Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
25/12.3EACTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: DEFENSOR
NOTIFICAÇÃO
NULIDADE
AUDIÊNCIA
Data do Acordão: 11/06/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO119º C) CPP
Sumário: Tendo o arguido constituído mandatário e não tendo este sido notificado da data designada para julgamento, o decurso da audiência sem a sua presença, ainda que feita com a presença da defensora indevidamente nomeada, constitui a nulidade insanável, prevista na alínea c), do art. 119º, do C. Processo Penal.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra


 

I. RELATÓRIO

No 3º Juízo do Tribunal Judicial da comarca da Covilhã, o Ministério Público requereu o julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, do arguido A... , com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de usurpação, p. e p. pelos arts. 195º, nº 1 e 197º, por referência ao art. 68º, nºs 1 e 2, e), do C. dos Direitos de Autor e Direitos Conexos.

Por despacho de 28 de Fevereiro de 2013 [fls. 180] a Audiogest – Associação para a Gestão e Distribuição de Direitos foi admitida como assistente.

Recebida a acusação e designado dia para julgamento, este iniciou-se em 17 de Abril de 2013 [acta de fls. 206 e ss.], sem a presença do arguido, que se encontrava notificado por via postal simples com prova de depósito [fls. 191 verso].

Em 19 de Abril de 2013 [fls. 220 e ss.] o arguido, por intermédio do Ilustre Advogado, Dr. B..., veio arguir a falta de notificação da acusação e do despacho que a recebeu e designou dia para julgamento a este senhor advogado, que diz ter constituído como mandatário no acto da sua constituição como arguido, e a consequente invalidade de todos os actos processuais subsequentes designadamente, a nulidade insanável da audiência de julgamento por ter decorrido na sua ausência e na do mandatário constituído.

Por despacho de 3 de Maio de 2013 [fls. 232-A e ss.] foi julgada improcedente a invocada nulidade insanável.

Por sentença de 22 de Maio de 2013 foi o arguido condenado, pela prática do imputado crime, na pena de sessenta dias de multa à taxa diária € 6, substituída por pena de admoestação.


*


            Inconformado com o despacho e a sentença, recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            “ (…).

            1 – O presente recurso tem por objecto o despacho proferido pelo Tribunal a quo, que indeferiu a arguição da nulidade insanável invocada pelo arguido, na sequência da falta de notificação da acusação, bem como da data de audiência de discussão e julgamento ao seu mandatário, por considerar que a situação fáctica se reconduz a uma mera irregularidade, prevista no art. 123º, nº 1 do CPP.

2 – Tem ainda por objecto a sentença (tanto da matéria de facto como de direito), na qual o tribunal a quo condenou o arguido, pela prática de um crime de usurpação de direitos de autor, previsto e punido pelo art. 195º, nº 1 e 197º, nº 2, do Código de Direitos de Autor e dos Direitos Conexos, na pena de 60 dias de multa, à razão diária de 6,00 €, substituindo a pena de multa pela pena de admoestação, nos termos do art. 60º, nº 1 do Código Penal.

3 – Quanto ao despacho, a decisão proferida sofre de um vício de fundamentação.

4 – O tribunal "a quo" não fundamentou a sua posição, conforme está obrigado nos termos do nº 5º, art. 97º do CPP, bastando-se com "… não se descortinando a situação táctica supra alegada no elenco das nulidades insanáveis (…), a mesma seria reconduzível a uma mera irregularidade …".

5 – Em 8 de Agosto de 2012, foi o arguido notificado para se dirigir à GNR de Fânzeres afim de prestar declarações, tendo sido constituído arguido, bem como prestado Termo de Identidade e Residência.

6 – Nesse acto, foi acompanhado pelo seu mandatário, constituído como seu mandatário/defensor no próprio acto.

7 – O artº 64º, nº 1, do Código de Processo Penal, enuncia os casos em que é obrigatória a assistência de defensor, entre eles "no debate instrutório e na audiência …"

8 – Por outro lado, o art. 61º, do CPP, na perspectiva de serem asseguradas ao arguido todas as garantias de defesa, estabelece os direitos e deveres do arguido, entre eles os direitos de "escolher defensor …" – al. e) e "ser assistido por defensor em todos os actos processuais em que participar …" – al.f), consagrando o art.62, nº 1, do CPP, o direito do arguido constituir advogado em qualquer altura do processo.

9 – E como se verifica, tal mandato foi conferido ao abrigo do nº 2 do art. 35º do CPC, por declaração expressa da parte no auto, a designada procuração apud acta, que resulta da declaração feita pelo arguido no interrogatório, quando declarou ser representado nos autos pelo referido mandatário.

                10 – Diga-se ainda que, o mandatário do recorrente sempre o tranquilizou de que seria ele, mandatário, notificado também dos actos processuais.

11 – Contudo, da acusação, bem como da data de audiência e discussão de julgamento, não foi o mandatário constituído notificado.

12 – Pelo que, tais notificações, tal como disposto no nº 9, do art. 113º, do CPP, deveriam ser igualmente notificadas ao mandatário, sob pena de constituir uma nulidade insanável.

