Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
444/06.4TBCNT-U.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
LOCAÇÃO FINANCEIRA
RESTITUIÇÃO DE BENS
Data do Acordão: 03/21/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE CANTANHEDE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 102.º, N.º 2, 3; 104.º; 108.º; 141.º, 1, A), C) DO CIRE; ARTIGO 17.º DO DL 149/95, DE 24/06
Sumário: 1. O locador de bens (veículos automóveis) pode solicitar que sejam separados da massa insolvente e lhe sejam restituídos, independentemente de não estarem apreendidos à ordem dos autos de insolvência.

2. O exercício desse direito terá de ser deduzida em competente reclamação, segundo as regras aplicáveis para a reclamação de créditos, sujeita ao contraditório, nos prazos e condições para tal estabelecidos e não pelo meio de mero requerimento.

3. E ainda que expirado esteja o prazo para tal, nos termos do artigo 146.º, 1 e 2, do CIRE, poderá ainda fazê-lo em acção para tal instaurada, uma vez que, conforme n.º 2 deste preceito, o direito à separação ou restituição de bens pode ser exercido a todo o tempo.

Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

            No decurso dos autos de Insolvência em que figura como requerente e posteriormente declarada insolvente “A..., S.A.”, com sede na (...) de Murtede, veio B..., SA, cf. fl.s 149 e 150, requerer a notificação do Sr. Administrador da Insolvência para proceder a restituição dos veículos (...) e (...), relacionados nos autos, ao requerente, por ser proprietário dos mesmos.

Para o efeito alega que na decorrência da sentença que indeferiu a providência cautelar deduzida pelo ora interveniente e em cumprimento do disposto nos arts 108º e 102º nº 2 do CIRE notificou em, 12-01-2007, o Sr. Administrador da insolvência para se pronunciar acerca da resolução, cumprimento ou antecipação dos contratos de locação celebrados com o Insolvente.

No entanto, até à presente data o mesmo nada disse pelo que os contratos em causa e melhor identificados nos autos se consideram em definitivo resolvidos.

Em consequência da resolução cabe a devolução dos bens locados o que até a presente data não ocorreu.

Notificado o Administrador da Insolvência nada disse (como é referido a fls. 153).

           

            Sobre tal requerimento incidiu a decisão aqui junta de fl.s 153 a 158, em que se indeferiu a pretensão do ora recorrente.

Inconformado com tal decisão, interpôs recurso, o requerente “ B..., SA” recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, em separado, e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 164), apresentando as seguintes conclusões:

1- O Apelante e é uma Instituição Financeira de crédito que se dedica, com escopo lucrativo, à celebração de operações bancárias e prestação de serviços conexos.

2- No âmbito da sua actividade, celebrou com o Insolvente dois contratos de locação financeira, nomeadamente o contrato nº 2003014883.01 e o contrato nº 2003014883.02, junto aos autos de insolvência.

3- Pelo contrato 2003014883001, celebrado a 29 de Abril de 2003, deu o Apelante ao Insolvente de locação o veiculo automóvel matricula (...), que para o efeito adquiriu em estado novo, conforme factura de aquisição junto aos autos de insolvência.

4- O veículo foi entregue ao Insolvente que desde essa data o passou a utilizar conforme auto de recepção de equipamento junto aos autos de insolvência, mediante o pagamento de 48 rendas mensais e sucessivas de 364.00€ sem prejuízo das necessárias actualizações face às taxas de IVA sucessivamente aplicáveis. Ficou assim acordado o prazo da locação em 48 meses.

5- Sucede porém que, o Insolvente deixou de proceder ao pagamento das rendas contratualmente acordadas, designadamente as que se venceram em 05-03-2006, 05-04-2006 e 05-05-2006.

