Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
482/09.5TBTMR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: EMPREITADA
PAGAMENTO
PREÇO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 07/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TOMAR – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 342º, Nº 2 C. CIV. .
Sumário: I – A alegação pelo R. de haver efectivamente satisfeito (pago) o preço de uma obra (empreitada) que lhe é pedido pelo A. (o empreiteiro), configura a dedução por aquele de uma excepção peremptória cuja ónus da prova incumbe a quem efectua essa alegação (ao R.), nos termos do artigo 342º, nº 2 do CC.

II – A afirmação, pelo R., de que esse pagamento, referido a um valor superior a €5.000,00, ocorreu em numerário, de uma só vez, sem recibo ou outro documento comprovativo da entrega desse valor, no escritório do próprio R., corresponde, à partida, a uma incidência pouco usual na normalidade das situações deste tipo.

III – Assim, a pretensão de provar esta forma e circunstancialismo de pagamento, só com base no depoimento testemunhal dos filhos do R. e de uma colega deste (pessoa notoriamente próxima da posição do mesmo), enquanto únicas pessoas que teriam presenciado esse pagamento negado pelo A., sem qualquer outro elemento adicional de prova corroborando minimamente essa situação, traduz a afirmação de um facto (o pagamento nessas condições não usuais) pouco consistente e que, nesse sentido, não atinge o limiar de uma prova relevante.

IV – O limiar da prova relevante de um facto em processo civil corresponde à circunstância da afirmação positiva desse facto se apresentar, em função da conjugação de toda a prova produzida, como mais provável ter acontecido do que não ter acontecido, sendo que a fundamentação da matéria de facto deve caracterizar essa maior probabilidade, para além da simples consideração de depoimentos como os indicados em III como credíveis.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa

            1. Em 22/04/2009[1] a Sociedade M…, Lda. (A. e aqui Apelante) demandou C… (R. e aqui Apelado), pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de €6.748,22 e juros, respeitante a uma prestação de serviços (elaboração de um parecer técnico para utilização como prova num processo judicial) encomendada à A. pelo R., advogado de profissão, e ao preço de umas obras realizadas pela mesma empresa A. no escritório do R., tudo respeitante ao preço daquele parecer e destas obras facturados pela A. e não pagos pelo R.

            1.1. Este (o R.) contestou, negando a contratação (por ele) do parecer técnico indicado pela A. (afirma que quem efectivamente o solicitou – um cliente do R. –, aliás, já o teria pago) e alegando ter satisfeito, quanto às obras no escritório do R., o preço acordado com o responsável da A. (€5.410,00, v. artigo 55º da contestação a fls. 117, contendo a alegação de pagamento por banda do R.[2]).

            1.2. Realizado o julgamento, depois de fixados os factos provados por referência à base instrutória (despacho de fls. 285/289), foi a acção decidida em primeira instância através da Sentença de fls. 296/307esta, integrada por esse despacho de fls. 285/289, constitui a decisão objecto do presente recurso – julgando improcedente (totalmente improcedente o pedido da A.).

            1.3. Inconformada, apelou a A. (a motivação do recurso está a fls. 311/363) aí concluindo o seguinte:
“[…]


II – Fundamentação

            2. Relatado o essencial do iter processual que conduziu à presente instância de recurso, cumpre apreciar os fundamentos da apelação, tendo em conta que as conclusões formuladas pela Apelante – foram elas transcritas no item anterior – operaram a delimitação temática do objecto do recurso, isto nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC)[3]. Com efeito, fora das conclusões só valem, em qualquer recurso, questões que se configurem como de conhecimento oficioso (di-lo o trecho final do artigo 660º, nº 2 do CPC). Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição sobre questões prejudicadas, na sua incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas. E, enfim – esgotando o modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos argumentos do recorrente, sendo certo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àqueles (às questões fundamentos) e não aos diversos argumentos jurídicos que vão sendo introduzidos ao longo da motivação do recurso.

            Neste caso, refere-se o recurso fundamentalmente à matéria de facto – aos trechos desta referentes ao pagamento das três facturas (de fls. 11, 17/20 e 23[4]) à sociedade A. – pretendendo a Apelante que as respostas aos quesitos correspondentes sejam alteradas no sentido de dar por indemonstrado (não provado) esse pagamento[5]. É certo que, a ser acolhido este fundamento do recurso referido aos factos (a serem alterados os factos no sentido propugnado pela A./Apelante), deverá este Tribunal de recurso, subsequentemente e dentro da lógica substitutiva que caracteriza a intervenção desta instância, julgar a acção de acordo com o novo elenco fáctico.

            É nestes termos, pois, que se caracteriza o recurso cuja apreciação agora encetamos. 

