Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5336/16.6T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
PROVA PERICIAL
DIVISIBILIDADE
PRÉDIO RÚSTICO
CONSTRUÇÃO
LOTEAMENTO
Data do Acordão: 11/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - O.FRADES - JUÍZO C. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 209, 388, 389, 1376, 1377 CC, 607, 925 CPC, 28 CRP, PORTARIA Nº 202/70 DE 21/4, DL Nº 555/99 DE 16/12, LEI Nº 111/2015 DE 27/9
Sumário: 1. A força probatória das respostas peritos é livremente apreciada pelo tribunal que delas se pode afastar desde que fundamente a sua posição.

2. A verificação dos pressupostos para a decisão sobre a divisibilidade do prédio reportar-se-á ao circunstancialismo existente à data da interposição da ação de divisão de coisa comum.

3. Na falta de outros elementos de prova bastantes, a área e as confrontações a atender por parte do tribunal serão as constantes das descrições matriciais e registrais respeitantes ao prédio indiviso.

4. Baseando-se a divisibilidade de um prédio rustico na possibilidade de formação de lotes para construção, a mesma não pode ser reconhecida pelo tribunal sem que as partes juntem ao processo certidão comprovativa da viabilidade de tal operação urbanística.

Decisão Texto Integral:    




                                                                                            

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

D (…) e mulher, M (…), intentam a presente ação de divisão de coisa comum contra L (…) e mulher, J (…),

pedindo a adjudicação do prédio que identificam a um dos consortes ou, na falta de interesse de qualquer deles, a sua venda a terceiros,

alegando, em síntese:

são proprietários de dois terços do referido imóvel, estando na titularidade dos requeridos o restante um terço;

o prédio é indivisível, porquanto, sendo rústico e com área inferior a 10.000 m2, a sua divisão material implicaria alteração da substância, diminuição do valor e prejudicaria o uso da coisa, ofendendo o disposto no art. 209.º do Código Civil.

Os requeridos contestam, sustentando que, em conformidade com o PDM vigente, por situado em área de solo urbano na classe de espaço residencial, o prédio é apto para a construção e, para este efeito (de divisão), deve ser classificado como urbano, permitindo a constituição nele de múltiplos lotes;

o prédio é divisível, devendo ser constituídos lotes para adjudicação a requerentes e requeridos.

 Foi ordenada a realização de perícia e, junto o respetivo relatório (fls. 66 e ss.), pelo Sr. perito foram prestados os esclarecimentos peticionados pelos requerentes (fls. 96 e ss.).

Foi proferida decisão que, julgando o prédio indivisível, determinou o prosseguimento da ação para adjudicação do mesmo aos requerentes ou aos requeridos ou, na falta de acordo, para a sua venda.


*

Inconformados com tal decisão, os Requeridos dela interpõem recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:  

1. O prédio em discussão nos presentes autos é propriedade dos autores e dos réus, na proporção de 2/3 e 1/3, respetivamente.

2. Apesar de estar a ser usado para produção florestal, de acordo com o PDM de x (... ) em vigor, o imóvel está situado em zona de “Solo Urbano” e classificado como “Área Residencial”.

3. A 15/05/2017 foi elaborado o relatório pericial (refª. citius 2305932) que considerou que o prédio em apreço poderia ser dividido ou fracionado em parcelas, uma correspondente a 1/3 a destacar do prédio e a parcela sobrante de 2/3 do prédio, não alterando, assim, a substância, não diminuindo o valor, nem prejudicando o uso da coisa.

4. Naquele relatório pericial, o Sr. Perito verificou que apesar de na caderneta predial rústica e na cópia não certificada da descrição da CRP de x (... ) constar como confrontação daquele prédio a sul com L... , na realidade o mesmo confronta daquele lado com Caminho em terra batida.