7- Face ao incumprimento reiterado por parte do Locatário, aqui Insolvente, o Apelante, procedeu à resolução do contrato, nos termos do Art.º 17º do Decreto-Lei n.º 149/95 de 24 de Junho, na redacção dada pelo Decreto-Lei 285/2001 de 03.11 e nos termos contratuais acordados (cláusula 11ª das Condições Gerais do Contrato), mediante carta registada com AR enviada ao Insolvente a 02-06-2006, cuja cópia se encontra junto aos autos de insolvência.

8- A qual foi recebida, cf. original do respectivo Aviso de Recepção também junto aos autos de insolvência.

9- Em virtude da resolução do contrato constituiu-se o Insolvente perante o Apelante na obrigação de proceder ao pagamento das rendas vencidas e não pagas, juros de mora, indemnização por lucros cessantes e encargos, bem como promover à entrega imediata da viatura objecto da locação, conforme carta de resolução, clausula 12ª do contrato (e Art.º 10º n.º 1 al. k) do supra citado Dec-Lei. O que não fez!

10- No que diz respeito ao contrato nº 2003014883.02, celebrado igualmente a 29 de Abril de 2003, Apelante deu de locação ao Insolvente de locação o veiculo automóvel matricula (...), que para o efeito adquiriu em estado novo, conforme factura de aquisição junto aos autos de insolvência.

11- Veiculo que também foi entregue ao Insolvente, em estado novo, que o passou a utilizar (doc.8 junto aos autos de insolvência) mediante o pagamento de 48 rendas mensais e sucessivas de 364.00€, sem prejuízo das necessárias actualizações face às taxas de IVA sucessivamente aplicáveis, tendo ficado o prazo da locação acordado em 48 meses,

12- Tal como sucedido no contrato anterior, o Insolvente deixou de proceder ao pagamento das rendas contratualmente acordadas, designadamente as que se venceram em 05-03-2006, 05-04-2006 e 05-05-2006.

13- Considerando o incumprimento reiterado por parte do Locatário, aqui Insolvente, procedeu o locador, ora Apelante, também à resolução do contrato nos termos do Art.º 17º do Decreto-Lei n.º 149/95 de 24 de Junho, na redacção dada pelo Decreto-Lei 285/2001 de 03.11 e nos termos contratuais acordados (cláusula 11ª das Condições Gerais do Contrato, vd Doc.2), mediante carta registada com AR enviada ao Insolvente a 02-06-2006, cuja cópia se encontra junto aos autos de insolvência e que também foi recebida.

14 Face à Resolução do contrato constituiu-se o Insolvente perante o Insolvente na obrigação de proceder ao pagamento das rendas vencidas e não pagas, juros de mora, indemnização por lucros cessantes e encargos, bem como, promover à entrega imediata da viatura objecto da locação, conforme carta de resolução, clausula 12ª do contrato e Art.º 10º n.º 1 al. k) do supra citado Dec.-Lei. O que também não fez!,

15- Ora, sendo a Apelante o único proprietário dos veículo locados e acima melhor identificados, conforme certidões da Conservatória do Registo Automóvel junto aos autos de insolvência, a atitude da Insolvente e seus órgãos societários, promoveu por apenso aos autos de insolvência, providencia cautelar ao abrigo do art 21 do DL 149/95 de 24 de Junho.

16- A qual foi liminarmente indeferida, porquanto a resolução dos referidos contratos teria de ser declarada pelo Senhor Administrador da Insolvência após a sua notificação para o mesmo nos termos do art. 102 nº 2 do CIRE,

17- Considerando a decisão do Tribunal “ a quo” o Apelante, nos termos do art 102 nº 2 do CIRE, notificou o Senhor Administrador da Insolvência para se pronunciar quanto à execução resolução dos referidos contratos, sendo que, caso nada dissesse se considerariam os mesmos definitivamente resolvidos, conforme , de resto assim o dispõe o nº 2 do art. 102 do CIRE.

18- Nada disse o Senhor Administrador, como não foram os veículos entregues (situação que se mantém até à presente data) pelo que, os contratos de locação em causa se consideram resolvidos em definitivo.