2.1. Como pressuposto da apreciação dos factos importa indicar aqui a base de trabalho – quais os factos – que se nos oferece(m) como resultado do julgamento em primeira instância. Tal indicação apresenta, na lógica expositiva deste Acórdão, a provisoriedade decorrente de estar em causa, pendente de apreciação – digamo-lo assim – o fundamento central do recurso que se traduz, precisamente, na pretensão de actuar sobre esses factos, alterando-os em determinados trechos muito significativos para o resultado da acção[6]. Feita esta advertência de provisoriedade aqui transcrevemos o rol dos factos provados segundo o entendimento do Tribunal a quo:
“[…]

            2.1.1. Como factos não provados – e continuamos a reproduzir os termos do julgamento da matéria de facto pela primeira instância – foram indicados no texto da Sentença os seguintes:
“[…]

            2.2. Através da presente acção pretende a sociedade A., a ora Apelante, cobrar o valor de três facturas (facturas nºs 175, 176 e 177, v. nota 5 supra), referidas a duas situações perfeitamente distintas de prestação de serviços ao R., uma delas assumindo a forma de um contrato de empreitada, emergindo como questão fulcral em ambas as situações o pagamento dos trabalhos em causa nessas facturas, embora no caso da primeira situação (a da factura nº 175) o R. conteste a própria prestação de serviços, enquanto acordo contratual a ele reportado (nega o R. ter celebrado o contrato com a A., referindo tal celebração a um terceiro, embora tenha sido ele que aproximou a A. desse terceiro). 

Com efeito, a primeira situação (factura nº 175 de fls. 11), configurando-se como uma prestação de serviços pura [v. artigo 1154º do Código Civil (CC)], refere-se à elaboração pela A. de um parecer técnico sobre os defeitos de uma determinada obra, parecer este que a A. afirma ter-lhe sido encomendado directamente pelo R., pretendendo aquela receber deste o respectivo “preço” (€380,00) – a retribuição (v. trecho final do artigo 1154º do CC) – desse parecer. A defesa do R. assenta na negação da celebração desse acordo, embora instrumentalmente afirme a realização (por um terceiro que indica como o verdadeiro contraente[7]) desse pagamento, num montante (€100,00) diverso do indicado pela A.

Caracterizando a dinâmica argumentativa desta situação (a indicada primeira situação), em vista da alocação a uma das partes do ónus da prova e da extracção da correspondente “regra de decisão” para o caso – se for esse o caso – de um resultado correspondente a um non liquet[8], caracterizando essa dinâmica, dizíamos, está em causa o ónus da A. (o ónus da prova pela A.) da própria situação da qual emerge a factura nº 175: tem – tinha – a A. de provar (artigo 342º, nº 1 do CC) a existência do contrato de prestação de serviços, enquanto acordo de vontades referido a ela (Sociedade M…, Lda.) e ao R. (Dr. C…), através do qual este teria encomendado (ele próprio) o mencionado parecer técnico, assumindo perante a A. (ele próprio) o encargo de satisfazer o preço desse parecer.

Quanto à segunda situação (facturas nºs 176 e 177, de fls. 17/20 e 23), está em causa – e isso é consensual – uma empreitada assumida pela A. (como empreiteira) traduzida na realização de determinadas obras no gabinete de trabalho do R., indicando a A. que o preço correspondente à execução deste contrato (v. artigo 1207º do CC) não foi satisfeito pelo R. Este, por sua vez, aceitando a realização das obras, contrapõe o efectivo pagamento à A. do preço destas – em numerário (foram mais de €5.000,00 na versão do próprio R.), directamente ao sócio da A., …, pagamento este que teria ocorrido no escritório do R. e sem emissão, nessa circunstância, de qualquer recibo ou documento titulando a entrega desse dinheiro (v. os artigos 53º a 58º da contestação a fls. 117/118).

Neste caso, no que concerne à dinâmica argumentativa da acção, diversamente do que sucedeu com a primeira situação enunciada neste item, estamos perante a alegação pelo R. do pagamento, funcionando este como facto extintivo do direito da A., traduzindo, pois, uma excepção peremptória invocada pelo R. em sua defesa (v. artigo 493º, nº 3 do CPC), proporcionando esta incidência uma distinta alocação do ónus da prova e, relativamente à indicada primeira situação, o emergir de uma regra de decisão (v. nota 11 supra e o texto que para ela remete) subjectivamente distinta. Com efeito, trata-se aqui da prova de um facto extintivo (o pagamento) do direito invocado pela A. (o direito a receber o preço da empreitada), cuja prova compete ao R. – aquele contra quem a invocação desse direito é feita –, nos termos do artigo 342º, nº 2 do CC. Constitui esta uma asserção indiscutível, invariavelmente afirmada pela jurisprudência[9], e que configura neste caso concreto a alocação do ónus da invocação desse pagamento ao R. (e este cumpriu-o, sem dúvida), tal como do ónus da prova dessa incidência, resultando deste último que a indemonstração da versão do R. (já paguei) gerará a decisão contrária aos interesses do mesmo: a decisão de que este não pagou – rectius, não demonstrou ter pago – e, consequentemente, a condenação do R. a pagar o preço da empreitada à A.