5. A 06/07/2017 o Sr. Perito veio apresentar esclarecimentos ao relatório pericial, nomeadamente deixando claro que o destaque não necessita de tipificar que se destina a construção, desde que o prédio se situe inserido no perímetro urbano ou zona urbana ou ainda solo urbano; bem como que a divisão em apreço não implica nem pedido de licenciamento de construção, nem construção, em qualquer um das duas parcelas, resultantes da divisão, do prédio em questão, já que as duas parcelas confrontariam a Sul com arruamento público, nos termos do n.º 4 do artigo 6.º do RJUE.

6. Esclareceu ainda o Sr. Perito que a parte delimitada do solo (prédio) está classificada como “Solo Urbano” em “Área Residencial” no PDM de x (... ) e, como tal, não abrangida para efeitos de fracionamento pelos condicionalismos impostos aos prédios excluídos da “malha urbana”.

7. O registo predial não constitui prova, nem presunção quanto à concreta composição, extensão, área e confrontações dos prédios.

8. Por esse motivo, o Sr. Perito, através das diligências que levou a cabo no prédio em causa, verificou que a confrontação a Sul é com Caminho em terra batida, estando no plano de atividade do Município a colocação de asfalto, constituindo acesso a construção situada a Nascente/Sul do prédio.

9. O registo predial respeita aos factos jurídicos causais dos direitos reais, e não à materialidade dos prédios sobre que incidem os direitos, aos respetivos elementos descritivos", não abrangendo, assim, os limites ou confrontações, a área dos prédios, as inscrições matriciais (com finalidade essencialmente fiscal).

10. O perito é um auxiliar do Juiz, chamado a esclarecer uma determinada questão com base na sua especial aptidão técnica e científica para essa apreciação, por isso o juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador; o julgador está amarrado ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação.

11. Acontece que nos presentes autos, o julgador diverge da prova pericial, fundamentando tal divergência no simples facto da descrição constante dos documentos oficiais referir que o prédio confronta a sul com L... e não com caminho. Ou seja, fundamenta a sua divergência num falso argumento, já que se apoia no quanto vem plasmado no registo predial que não pode, nem se destina a garantir os elementos de identificação dos prédios (limites ou confrontações, a área dos prédios, as inscrições matriciais).

12. Com aquela divergência, que lhe impunha um especial dever de fundamentação que não foi cumprido, o Tribunal “a quo” nega a aplicação do disposto no art. 6.º, n.º 1, al. d) e n.º 4 do RJEU.

13. Equaciona, ainda, a decisão recorrida a possibilidade do prédio confrontar a sul com caminho de terra batida e a possibilidade de definição de duas parcelas que mantenham tal confrontação, considerando que mesmo nesse caso o controlo administrativo era ainda possível, mesmo que a posteriori.

14. Conclui, assim, o Tribunal “a quo” que, opondo-se os AA ao destaque e não tendo havido lugar à intervenção administrativa viabilizadora de tal operação urbanística, o imóvel não pode ser dividido.

15. A decisão recorrida, com aquela conclusão, viola o disposto no art. 6.º, n.ºs 1, al. d) e 4 do RJEU, acabando por sancionar os RR pela inexistência de um pedido de informação prévia sobre a viabilidade da operação, quando a lei é clara no sentido de isentar de controlo prévio o destaque naquelas situações; e quando a própria decisão recorrida coloca a questão como uma medida preventiva (mas não obrigatória): “para acautelar qualquer óbice à divisão do prédio (…) sempre seria de obter (…)».

16. Na contestação apresentada pelos RR, a 21 de Novembro de 2016, foi junta, como doc. n.º 1, a resposta do município de x (... ) ao pedido de viabilidade construtiva do prédio em apreço.

17. Ora, aquele município informou que o prédio em discussão é apto para a edificação com um índice de utilização de até 0,75 e com suscetibilidade de construção até uma altura máxima de 11,5 metros (com 3 pisos), não existindo qualquer condicionante especial para a construção no mesmo.

18. Significa isto que, havendo viabilidade de construção e estando definida a forma de ocupação do solo (respeitando o relatório pericial presente nos autos), a divisão do imóvel é viável.