19- Face à resolução dos contratos e considerando o despacho que indeferiu a providencia cautelar, requereu o Apelante o oficio do Administrador da Insolvência - enquanto legal representante do Insolvente - para proceder à restituição dos veículos locados e da propriedade do Apelante, os quais, conforme já referido continuam a ser abusivamente utilizados pelo Insolvente à arrepio da vontade do Apelante e em violação do contratualmente acordado, para além do disposto no nº 1 al k) do art. 10 do DL 149/95 de 24 de Junho.

20-Não obstante, veio o Tribunal “a quo” indeferir o requerido pelo Requerente quanto à restituição dos veículos com sinais nos autos invocando que dos art. 104º e 102º do CIRE não resulta que o meio próprio para requerer a restituição dos veículos seja a via incidente no processo de insolvência, ainda que tivessem apreendidos à ordem dos autos e ainda que se considerasse resolvidos os contratos,

21- Tese com a qual não pode o Apelante concordar, uma vez que, se é verdade que nos termos do art. 102 nº 1 declarada a insolvência, o cumprimento dos contratos ainda não integralmente cumpridos pelo insolvente fica suspenso até o administrador da insolvência declarar optar pela execução do contrato ou recusar o seu cumprimento,

22- Também é verdade que nos termos do nº 2 desse mesmo artigo pode a contra parte conceder prazo razoável para que o mesmo se pronuncie, findo o qual se considera recusado o cumprimento.

23- Por outro lado, nos termos do art. 108 nº 1 do CIRE a declaração de insolvência não suspende o contrato de locação em que o insolvente seja locatário, podendo no entanto o Administrador proceder à resolução do mesmo, o que deverá ocorrer se a massa insolvente não tiver meios de continuar a cumprir os contratos nos termos acordados, com todas as legais e contratuais consequências.

24- No caso “sub iduce” considerando o teor do despacho que indeferiu a providencia cautelar e omissão do administrador da insolvência quanto aos contratos de locação financeira celebrados entre o Apelante e insolvente, (que não resolveu mas tão pouco executou, mediante o seu cumprimento) procedeu o apelante à sua notificação nos termos e para os efeitos do art. 102 nº 2 do CIRE, cf já referido.

25- O Senhor Administrador nada disse no prazo concedido - sequer respondeu – pelo que o seu silencio é entendido - sem qualquer concessão - como recusa de cumprimento, face inclusivamente ao tempo decorrido e a ausência de pagamento. Estão pois os contratos resolvidos.

26- Refere ainda o nº 3 do referido artigo ; “recusado o incumprimento pelo administrador da insolvência e sem prejuízo do direito à separação da coisa, se for o caso” ; (…)

27- Ser existe direito à separação da coisa, recusado o cumprimento – existe, no caso da locação - o direito à restituição da coisa locada ao locador, ainda que esteja não apreendida à ordem da massa insolvente.

28- O Direito à restituição da coisa locada e da propriedade do locador não só existe como, está pois prevista no CIRE, recusando o administrador o cumprimento do contrato de locação, e é no processo de insolvência que tem de ser requerida por quem à mesma tem direito, ou seja, o seu proprietário, no caso o aqui Apelante

29- (…) como é no processo de insolvência que tem de ser ordenada, e outra não poderá ser a interpretação das normas supra indicadas, pois não terá sido intenção do legislador obrigar o locador a perder ou abdicar da sua propriedade. Tal seria no mínimo inconstitucional.

30- Como não lhe é exigível que tenha de intentar acção autónoma contra a insolvente e Administrador da Insolvência para obter a restituição de bens da sua propriedade, quando existe uma entidade, nomeada judicialmente para administrar a insolvente e exercer por ela direito e deveres que lhe assistem quer nos termos da lei, quer nos termos de contratos anteriormente celebrados à declaração de insolvência.

31- Repita-se que os efeitos da resolução dos contratos de locação - ainda que no âmbito de um processo de insolvência, estão previstos na legislação que regula a locação, nomeadamente do DL 149/95 de 24 de Junho cuja aplicação não é de todo afastada pelo CIRE.

