Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
22/13.1GAOBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RAMOS
Descritores: PROCESSO SUMÁRIO
MATÉRIA DE FACTO
NULIDADE
Data do Acordão: 12/04/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – ANADIA – JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ANULADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 389º-A, N.º 1, A) E 379º, Nº 1, A) CPP
Sumário: É nula a sentença proferida no âmbito do processo sumário na qual se remeta a fixação da matéria de facto relativa à situação económica, familiar e profissional do arguido para as declarações que o mesmo prestou em julgamento, em vez de discriminar os factos a ela relativos.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra


Por sentença proferida nos autos supra identificados, decidiu o tribunal condenar o arguido A... pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos art.ºs. 69.°, n.º 1 alínea a. e 292.°, n.º 1, ambos do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de €5 (cinco) euros e ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 05 (cinco) meses, sendo que “o desconto será feito à razão de 01 dia de multa por cada dia ou fracção de privação da liberdade (art. 80.°, n.º 2, do C.Penal)”.
Inconformado com o decidido, o arguido interpôs recurso no qual apresentou as seguintes conclusões (transcrição):
Em Conclusão:
“1. O recorrente não se conforma com a pena em causa por a considerar excessiva e desproporcionada;
2. Insurge-se pois, contra o "quantum" em que a pena foi aplicada que reputa de desajustada;
3. A medida concreta da pena aplicada ao recorrente, particularmente a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de 05 meses, que lhe foi aplicada é excessiva e deve ser reduzida.
4. Nos termos do arte 7r, n° 1 e 2 do C. Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, em cada caso, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a seu favor ou contra ele.
5. Diz Figueiredo Dias que "só as finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. ( ... ) Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de reintegração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida".
6. Impunha-se ao tribunal fundamentar, de modo concreto, o quantum da pena acessória a aplicar ao arguido, pelo crime cometido
7. O Tribunal a quo, ao aplicar ao recorrente a pena em causa não valorou devida e suficientemente as circunstâncias de carácter atenuante recenseadas na motivação, violando assim, os art.s 40°, n° 1, 7r, n° 1 e 2, ai. a), d) e e), e 77°, n" 1 do C. Penal, bem como os princípios político-criminais da necessidade e da proporcionalidade das penas.
8. Dos factos provados retira-se que o arguido confessou integralmente os factos, é primário e tem licença de condução desde 1985.
9. A pena determinada pelo Tribunal a quo para o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, é excessiva e desproporcionada,
pelo que deve ser reduzida e, consequentemente, deverá ser aplicada ao recorrente uma pena inferior à que lhe foi aplicada.
10. A diminuição que aqui se Pede e Requer a V.Exas, da pena aplicada ao arguido, não retira à mesma o efeito preventivo geral e coaduna-se melhor com a prevenção especial.
Termos em que, e nos melhores de direito, e sempre com o Douto suprimento de Vossas Excelências se pede, se dignem dar provimento ao presente recurso, reduzindo a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor aplicada ao ora Recorrente”
Respondeu o Ministério Público defendendo a manutenção da decisão recorrida.
“1. O arguido pugna pela revogação da sentença e a sua substituição por outra que reduza a pena concretamente aplicada, atento o disposto nos arts. 40º, n.º 1, 71.º, n.ºs 1, e 2, als. a), d), e e), e 77º, n.º 1, todos do CP, pois que se deveria ter considerado que o arguido confessou integralmente os factos, é primário e tem licença de condução e conduz efectivamente desde 1985.
2. Tal merece a nossa total discordância, pois que não obstante o arguido ser primário, ter confessado os factos e conduzir já desde 1985 sem que tenha averbado no seu CRC qualquer antecedente criminal, certo é que tais factos foram considerados. Por outro lado, atendeu-se às fortes exigências de prevenção geral, demarcadas pela elevada TAS que apresentou (2,02g/I), o tipo de ilícito e a frequência com que este é cometido, gerador de elevado alarme social e uma das maiores causas contributivas da sinistralidade rodoviária.