19. Acresce que aquele pedido de informação sobre a viabilidade da operação não foi requerido na medida em que, sendo aplicável o art. 6.º, n.º 1, al. d) e n.º 4 do RJUE, não é necessário, tendo apenas sido questionada a viabilidade de construção, essa sim necessária.

20. Concluindo, a sentença recorrida violou o especial dever de fundamentação a que estava obrigada por ter divergido da prova pericial, bem como o disposto no art. 6.º, n.º 1, al. d) e n.º 4 do RJUE.

Conclui pela revogação da decisão em recurso, julgando divisível o prédio rústico.


*

Os Requerentes apresentaram contra-alegações no sentido da improcedência do recurso.
Cumpridos que foram os vistos legais, nos termos previstos no artigo 657º, nº2, in fine, do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes:
1. (In)Divisibilidade do prédio.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
A. Matéria de facto
São os seguintes, os factos tidos em consideração pelo juiz a quo e que aqui não foram objeto de impugnação:
1. Prédio rústico, denominado “ k... ”, situado em “Remolha”, a pinhal e mato, com a área de 7400 m2, e a confrontar de norte com (…), de sul, com (…)de nascente com (…) e de poente com (…) Herdeiros e outro, sito na freguesia de x (... ), y... e z... , inscrito na matriz sob o artigo 0001 e registado sob a ficha 0002/2016 0003, tudo conforme melhor resulta dos documentos 1 e 2 juntos com a PI, cujos teores, por brevidade de exposição, se dão aqui por inteiramente reproduzidos.
2. O imóvel é propriedade dos autores e dos réus, na proporção de 2/3 e 1/3, respetivamente.
3. Presentemente o prédio está a ser usado para produção florestal.
4. De acordo com o PDM de x (... ) em vigor, o imóvel está situado em zona de “Solo Urbano” e classificado como “Área Residencial”.
5. Os réus concordam e os autores opõem-se ao destaque de uma parcela do imóvel.
*

1. (In)Divisibilidade do prédio.

O Relatório Pericial elaborado no âmbito dos presentes autos veio a concluir pela divisibilidade do prédio em compropriedade, partindo da consideração de que o mesmo se considera situado em Solo Urbano e classificado como “Área Residencial”, em função da afetação que lhe é dada pelo PDM de x (... ), e de que, ao contrário do que consta na matriz, tal prédio confronta com caminho em terra batida, propondo a sua divisão na razão de 2/3 e 1/3, através de um destaque cuja localização exata se apurará após medição e determinação da área exata do prédio.

A sentença recorrida, reconhecendo que, encontrando-se em zona de solo urbano, o prédio não se encontra sujeito ao regime da proibição de fracionamento previsto no artigo 1376º do CC, entendeu que o destaque a efetuar se encontrará sujeito às regras de construção urbanística aplicáveis, cuja verificação compete às autoridades administrativas; embora o Sr. Perito diga que o terreno confronta a sul com caminho de terra batida, dos documentos oficiais continua a constar como confrontando a sul com L... ; assim sendo, não seria de aplicar o disposto no art. 6º, nº1, al. d) e nº4 do RJEU, que isenta de controlo prévio o destaque de uma parcela que se situe no perímetro urbano desde que as duas parcelas resultantes do destaque confrontem com arruamentos públicos; ainda que assim não fosse e se encontrasse isenta de controlo prévio, sempre seria de obter junto da Camara Municipal informação sobre a viabilidade de tal construção. Opondo-se os AA. ao destaque e não tendo havido lugar a intervenção administrativa, tal impede a divisão do imóvel.