32- Aliás, constituindo o CIRE Decreto-lei sequer prevalece sobre a legislação de locação também esta aprovada por Decreto-lei, sem prejuízo de, para aprovação da mesma se ter legislado na especialidade….

33- Se, nos termos do art 21 do DL 149/95 de Junho, findo o contrato por resolução ou pelo decurso do prazo sem ter sido exercido o direito de compra, o locatário não proceder à restituição do bem ao locador, pode este requerer ao Tribunal providencia cautelar consistente na sua entrega imediata ao Requerente.

34- Neste caso como o locatário está insolvente, terá de ser o Administrador a diligenciar nesse sentido, ainda que por via da apreensão para posterior separação, (“ sem prejuízo do direito à separação da coisa “).

35- É pois este quem, em representação do insolvente, quem terá de proceder à entrega do bem depois de o insolvente lho entregar. Se o insolvente não proceder à sua entrega voluntária - como sobeja dos autos não o faz - caberá ao Senhor Administrador diligenciar no sentido de preceder à apreensão para subsequente entrega ao seu proprietário, conforme está obrigado no âmbito das sua funções enquanto tal (art 55 nº 1 al. b) à contrario do CIRE), tudo no âmbito do processo de insolvência, ob pena de se não o fizer responder pelos danos causados ao aqui requerente , nos termos do art. 59º , também do CIRE

36- Face ao exposto e tendo sido o Administrador omisso no exercício das funções a que está obrigado, terá de se o Tribunal “ a quo “ oficia-lo para o efeito, sem prejuízo da sua destituição, caso ínsita na omissão.

37- Considerar, como se considerou que não cabe ao Apelante direito a ser restituído, ou a pedir a restituição dos bens - ainda que no âmbito da insolvência - é , salvo o devido respeito, fazer tábua rasa de dois contratos pretendidos, conhecidos e usufruídos pela insolvente, do qual nasceram direitos e deveres para ambas as partes, os quais não se extinguem pela declaração de insolvência.,

38- É permitir - ainda que por omissão - a manutenção de uma situação ilegal, injusta e imoral.

39- Considerando a insolvência, terá de ser no seu seio, não só o reconhecimento da resolução dos contratos – que em nosso entender no caso em apreço é evidente e indiscutível – mas também o reconhecimento do direito à restituição do bens e a sua ordem,

40- (…) devendo ser executada pelo próprio insolvente ou pelo Administrador da Insolvência, conforme doutamente decido pelo douto Acórdão da Relação de Guimarães em caso análogo, processo 1759/08-1de 10-10-2008 – 1º Secção.

41- Conforme já anteriormente referido, não é exigível ao Locador, nem faria qualquer sentido acções autónomas contra a insolvente e administrador.

42 – Em conclusão, deveria o Tribunal “a quo”, logo que recusado pelo Administrador da Insolvência o cumprimento do contrato, conforme se deu conhecimento dos autos, ter ordenado a entrega imediata dos bens locados, oficiando-o para o efeito.

Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis requer-se a Vs. Exa.s se dignem dar provimento ao presente recurso, revogando a decisão recorrida, ordenando a sua substituição por outra que ordene o ofício do Administrador da Insolvência para proceder à entrega dos veículos (...) e (...) ao apelante, seu proprietário.

            Não foram apresentadas contra-alegações.

            Dispensados os vistos legais, há que decidir.

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se deve ou não ser notificado o Sr. Administrador da Insolvência, para proceder à entrega dos identificados veículos ao ora recorrente.

            São os seguintes os factos considerados na decisão recorrida:

Em 23-03-2006 a A..., S.A., veio requerer a sua declaração de insolvência correndo o processo os seus termos neste 1.º Jz do TJ de Cantanhede sob o n.º 444/06.4TBCNT.