Fixado o quadro geral de referência, importa apreciar a questão da prova de cada uma das duas situações referidas.

2.2.1. Quanto à designada primeira situaçãoa prestação de serviços em causa na factura nº 175 (elaboração de um parecer técnico pela A.) –, lembramos que a questão se coloca logo (previamente ao problema do pagamento) na referenciação do próprio contrato ao R., negando este a sua celebração (a celebração com ele; o ser ele devedor da retribuição correspondente), incumbindo à A., antes de mais, o ónus da prova da celebração do contrato com o R. e não com o cliente deste (com a testemunha A…). A causa de pedir indicada pela A. passa aqui, antes de mais, pela afirmação de que o contrato de prestação de serviços gerador da factura nº 175 foi – só foi – celebrado entre ela A. e o R., sendo que as questões atinentes à patologia desse contrato se resolvem entre estes sujeitos com exclusão de outros intervenientes.

Interessa-nos a respeito desta situação, desde logo – e trata-se de uma questão não focada pela Apelante mas que é relevante –, a resposta positiva do Tribunal ao quesito 4º da base instrutória de fls. 235 (v. essa resposta a fls. 285), que originou o item 7. do elenco fáctico acima transcrito. Perguntava-se nesse quesito, com efeito, relativamente ao parecer técnico em causa na factura nº 175 de fls. 11, se a sociedade A. “[…] não conhe[cia] o cliente do […] R. nem foi este que lhe solicitou a prestação do serviço?”[10], tendo a Senhora Juíza a quo considerado esta asserção fáctica como provada sem qualquer restrição, fundamentando-a a fls. 286/287, agregadamente com outros quesitos referidos à mesma situação, inquestionavelmente no sentido de pressupor a credibilidade da versão do R. segundo a qual este fora um mero “veículo” de aproximação entre o sócio da A., …, e o cliente do R., A...

Assim, compaginando este elemento com o teor das respostas que vieram a originar os pontos 16., 17., 18., 19. e 20. do rol dos factos, devemos ter presente, por razões de coerência lógica do relato da situação, nos termos em que esta emerge da globalidade dos factos, que a afirmação de “não ter sido o cliente do R. a solicitar a prestação dos serviços”, significa, tão-só, que não foi este (o cliente do R.) quem autonomamente se aproximou da A. para solicitação do parecer, já que não conhecia a empresa (como afirmou em julgamento), nem o sócio desta o conhecia a ele. Só com este sentido os pontos 16 a 20 do elenco fáctico não se apresentam em contradição lógica com esse ponto 7., evitando-se, através de uma leitura coerente deste último (e entende-se que o respectivo contexto ainda permite essa leitura), qualquer incongruência dentro da matéria de facto e, consequentemente, evita-se a inaceitável presença do desvalor do nº 4 do artigo 712º do CPC.

Interessa-nos aqui determinar a celebração de um contrato de prestação de serviços entre a A. e o R., conforme invoca a primeira ter existido, sendo que a prova produzida por esta (pela A. através das respectivas testemunhas) é absolutamente inexpressiva a respeito da pessoa com quem o contrato foi efectivamente celebrado: as testemunhas da A. sabem que foi elaborado aquele parecer[11], mas, na realidade, desconhecem a quem era referida a obrigação de pagamento da retribuição devida e o papel assumido pelo R. nesse contexto, desconhecem, enfim, os pormenores dessa situação (e os “pormenores” correspondem aqui à determinação de quem assumiu a obrigação de pagar)[12].

Podemos, pois, a este respeito, considerar os factos em causa nos pontos 16. a 20., enquanto elementos credíveis do depoimento da testemunha A…, efectivamente corroborados por outros meios de prova e, em função disso, passíveis de ser aqui considerados. De facto – e este constitui o meio de prova corroborante da versão transmitida por esta testemunha, quanto aos mencionados pontos 16. a 20. –, consta de fls. 29 uma carta respeitante a um orçamento endereçada pela A., directamente, à testemunha A…[13], missiva esta que acompanharia o parecer técnico aqui em causa: o envio directo deste à testemunha sugere fortemente que o relacionamento da A. se terá estabelecido com a própria testemunha e não com o R., na fase posterior à aproximação por este último desencadeada. Assim, não consideramos provado que o acordo fosse com o R., como pretende a A., sendo nesse sentido que confirmamos aqui os itens 16. a 20. dos factos (correspondem estes a pontos impugnados pela Apelante), perdendo relevância, todavia, os pontos 21 a 25 desse mesmo elenco (os respeitantes ao efectivo pagamento da prestação de serviços pela testemunha A…). Seja como for, relativamente a estes últimos (pontos 21 a 25) temos inultrapassáveis reservas (e não dispomos de outra fonte de corroboração) quanto à aceitação da versão transmitida por essa mesma testemunha e pela sua mulher (…), num quadro objectivo de valoração racional da prova produzida a esse respeito.

