Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1796/19.1T8PBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE JACOB
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO
INCUMPRIMENTO DAS REGRAS RELATIVAS À INSTALAÇÃO E USO DO TACÓGRAFO
TACÓGRAFO AVARIADO OU DEFEITUOSO
Data do Acordão: 04/21/2020
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: LEIRIA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE POMBAL – JUIZ 2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CONTRAORDENACIONAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 7.º, N.º 2, AL. C), DO DL 169/2009, DE 31-07
Sumário: IO artigo 7.º, n.º 2, al. c), do Decreto lei n.º 169/2009, de 31-07, não distingue entre avarias ou defeitos do tacógrafo relevantes ou não relevantes. Se o tacógrafo estiver avariado ou funcionar defeituosamente, o mesmo é dizer, se aquele aparelho não funcionar ou funcionar em desconformidade com os parâmetros expectáveis, incorre o utilizador do veículo (entendido este como a pessoa, singular ou colectiva, em cujo interesse o veículo circula) na contraordenação prevista na referida disposição legal, caso ocorra um nexo de imputação subjectivo (dolo ou negligência).

II – A interpretação restritiva do normativo acima indicado, proposta no recurso, no sentido de o âmbito de aplicação do mesmo integrar apenas os controlos dos tempos de condução e períodos de descanso, não tem qualquer apoio na teleologia possível do quadro legislativo comunitário, a saber, Regulamento (CEE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15-03-2006, invocado pelo recorrente, Regulamento (CEE) n.º 3281/85 (já revogado), Directiva 2009/5/CE da Comissão de 30-01-2009, e Regulamento (EU) n.º 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 04-02-2014 [revogou o supra referido Regulamento (CEE) n.º 3821/85]

II – Não obstante, a premissa em que a recorrente faz assentar as suas alegações é irrelevante, posto que no acto de fiscalização foi verificado que o estilete da velocidade efectuava os registos abaixo da linha zero, estando, assim, em causa funcionamento defeituoso que se reflectiu na conservação de um dos valores obrigatoriamente registado pelo tacógrafo, porquanto de acordo com o ponto III, 2.2./024 do Anexo I – B ao Regulamento (CE) n.º 1360/2002 da Comissão de 13-06-2020, que adaptou ao progresso técnico o Regulamento n.º 3821/85, o aparelho de controlo, entre outros parâmetros, deve medir a velocidade de 0 a 220 Km/h.

Decisão Texto Integral:

Recurso próprio, tempestivamente interposto por sujeito processual dotado de legitimidade e recebido com o efeito adequado.


*

O recurso oferece-se como manifestamente improcedente, pelo que nos termos do disposto nos arts. 417º, nº 6, al. b) e 420º, nº 1, al. a), ambos do CPP, aplicáveis ex vi art. 74º, nº 4, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas (Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, sucessivamente alterado), se profere


DECISÃO SUMÁRIA


Por decisão do Instituto de Mobilidade e dos Transportes, IP (IMT) datada de 4 de Junho de 2019, no processo de contraordenação nº 200036461870, foi a arguida e ora recorrente condenada na coima de 1.000,00 € pela prática, a título de negligência, de uma contraordenação prevista e punida pelo artigo art. 7.º n.º 2 al. c) do Decreto-Lei n.º 169/2009, de 31.07.

            Inconformada, a arguida interpôs recurso de impugnação judicial que veio a ser distribuído ao Juízo Local Criminal de Pombal – Juiz 2, e em que, após julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedente o recurso e manteve a decisão administrativa.

            Uma vez mais inconformada, recorre a arguida para este Tribunal da Relação retirando da motivação do recurso as seguintes conclusões:

            1ª – A norma vertida no art. 7º, nº 2, al c) do DL 169/2009, de 31-07, visa proteger o interesse público referente à não utilização dos aparelhos tacógrafo avariados ou com deficiente funcionamento, a fim de acautelar o cumprimento dos tempos de condução e de descanso;

2ª – Nele, não estão compreendidas todas e quaisquer avarias ou deficiências que afetem o aparelho, mas apenas aquelas que ofendam o interesse postulado pelo legislador ao criar a norma sancionatória;

3ª - Doutra forma sairia violado o princípio da legalidade e o seu subprincípio da tipicidade;

4ª – Por conseguinte, nela não se integrando a anomalia notada pela fiscalização rodoviária, pelo que não é possível fazer a imputação objetiva;

5ª – O aparelho tacógrafo havia sido submetido a verificação periódica pouco tempo antes da fiscalização rodoviária se ter apercebido da suposta anomalia;

6ª – Tal verificação periódica tem de ocorrer no intervalo máximo de dois anos;