Por sentença de 30/3/2006 foi decretada a insolvência da requerente e designado o dia 7/6/2006 para realização da assembleia de credores (fls. 640 e ss. do processo principal).

Em 7/6 teve lugar a realização de assembleia de credores e, por não se encontrar ainda esgotado o prazo das reclamações de créditos, foi designado o dia 14 de Julho de 2006 para realização de nova assembleia de credores (vide acta de fls. 842 e ss. do processo de insolvência) e ficando o processo a aguardar a apresentação de plano de insolvência o qual foi efectivamente apresentado pelo administrador da insolvência em 15/9/2006 (fls. 941 e ss.).

O Administrador da Insolvência apresentou a sua proposta, propondo:

a) Redimensionamento do quadro de pessoal o que levou a saída de cerca de 35 pessoas;

b) Redimensionamento dos encargos gerais de fabrico;

c) Reajustamentos da actividade com a recusa clara de fornecer certos clientes – quer por questões de recebimento quer por política de preços;

d) Mudança de instalações a concretizar-se da seguinte forma:

1. Instalação da empresa no imóvel da Mealhada;

2.Entrega sob a forma de dação em cumprimento do imóvel de Murtede ao D...;

e) A alteração dos órgãos sociais;

f) Forma de pagamento aos credores conforme consta resumidamente de fls. 983.

Em aditamento à proposta inicialmente apresentada veio ainda propor que o pagamento ao credor D... será feito através da alienação dos prédios sitos no Núcleo Industrial de Murtede sendo que o valor obtido será destinado ainda ao pagamento ao credor IAPMEI e C..., S.A.

Nos termos do artº 207º, nº 1 do CIRE, foi admitida a proposta de plano de insolvência apresentada pelo Exmo administrador da insolvência a fls. 971 e ss. com o aditamento e alterações de fls. 1099/1100 e procedeu-se às notificações nos termos e para os efeitos do disposto no artº 208º do CIRE.

Teve lugar a assembleia de credores para discutir e votar a proposta do plano de insolvência estando presentes credores cujos créditos constituem 80,72% do total dos créditos com direito de voto, conforme exarado na acta de fls. 1185 e ss.

O Administrador da Insolvência veio ainda a clarificar a posição assumida em sede de plano de insolvência no que respeita aos credores seguintes:

a) No que respeita aos credores hipotecários, mantêm-se no essencial as condições apresentadas, introduzindo-se uma alteração no que respeita à carência de juros, ou seja, nos dois primeiros anos de carência será apenas de capital, sendo que os juros vencidos no primeiro ano serão pagos no 13.º mês, e os vencidos serão pagos no 25.º mês, ou seja, no mês que coincide com o vencimento da primeira prestação constante apresentada;

b) No que respeita à Segurança Social, a forma e pagamento e as garantias prestar, serão feitas na precisa forma do despacho que vier a ser emitido pelo Conselho Directivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social. A dívida será consolidada em Novembro de 2006;

c) Relativamente ao I.A.P.M.E.I., nos termos do disposto na cláusula décima do Contrato de Concessão de incentivos Financeiros no âmbito do Sistema de Incentivos à Modernização Empresarial celebrado entre o "I.A.P.M.E.I." e a Insolvente o falado contrato fica suspenso até decisão final do processo de insolvência; caso o Plano de Insolvência seja aprovado e a sociedade continue a laborar, o referido contrato será prosseguido, podendo a Insolvente, querendo, ao abrigo do disposto na sua cláusula décima primeira, requerer a sua renegociação.

Na hipótese do processo ser decidido pela liquidação da sociedade, então os créditos do "I.A.P.M.E.I." deverão ser pagos nos termos legais no âmbito do processo de insolvência.

A proposta de plano de insolvência obteve a aprovação de 92,18 e a desaprovação 0,82 daqueles credores presentes e do F... (vide ainda fls. 1194), conforme exarado na acta de fls. 1185 e ss.