Eliminaremos, pois, do elenco dos factos, no que respeita à situação coberta pela factura nº 175, os mencionados itens 21 a 25, porque os consideramos não provados (não consideramos que correspondam as asserções neles presentes a uma prova fiável de um pagamento liberatório[14]), embora o non liquet – se quisermos, o non liquet preponderante nesta situação concreta – se refira aqui à versão da A. (ter ela celebrado o contrato com o R. e não com o A…) e, em função disso (v. os artigos 342º, nº 1 do CC e 516º do CPC), deva improceder esta dimensão do pedido da A., com o triunfo da versão do R. (não celebrei esse contrato de prestação de serviços com o A.).

Note-se, a respeito do tipo de controlo da prova testemunhal aqui realizado (neste particular elemento e, seguidamente, quanto às facturas nºs 176 e 177), no quadro dos poderes de actuação sobre a matéria de facto decorrentes dos nºs 1 e 2 do artigo 712º do CPC, note-se, dizíamos, ter esta Relação ouvido integralmente, por mais de uma vez, o registo áudio de toda a prova testemunhal e do depoimento de parte do sócio gerente da A., … (v. fls. 263/265), e ter controlado esses meios de prova numa base ampla, resultante de uma valoração autónoma – numa livre apreciação autónoma – dessas fontes de prova, apreciação que se revê e justifica, nessa sua amplitude, na chamada “tese do poder-dever da Relação formar uma convicção própria sobre os factos[15].

2.2.2. Continuando a apreciação da dimensão do julgamento apelado correspondente à fixação dos factos, e actuando com a mesma base de acesso e de apreciação da prova testemunhal caracterizada no final do item anterior, debruçamo-nos agora sobre a situação em causa nas facturas nºs 176 e 177, constantes, respectivamente, de fls. 17/20 e 23, ou seja, sobre a incidência factual acima identificada como segunda situação facturada pela A. ao R., no quadro das obras (da empreitada) realizadas no gabinete de trabalho deste último.

Interessa-nos aqui, no âmbito deste recurso em função da fundamentação apresentada pela Apelante, a prova do pagamento do valor da empreitada pelo R., nos termos em que este o alegou (e a primeira instância entendeu provado) esse pagamento, ou seja: em numerário, de uma só vez e mais de €5.000,00 (o que, pressupondo o uso de notas de €100,00, implicaria a entrega de mais de cinquenta notas), sem recibo ou outro documento, só testemunhado por familiares e pessoas próximas do R., em todo o caso, em circunstâncias em que a afirmação de estar provado esse pagamento, nesses termos, depende totalmente da circunstância de se acreditar, sem outros elementos de corroboração e contra o que é normal suceder, tudo depende, dizíamos, de se acreditar sem mais no depoimento dessas pessoas[16]. Ora, acreditar em alguém vale o que vale, e pode obviamente valer muito para aquele que acredita, mas, sem mais, é sempre difícil de justificar perante terceiros, para além da afirmação de que se acreditou e apelando à partilha dessa crença por esses terceiros. Coisa diferente sucede quando a análise crítica global de todas as provas (v. trecho final do artigo 653º, nº 2 do CPC) fornece um contexto de plausibilidade ou outros elementos de corroboração que permitem ultrapassar a simples crença subjectiva num determinado depoimento que, em si mesmo, isoladamente considerado, tem a sua credibilidade diminuída à partida pela especial posição assumida pela testemunha no litígio, em termos de proximidade ao interesse de uma das partes, quando o que se afirma é, tão-só, a tese dessa parte.

Neste caso, não dispomos de qualquer elemento de corroboração dos depoimentos das três testemunhas indiscutivelmente próximas do R./Apelado e que referem ter testemunhado o pagamento por este, nessas estranhas condições, ao sócio da A. Para além disso, enfim, o próprio contexto em que é referido que esse pagamento teria ocorrido afigura-se-nos muito pouco plausível[17], não aceitando esta Relação que com essa base – apenas com essa base – se dê como provado o que consta do trecho final do item 26[18] e, principalmente, o que consta dos itens 29 e 30 dos factos considerados provados, além do que se indica nos itens 35 a 39 do mesmo elenco[19]. Traduzem todas estas respostas, com efeito, na falta de qualquer elemento exterior de corroboração dos indicados depoimentos, nos termos em que analisamos a prova aqui produzida, asserções de facto não logicamente preponderantes – cuja possível ocorrência é substancialmente menos provável que as asserções opostas (designadamente a de que o R. não pagou) –, sendo que só através dessa preponderância lógica, aqui ausente, alcançaríamos o que habitualmente identificamos como correspondendo ao limiar da prova de determinado facto em processo civil[20]. E, efectivamente, como se indicou no Acórdão desta Relação de 06/03/2012, que expressa a posição da exacta formação do Tribunal que ora julga o presente recurso[21]: “[…] [a] consideração de um facto como provado assenta, em processo civil, num juízo de preponderância em que esse facto provado se apresente, fundamentadamente, como mais provável ter acontecido do que não ter acontecido […]” (a citação refere-se ao sumário do Acórdão).