7ª – Os procedimentos internos da arguida eram feitos com regularidade, entre uma semana a um mês;

8ª – Até ser notada a anomalia, nada se suscitou quer ao motorista, quer ao gerente da arguida que a mesma contribuísse para adulterar os registos e os interesses que a lei quis proteger;

9ª – Por conseguinte, não se pode imputar à arguida conduta negligente, já que a dolosa foi afastada, pois, a mesma controlava regularmente os registos;

10ª – Pelo que, o período em que ocorreram as supostas infrações estava compreendido no intervalo das verificações internas ao aparelho, sendo na ocasião da comunicação do auto ao gerente da arguida que esta tomou conhecimento da dita anomalia;

            11ª – Ora, tal conduta não consubstancia uma atitude negligente;

12ª – Por último, e sem conceder, a coima aplicada afigura-se excessiva;

13ª – Tendo em conta que a arguida tinha procedimento interno de verificação e a suposta infração integra-se no intervalo das mesmas, sempre seria de aplicar o valor mínimo para a coima.

Com efeito, o Mmo. Juiz “a quo” fez equivocada aplicação do disposto no art. 7º, nº 2, al. c), do DL 169/2009, de 31-07, ao considerar que a mesma prevê que a conduta objeto do auto de notícia nela se integra.

Outrossim, a entender-se que a mesma merece a censura aplicada, caso Vs. Ex.as assim o entendam, então esta deve ser fixada pelo mínimo.

            (…)

            Respondeu o M.P., pronunciando-se pela improcedência do recurso.

            Nesta instância, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se também pela improcedência do recurso.

            O recorrente respondeu, mantendo a sua posição inicial.

           

Vêm suscitadas duas questões no recurso:

- Verificar se a ratio da norma incriminadora apenas abrange as avarias do tacógrafo que directamente contendam com a verificação dos tempos de condução e de descanso, ou se abrange todas as avarias do referido aparelho;

- Subsistindo a punição da recorrente, apreciar se é equilibrada a medida da coima em que foi condenada.

Apreciando os argumentos adiantados no recurso cotejando a decisão posta em crise com o alegado, a falta de razão da recorrente, face ao quadro normativo aplicável, é total.

            Com efeito, foi fixada em primeira instância a seguinte matéria de facto:

            a) No dia 26 de Março de 2018, cerca das 18h55m, na A1, sentido N/S, ao quilómetro (Km) 165, na área de serviço de (…), a sociedade (…) tinha em circulação por sua conta e interesse a viatura pesada de mercadorias de matrícula (…) conduzida pelo seu trabalhador (motorista) (…).

b) Sendo este último portador dos registos dos seus actos de condução referentes aos últimos 28 dias, que entregou às autoridades;

c) Dos quais se constatou que as folhas de registo do aparelho tacógrafo analógico do veículo pesado de matrícula (…), também ele de propriedade da sociedade arguida, que aquele motorista conduziu, efectuou registos abaixo da linha zero nos dias 1, 7, 12 e 13 de março de 2018, constituindo uma anomalia de funcionamento.

d) A sociedade arguida não tomou todas as precauções devidas, ao seu alcance e a que estava obrigada no sentido de não colocar em circulação veículo pesado de mercadorias cujo aparelho de tacógrafo não se encontrava a funcionar corretamente face aos registos que então efectuava em c), de que pôde em devido tempo conhecer.

(mais se provou ainda que:)

e) O aparelho de tacógrafo analógico instalado na viatura de matrícula (…) foi sujeito a certificação de conformidade pela sociedade (…), devidamente certificada para esse feito, a 05 de Dezembro de 2017.

           

A convicção do tribunal recorrido foi assim motivada:

            O Tribunal para dar como provados os factos consignados como tal valorou em primeiro lugar o depoimento dos militares da GNR que procederam à fiscalização rodoviária em questão, então colocados na Brigada de Trânsito da GNR de (…). O militar (…) e o Cabo (…), este último entretanto colocado na reserva territorial, que tinham à data e desde longos anos como função a fiscalização rodoviária, revelando, por esse mesmo motivo, extensa e apurados conhecidos colhidos na experiência profissional no que diz respeito à fiscalização de veículos pesados e seus motoristas.

Ainda que aquelas testemunhas não hajam rememorado a operação de fiscalização em causa – não observaram antes da sua inquirição, como seria recomendável, o respectivo auto – certo é que uma tal circunstância é compatível com a realização de centenas de operações de fiscalização rodoviária pelas testemunhas e com o facto suplementar da fiscalização em causa ter decorrido com normalidade e sem nada de inusual que a fizesse inscrever nas suas memórias no confronto com outros similares. Com a exibição do auto de noticia viriam, todavia, a certificar as suas assinaturas e o que foi consignado no auto de contra-ordenação.

