ver com as custas cíveis, mas com a parte criminal, não estando sujeita à regra das custas de parte, tanto mais que é uma consequência directa e necessária da constituição de assistente e não de qualquer pedido de indemnização cível.

5. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.° do Código de Processo Penal (doravante CPP), emitiu parecer no sentido de que a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que determine a suspensão do processo penal para que se decida na instância cível a questão do direito de propriedade do prédio em causa. Isto porque subjacente aos crimes imputados aos arguidos está o desacordo entre eles e a assistente relativamente ao direito de propriedade sobre a parcela de terreno identificada no ponto 1 da matéria de facto provada. Doutro modo não se explica que os arguidos tenham entrado dentro desse terreno para colocar uma placa que dizia “vende-se”, seguido de um número de telefone (ponto 7), e que o arguido A... tenha dito à assistente “Ladra, tu queres é roubar o terreno, sua ladra” (ponto 10), nem que a assistente tenha intentado a acção n.º 155/15.0T8SPS em que é dirimida a propriedade do terreno. A questão da decisão judicial sobre a titularidade do direito de propriedade deste prédio é fundamental para a decisão sobre o crime de introdução em lugar vedado ao público, por ser um dos elementos essenciais deste crime, p. e p. pelo artigo 191.º, n.º 1 do Código Penal, que tem reflexo na decisão a tomar relativamente aos demais crimes imputados aos arguidos, nomeadamente sobre o preenchimento dos seus elementos objectivos e subjectivos e sobre a determinação da medida da pena que eventualmente lhes possa ser aplicada.

6. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, a assistente veio apresentar resposta na qual sustenta que a suspensão dos presentes autos indicada no parecer do Ministério Público é extemporânea, uma vez que o requerimento assim formulado na fase de recurso ultrapassa os limites temporais que decorrem do disposto no artigo 7.º, n.º 3 do CPP, na melhor interpretação do normativo, para além de que no caso concreto não estão verificados os critérios de necessidade e conveniência que justificam a decisão de suspender o processo.

7. Foi efectuado exame preliminar, no qual se considerou que o pagamento de uma segunda multa e correspondente penalização, nos termos do preceituado nos artigos 107.º-A do CPP e 139.º, n.º 6 do CPC, efectuado pelos arguidos e documentado a fls.528 a 533, permite a prática, por ambos os recorrentes, do acto consubstanciado na interposição do recurso no segundo dia útil após o decurso do respectivo prazo.

Após, colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre agora decidir.

                                                        *

II – Fundamentação 

1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 do CPP que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões formuladas na motivação, as quais delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar[1], sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso[2].

Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência dos recorrentes com a decisão impugnada, são as seguintes as questões a decidir:

- Os factos provados não preenchem todos os pressupostos do crime de injúria imputado ao arguido A... .

- A apreciação de questão essencial para o imputado crime de introdução em lugar vedado ao público, cujo conhecimento, nesta sede penal, estava vedado ao tribunal a quo, por se tratar de questão a dirimir no foro cível, onde corre a respectiva acção.

- Inexistência de dolo quanto ao crime de introdução em lugar vedado ao público imputado a ambos os arguidos.

- Admissibilidade do recurso da sentença, na parte em que condenou o arguido B... no pagamento de indemnização civil.

Oficiosamente, esta Relação irá analisar a seguinte questão:

- Nulidade da sentença por falta de fundamentação e omissão de pronúncia relativamente a questões que o tribunal a quo devia apreciar, respeitantes aos direitos sobre o terreno em causa no imputado crime de introdução em lugar vedado ao público [artigo 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), do CPP].

                                                         *

2. A sentença recorrida

2.1. Na sentença proferida na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos (transcrição):

“1. No dia 08-03-1988, F... e mulher, G... , no Cartório Notarial de S. Pedro do Sul, perante o notário H... , declararam vender, entre outros, a B... , à data casado com a assistente C... , “Uma parcela de terreno, com a área de 3.430 m2, a confrontar do norte com a corga, do nascente com o ribeiro, do sul com a estrada e do poente com a estrada de Baiões, limites da então freguesia de Várzea, concelho de S. Pedro do Sul, correspondendo, á data, ao artigo 1235, a destacar do prédio rústico, culto, denominado “Quintela”, com a área de sessenta e oito mil metros quadrados, inscrito na matriz predial sob os artigo 1234, 1235, 1236, 1237, 1238, 1239, 1240 (…).

2. Tal parcela, desde pelo menos 1990 tem vindo s ser cultivada pelo então casal de compradores.

3. Nele abriram um poço, plantaram um pomar de macieiras, plantaram videiras, construíram barracões, onde guardam animais, plantaram horta, semearam cuidaram e colheram milho, sempre à vista dos vendedores e de quem passava na rua, durante todo o ano, na convicção de que era coisa sua, sem lesarem direitos de outrem e sem oposição, até ao presente.

4. Tal prédio, devidamente delimitado e vedado com uma rede à sua volta, possui um portão de duas folhas.

5. Tal prédio transformou-se no “Quintal” da casa de habitação do casal B... e C... , uma vez que a sua casa de habitação se situa, do outro lado da rua/estrada, mesmo em frente.