Insurgem-se os apelantes/Requeridos contra o decidido, com os seguintes fundamentos, que assim se sintetizam:

- o Sr. Perito, constatando que o prédio, ao contrário do que consta da CRP, confronta com caminho público, conclui ser possível a sua divisão em duas parcelas, uma correspondendo a 1/3 e outra a 2/3;

- o registo predial respeita aos factos jurídicos causais de direitos reais, não abrange os limites, as confrontações a área dos prédios sobre que incidem os direitos;

- o juiz a quo afasta-se do juízo pericial sem que cumpra o especial dever de fundamentação que se lhe impunha;

- havendo viabilidade de construção (cfr., resposta da C.M. de x (... ) ao pedido dos Requeridos) e estando definida a ocupação do solo, a divisão do imóvel é viável;

- não é necessário um pedido de viabilidade da operação.

Não podemos dar razão aos apelantes.

Tendo a prova pericial por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem (artigo 388º Código Civil), a força probatória das respostas dos peritos é livremente apreciada pelo tribunal – artigo 389º Código Civil.

Como é óbvio, esta liberdade de apreciação não equivale a arbitrariedade, significando que o julgador deve valorar as respostas dos peritos considerando a sua fundamentação, a sua coerência lógica, a diligência adotada pelos peritos na realização da perícia e as demais provas produzidas[1], até porque o julgador tem acesso a outros elementos não disponibilizados aos peritos.

Prova livre é a prova apreciada pelo juiz segundo a sua experiência, a sua prudência, o seu bom senso, com inteira liberdade, sem estar vinculado a ou adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais[2].

Pires de Lima e Antunes Varela comentam pela seguinte forma, a alteração introduzida ao artigo 578º do CPC, anterior à revisão operada pelo Decreto-Lei nº 47 690, que consagrando já o princípio da livre apreciação da prova pericial, obrigava então o julgador a fundamentar a sua conclusão sempre que afastasse do parecer dos peritos: “O tribunal pode agora afastar-se livremente do parecer dos peritos, sem necessidade de justificar o seu ponto de vista, quer porque tenha partido de factos diferentes dos que aceitou o perito, quer porque discorde dele ou dos raciocínios em que elas se apoiam, quer porque os demais elementos úteis de prova existentes nos autos invalidem, a seu ver, o laudo dos peritos[3]”.

Não podemos, hoje, ir tão longe na determinação do âmbito da prova livre – mantendo-se a liberdade de ação na decisão, a imposição, pela revisão de 95/96 do CPC de 1961, de um dever acrescido de fundamentação da decisão a proferir sobre a matéria de facto (ns. 4 e 5 do atual artigo 607º do CPC), implica que a livre apreciação das provas não dispensa o juiz a quo de as analisar criticamente, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua formação. Ou seja, face ao direito vigente, o juiz terá sempre de explicitar por que motivo se afastou das conclusões exaradas no relatório pericial, assim como, terá de explicar por que motivo ou razões pelas quais acreditou no depoimento de uma testemunha desvalorizando declarações em contrário emitidas por outra ou por que se afasta dos indícios para que apontam determinado documento junto aos autos e que a que não seja atribuída a força de prova plena.

No caso em apreço, o juiz a quo explicita devidamente por que motivo não teve por relevante o pressuposto de que o Sr. Perito partiu, para considerar que o destaque a efetuar relativamente a esta parcela se encontraria dispensado de licença prévia – confrontação da parcela com a via pública –, explicitando igualmente que, em seu entender, ainda que esta se encontrasse dispensada, sempre seria de obter junto da C.M. de x (... ) informação sobre a viabilidade de tal operação, nos termos dos arts. 14º e ss. do RJEU.

Não se reconhece, assim, qualquer ilegalidade na decisão proferida pelo juiz a quo ao afastar-se das conclusões contidas no juízo pericial.

Antes de descermos à análise do caso em apreço, há que reiterar os seguintes princípios, que devemos ter presentes na apreciação da questão da divisibilidade da coisa comum:

1. em primeiro lugar, o processo de divisão de coisa comum não pode servir como meio de ultrapassar obstáculos legais.