Os registos do aparelho de tacógrafo em questão que instruem o referido auto estão documentados a fls.4 e a sua autoria e fidedignidade não foi colocada em questão pela sociedade arguida, que inclusivamente aceita o registo que deles consta por meio da audição do seu legal representante, (…) em sede de julgamento. Por outro lado, por ter tido conhecimento directo daquela ocorrência pelo motorista que foi alvo de fiscalização, cuja inquirição não viria a ser possível por razões a que fomos alheios (vide acta), aquele legal representante confirmou as circunstâncias de tempo, de modo e de lugar da fiscalização, o que determina pacificamente a demonstração dos pontos a) a c) dos factos provados.

Assim se provando o elemento objetcivo do tipo de incriminação.

Quanto ao elemento subjetivo da incriminação.

Naturalmente que atenta a premissa legal de que a sociedade arguida é responsável pelas condições de uso e de certificação do aparelho de tacógrafo colocado em viatura sujeita a essa obrigação e que use efectivamente no desenvolvimento do seu objecto social, como foi o caso dos autos, responde pelo seu funcionamento anómalo.

Da inquirição do legal representante da sociedade arguida resulta confesso que os registos em causa – marcações abaixo da linha zero registadas a 1, 7, 12 e 13 de março de 2018 – constituem objectivamente uma anomalia proibida por lei, embora da sua inquirição em audiência tenha perpassado a impressão, sem que se tenha percebido a razão para tal, de que desvaloriza aquela ocorrência.

A norma infringida não consente a distrinça entre anomalias no preenchimento típico da incriminação, pelo que a verificação de um registo que não podia ter lugar como aconteceu no caso em apreço constitui sempre, por si só, a verificação de um resultado proibido por lei e é independentemente de um exame pericial mais aturado ao aparelho tacógrafo que aqui não teve lugar, pelo menos pelas autoridades públicas, idóneo a demonstrar a sua desconformidade para estar em funções.

Justifica a sociedade arguida a ausência de culpa em virtude de ter confiado que o aparelho tacógrafo em questão estava conforme as prescrições legais face à sua certificação por entidade credenciada (cfr. Atestado de fls.27) escassos meses antes (a 12/2017). Será assim?

De facto, a existência de uma certificação por uma autoridade credenciada de que um determinado aparelho que de que se faz uso profissional está conforme as suas especificações constitui, em termos de normalidade, um factor indutor de confiança no aparelho que é idóneo a desvalorizar medidas de auto-controlo do referido equipamento que se mostrem implementadas. Podia assim a sociedade arguida confiar que o dito aparelho se encontrava em devidas condições após a sua certificação em Dezembro de 2017.

Todavia questionado o único gerente da sociedade a respeito dos procedimentos internos implementados por si no sentido de tomar conhecimento dos registos dos quatro condutores – especialmente para prevenir eventuais violações dos tempos de descanso e velocidades – da sociedade, no exercício das suas prorrogativas legais de entidade empregadora, esclareceu que pede de facto aos motoristas a exibição semanal/quinzenal dos registos das suas conduções anteriores para seu controlo.

Ora, à luz do procedimento que a empresa refere adoptar, mesmo à data dos factos, e considerando que a fiscalização rodoviária em apreço ocorreu a 26 de março de 2018 era-lhe possível conhecer, com toda a certeza, os registos anómalos do aparelho tacógrafo associado à viatura de matrícula (…) e dos dias 1 e 7 de Março, ou eventualmente os registados no dia 12 e 13 de Março de 2018. E por assim ser de acordo com o seu funcionamento interno, mesmo que naqueles dias o seu motorista nada tenha comunicado (o gerente não o confirmou e este último não viria a ser ouvido) pôde a sociedade, por meio do seu gerente, tomar conhecimento daqueles registos semanalmente e impedir a continua circulação da viatura sem a correcção da anomalia. O que não foi feito, dando causa, em virtude da sua inércia ou omissão, à referida infracção.

A proximidade temporal da certificação do dito aparelho, da pontada omissão e do dia da infracção tornam a recondução da sua actuação compatível com uma culpa mais leve face ao raciocínio acabado de fazer, razão pela qual se dão como provados os factos referidos em d) e e) supra consignados.