6. No dia 20/07/2015, pelas 09h40, na Rua ..., Várzea, São Pedro do Sul, o arguido B... , abeirou-se do portão de acesso um terno que se situa em frente à residência da assistente C... , e sem o consentimento da sua legítima possuidora, cortou o aloquete que fechava tal portão, com recurso a instrumento não concretamente apurado, inutilizando aquele aloquete.

7. De seguida, os arguidos A... e B... , em comunhão de esforços e numa única e concertada resolução criminosa, abriram o portão de acesso ao pátio que dá acesso ao quintal da assistente, aí penetrando e permanecendo sem autorização da residente, tendo nesse local colocado uma placa com os dizeres “vende-se” seguido de um número de telefone.

8. Tal logradouro / pátio era vedado com rede e fechado com portão.

9. O aloquete referido e que se encontrava a fechar as duas folhas do portão, tinha custado à assistente, uns dias antes €8,50.

10. De seguida o arguido A... , após discussão sobre a colocação da placa, dirigiu-se à assistente C... dizendo: “Ladra, tu queres é roubar o terreno, sua ladra.”

11. Agiu o arguido B... de forma livre e com o propósito concretizado de inutilizar o aloquete propriedade da assistente C... , apesar de saber que o mesmo não lhe pertencia e que estava a agir contra a vontade da sua proprietária, resultado aquele que representou.

12. Agiram os arguidos A... l e B... de forma livre, consciente e voluntária, em conjugação de esforços e de comum acordo, com o propósito concretizado de invadir o espaço supra descrito, bem sabendo que actuavam contra a vontade da sua legítima possuidora.

13. O arguido A... sabia que as palavras dirigidas à assistente eram aptas a ofender a honra e consideração de qualquer pessoa contra quem são dirigidas, o que representou e quis, tendo actuado de forma livre consciente e voluntária.

14. Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

Do Pedido de Indemnização civil provou-se que:

15. A assistente com a invasão da sua propriedade, pelos arguidos, que se encontrava vedada para evitar a entrada de pessoas estranhas, sentiu insegurança e violada na sua privacidade.

16. Ficou a temer que os arguidos, nesse momento e no futuro, com os actos que praticaram, a agredissem.

17. Ficou revoltada e indignada com a colocação da placa a dizer “Vende-se” com um número de telefone.

18. A demandante é reputada como pessoa séria e honesta.

19. Ficou chocada com a imputação da qualidade de Ladra que contra ela foi dirigida pelo arguido A... , na presença de várias pessoas que se encontravam no local.

20. Despendeu a quantia de €102,00 de taxa de justiça para a constituição de assistente.

Além da acusação provou-se que:

21. Os arguidos não possuem antecedentes criminais averbados no CRC – fls. 75 e 77.

22. A esposa do arguido B... era interessada no inventário com o nº 27/14.5T8SPS que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de S. Pedro do Sul, e no âmbito do mesmo adquiriu, por venda particular, para pagamento das tornas a que tinha direito, por escritura pública datada de 29-04-2015, que compõe fls. 124 e seguintes, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

23. O arguido B... encontra-se desempregado, não auferindo qualquer subsídio ou rendimento, vive conjuntamente com a esposa que é empregada de limpeza, conjuntamente com um filho com 26 anos, em casa própria.

24. A esposa aufere salário não apurado, sendo o único rendimento da família.

25. Encontram-se a pagar um empréstimo para pagarem uma indemnização.

26. O arguido A... encontra-se desempregado, não auferindo qualquer subsídio ou rendimento.

27. Vive conjuntamente com a esposa e três filhos com 18, 16 e 15 anos de idade todos dependentes do ponto de vista económico.

28. Não possui despesas além das correntes da vida quotidiana”.

2.2. Por outro lado, da mesma sentença constam os seguintes factos não provados os seguintes factos (transcrição):

“Não se provou que os arguidos desconhecessem que a assistente andava na posse o prédio descrito em 1.

Não se provou que A... tenha ficado no exterior a segurar a placa e o seu pai no interior, em cima do escadote para a fixar.

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa”.

2.3. Na decisão recorrida aduziu-se a seguinte fundamentação da decisão da matéria de facto (transcrição):

“Para julgar como provados os factos que antecedem o tribunal fundou a sua convicção no conjunto das provas produzidas em audiência de discussão e julgamento conjugadas com as regras da experiência comum a saber:

Quanto à propriedade do imóvel, na escritura de fls. 18 a 20 da qual constam as declarações de compra e venda, cujo teor aqui se dá por reproduzido, não tendo sido colocado em crise a veracidade da mesma, nem o seu conteúdo

Quanto aos actos concretos de posse sobre o imóvel descrito em 1, nas declarações da assistente, conjugadas com os depoimentos de K... que declarou ter sido rendeira do prédio em causa em vida dos vendedores e que depois da venda passou a ser o mesmo cultivado pelo casal composto pela assistente, tendo descrito as alterações que estes fizeram no prédio, com a construção dos barracões para os animais, o plantio das videiras, o plantio das macieiras, o plantio das hortas, dos milhos e abertura de um poço.

Tais factos são do seu conhecimento por os ter presenciado, por ser vizinha da assistente e de sua casa ver o prédio em causa.

Tal depoimento foi corroborado pelo depoimento de I... , vizinha da assistente que os confirmou, tendo conhecimento dos mesmos por o seu marido ter auxiliado o marido da assistente em tais acções.