2. em segundo lugar, a apreciação da verificação dos pressupostos para a decisão sobre a divisibilidade do prédio reportar-se-á ao circunstancialismo existente à data da interposição da ação de divisão de coisa comum.

Vejamos, então, o caso concreto.

Segundo o artigo 209º do Código Civil, “são divisíveis as coisas que podem ser fracionadas sem alteração da sua substância, diminuição de valor ou prejuízo para o uso a que se destinam”.

O artigo 209º do Código Civil consagra um conceito jurídico de divisibilidade e não físico, pois, na natureza, todas as coisas são divisíveis, até os átomos[4].

Como a nossa doutrina e jurisprudência[5] têm vindo a salientar, a divisibilidade natural – isto é, a possibilidade de fracionamento sem prejuízo para a substancia da coisa – pode coexistir com uma indivisibilidade legal, resultante de normas imperativas que obstam à divisão, seja das que regulam o fracionamento de prédios rústicos, seja das que regem as operações de loteamento ou das normas imperativas sobre a constituição da propriedade horizontal.

O conceito de indivisibilidade presente no artigo 209º do CC tem de ser conjugado com outros preceitos legais que condicionam a divisão de determinadas coisas à verificação de determinados condicionalismos, casos em que a divisão material da coisa apenas será possível se se verificarem os requisitos legais de natureza imperativa[6].

No caso em apreço, encontrando-nos perante um prédio rústico com uma área inferior à unidade de cultura (Portaria nº 202/70 de 21 de abril, e Lei nº 111/2015, de 27 de agosto), a sua divisão só seria possível no âmbito da sua eventual utilização como solo urbano (cfr., artigos 1376º e 1377º do CC).

De acordo com PDM de x (... ) em vigor, o imóvel está situado em zona de “Solo Urbano” e classificado como “Área Residencial”.

A realização de operações urbanísticas – entre as quais se incluem as operações de loteamento[7] – depende de licença administrativa e de comunicação prévia com prazo, por parte das autoridades administrativas [art. 4º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (DL nº 555/99, de 16 de dezembro, na redação do DL 136/2014, de 9 de setembro)]. As operações urbanísticas objeto de licenciamento são tituladas por Alvará cuja emissão é condição da eficácia da licença (art. 74º, nº1, do RJUE).

Estarão isentos de licença e de controlo prévioos atos que tenham por efeito o destaque de uma única parcela de prédio com descrição predial que se situe em perímetro urbano desde que as duas parcelas resultantes do destaque confrontem com arruamentos públicos” – art. 6º, nº1, al. d) e nº 4, do citado Diploma.

Ou seja, excecionalmente, a lei admite o parcelamento para edificar sem prévia operação de loteamento: é o chamado destaque, consistente na divisão de um prédio que dá origem apenas a dois lotes, sendo que, no caso de a parcela a destacar se situar em perímetro urbano se exige que as parcelas resultantes do destaque confrontem com arruamentos públicos.

Sustenta o Sr. Perito que:

- na caderneta predial a área do prédio em questão é de 7.400m2, pelo que. dividindo o prédio em razão de 1/3 e de 2/3, a parcela destacada ficaria com uma área de 2.466, 667 m2, aceitando-se que parcela sobrante ficaria com 4.933,333 m2. Contudo, segundo o Sr. Perito, o prédio “pode não ter e uma das áreas pode ser inexata”;

- ao contrário do que consta da caderneta predial, o prédio em questão não confronta a sul com (…) mas “com caminho em terra batida, estando no plano de atividades do Município a colocação de asfalto”.

Na sequência das circunstancias acima referidas, o Sr. Perito recomenda que:

- “previamente se determine a área exata do prédio com um teodolito e depois se implante a linha de separação das duas parcelas;

- “deverá ser previamente retificada esta confrontação nos documentos supra do prédio em causa, para que a operação urbanística que leva à Divisão daquele prédio logre êxito”.