É em função desta situação, correspondendo ela à ausência de prova convincente do pagamento do valor da empreitada pelo R., que alteramos nesta sede, como antes se referiu, no que respeita à situação subjacente às facturas nºs 176 e 177, os itens 26 (trecho final), 29, 30, 35, 36, 37, 38 39 do elenco de fls. 301/302, considerando não provadas as asserções (os factos) presentes nessas respostas à base instrutória. Vale isto, pois, na dinâmica argumentativa deste recurso e desta acção, nos termos já anteriormente justificados, pela consideração de não estar provado o pagamento do preço da empreitada pelo R. (dono da obra)[22], sendo que essa não prova[23], em função da regra de decisão atinente à afirmação de um facto extintivo da obrigação de pagar esse preço (o próprio pagamento), decorrente do artigo 342º, nº 2 do CC, esta não prova, dizíamos, conduz à prevalência, em função da obrigação constitucional de julgar, da tese da A., com a consequente condenação do R. nesse pagamento.      

2.3. Sendo este o resultado da apreciação do recurso na sua dimensão preponderante, a correspondente à impugnação pela Apelante de parte significativa dos factos, aqui deixamos nota do elenco dos factos – de todos os factos – fixados nesta instância, enquanto base de trabalho em que assentará a subsequente reapreciação da acção induzida por este recurso:


            2.3.1. Tendo presente o conjunto destes factos (e as incidências da dinâmica de prova antes referidas), emergindo deles a não prova do acordo entre a A. e o R. respeitante à factura nº 175 (corresponde ao triunfo da posição do R., por indemonstração da da A.) e a não prova, desta feita enquanto ónus do R., do pagamento das facturas nºs 176 e 177, respeitantes à empreitada (v. os itens 2, 3, 4, 5, 10, 11, 12, 13, 14 e 15 da matéria de facto[24]), tendo tudo isto presente, dizíamos, a resolução do recurso – rectius, a substituição à primeira instância, no caso das facturas 176 e 177, em função do resultado do recurso[25] – conduz-nos aqui à condenação do R. no pagamento do valor dessas facturas [€6.368,22 = €5.590,78 (factura nº 176) + €777,44 (factura nº 177)], sendo que isso corresponderá à parcial procedência da acção (procedência muito significativa mas que, nem por isso, deixa de ser parcial).

            Ainda quanto àquilo em que a acção procederá, e determinará a condenação do R. – o pagamento à A. de €6.368,22 –, importa ter presente a correspondente obrigação de juros (artigo 806º, nº 1 do CC), aqui contados desde a interpelação judicial (a citação nesta acção) para cumprir (artigo 805º, nº 1 do CC), sendo que esses juros, tratando-se da prestação de serviços por uma empresa comercial, são os chamados juros comerciais[26], conforme resulta do § 3º do artigo 102º do Código Comercial (aliás, nos exactos termos peticionados pela A.).

            2.4. Sendo este o resultado do recurso e da acção, resta-nos, antes da formulação da correspondente decisão, deixar aqui sumariados os elementos fundamentais do antecedente percurso:
I – A alegação pelo R. de haver efectivamente satisfeito (pago) o preço de uma obra (empreitada) que lhe é pedido pelo A. (o empreiteiro), configura a dedução por aquele de uma excepção peremptória cuja ónus da prova incumbe a quem efectua essa alegação (ao R.), nos termos do artigo 342º, nº 2 do CC;
II – A afirmação, pelo R., de que esse pagamento, referido a um valor superior a €5.000,00, ocorreu em numerário, de uma só vez, sem recibo ou outro documento comprovativo da entrega desse valor, no escritório do próprio R., corresponde, à partida, a uma incidência pouco usual na normalidade das situações deste tipo;
III – Assim, a pretensão de provar esta forma e circunstancialismo de pagamento, só com base no depoimento testemunhal dos filhos do R. e de uma colega deste (pessoa notoriamente próxima da posição do mesmo), enquanto únicas pessoas que teriam presenciado esse pagamento negado pelo A., sem qualquer outro elemento adicional de prova corroborando minimamente essa situação, traduz a afirmação de um facto (o pagamento nessas condições não usuais) pouco consistente e que, nesse sentido, não atinge o limiar de uma prova relevante;
IV – O limiar da prova relevante de um facto em processo civil corresponde à circunstância da afirmação positiva desse facto se apresentar, em função da conjugação de toda a prova produzida, como mais provável ter acontecido do que não ter acontecido, sendo que a fundamentação da matéria de facto deve caracterizar essa maior probabilidade, para além da simples consideração de depoimentos como os indicados em III como credíveis.


III – Decisão

            3. Assim, na parcial procedência do recurso, julga-se a acção também parcialmente procedente por provada (revogando-se na parte correspondente a Sentença apelada), condenando-se o R. a satisfazer à A. a quantia de €6.368,22, acrescida de juros de mora, à taxa comercial, contados desde a data da citação e até integral pagamento.