Tais relatos foram prestados de forma espontânea, sobre factos presenciados pelas mesmas, sendo compatíveis com a escritura supra referida, e lograram convencer o tribunal da veracidade dos mesmos.

Estas testemunhas declararam que no dia em causa viram os arguidos entrar pela porta para o interior do espaço vedado, cujo portão se encontrava fechado, munidos de um escadote tendo afixado a placa supra referida.

A testemunha K... ouviu a expressão proferida por A... dirigida a C... , a qual confirmou.

No depoimento de J... que declarou que o seu cunhado, o arguido B... “cismou em colocar uma placa a dizer vende-se” e que no dia em causa se deslocaram ao local para a lá colocar, deslocando-se o arguido B... e carro próprio e a testemunha numa carrinha de caixa aberta onde transportava um escadote.

No depoimento de D... , esposa de A... , que relatou a deslocação ao local.

Tais depoimentos, são coincidentes até o ponto de chegada ao local, pois ai divergem; enquanto que J... diz que B... e A... não entraram no local, tendo a placa sido colocada pelo exterior, a testemunha D... diz que apenas B... entrou tendo A... ficado no exterior da vedação a segurar a placa.

Tal versão relatada por D... , é a que os arguidos B... e A... relatam, sendo que J... não relata a verdade, não obstante as evidências, pois dos autos e do depoimento das restantes testemunhas resulta que as torcidas dos arames, com que a placa foi fixada ao peirão de pedra, ficaram para dentro, enquanto J... diz que ficaram para fora.

Tal relato quis apenas excluir a introdução no recinto fechado, protegendo assim a família, cunhado e sobrinho.

Com efeito, os arguidos assumiram que o peirão onde a placa foi aplicada se situa a cerca de 80 cm de distância da rede, não sendo credível que tenha sido do exterior que se tenha colocado a placa, uma vez que seria difícil manter o equilíbrio da escada com alguém a inclinar-se para chegar ao peirão e amarrar, com a torcida para dentro, a placa, pois corria sérios riscos de cair da escada.

Nos documentos de fls. 186 a 190 que consubstanciam fichas de identificação de viticultor de B... , marido da assistente dos anos de 1990 a 1995, o pagamento de IMI dos anos de 2004 a 2006, a caderneta predial rústica de fls. 197.

Quanto aos factos não provados nos documentos de fls. 22 que consubstancia uma carta enviada por E... , esposa do arguido B... , datada de 18-06-2015, na qual pede que lhe seja entregue o prédio descrito, bem como na carta de fls. 23 datada de 13-07-2015 com a mesma autoria.

Na carta de fls. 209, datada de 06-07-2015 enviada pela assistente a E... , esposa de B... e mãe de A... , na qual responde à carta enviada por esta e lhe envia cópia da escritura de compara e venda referida em 1, a qual só foi levantada dia 23-07-2015.

De todos os elementos probatórios resulta à saciedade que o arguido B... “cismou” em colocar a placa no prédio para o vender, sendo que não se assegurou, que o prédio seria de sua propriedade ou que outrem andasse na posse dele.

Quanto ao corte do aloquete, por as testemunhas terem referido que nos últimos dias tinham visto o portão fechado com tal dispositivo, sendo que os arguidos, desde os seus depoimentos foram dizendo, sem que lhes tenha sido perguntado que o portão estava aberto.

Ora, tal declaração não é consentânea, com o facto de a assistente ter declarado que uns dias antes o arguido B... havia aparecido dentro da propriedade quando a assistente se encontrava a cuidar dos animais, e que ficou com medo, tendo dias depois comparado o dispositivo para colocar no portão.

Não pode também deixar o tribunal e ter em conta as declarações finais do arguido A... que em tom de gozo dizia “ A D. C... tem toda a razão”, de onde revela uma falta de consciência critica perante as realidades que são expostas pelos documentos, nem perspectivar que pode haver outras posições válidas, para além das já assumidas como verdadeiras.

Quanto às despesas no documento de fls. 244, que se traduz num orçamento, para compra de um dispositivo idêntico.

Quanto aos incómodos por ser do conhecimento geral o que comportamentos similares provocam, o estado de nervos e irritação, para quem comprou a propriedade há mais do que 20 anos se ver, de repente invadido na sua propriedade.

Quanto aos antecedentes criminais no CRC dos autos.

Quanto às condições económicas e sociais nas declarações dos arguidos”.

2.4. No que respeita ao enquadramento jurídico, na parte que releva para o presente recurso, a sentença recorrida apresenta a seguinte fundamentação (transcrição):

“Do crime de introdução em local vedado ao público, previsto no artigo 191º do Código Penal, que tem a seguinte redacção:

Quem, sem consentimento ou autorização de quem de direito, entrar ou permanecer em pátios, jardins ou espaços vedados anexos a habitação, em barcos ou outros meios de transporte, em lugar vedado e destinado a serviço ou a empresa públicos, a serviço de transporte ou ao exercício de profissões ou actividades, ou em qualquer outro lugar vedado e não livremente acessível ao público, é punido com pena de prisão até três meses ou com pena de multa até 60 dias.