3. Assim, e considerando que a pena de multa terá de servir de suficiente advertência para o agente do crime, sob pena de não satisfazer as exigências de prevenção que se fazem sentir, e que a proibição de condução de veículo automóvel surge como uma pena acessória ligada a um comportamento especialmente censurável com o objecto dissuasor de cometimento futuro de ilícitos semelhantes, revela-se justa e adequada a fixação da pena de multa em 90 dias e da aludida pena acessória em 5 meses.
4. Conclui-se, desde modo, que não deverá vingar o recurso interposto pelo recorrente.
Termos em que,
Decidindo pela manutenção da douta sentença recorrida, nos seus exactos termos e fundamentos, farão V. Ex. cias, como sempre, Justiça!”
O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.
Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso.
No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal o arguido nada disse.
Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.
Cumpre conhecer do recurso
Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.
É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras).
Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” a quer se refere o artº 379º, nº 1, alínea c., do Código de Processo Penal, não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entende-se por “questões” a resolver, as concretas controvérsias centrais a dirimir[[1]].
Questões a decidir segundo o recorrente:
- Medida da pena principal
- Medida da pena acessória
Na 1.ª instância, em sede de sentença e na parte em que dava cumprimento ao disposto no art.º 389º-A, n.º 1, alínea a. do Código de Processo Penal[[2]], mais especificamente na parte relativa à “indicação sumária dos factos provados” a Meritíssima Juíza ditou para a acta, o seguinte:
“Dou como provados todos os factos constantes do auto de notícia de fls. 4, bem como do aditamento de fls. 18 e 19 e toda a situação económica, familiar e profissional relatada pelo arguido e ainda o facto de não lhe serem conhecidos antecedentes criminais”
Vejamos:
Prevê o art.º 389º-A, n.º 1, alínea a. que em processo sumário “a sentença é logo proferida oralmente e contém a indicação sumária dos factos provados (…) que pode ser feita por remissão para a acusação e contestação”.
No caso sub judice, a Meritíssima Juíza remeteu não só para a acusação, o que é lícito, como também para as declarações que o arguido prestou em julgamento relativamente à sua “situação económica, familiar e profissional”.
Ora, parece-nos evidente que que a lei não admite tal interpretação.
Com efeito, não só a letra da lei claramente não comporta tal interpretação, como não podia o legislador permitir que numa sentença, os factos provados e não provados não fossem fixados de um modo claro, concreto e insusceptível de gerar equívocos.
Era o mínimo que o legislador podia exigir!
Por isso, se é compreensível que no âmbito de um processo sumário o legislador “facilite” e permita a remissão para peças processuais escritas, já não o seria se permitisse a remissão para algo tão fluido como umas declarações orais, sempre sujeitas às mais variadas imprecisões e exigindo, muitas vezes, um apurado trabalho de interpretação.  
Daí que, o tribunal tenha que especificar todos os factos que sejam relevantes para a decisão e que não constem daquelas peças processuais (neste sentido, v.g., Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 5 de Junho de 2013).
Assim, tendo no caso sub judice o tribunal remetido a fixação da matéria de facto relativa à situação económica, familiar e profissional do arguido para as declarações que o mesmo prestou em julgamento, em vez de discriminar os factos a ela relativos, temos que concluir que a sentença recorrida é nula, nos termos do art.º. 379º, nº 1, alínea a., o que tem como consequência que o tribunal tenha que proferir nova sentença onde observe integralmente o disposto no n.º 1, alínea a. do art.º 389º-A.
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Face a todo o exposto, acorda-se em anular a sentença sob recurso, devendo o tribunal proferir nova sentença que, nos termos acima indicados, obedeça integralmente ao normativo do art.º 389º-A, n.º 1, alínea a. do Código de Processo Penal.
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Sem tributação
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Coimbra, 4 de Dezembro de 2013



Luis Ramos
(Relator)
Olga Maurício


[1] “(…) quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista. O que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 2011, acessível in www.dgsi.pt, tal como todos os demais arestos citados neste acórdão cuja acessibilidade não esteja localmente indicada)
[2] Diploma a que pertencerão, doravante, todos os normativos sem indicação da sua origem