            Custas em ambas as instâncias a cargo da A. (15%) e do R. (85%).

J. A. Teles Pereira (Relator)
Manuel Capelo
Jacinto Meca


[1] Tratando-se de processo iniciado posteriormente à entrada em vigor (01/01/2008) do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, aplica-se o regime dos recursos introduzido por este último Diploma (v. os respectivos artigos 11º, nº 1 e 12º, nº 1). Pela mesma razão, qualquer disposição do Código de Processo Civil adiante referida, cujo texto tenha sido alterado pelo indicado DL 303/2007, sê-lo-á na versão resultante deste Diploma.
[2] Como se verá adiante, este elemento – o estar em causa a alegação de pagamento por banda do R., face à invocação pela A. de ter realizado determinados trabalhos correspondentes a uma empreitada –, este aspecto, dizíamos, prefigura-se como estratégico na economia decisória deste recurso, propiciando a alocação do ónus da prova (artigo 342º, nº 2 do Código Civil) e, consequentemente, a formulação de uma regra de decisão para o caso de um non liquet (v. notas 11 e 12, infra).
[3] V. o Acórdão do STJ de 03/06/2011 (Pereira da Silva), proferido no processo nº 527/05.8TBVNO.C1.S1, cujo sumário está disponível na base do ITIJ, directamente, no seguinte endereço:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f9dd7bb05e5140b1802578bf00470473:
Sumário:
“[…]
[O] que baliza o âmbito do recurso, tal sendo, afora as de conhecimento oficioso, as questões levadas às conclusões da alegação do recorrente, extraídas da respectiva motivação (artigos 684.º n.º 3 e 690.º n.º 1 do CPC), defeso é o conhecimento de questão não aflorada naquelas, ainda que versada no corpo alegatório.
[…]”.
[4] Trata-se da alegação pelo R. do pagamento (o que constitui, obviamente, um facto extintivo do direito do A.) destas três facturas, por um terceiro (no caso da factura nº 175, de fls. 11) e por ele próprio (no caso das facturas nºs 176 e 177, respectivamente de fls. 17/20 e 23)
[5] A Apelante faz apelo, passe a redundância, ao exercício por este Tribunal dos poderes de intervenção sobre os factos previstos no artigo 712º, nº 1 do CPC. Pressupondo este o cumprimento dos ónus argumentativos previstos no artigo 685º-B, nº 1, alíneas a) e b), aqui se consigna ser entendimento desta Relação estarem efectivamente cumpridos esses requisitos por banda da Apelante, em termos que nos permitem considerar construída a impugnação da matéria de facto como fundamento deste recurso. Com efeito, cumpriu a Apelante, notoriamente, o ónus de indicar os factos que considera incorrectamente julgados (alínea a)) e cumpriu igualmente o ónus de indicar os meios de prova que entende terem sido mal valorados (alínea b)). Neste último caso (meios de prova), sublinha-se que a Apelante pretende – e indica-o no recurso e nas conclusões – terem sido erradamente valorados, no que tange à respectiva credibilidade, os depoimentos das testemunhas notoriamente próximas do R. (filhos, colega ex-estagiária da advocacia, cliente), no confronto com a pouca credibilidade dada aos depoimentos das testemunhas da A. Ora, o apontar – explicando-o suficientemente – deste tipo de desvalores à decisão de facto (má valoração da credibilidade de determinadas testemunhas; má interpretação dos respectivos depoimentos) preenche em nosso entender, suficientemente, o ónus argumentativo da alínea b) do nº 1 do citado artigo 685º-B. Assim se aprecia – e rejeita – a objecção do R./Apelado à admissibilidade do recurso sobre os factos expressa a fls. 500 das respectivas contra-alegações.
[6] Estão em causa, fundamentalmente, os itens 21, 22, 24, 25, 26, 29, 30, 35, 36, 37, 38 e 39 do elenco fáctico. A estes teremos de acrescentar, estando implícito na argumentação da Apelante, a resposta negativa ao quesito 1º.
[7] O cliente do R., A...
[8] Referimo-nos aqui – e este elemento assumirá grande importância na economia decisória deste recurso – às chamadas “regras de decisão” próprias da “teoria das normas”, construídas através da alocação do ónus da prova a uma das partes em litígio.
Constitui a “teoria das normas” a construção teórica que subjaz aos artigos 342º do CC e 516º do CPC. Tal teorização tem origem nos trabalhos do processualista alemão Leo Rosenberg (1879-1963), no início do Século XX, assentando na consideração “[…] de que nenhuma norma pode ser aplicada sem que o juiz se convença da verificação de todos os seus pressupostos [, extraindo-se] daí que a recusa de aplicação sucederá tanto quando o juiz se convença da não verificação de um ou mais dos elementos da facti species (Tatbestand) da norma a aplicar, quanto quando o juiz não se convença quanto à sua não verificação. Quer isso dizer, então, que «a parte cuja pretensão processual não pode ter sucesso sem a aplicação de determinada norma jurídica suporta o ónus da alegação e da prova de que os elementos da facti species dessa norma se verificaram de facto na situação» […]” (Pedro Ferreira Múrias, Por Uma Distribuição Fundamentada do Ónus da Prova, Lisboa, 2000, pp. 18 e 43/44).
No caso das “regras de decisão” estão em causa as normas respeitantes ao ónus da prova encaradas no seu sentido actuante, em função de um non liquet probatório: “[…] as normas do ónus da prova, em cuja facti species se encontra a incerteza processual sobre um elemento que preenchesse a previsão da norma material […, são] normas de decisão […], são «quanto à questão da [sua] eficácia», apenas um meio auxiliar da decisão de mérito que autoriza o juiz a decidir como se tivesse obtido um resultado positivo ou negativo quanto à verificação de certo facto, i. e., através da ficção […]” (Pedro Ferreira Múrias, Por Uma Distribuição Fundamentada…, cit., pp. 62/63).
[9] Apenas a título de exemplo, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/07/2006 (Oliveira Barros), proferido no processo nº 06B2102, disponível no sítio do ITIJ, directamente, no endereço:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f95ed15902afdce680257234004d07b0.
Sumário:
“[…]
V - Enquanto facto extintivo do direito invocado pelo autor que se apresenta como credor, o pagamento integra ou constitui, consoante artigo 493º, nº3º, CPC, excepção peremptória ou de direito material.
VI - É, por conseguinte, sobre o devedor demandado que, consoante artigo 342º, nº2º, CC, recai o ónus da prova de que esse modo de extinção da obrigação efectivamente ocorreu ou se verificou.