“A previsão normativa visa salvaguardar a inviolabilidade de um conjunto heterogéneo de espaços que se estendem por um contínuo numa perspectiva/publicidade. Um dos polos é ocupado pelo “pátios, jardins, ou espaços vedados anexos a habitação” (…) Trata-se de espaços ao alcance do halo da inviolabilidade do domicílio e cuja tutela penal releva ainda da protecção da privacidade”. [Costa Andrade, Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, pág. 718].

Por outro lado a inserção sistemática permite concluir que o bem jurídico protegido pela norma é a reserva da vida privada.

Logo o objecto da acção tem de assumir a forma de um espaço fisicamente limitado, em termos de a entrada arbitrária só ser possível ultrapassando, uma barreira física, como p. ex. um muro, um portão, uma sebe.

A factualidade típica preenche-se com a entrada contra a vontade expressa ou presumida de quem de direito, uma vez que é da sua vontade que ressalta a privacidade do espaço.

E o crime só é punível a título de dolo, enquanto conhecimento e vontade de realização de facto típico.

Dos provados resulta que o espaço descrito em 1 se encontra fechado com uma rede e munido de um portão com duas folhas e no dia em causa encontrava-se fechado com um aloquete.

Desde logo temos a descrição objectiva do local que se integra no tipo legal, sendo que a vontade de não entrarem outras pessoas é evidente para qualquer cidadão, por ter sido aposta a rede e ainda por cima um aloquete no portão.

Por outro lado, os arguidos sabiam que não estavam autorizados a entrar na propriedade da assistente, mesmo assim entraram no espaço que sabiam que lhes estava vedado.

Poder-se-ia suscitar a questão da acção directa no exercício de um direito, como estatui o Artigo 336.º, do Código Civil, que tem a seguinte redacção:

1. É lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito, quando a acção directa for indispensável, pela impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais, para evitar a inutilização prática desse direito, contanto que o agente não exceda o que for necessário para evitar o prejuízo.

2. A acção directa pode consistir na apropriação, destruição ou deterioração de uma coisa, na eliminação da resistência irregularmente oposta ao exercício do direito, ou noutro acto análogo.

3. A acção directa não é lícita, quando sacrifique interesses superiores aos que o agente visa realizar ou assegurar.

Desde logo, não se poderá concluir pela impossibilidade de os arguidos se socorrerem em tempo útil aos meios coercivos normais, pois deveriam ter lançado mão dos meios judiciais para o efeito, nomeadamente pela acção e reivindicação ou restituição provisória da posse.

Pelo que se terá que concluir pela inexistência de causa de exclusão a ilicitude.

Resultando provado que os arguidos B... e A... actuaram conjuntamente um segurando o escadote e o outro fixando o placard, ter-se-á que se encontra preenchida a figura da co-autoria conforme se encontra prevista no artigo 26º do Código Penal”.

3. Apreciando.

3.1. No presente recurso suscita-se oficiosamente a questão relativa à nulidade da sentença por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia.

Nela entronca a questão invocada no recurso de que o tribunal a quo apreciou, nesta sede penal, matéria essencial para o imputado crime de introdução em lugar vedado ao público cujo conhecimento lhe estava vedado por se tratar de questão a dirimir no foro cível, onde corre a respectiva acção.

Atendendo à sua natureza e efeitos da eventual procedência, cumpre primeiramente conhecer da suscitada nulidade, uma vez que a sua verificação é susceptível de prejudicar a análise das restantes questões invocadas no presente recurso.

Vejamos, pois.

3.1.1. Na sentença recorrida julgou-se verificada a prática, pelos recorrentes, do imputado crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 191.º do Código Penal.

Segundo dispõe o citado normativo, “quem, sem consentimento ou autorização de quem de direito, entrar ou permanecer em pátios, jardins ou espaços vedados anexos a habitação, em barcos ou outros meios de transporte, em lugar vedado e destinado a serviço ou a empresa públicos, a serviço de transporte ou ao exercício de profissões ou actividades, ou em qualquer outro lugar vedado e não livremente acessível ao público, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 60 dias”.

O tipo objectivo do referido ilícito consiste na entrada ou permanência, sem consentimento ou autorização de quem de direito, nos diversos espaços indicados na norma, os quais se devem considerar fechados, ou seja, com o acesso fisicamente vedado por uma construção humana (porta, arame, portão, muro ou sebe).

No que se refere à protecção dos pátios, jardins ou espaços vedados anexos a habitação previstos na norma incriminadora, o bem jurídico tutelado consiste na “privacidade de outra pessoa num espaço físico circundante da habitação”, ao qual se estende, pois, a inviolabilidade do domicílio protegida pelo artigo 190.º do Código Penal.

Já quanto aos demais espaços previstos na norma (barcos ou outros meios de transporte, lugares vedados e destinados a serviço ou a empresa públicos, a serviço de transporte ou ao exercício de profissões ou actividades, ou qualquer outro lugar vedado e não livremente acessível ao público), em relação aos quais existe um interesse legítimo em vedar o acesso, visa-se proteger a funcionalidade dos mesmos, quer seja por razões ligadas ao correcto funcionamento de determinados serviços ou actividades profissionais, quer por motivos que se prendem com a tutela de valores ligados à reserva da vida privada, mormente os que respeitam ao uso e fruição dos locais contemplados no tipo sem a intromissão ou importunação de outrem.