O Sr. Perito termina o seu relatório com a seguinte conclusão:

Pelo exposto em, 2., 3., e 5, a “divisão” é viável na razão de 2/3 e 1/3, através de um destaque cuja condicionante é uma das parcelas terem uma extrema pelo “Caminho” público situado a sul do prédio, o que de facto é até a melhor divisão. Este procedimento final é precedido da mediação rigorosa da área do solo do prédio, cfr. já referido a fls. 6, e requerimento como Memória Descritiva e planta da divisão do prédio, com as novas confrontações das parcelas.”

Da síntese que aqui deixamos do teor do Relatório elaborado no âmbito dos presentes autos, logo sobressai que a decisão tribunal a quo, ao considerar o prédio como indivisível, não entra em contradição com os juízos aí explanados pelo Sr. Perito. Ao longo de tal relatório, o Sr. Perito expõe em que condições o prédio poderia vir a ser dividido, sendo que a decisão recorrida foi no sentido de que tais condições não se acham verificadas.

Comecemos pela questão da alegada incorreção da estrema sul constante do registo.

A verificar-se uma incorreção das confrontações constantes da descrição do prédio na matriz e no registo – a sul, o prédio confrontaria com caminho público e não com (…) – (erro que, com grande probabilidade, se encontrará acompanhado de um erro na própria a área constante dos documentos), os respetivos interessados teriam, em primeiro lugar, de junto das Finanças e da Conservatória de Registo Predial, proceder à atualização e retificação da descrição de tal prédio na matriz e no registo, de modo a harmonizá-lo com a realidade fática existente.

Por outro lado, ao Sr. Perito levantaram-se-lhe dúvidas sobre a área exata do prédio (talvez porque o facto de a sua estrema sul não ser a constante da matriz traduz alterações na configuração do prédio que, em princípio, se refletirão na sua área), recomendando que seja efetuada a sua medição, e que, sem a determinação da área exata do prédio, não poderá sequer propor uma linha de se separação das duas parcelas.

Na ação de divisão de coisa comum, os peritos têm de pronunciar sobre a formação dos diversos quinhões (art. 925º, nº1 CPC). No caso em apreço o Sr. perito limita-se a fazer o cálculo abstrato da área a atribuir a cada um dos comproprietários na proporção da respetiva quota, alegando não possuir elementos para definir a proposta de localização para cada um dos lotes.

Ou seja, o Sr. Perito não conclui que o prédio seja divisível tal como está – até porque lhe faltam elementos essenciais para aferir de tal divisibilidade como a sua verdadeira área e confrontações –, limitando-se a afirmar em que condições ele poderia vir a ser divisível.

Se atendermos aos elementos de descrição do imóvel constantes da matriz predial e do registo – e só a estes podemos atender, porquanto, embora a presunção derivada de registo não abranja os elementos respeitantes à descrição do imóvel, tais como áreas e confrontações, no caso em apreço nenhuma outra prova foi produzida relativamente à configuração do prédio[8] – temos um prédio relativamente ao qual o destaque de uma parcela só se encontraria isento de licença e de controlo construção urbana, desde que as duas parcelas resultantes do destaque confrontassem com arruamentos públicos.

A descrição predial é a figura onde se identifica o prédio objeto do registo, tendo por fim a identificação física, económica e fiscal dos prédios (artigo 79º nº1 do CRegistoPredial).

No caso em apreço, nem sequer podemos dar por assente que o prédio confronte efetivamente a sul com um caminho público – segundo a descrição constante da matriz e do registo, confronta com um outro prédio. A retificação da área e de confrontações constantes da matriz terá de ser requerida junto da Conservatória competente, fazendo-se acompanhar da junção de planta do prédio elaborada por técnico habilitado e declaração dos confinantes de que não ocorreu alteração na configuração do prédio[9] (artigo 28º-C, do CRegistoPredial).

Por outro lado, o juízo acerca da divisibilidade da coisa comum há de reportar-se ao momento e estado em que se encontra a coisa quando a divisão é requerida, isto é, ter-se-á de atender ao que o prédio é e não ao que poderá vir a ser[10].