A proposta de plano de insolvência foi considerada aprovada e procedeu-se às notificações e publicações nos termos do artº 213º do CIRE.

Foi proferida sentença que homologou o plano de insolvência a qual ainda não transitou em julgado.

Não foi efectuada qualquer apreensão à ordem destes autos, designadamente dos veículos de matrículas (...) e (...).

            Se deve ou não ser notificado o Sr. Administrador da Insolvência, para proceder à entrega dos identificados veículos ao ora recorrente.

            Defende o recorrente que assim deve ser porquanto tendo a insolvente deixado de pagar as rendas acordadas e respeitantes aos contratos de locação celebrados, procedeu à resolução do contrato, nos termos do disposto no artigo 17.º do DL n.º 149/95, de 24/6, mediante comunicação, para tal, enviada ao Sr. Administrador da Insolvência, pelo que o insolvente se constituiu na obrigação de pagar as rendas vencidas e não satisfeitas, bem como a entregar os bens locados, no caso as identificadas viaturas automóveis, o que não fez, pelo que o solicitou ao Tribunal que o ordenasse, com fundamento no artigo 102.º do CIRE.

            O M.mo Juiz a quo, indeferiu tal pretensão, nos termos que se seguem:

            “O art. 102.º do CIRE, quanto aos efeitos da declaração de insolvência sobre os negócios em curso, estabelece o princípio geral no que respeita a negócios ainda não cumpridos e dispõe que “sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, em qualquer contrato bilateral em que, à data da declaração de insolvência, não haja ainda total cumprimento tanto pelo insolvente como pela outra parte, o cumprimento fica suspenso até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento”.

Por outro lado, nos termos do n.º 2 da referida disposição legal “a outra parte pode, contudo, fixar um prazo razoável ao administrador da insolvência para este exercer a sua opção, findo o qual se considera que recusa o cumprimento”.

Já no que respeita à venda com reserva de propriedade e operações semelhantes rege o disposto no art. 104.º do CIRE cujo n.º 1 dispõe que “no contrato de compra e venda com reserva de propriedade em que o vendedor seja o insolvente, a outra parte poderá exigir o cumprimento do contrato se a coisa já lhe tiver sido entregue na data da declaração da insolvência”. E, como resulta do n.º 2 da mesma disposição legal “o disposto no número anterior aplica-se, em caso de insolvência do locador, ao contrato de locação financeira e ao contrato de locação com a cláusula de que a coisa locada se tornará propriedade do locatário depois de satisfeitas todas as rendas pactuadas”.

Finalmente nos termos do n.º 3 do art.º 104.º do CIRE ”sendo o comprador ou o locatário o insolvente, e encontrando-se ele na posse da coisa, o prazo fixado ao administrador da insolvência, nos termos do n.º 2 do artigo 102.º, não pode esgotar-se antes de decorridos cinco dias sobre a data da assembleia de apreciação do relatório, salvo se o bem for passível de desvalorização considerável durante esse período e a outra parte advertir expressamente o administrador da insolvência dessa circunstância”.

Ora, das normas supra transcritas não resulta de forma alguma que (ainda que os contratos em causa pudesse ser definitivamente tidos como resolvidos), o meio próprio para a requerente fazer valer esse seu direito e a consequente entrega dos veículos seja a via incidental no processo de insolvência, tanto mais que nenhum veículo se encontra apreendido à ordem do processo de insolvência.

Por outro lado, ainda que os veículos em causa viessem a ser apreendidos para a massa insolvente (o que não está em causa), ainda assim não seria este o meio próprio para a requerente fazer valer os seus direitos pois, como preceitua o art. 141.º do CIRE “as disposições relativas à reclamação e verificação de créditos são igualmente aplicáveis (…) à reclamação destinada a separar da massa os bens de terceiro indevidamente apreendidos e quaisquer outros bens, dos quais o insolvente não tenha a plena e exclusiva propriedade, ou sejam estranhos à insolvência ou insusceptíveis de apreensão para a massa” (al c).