[…]”.
[10] Correspondia este à alegação da A. contida no artigo 7º da petição inicial (v. fls. 5).
[11] Em concreto sabe-o a testemunha …, que participou na elaboração desse parecer técnico, mas afirma a responsabilidade do R. em função do que lhe foi dito pelo sócio da A., ...
[12] E isto também vale para o depoimento da testemunha …, a companheira do sócio da A., …, que depôs fundamentalmente por referência ao que lhe foi transmitido pelo seu companheiro (além da especial posição que ocupa no conflito entre este e o filho do R. acabar por implicar, mesmo que psicologicamente e de forma algo subliminar, a adesão à posição daquele; a testemunha que mais adiantou na caracterização desse conflito foi a colega e ex-estagiária do R., Dra. …, embora, mesmo sem esse depoimento se tenha percebido que esta acção apareceu no contexto do deteriorar das relações entre o sócio da A., …, e o filho do R., outrora Advogado daquele, Dr. …).
[13] Pressupõe-se que seja o orçamento da reparação dos defeitos detectados na casa da testemunha, para uso no processo judicial respectivo.
[14] A prova exclusivamente através do testemunho de quem, em última análise, tem interesse directo e indirecto na prova dessa situação e com base numa incidência sem rasto de confirmação possível através de um qualquer outro meio de prova independente.
[15] A expressão é de J. P. Remédio Marques e assenta na contraposição à chamada “tese restritiva dos poderes da Relação”, que se limita a remeter o Tribunal da Relação para um controlo da plausibilidade dos factos fixados na primeira instância, v. “Um breve olhar sobre o duplo grau de jurisdição em matéria de facto”, nos Cadernos de Direito Privado, Número Especial 01/Dezembro 2010, pp. 80/90.
Caracteriza-se esta tese ampla aqui seguida nos seguintes termos:
“[…]
A Relação desfruta não apenas do poder de aferir a razoabilidade da convicção dos juízes da 1ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, nos casos flagrantes ou notórios de desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão de facto proferida pela 1ª instância, mas também (e sobretudo) de um poder-dever de formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação da prova, sem se achar limitada ou condicionada pela convicção que tenha servido de base à decisão recorrida.
Este poder-dever pressupõe que a Relação valore, ela própria, de modo crítico e fundado, a prova disponível, não se limitando a aceitar passivamente a convicção formada pela 1ª instância ou a controlar somente a formação dessa convicção efectuada na 1ª instância.
[…]” (pp. 85/86).
[16] Não estamos aqui a formular quaisquer juízos de valor sobre os concretos depoimentos prestados por essas pessoas – este Tribunal desconhece (rectius, não o percebe pela gravação) se elas falaram verdade ou não –, estamos apenas a focar elementos abstractos de análise de depoimentos favoráveis a alguém, prestados por familiares e por pessoas que lhe são próximas, no sentido em que este tipo de depoimentos, na falta de fontes autónomas de prova (de corroboração) das asserções afirmadas nesses depoimentos, é visto, normalmente, como uma fonte de prova pouco consistente e particularmente difícil de justificar.
Trata-se aqui, com efeito, de um problema de justificação racional da prova de determinado facto, que ultrapasse algo aparentado a uma mera crença metafísica, injustificável fora do campo da referenciação a sensações subjectivas (impossíveis de partilhar com os outros na sua essência significativa, fora de um quadro de comunhão nessa mesma sensação). A prova nestes casos – em ambiente de controvérsia judicial, para identificarmos a presente situação –, formaliza-se e transfere-se para o domínio da justificação racional de uma determinada asserção, adquirindo preponderância o que poderemos identificar como a base argumental da prova. Assim, o processo de justificação da asserção, no sentido de recolha de elementos de apoio empírico a esta, transfere-se para a justificação racional objectiva. Como dizia Karl Popper (Unended quest. An Intellectual Autobiography,2ª ed., Chicago, 1990), “[…] embora nunca possamos justificar verdadeiramente uma teoria […], podemos frequentemente justificar a nossa preferência por ela em detrimento de outra teoria; por exemplo se o seu grau de corroboração é maior” (p. 140). É neste sentido – é só neste sentido de falta de uma justificação objectiva – que este Tribunal formula aqui reservas, que não consegue afastar, à aceitação dos depoimentos dos filhos do R. e da sua colega, quanto ao pagamento do preço da empreitada nas condições por estes afirmadas.
[17] Com efeito, não é muito plausível que, num contexto de discussão – de divergência, pelo menos – com o sócio da A. quanto à adequação de determinado preço aos serviços efectivamente prestados (é o que o R. refere ter sucedido, v. os artigos 49º a 51º da contestação a fls. 116/117), um Advogado experiente e precavido (é o próprio R. que assim se define no artigo 57º da contestação a fls. 117) efectue um pagamento tão avultado em numerário (não use o cheque, a transferência ou o depósito bancário) e, para mais, não o faça, quid pro quo, contra recibo ou, pelo menos, contra uma simples declaração escrita de recebimento de uma tão significativa quantia. Não é normal, até pode ter sido o caso, mas, definitivamente, não é normal, da mesma forma que não nos parece ser normal a posse material de uma tão avultada quantia de notas (assumindo que se tratou de notas de €100,00 seriam mais de 50 notas; se acaso uma tão avultada quantia tivesse sido levantada naquela ocasião ou próximo dela, isso traduziria uma circunstância de fácil prova para o R. e forneceria algum contexto de corroboração ao depoimento das testemunhas).
[18] Referimo-nos à “estimativa” de orçamento sem qualquer suporte documental, sendo que disto só teriam sido testemunhas os filhos do R. (não se percebe porque razão o R. não referiu a si próprio o que aconselhou à testemunha A…, num contexto com algum paralelismo de situações: procurar um parecer técnico sobre o valor e execução da empreitada).
[19] Estes (itens 35 a 39) assentaram na sobrevalorização, sem outros elementos, do depoimento dos filhos do R. num sentido favorável ao interesse deste.