Como claramente resulta da norma em análise, o titular do bem jurídico protegido será quem dispõe de um direito em cujo âmbito se inscrevem os poderes de consentir ou autorizar a entrada ou permanência no espaço em questão.

In casu, o espaço objecto do ilícito em apreço consiste na parcela de terreno indicada no ponto 1 da factualidade provada, em relação à qual o tribunal a quo considerou demonstrada a aquisição pela escritura pública aí referida, celebrada em 08-03-1988, e a sua posse e utilização pela assistente e seu marido desde, pelo menos, 1990, transformando-se o aludido prédio no quintal da casa de habitação do casal, uma vez que esta se situa do outro lado da rua/estrada, mesmo em frente (cf. factos provados n.os 2, 3 e 4).

Entendendo, assim, ser a assistente a legítima possuidora do imóvel em questão, vedado com rede e fechado com portão, no qual os arguidos entraram e permaneceram sem autorização daquela, tendo nesse local colocado uma placa com os dizeres “vende-se”, seguido de um número de telefone (cf. factos provados n.os 6, 7 e 8).

Sucede, porém, que no ponto 22 da sentença recorrida o tribunal a quo deu também como provado que “a esposa do arguido B... era interessada no inventário com o nº 27/14.5T8SPS que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de S. Pedro do Sul, e no âmbito do mesmo adquiriu, por venda particular, para pagamento das tornas a que tinha direito, por escritura pública datada de 29-04-2015, que compõe fls.124 e seguintes, cujo teor aqui se dá por reproduzido”. E, como se pode ler a fls.124 a 127, para onde remete aquele ponto, um dos imóveis adquiridos pela esposa do arguido B... , corresponde ao prédio rústico inscrito anteriormente na matriz sob o artigo 1234 da extinta freguesia de Várzea (cf. verba 2 indicada a fls.125 v.º).

Ora, do confronto dos elementos constantes do apontado documento dado como reproduzido no ponto 22 com a descrição efectuada no ponto 1 da factualidade provada, resulta que o terreno que o tribunal a quo considerou ser legitimamente possuído pela assistente fez ou ainda faz parte daquele prédio rústico adquirido pela esposa do arguido B... , sendo dele a destacar (cf. parte final do citado ponto 1).

Por outro lado, na fundamentação da decisão da matéria de facto aduzida na sentença recorrida é feita referência aos documentos juntos aos autos a fls.22, 23 e 209, dizendo-se que o documento de fls.22 consubstancia uma carta enviada por E... , esposa do arguido B... , datada de 18-06-2015, na qual pede que lhe seja entregue o prédio descrito, e o documento de fls.23 corresponde também a uma carta, datada de 13-07-2015, com o mesmo teor e autoria. Por sua vez, o documento de fls.209 consiste numa carta, datada de 06-07-2015, enviada pela assistente à referida E... , na qual responde à carta enviada por esta e lhe envia cópia da escritura de compra e venda referida em 1, correspondência que só foi levantada no dia 23-07-2015.

Ademais, da cópia de elementos da acção cível instaurada pela assistente (petição inicial e respectivos documentos), junta pela mesma a fls.139 a 212 e que constitui um dos documentos indicados como prova na acusação pública (cf. fls.311), verifica-se que a questão relativa à propriedade da aludida parcela de terreno se encontra em litígio e a ser discutida na mencionada acção cível, sendo que, quer a assistente, por um lado, quer o arguido B... , por outro, reclamam direitos sobre o imóvel.

Esta questão tanto é relevante que o tribunal a quo entendeu, já em sede de audiência de julgamento, ordenar a junção aos autos de cópia da contestação apresentada na referida acção cível que tomou o n.º 155/15.0T8SPS (cf. acta de fls.439 e documento junto a fls.426 a 435). Peça processual essa que, aliás, o arguido A... havia referido na contestação que apresentou no presente processo (cf. fls.369) e à qual foi feita menção aquando da alteração não substancial dos factos descritos na acusação que o tribunal a quo comunicou a fls.461 a 462.

Se é certo que a marcha dos presentes autos, mormente a desencadeada ex officio pelo tribunal a quo, nos termos acima referidos, e bem assim os documentos neles juntos, também atrás indicados, dão claramente conta da disputa quanto à propriedade sobre a sobredita parcela de terreno e que se encontra em discussão no âmbito de acção cível, não é menos verdade que tal questão, que é importante para a apreciação do imputado crime de introdução em lugar vedado ao público, não se mostra analisada na sentença recorrida de forma completa e fundamentada, verificando-se que tal omissão ocorre quer em sede de fundamentação de facto, quer no plano do enquadramento jurídico-penal.

Pois bem.

3.1.2. No que respeita à matéria de facto, o tribunal a quo ordenou a junção aos autos de cópia da contestação apresentada na referida acção cível n.º 155/15.0T8SPS (fls.426 a 435), partindo-se, pois, do princípio que só o fez porque se lhe afigurou necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa (cf. artigo 340.º, n.º 1 do CPP). Contudo, de tal junção e do que daí possa ter resultado (ou não) em termos de apuramento fáctico, verifica-se que a sentença recorrida é omissa, sendo certo que o tribunal a quo invocou o sobredito documento em sede de alteração não substancial de factos que comunicou a fls.461 a 462, mas na fundamentação aduzida na decisão que ora se sindica não fez qualquer menção ao mesmo nem à causa cível a que ele respeita, desconhecendo-se, portanto, qual a relevância que veio, afinal, a assumir em termos de acervo fáctico considerado pelo julgador e respectivo peso probatório.