E o art. 145.º do CIRE prevê o mecanismo de entrega provisória de bens móveis dispondo o n.º 1 da referida norma legal que “ao reclamante da restituição de coisas móveis determinadas pode ser deferida a sua entrega provisória, mediante caução prestada no próprio processo”.

Finalmente, também não é pela via incidental que a insolvente pode ver resolvida a questão da propriedade sobre os veículos, questão essa que sempre constituiria um prius sobre o pretendido cancelamento dos registos.

Pelas razões expostas, indefiro os requerimentos apresentados pela B... e pela insolvente A....”.

           

            Em conformidade com o disposto no artigo 102.º, n.º 1 do CIRE, a declaração de insolvência tem efeitos sobre os denominados negócios em curso (ainda não cumpridos), acarretando suspensão do cumprimento destes até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento.

            Como refere Catarina Serra, in O Novo Regime Português Da Insolvência, 4.ª edição, Almedina, Almedina, 2010, a pág. 83, consagra-se o direito de escolha ou de opção do administrador da insolvência, que consiste no “direito de dar ou recusar cumprimento aos contratos” na sua qualidade de representante da massa insolvente e defensor dos seus interesses e que radica, como ali se acrescenta, “em última análise, de mais uma manifestação do princípio par conditio creditorum, no sentido de que o processo de insolvência deve perseguir, não uma satisfação individual ou selectiva, mas sim uma satisfação colectiva e paritária – a satisfação mais completa possível do maior número possível de credores.”.

Por outro lado, porque tal faculdade não pode ser eternizada, sob pena de uma vinculação indefinida, confere-se no n.º 2 do referido artigo 102.º, o direito de o interessado fixar um prazo razoável ao administrador para que este exerça a sua opção, findo o qual se considera que recusa o cumprimento.

Trata-se, pois, de um dos casos em que se atribuiu valor declarativo ao silêncio, nos termos do artigo 218.º do Código Civil – neste sentido, Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE, Anotado (Reimpressão), Quid Juris, 2006, a pág. 394 e Colectânea de Estudos Sobre a Insolvência, Quid Juris, 2009, a pág. 212.

Refere o recorrente que enviou duas cartas registadas com aviso de recepção ao Administrador da Insolvência, dado nota da sua intenção de resolver os contratos, sem que, nos prazos fixados, o mesmo tenha dado qualquer resposta, pelo que, se têm de considerar tais contratos resolvidos.

Resolução que era consentida em face do que se acha estatuído no artigo 17.º do DL 149/95, de 24/6, dada a falta de pagamento das rendas devidas pelo insolvente, assim, incumprindo este o contrato – cf. seu artigo 10.º, n.º 1, al. a).

As consequências de tal resolução estão definidas no n.º 3 do citado artigo 102.º do CIRE, segundo o qual, sem prejuízo do direito à separação da coisa, se for o caso, grosso modo, o credor tem direito à diferença (se positiva) entre o valor das prestações devidas, acrescido ou deduzido da diferença de valor entre as prestações já realizadas.

 Para o caso de contratos de compra e venda com reserva de propriedade e operações semelhantes (nas quais, como observa Catarina Serra, ob. cit., a pág. 89, se deve incluir o contrato de locação financeira), rege especificamente o disposto no artigo 104.º do CIRE.

No caso dos autos trata-se, efectivamente de contratos de locação financeira (cf. noção dada pelo artigo 1.º do já referido DL 149/95), que tem por objecto a cedência temporária do gozo dos veículos automóveis que dele foram objecto e que o locador poderá adquirir, nos termos aí previstos, sob de não o fazendo, findo o contrato por qualquer motivo e não sendo exercida esta faculdade de compra, o locador poder dispor do bem, cf. artigo 7.º deste DL.

Uma vez que se trata de contratos de locação financeira e em que o insolvente é o locatário, regem os n.os 3 e 5 do artigo 104.º do CIRE, remetendo, este último, para o disposto no n.º 3 do seu artigo 102.º.