E, de acordo com as características do prédio, tal como o mesmo se encontra descrito na matriz predial e no registo, o destaque ou formação de lotes em tal prédio encontra-se dependente de licença e de controlo prévio por parte das autoridades administrativas.

Como tem vindo a ser decidido na nossa jurisprudência, independentemente da divisibilidade material de um prédio urbano, o nosso sistema jurídico sujeita ao regime de controlo ou licenciamento prévio das Câmaras Municipais as operações de urbanização e obras particulares, as operações de loteamento.

E, ainda que se tratasse de um mero destaque isento de submissão ao procedimento de autorização, a isenção prevista no art. 6º “não isenta a realização das operações de loteamento nele previstas da observância das normas legais e regulamentares aplicáveis, designadamente as constantes de planos municipais ou especiais de ordenamento do território, de servidões ou restrições de utilidade pública, as normas técnicas de construção, as de proteção do património cultural imóvel e a obrigação de comunicação prévia nos termos do artigo 24º do Dec. Lei nº73/2009, de 31 de março, que estabelece o Regime Jurídico da Reserva Agrícola Nacional”.

Daí que, a Camara Municipal, apesar de não ter aqui um controlo preventivo, tem sempre de intervir através da emissão de uma certidão comprovativa de que os requisitos do destaque estão presentes ou que as normas aplicáveis estão cumpridas[11].

As operações de desanexação ou loteamento de prédios para construção urbana ou o fracionamento de prédios urbanos dependem da verificação de exigências urbanísticas que são de satisfação exclusivamente deferida às camaras municipais, a quem cabe emitir as respetivas licenças[12].

Daí a consagração pelo artigo 14º do RJUE do pedido de informação prévia, pelo qual é reconhecida a qualquer interessado a faculdade de solicitar à câmara municipal informação sobre a viabilidade de realizar certa operação urbanística sujeita a controlo municipal, com explicitação dos respetivos condicionamentos[13].

Assim sendo, sem a prévia concessão de alvará de loteamento ou de licença de destaque, não poderá haver divisão, sendo condição da divisão do prédio a demonstração de que as autoridades competentes para o efeito tenham tido a intervenção imposta por lei, quanto mais não fosse através do procedimento correspondente ao pedido de informação prévia atualmente previsto no artigo 14º do RJUE[14].

Se a divisão pretendida tem de obedecer a regras que impõem a intervenção da entidade administrativa, o tribunal não pode determinar tal divisão sem que tal entidade se tenha previamente pronunciado sobre o preenchimento dos condicionalismos legais, não podendo o tribunal substituir-se àquelas entidades na verificação de tais requisitos[15].

Quanto à informação emitida pela Câmara Municipal (junta pelos autores como Doc. 1 com a sua contestação[16]) – no sentido de que a “a parcela enquadra-se (…) em solo urbano na classe de espaço residencial”, e “Nesta classe de solo a edificação é enquadrável nas condições de edificabilidade definidas no artigo 50º, que estabelece os seguintes índices urbanísticos (…) – limita-se a referir qual o seu enquadramento segundo o PDM, pronunciando-se sobre a edificabilidade do prédio face ao PDM e como um todo e em toda a sua extensão atual, nada nos dizendo sobre a legalidade da sua eventual divisão em dois lotes correspondentes um a cerca de 2/3, e outro a cerca de 2/3, do prédio atualmente em compropriedade.

O que aqui se discute não é a edificabilidade no prédio inscrito na matriz sob o artigo 0001º de que Requerentes e Requeridos são comproprietários, mas a viabilidade da formação de dois lotes a partir do mesmo nos termos pretendidos pelos requeridos e, relativamente a tal questão, não é junto qualquer parecer ou informação pelos serviços administrativos competentes.
A apelação será de improceder.

*

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a suportar pelos apelantes.               