Por outro lado, as comunicações datadas de 18-06-2015 e 13-07-2015, efectuadas por E... , esposa do arguido B... e mãe do arguido A... , à assistente, nas quais aquela pede que lhe seja entregue o prédio em questão, constantes dos documentos juntos a fls.22 e 23 e referidas na motivação da sentença recorrida, são ilustrativas da posição assumida pela aludida E... , no sentido de que se considera proprietária do imóvel, adquirido nos termos indicados no ponto 22, e que reclama a sua entrega.

Ora, tais comunicações, que precederam os comportamentos imputados aos arguidos e cuja efectivação o tribunal o quo não questionou, assumem significado porque são reveladoras do conflito relativo à titularidade do direito de propriedade sobre o prédio em causa. Contudo, não foram consideradas no elenco de factos apurados, tendo apenas servido para em sede de motivação da convicção formada sustentar a não demonstração de factualidade (no caso, que os arguidos desconhecessem que a assistente andava na posse do prédio referido em 1).

3.1.3. Quanto ao enquadramento jurídico-penal, tendo presente que o titular do bem jurídico protegido pelo tipo é, quem de direito, assume uma determinada qualidade relativamente ao espaço vedado ao público que é merecedora da tutela da privacidade ali assegurada, a aludida questão quanto à propriedade do imóvel, decorrente do que resultou provado sob o ponto 22, manifestada nas sobreditas comunicações de fls.22 e 23 e discutida na causa cível a que se refere o documento de fls.140 a 212, indicado na acusação pública, bem como o documento que o tribunal a quo mandou juntar aos autos, é susceptível de relevar ao nível do preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do ilícito.

Configurando, assim, uma questão prejudicial, na medida em que respeita a um elemento essencial do aludido crime que condiciona o conhecimento do mérito pois faz parte do próprio juízo lógico da decisão sobre a questão principal.

O que nos remete para o tema suscitado no recurso que se prende com a alegada insuficiência do processo penal para decidir a matéria atinente à aquisição do direito de propriedade sobre a parcela de terreno em questão.

O ponto em análise rege-se pelo princípio da suficiência do processo penal, consagrado no artigo 7.º do CPP, nos termos do qual o processo é promovido independentemente de qualquer outro e nele se resolvem todas as questões (penais e não penais) que interessarem à decisão da causa (n.º 1). Porém, quando para conhecer da existência de um crime for necessário julgar qualquer questão não penal que não possa ser convenientemente resolvida no processo penal, pode o tribunal suspender o processo para que se decida esta questão no tribunal competente (n.º 2), dentro das condições e com os limites temporais estabelecidos nos n.os 3 e 4 do citado normativo.

A suficiência assim consagrada tem em vista as chamadas questões prejudiciais, ou seja, as “questões jurídicas concretas que, sendo embora autónomas no seu objecto relativamente à questão principal do processo em que surgem e por isso susceptíveis de constituírem objecto próprio de um outro processo, se vêm a revelar como questões cujo conhecimento é condicionante da decisão sobre a questão principal”. Estamos, pois, perante “pressupostos substantivos da própria decisão da questão prejudicada, fazendo parte do juízo da própria decisão sobre o mérito da questão principal do processo em que surgem”.[3]

Do quadro legal acima descrito resulta, pois, como regra que as questões prejudiciais serão resolvidas no processo penal e só excepcionalmente, quando o juiz entenda que não podem ser aí convenientemente julgadas, serão devolvidas para resolução pelo tribunal competente, onde serão objecto de processo próprio, suspendendo-se a causa penal para aguardar a decisão daquele.

In casu, não obstante a acção cível pendente e o desfecho que dela venha a resultar, a questão prejudicial relativa ao direito de propriedade sobre a parcela de terreno que constitui o lugar vedado ao público do ilícito em análise foi resolvida nos presentes autos de processo penal, concluindo o tribunal a quo que a assistente é a legítima possuidora e proprietária do prédio em causa e, nessa medida, quem de direito assume a qualidade descrita no artigo 191.º do Código Penal.

Pese embora não o tenha referido expressamente na sentença recorrida, depreende-se do seu teor que o tribunal a quo tomou por certa a suficiência destes autos para decidir a questão não penal relativa à propriedade do imóvel e que se encontra em discussão na acção cível cuja pendência tinha conhecimento, assumindo deste modo a faculdade que lhe é atribuída pelo artigo 7.º, n.º 1 do CPP. 

Sucede, porém, que na resolução de tal questão nada referiu quanto à aquisição dada como provada no ponto 22 e ao significado e efeitos desta, face aos direitos cuja titularidade reconheceu à assistente, não tendo, pois, sido vertida na sentença recorrida qualquer apreciação que considerasse aquele elemento no iter decisório que levou o tribunal a quo à conclusão a que chegou.