[20] “[A]quilo que qualificamos como “limiar da prova”, referindo-nos ao limite valorativo, se assim nos podemos expressar, que suporta a afirmação de estar provado um determinado facto, corresponde, numa acção cível, a um juízo de preponderância da hipótese afirmada como provada no confronto com a afirmação contrária, em termos de se sustentar como realidade “mais provável do que não” (‘more likely than not’). Vale isto pela afirmação de que não se requer aqui, contrariamente ao que sucede na valoração da prova no ambiente de um processo penal, a ultrapassagem de todos os estados de dúvida razoáveis quanto à correspondência de determinado facto à realidade (o chamado standard caracterizado como “beyond a reasonable doubt”)” (a citação é retirada do texto do Acórdão desta Relação identificado na subsequente nota).
[21] Proferido pelo ora relator no processo nº 1994/09.6TBVIS.C1, disponível no sítio do ITIJ no endereço: http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/ba2b5cf306f09a4b802579c200386265.
[22] Trata-se, o pagamento do preço da empreitada (v. artigo 1207º in fine do CC), do principal dever do dono da obra (v. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. III, 3ª ed., Coimbra, 2005, p. 522).
[23] Trata-se, obviamente, de um non liquet quanto ao pagamento em geral, não se tendo apurado que o pagamento tenha ocorrido, da mesma forma que não se apurou que não tenha ocorrido.
[24] Dos quais resulta a realização da empreitada e do seu preço facturado.
[25] O resultado respeitante à factura nº 175 é aqui confirmado.
[26] O uso profissional (exercício da advocacia) inerente ao escritório do R., enquanto objecto da prestação de serviços pela A. (da empreitada), exclui a qualificação do R. como consumidor (v. definição de consumidor no artigo 2º, nº 1 da Lei nº 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril: “[…] prestados serviços […] destinados a uso não profissional […]”), exclui que o R. seja aqui visto como consumidor, dizíamos, e permite, assim, a aplicação a esta mora da taxa de juros comerciais (v., aqui aplicado a contrario, o artigo 2º, nº 2, alínea a) do Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro, que transpôs a Directiva nº 2000/345/CE).