Se dúvidas existissem sobre a matéria acabada de expor, e não existem atenta a sua fonte e concludência de acordo com as regras da experiência e regras internas da sociedade, não se pode deixar em claro uma afirmação do legal representante da sociedade arguida em audiência e segundo a qual em data muito recente constatou que o mesmo aparelho tacógrafo da viatura em questão continuava a fazer registos anómalos, ainda que menos percetíveis do que aqueles aqui em questão, segundo declarações suas após mudar a marca dos papéis que usa para fazer os registos e, não obstante, continuou a desvalorizar este facto e a verbalizar confiança na entidade que fez a certificação do equipamento, apesar das evidências ostensivas de registos anómalos, o que em caso de nova e similar fiscalização rodoviária evidenciaria uma culpa e uma ilicitude bem mais qualificada (dolo). É que nesta data a sociedade arguida, por intermédio do seu gerente, tem a certeza que o aparelho não está conforme, ainda que certificado por entidade terceira, pelo que se uso dela faz e infringe esta norma legal age consciente da sua ilicitude e culpa.

Não existem, pois, causas de excepção da culpa e ou da ilicitude.


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Nos termos do art. 7º, n.º 2, al. c), do Decreto Lei n.º 169/2009, de 31 de Julho, constitui contaordenação muito grave, punível com coima de €1200 a €3600 ou €1200 a €6000, consoante se trate de pessoa singular ou pessoa colectiva, imputável à empresa que efectua o transporte, a utilização de veículo com tacógrafo avariado ou a funcionar defeituosamente.

Questiona o recorrente a aplicabilidade desta norma ao caso concreto, pretendendo operar uma distinção teleológica entre os casos de avaria que afectem o controle dos tempos de condução e dos períodos de descanso e as que não afectem esse controle. Manifestamente não lhe assiste razão, posto que o normativo em causa é claríssimo ao sancionar como contraordenação as situações em que se verifique o seguinte condicionalismo objectivo:

- Utilização de veículo obrigatoriamente equipado com tacógrafo;

- Estando o tacógrafo avariado ou a funcionar defeituosamente.

Não distingue a lei entre avarias ou defeitos relevantes ou não relevantes. Se o tacógrafo estiver avariado ou funcionar defeituosamente, o mesmo é dizer, se aquele aparelho não funcionar ou funcionar em desconformidade com os parâmetros expectáveis, incorre o utilizador do veículo (entendido este como a pessoa, singular ou colectiva, em cujo interesse o veículo circula) na contraordenação prevista no art. 7º, n.º 2, al. c), do DL n.º 169/2009, suposto ocorrer um nexo de imputação subjectiva (dolo ou negligência). Vale aqui, em termos interpretativos, o aforismo ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus, a significar que não deve o intérprete estabelecer distinções não previstas na lei.

O DL n.º 169/2009 visa apenas definir o regime contraordenacional aplicável ao incumprimento das regras relativas à instalação e uso do tacógrafo, estabelecidas no Regulamento (CEE) nº 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março; mas nem por isso assiste razão ao recorrente quando pretende que a interpretação da norma incriminadora se não pode afastar da finalidade do Regulamento nº 561/2006, nomeadamente, controle dos tempos de condução e períodos de descanso. Na verdade, este regulamento prevê, no art. 19º, nº 1 [1], a obrigação de os Estados-Membros determinarem um regime de sanções às violações  desse mesmo Regulamento e do Regulamento (CEE) n.º 3821/85.

O Regulamento 3821/85, já revogado, dispunha, no respectivo art. 16º, nº 1, que “Em caso de avaria ou de funcionamento defeituoso do aparelho, o empregador deve, assim que as circunstâncias o permitam, promover a sua reparação por instaladores ou oficinas aprovadas.

A reparação será efectuada no percurso, se o regresso às instalações de empresa só se puder efectuar decorrido um período superior a uma semana, a partir do dia da avaria ou da verificação do funcionamento defeituoso”.

Por seu turno, a Directiva 2009/5/CE da Comissão de 30 de Janeiro de 2009, mencionando expressamente nos seus considerandos 3, 4 e 5, os objectivos visados na categorização das infracções[2], alterou o anexo III da Directiva 2006/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho. Este anexo contém orientações sobre uma gama comum de infracções aos Regulamentos (CE) n.º 561/2006 e (CEE) n.º 3821/85, divididas por categorias segundo a respectiva gravidade, qualificando como muito grave, por referência ao supracitado art. 16º, nº 1, a infracção a que nos reportamos.

Por fim, o Regulamento (UE) nº 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de Fevereiro de 2014, que revogou o suprarreferido Regulamento (CEE) n.º 3821/85, dispõe o seguinte, no respectivo art. 37º, nº 1, sob a epígrafe “Procedimento a seguir em caso de mau funcionamento do aparelho”:

«Em caso de avaria ou funcionamento defeituoso do tacógrafo, a empresa de transportes deve, assim que as circunstâncias o permitam, fazê-lo reparar por instaladores ou oficinas aprovados.