Tendo, pois, entendido seguir o caminho indicado pelo citado artigo 7.º, n.º 1, o tribunal a quo deveria, contudo, ter analisado a factualidade provada no ponto 22 à luz do aludido pressuposto contido no preceito incriminador, fundamentando a opção tomada face ao confronto dos factos que deu como apurados e que apontam no sentido da existência de dois proprietários diversos sobre a mesma parcela de terreno e sustentando, assim, a decisão que alcançou com base no princípio de que qualquer prévia resolução da questão no foro não penal, mormente no âmbito do processo que corre termos sob o n.º 155/15.0T8SPS, seria para o caso desnecessária.

3.1.4. É certo que o tribunal a quo se pronunciou sobre a questão que se poderia suscitar quanto à eventual acção directa no exercício de um direito, tendo concluído no sentido da inexistência de causa de exclusão da ilicitude, invocando para tanto que não se verificou a impossibilidade de os arguidos se socorrerem em tempo útil dos meios coercivos normais, pois deveriam ter lançado mão dos meios judiciais para o efeito, nomeadamente pela acção de reivindicação ou de restituição provisória da posse.

Contudo, para além de a ponderação sobre a existência de uma situação de acção directa justificativa do ilícito não se substituir à apreciação da questão substantiva prejudicial que foi resolvida nos presentes autos, a qual padece da omissão acima apontada, na referida ponderação o tribunal a quo não identificou o direito dos arguidos que suscitou a aplicação do mencionado instituto analisado nem procedeu a qualquer explanação que o relacionasse com a factualidade constante do ponto n.º 22, sendo certo que este faz remissão para um documento junto aos autos, dando-o por reproduzido, e apenas a sua leitura em pormenor permitiria a cabal compreensão do seu teor e o que dele se extrai quanto à aquisição da propriedade sobre o imóvel discutido e a um eventual direito exercido pelos arguidos, operação que, quanto a nós, não é de se exigir a tais destinatários primeiros da sentença recorrida, quando em causa está uma circunstância que, a verificar-se, afastaria a ilicitude do acto por eles praticado.

3.1.5. Já no plano da determinação da medida concreta das penas aplicadas aos arguidos, resulta da sentença recorrida que o tribunal a quo considerou que militam contra aqueles a intensidade do dolo, as motivações, a falta de arrependimento, a forma como se expressaram na audiência truculentos e formulando perguntas retóricas e a não procura de soluções dentro do quadro normativo e éticos mínimos da sociedade, distinguindo ainda, quanto à participação nos factos, a culpa do arguido B... por ter tomado a iniciativa e ter “cismado”.

Ora, para além de no elenco de factos provados não se detectar qualquer elemento que suporte a indicada atitude adoptada em sede de audiência de julgamento, o mesmo sucedendo em relação à motivação do arguido B... , traduzida em este “ter cismado”, verifica-se que a aquisição provada no ponto 22 não foi considerada em sede de motivação dos arguidos, sendo certo que, como vimos supra, as comunicações realizadas pela esposa do primeiro arguido e mãe do segundo, documentadas a fls.22 e 23, poderiam também relevar para tal fim, mas não foram incluídas na factualidade provada.

3.1.6. Do exposto resulta, pois, que:

a) a enumeração dos factos provados e não provados efectuada na sentença recorrida não contempla toda a matéria que reveste importância para a decisão da causa;

b) a resolução da questão prejudicial não penal atrás referida padece de significativas lacunas, não tendo a aquisição provada no ponto 22 sido objecto de análise em tal sede, ponderando-se neste contexto a posição assumida pelos arguidos ao remeterem para a contestação da acção cível n.º 155/15.0T8SPS, pelo que se verifica insuficiente fundamentação da conclusão alcançada pelo tribunal a quo ao considerar que a assistente é quem de direito assume a posição indicada no artigo 191.º do Código Penal; e

c) a aquisição provada no ponto 22 também não foi considerada na determinação da medida concreta das penas aplicadas, para além de os omitidos factos quanto às comunicações indicadas em 3.1.5. poderem relevar em tal sede, a que acresce ainda a necessidade de aquela aquisição ser claramente identificada como elemento atendido na ponderação feita sobre o instituto da acção directa.

Tratando-se de questões factuais e jurídicas que o tribunal a quo tinha o dever de conhecer e apreciar, incluindo-as na sentença recorrida, o silêncio quanto à ponderação de tais elementos constitui causa de nulidade da referida peça decisória, nos termos previstos no artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP.

Conforme resulta do preceituado no artigo 374.º, n.º 2 do CPP, para o qual remete aqueloutro normativo, a fundamentação da sentença consiste na enumeração dos factos provados e não provados, bem como na exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

A fundamentação de facto e de direito que obrigatoriamente deve constar da sentença, nos termos previstos no citado artigo 374.º, n.º 2, serve um propósito intraprocessual, voltado para a reapreciação das decisões que caracteriza o sistema de recursos e de forma que permita ao tribunal superior conhecer o modo e o processo de formulação do juízo lógico contido em tais decisões (os fundamentos) para formular o seu próprio juízo sobre os aludidos fundamentos.

Para além daquele objectivo intraprocessual, a fundamentação adequada e suficiente da decisão assegura também uma finalidade extraprocessual, “como condição de legitimação externa da decisão pela possibilidade que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor e motivos que a determinaram”[4].

Decorrência, aliás, do imperativo constitucional consagrado no artigo 205.º, n.º 1 da CRP: as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.