     Coimbra, 13 de novembro de 2018


V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
1. A força probatória das respostas peritos é livremente apreciada pelo tribunal que delas se pode afastar desde que fundamente a sua posição.
2. A verificação dos pressupostos para a decisão sobre a divisibilidade do prédio reportar-se-á ao circunstancialismo existente à data da interposição da ação de divisão de coisa comum.
3. Na falta de outros elementos de prova bastantes, a área e as confrontações a atender por parte do tribunal serão as constantes das descrições matriciais e registrais respeitantes ao prédio indiviso.
4. Baseando-se a divisibilidade de um prédio rustico na possibilidade de formação de lotes para construção, a mesma não pode ser reconhecida pelo tribunal sem que as partes juntem ao processo certidão comprovativa da viabilidade de tal operação urbanística.


Maria João Areias ( Relatora )
Alberto Ruço
Vítor Amaral


[1] Rita Gouveia, “Comentário ao Código Civil, Parte Geral”, Universidade Católica Editora, Lisboa 2014, p. 883.
[2] Acórdão do STJ de 30 de dezembro de 1977, in BMJ nº 271, p. 185, citado por Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed. Coimbra Editora 1987, p.340.
[3] Obra e Volume citado, p. 340.
[4] Maria Clara Sotto Mayor e Ana Teresa Ribeiro, “Comentário ao Código Civil – Parte Geral”, Universidade Católica Editora/FC, Coord. Luís Carvalho Fernandes e Brandão Proença, p.470.
[5] Na doutrina, Luís Pires de Sousa, “Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, Almedina 2016, p. 31, e na jurisprudência, Acórdão do TRE de 09-03-2017, relatado por Mário Serrano, e Acórdão do STJ de 23-‘8-2009, relatado por Maria dos Prazeres Piçarro Beleza, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[6] Acórdão do STJ de 15-11-2012, relatado por Abrantes Geraldes, disponível in www.dgsi.pt.
[7] O artigo 2º, al. j) do RJUE define as operações de loteamento como as ações que tenham por objeto ou por efeito a constituição de dois ou mais lotes destinados, imediata ou subsequentemente, à edificação urbana e que resulte da divisão de um ou vários prédios ou do seu reparcelamento.
[8] Nenhum dos interessados junta, sequer, um levantamento topográfico do prédio em compropriedade.
[9] Segundo Mouteira Guerreiro, a exigência da assinatura dos confinantes é motivada pela necessidade de haver aceitação “por parte daqueles a quem a retificação possa prejudicar”, designadamente porque o interessado poderia pretender expandir os limites do seu prédio sobre os dos vizinhos – “Noções de Direito Registral (Predial e Comercial), Coimbra Editora, p.182.
[10] Meneses Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, Tomo II, Coisas, Almedina 2000, p. 158, e ainda em igual sentido, Acórdãos do TRC de 24-10-2006, relatado por Jorge Arcanjo, do TRG de 25-11-2013, relatado por Maria da Purificação Carvalho, e Acórdão do STJ de 23-09-2008, relatado por Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, in www.dgsi.pt.
[11] Luís Filipe Pires de Sousa, obra citada, p. 46.
[12] Neste sentido, Acórdão do TRE de 22-03-2018, relatado por Mário Coelho, disponível in www.dgsi.pt.
[13] No caso de operações de loteamento em área abrangida por plano de urbanização ou plano diretor municipal, o nº 7 do Anexo I, dentro dos elementos que devem instruir o pedido de Informação Prévia, inclui a apresentação de um projeto de loteamento, incluindo planta da situação existente, planta síntese do loteamento, planta das infraestruturas locais e ligação às infraestruturas gerais; planta com as indicações das áreas de cedência destinadas à implantação de espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas várias e equipamentos, e outros.
[14] Neste sentido, Acórdão do STJ de 23-09-2008, relatado por Maria dos Prazeres Pizarro Beleza.
[15] Entre outros, Acórdão TRE de 09-03-2017, relatado por Mário Serrano.
[16] Fls. 26 do processo físico.