A reparação será efetuada no percurso, se o regresso às instalações de empresa de transportes só se puder efetuar decorrido um período superior a uma semana, a partir do dia da avaria ou da verificação do funcionamento defeituoso».

Segue-se de tudo isto que a interpretação restritiva do art. 7º, nº 2, c), do Decreto-Lei n.º 169/2009, de 31 de Julho, proposta pela recorrente, não tem qualquer apoio no excurso teleológico possível em função do quadro legislativo comunitário a que aquela pretende que se atenda.

Sempre se acrescentará que a premissa em que a recorrente faz assentar as suas alegações é irrelevante, posto que no acto de fiscalização foi verificado – e é confirmado pelos diagramas que foram juntos aos autos com o auto de contraordenação – que o estilete da velocidade efectuava os registos abaixo da linha zero. Trata-se de funcionamento defeituoso que se reflecte na conservação de um dos valores obrigatoriamente registado pelo tacógrafo, porquanto de acordo com o ponto III, 2.2. / 024 do Anexo I – B ao Regulamento (CE) nº 1360/2002 da Comissão de 13 de Junho de 2002, que adaptou ao progresso técnico o Regulamento nº 3821/85, o aparelho de controlo, entre outros parâmetros, deve medir a velocidade de 0 a 220 km/h.

A segunda questão suscitada – a medida excessiva da coima – é matéria que não poderá ser apreciada por este Tribunal da Relação, isto porque não foi suscitada no recurso interposto da decisão da autoridade administrativa e o tribunal de 1ª instância não alterou a decisão administrativa[3]. Em matéria de impugnação judicial de decisões administrativas, ao tribunal de 1ª instância cabe o papel de instância de recurso, funcionando a Relação como tribunal de revista, conhecendo apenas de direito e pronunciando-se exclusivamente sobre questões anteriormente suscitadas perante o tribunal de comarca ou que tenham por este sido tratadas na sentença recorrida (ainda que o Tribunal da Relação não esteja vinculado aos termos e ao sentido da decisão recorrida) - Cfr. arts. 74º, nº 4 e 75º do Regime Geral das Contraordenações e Coimas.

O recurso afirma-se, pois, de forma manifesta, como totalmente improcedente, havendo que rejeitá-lo nos termos do disposto no art. 420º, nº 1, al. a), do CPP.

            Condena-se a recorrente na taxa de justiça de 3 UC e ainda na importância de 3 UC, esta última ao abrigo do previsto no nº 3 do art. 420º do CPP.


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Coimbra, 21 de Abril de 2020

(processei, revi e assinei electronicamente)

Jorge Miranda Jacob (relator)


[1] Norma que tem o seguinte teor: Os Estados-Membros devem determinar o regime de sanções aplicável às violações do disposto no presente regulamento e no Regulamento (CEE) n.o 3821/85 e tomar todas as medidas necessárias para assegurar a sua aplicação. Essas sanções devem ser eficazes, proporcionadas, dissuasivas e não discriminatórias. Nenhuma infracção ao presente regulamento e ao Regulamento (CEE) n.o 3821/85 será sujeita a mais de uma sanção ou processo. Os Estados-Membros devem notificar à Comissão as referidas medidas e as regras sobre sanções até à data fixada no segundo parágrafo do artigo 29.º. A Comissão informará os Estados-Membros em conformidade.
[2] O texto dos referidos considerandos é o seguinte:
(3) O fornecimento de directrizes mais explícitas sobre a categorização das infracções é um passo importante no sentido de assegurar certeza jurídica às empresas e uma concorrência mais leal entre elas.
(4) Uma categorização harmonizada das infracções é também desejável a fim de proporcionar uma base comum para os sistemas de classificação dos riscos, que os Estados-Membros têm de adoptar por força do n.o 1 do artigo 9.o da Directiva 2006/22/CE. A harmonização das categorias facilitará a inclusão das infracções cometidas por condutores ou empresas em Estados-Membros distintos do Estado-Membro de estabelecimento.
(5) Como regra geral, a categorização das infracções deve depender da sua gravidade e das possíveis consequências para a segurança rodoviária, bem como da capacidade de controlar o cumprimento da legislação por parte dos condutores ou das empresas.
[3] Aliás, já a questão anteriormente tratada se fundava em argumentação nova; dela se conheceu apenas porque a primeira instância se pronunciou sobre o relevo do tacógrafo avariado ou a funcionar defeituosamente.