Face ao exposto, conclui-se que não foi observado o dever de fundamentação que se impunha ao tribunal a quo, o que na presente sede recursiva vem obstar à cabal sindicância da decisão que aquele tomou relativamente ao imputado crime de introdução em lugar vedado ao público e que acaba por se reflectir na apreciação dos demais ilícitos julgados nos autos, na medida em que a motivação dos arguidos relevará para efeitos da determinação das penas concretas a aplicar pela prática de tais ilícitos.

A insuficiência da fundamentação, nos moldes atrás descritos, determina a nulidade da sentença, nos termos previstos no já citado artigo 379.º, n.º 1, alínea a), com referência ao também indicado artigo 374.º, n.º 2, podendo tal invalidade ser oficiosamente conhecida em sede de recurso, em conformidade com o disposto no n.º 2 daquele primeiro normativo (“as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso”)[5], invalidade que naturalmente se circunscreve às matérias indicadas supra em 3.1.2., 3.1.3., 3.1.4. e 3.1.5., sintetizadas no presente ponto.

Analisado agora o descrito circunstancialismo numa outra perspectiva, desta feita porque o tribunal a quo não se pronunciou sobre questões de facto e de direito que deveria ter conhecido, resulta que a sentença recorrida também padece da nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, na modalidade de omissão de pronúncia.

Verificadas as apontadas nulidades, não pode a Relação substituir-se ao tribunal recorrido e supri-las, pois se assim fizesse estaria a negar-se o único grau de recurso de que o arguido dispõe, violando-se por essa via o duplo grau de jurisdição exigido pelo artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.[6]

Devendo, pois, o tribunal a quo suprir as insuficiências detectadas, atendendo para tanto aos elementos cuja obtenção repute necessária, em ordem à satisfação das exigências de fundamentação da decisão e à efectiva pronúncia de todas as questões que nela devem ser apreciadas.

Com excepção do que a seguir se irá apreciar (cf. 3.2.), a nulidade da sentença prejudica o conhecimento das restantes questões suscitadas no recurso.

                                                       *

3.2. - Admissibilidade do recurso da sentença, na parte em que condenou o arguido B... no pagamento de indemnização civil.

O recurso interposto versa também sobre a condenação do arguido B... no pagamento da indemnização de 1 008,50 € à assistente C... .

Tal indemnização respeita ao pedido nesse sentido deduzido pela assistente e no qual peticionava a condenação do arguido B... no pagamento da quantia global de 508,50 €, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.

Conforme dispõe o artigo 400.º, n.º 2 do CPP, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.

Assim, para que o recurso seja admissível é necessário que se mostrem preenchidos dois pressupostos cumulativos: 1) o valor do pedido deve ser superior à alçada do tribunal recorrido e 2) a sucumbência do recorrente há-de ser superior a metade do valor daquela alçada.

Ora, considerando os montantes em causa na decisão impugnada e que o valor da alçada a atender corresponde a 5 000,00 € (cf. artigo 44.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto – Lei da Organização do Sistema Judiciário), forçoso se torna concluir que, face ao que dispõe o artigo 400.º, n.º 2 do CPP, o recurso da sentença na parte relativa ao citado pedido de indemnização civil é inadmissível.

Em função do que deve o mesmo ser rejeitado, nos termos do disposto nos artigos 420.º, n.º 1, alínea b), segunda parte, e 414.º, n.º 2, ambos do CPP, resultando, pois, prejudicado o conhecimento das questões suscitadas no recurso que respeitam à referida decisão indemnizatória.

                                                        *

III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação em:

a) Declarar nula a sentença recorrida por falta de fundamentação e omissão de pronúncia quanto às questões indicadas supra em 3.1.2., 3.1.3., 3.1.4., 3.1.5. e 3.1.6.

b) Em resultado da nulidade declarada em a), devem os autos baixar à 1.ª instância para que o tribunal a quo proceda à fundamentação em falta e se pronuncie sobre as indicadas questões, se necessário com produção suplementar de prova, decidindo-se a final em conformidade.

c) Rejeitar o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil em que foi condenado o arguido B... .

Sem tributação na parte criminal.

Custas relativas ao pedido de indemnização civil deduzido contra o arguido B... a cargo deste.

Coimbra, 10 de Maio de 2017

(O presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pela primeira signatária – artigo 94.º, n.º 2 do CPP)

(Helena Bolieiro - relatora)

(Brízida Martins - adjunto)

                                                       


[1] Na doutrina, cf. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág.335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113. Na jurisprudência, cf., entre muitos, os Acórdãos do STJ de 25-06-1998, in BMJ 478, pág.242; de 03-02-1999, in BMJ 484, pág.271; de 28-04-1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág.193.
[2] Cf. Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 7/95, de 19-10-1995, publicado no Diário da República, Série I-A, de 28-12-1995.
  
  
[3] Cf. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 1, Universidade Católica Editora, 2013, pág.124.
[4] Cf. Acórdão do STJ de 16-03-2005, proferido no processo n.º            05P662, disponível na Internet em <http://www.dgsi.pt>.
[5] Neste sentido cf., v.g., Acórdão do STJ de 27-10-2010, disponível na Internet em <http://www.dgsi.pt>.
[6] Cf. Acórdão da Relação de Lisboa de 27-01-2010, disponível na Internet em <http://www.dgsi.pt/>.