Uma vez que o pedido formulado é apenas o da entrega dos veículos e não o de qualquer indemnização, não nos incumbe averiguar da existência de qualquer direito de crédito do recorrente sobre a massa ou vice-versa, apenas havendo que aferir da viabilidade do pedido de entrega.

Como acima já se referiu, no n.º 3 do artigo 102.º do CIRE, os demais direitos indemnizatórios aí previstos, são-no sem prejuízo do direito à separação da coisa.

Ou seja, daí parece resultar que os créditos que possam existir não prejudicam o direito à separação da coisa e deferida esta, apenas haverá que averiguar e quantificar a existência de quaisquer direitos de crédito que obriguem ou beneficiem alguma das partes contratantes.

Pelo que e assim sendo, importa, pois, indagar se o recorrente tem ou não direito a que lhe sejam restituídos os veículos automóveis objectos dos contratos de locação que estão na génese da questão sub judice.

De resto, na decisão recorrida, não está tanto em causa a denegação de tal direito, mas sim a de que o meio (incidental) utilizado pelo ora recorrente não é o adequado para a respectiva apreciação, o que motivou a improcedência do pedido formulado.

Efectivamente, ali se refere que não é a via incidental escolhida o meio próprio para a requerente fazer valer o seu direito, em face do disposto no artigo 141.º do CIRE.

Decorrendo, como decorre, do artigo 102.º n.º 3 do CIRE, aplicável ex vi seu artigo 104.º, n.º 5, que o recorrente goza do direito à separação da coisa, há que aferir do meio próprio para que tal direito possa ser concretizado, daqui dependendo o desfecho do presente recurso.

Ora, de acordo com o disposto no artigo 141, n.º 1, al.s a) e c), do CIRE, respectivamente: “As disposições relativas à reclamação e verificação de créditos são igualmente aplicáveis, à reclamação e verificação do direito de restituição, a seus donos dos bens apreendidos para a massa insolvente, mas de que o insolvente fosse mero possuidor em nome alheio e à reclamação destinada a separar da massa os bens de terceiro indevidamente apreendidos e quaisquer outros bens, dos quais o insolvente não tenha a plena e exclusiva propriedade”.

Ora, uma vez que os veículos em causa não eram propriedade do insolvente poderá o recorrente solicitar sejam separados da massa insolvente e lhe sejam restituídos, independentemente de não estarem apreendidos à ordem dos autos de insolvência de que derivam os presentes, pois que se ainda que o estivessem o podiam ser, por maioria de razão o poderão ser não estando apreendidos.

Mas tal pedido tem de obedecer ao formalismo previsto neste preceito.

Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE, Anotado, a pág.s 480 e 482, regula-se no preceito em referência o exercício do direito a fazer separar da massa aqueles bens, o prazo de que o seu titular dispõe para o efeito e o processo a seguir.

Uma vez deduzida a reclamação, regulam-se somente as condições e termos do exercício do direito à separação, cuja procedência (da reclamação) será apreciada de acordo com as regras do direito substantivo aplicáveis em cada caso.

Assim, como daqui decorre, para o exercício do direito que o recorrente pretende exercer, terá de ser deduzida a competente reclamação, segundo as regras aplicáveis para a reclamação de créditos, sujeita ao contraditório, nos prazos e condições para tal estabelecidos e não pelo meio escolhido.

E ainda que expirado esteja o prazo para tal, sempre nos termos do artigo 146.º, n.os 1 e 2, do CIRE, o poderá fazer em acção para tal instaurada, uma vez que, conforme n.º 2 deste, o direito à separação ou restituição de bens pode ser exercido a todo o tempo.

Assim, não vislumbramos razões para alterar a decisão recorrida.

Pelo que, improcede o presente recurso.

Nestes termos se decide:

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas a cargo da massa insolvente.

Arlindo Oliveira (Relator)

Emidio Francisco Santos

Catarina Gonçalves