13 – E de facto, não o foram, pelo que na acusação, de acordo com o disposto no nº 3 do art. 63º do CPP, por lapso, foi nomeado um defensor oficioso, como se o Arguido não tivesse já constituído mandatário e que consta dos autos.

14 – E essa falta de notificações, bem como a ausência do arguido e seu mandatário a actos de comparência obrigatória, constituem uma nulidade insanável, tal como disposto na alínea c) do art. 119º do CPP, o que inevitavelmente tornará inválidos todos os actos processuais, devendo ter sido ordenada a sua repetição, uma vez que era determinante a defesa do arguido para a descoberta da verdade material.

15 – O mandatário constituído não foi notificado nem da acusação nem da audiência de discussão e julgamento e teria obrigatoriamente de ter sido, uma vez que a assistência por defensor é imperativo legal.

16 – E outra interpretação é inadmissível e desconforme a nossa Lei Fundamental, razão pela qual, a lei processual comina com sanção máxima, nulidade insanável nos termos da alínea c) do art. 119º do CPP a ausência do arguido ou do seu defensor nos actos em que seja exigida a sua comparência.

                17 – Aquela notificação ao mandatário, impunha-se como forma de comunicar a realização do acto em que teria de participar, notificação que devia ter sido realizada oficiosamente (arts.111, nºs 1, al. b e 2, do CPP).

18 – Tendo o arguido invocado as nulidades previstas na al. c) do art. 119º do CCP, entendeu o despacho recorrido que aquela falta de notificação e realização da audiência de julgamento na ausência do seu defensor, constituiu mera irregularidade, sanada, por não ter sido suscitada no próprio acto, considerando, ainda, que não havia mandatário constituído no processo, uma vez que não consta do processo qualquer procuração forense a favor do mandatário, não havendo violação dos direitos de defesa.

19 – Mais, o Tribunal "a quo", desconsidera o papel do advogado, na medida em que esvazia de sentido toda a densidade ou ressonância normativa o preceito constitucional do art. 32º, nº 1 e 3 da CRP, uma vez que inexiste qualquer responsabilidade directa na condução efectiva e dinâmica do processo.

20 – É indiscutível que, quando foi marcada e se realizou a audiência de julgamento em causa só o mandatário, tinha a qualidade de defensor do arguido, com o estatuto definido pelos arts. 62º e 63º, do CPP.

21 – Não tendo o mandatário sido notificado, a falta do defensor do arguido não justificava a sua substituição por outro, ao abrigo do nº 1, do art.67º, do CPP, o que só poderia acontecer caso o faltoso estivesse devidamente notificado.

22 – De facto, compreende-se que a substituição do defensor do arguido não seja um acto arbitrário do tribunal, pois para além da relação de confiança entre arguido e defensor, o exercício dos direitos de defesa pressupõe preparação e reflexão que, em muitos casos, não se compadece com uma intervenção surpresa por parte de um advogado.

                23 – Por outro lado, tendo o arguido direito a constituir mandatário (art. 61, nº 1, al.e), do CPP) e tendo-o feito através de declaração expressa da parte no auto, a designada procuração apud acta, (que resulta da declaração feita pelo arguido no interrogatório, quando declarou ser representado nos autos pelo referido mandatário), ao realizar-se a audiência de discussão e julgamento sem que o mesmo tenha sido convocado e com a presença de advogado que não escolheu e a cuja presença não deu a sua concordância expressa, está a ser posto em causa aquele direito de escolha e, principalmente, as suas garantias de defesa.

24 – Na verdade, estamos perante errares in procedendo, isto é, sobre a actividade do processo e não errares in ajdudicando, ou seja, sobre a questão de mérito, pelo que, a invalidade de ambos no que respeita às imperfeições formais dos actos é a mesma e é cominada com nulidade insanável nos termos do art. 119º, alínea c) do CPP.

25 – A nulidade invocada pelo arguido ao não ter sido deferida pelo Mmo. Juiz colocou em crise a garantia de defesa do arguido, uma vez que este tem o direito de se acompanhar do defensor por ele escolhido.

25 – Tendo o arguido constituído mandatário, só este pode ser considerado seu defensor e não tendo o mesmo sido notificado, não existia fundamento para a sua substituição, razão por que a realização do acto, apesar de ter ocorrido com a presença de outro advogado, deve considerar-se como tendo sido realizado com ausência do defensor, o que constitui nulidade insanável prevista na alínea c), do art.119º, do CPP., dado tratar-se de caso em que a assistência do defensor era obrigatória.

                27 – O despacho em crise é nulo, com as devidas consequência legais.

28 – Quanto à sentença, o recorrente não se conforma com a mesma, pelo que vem interpor recurso.

29 – O arguido agiu sem dolo, face à positivação do ilícito – a esse propósito os factos provados sob o nº 5 – "O arguido delegou a tarefa de legalização das lojas e obtenção das licenças nas quais se incluía a licença de difusão de fonogramas, num funcionário da referida empresa" e o nº 7 – "O arguido não tinha conhecimento que o estabelecimento não possuía a licença necessária".

30 – O Mmo Juiz a quo entendeu que existiu negligência pois o mesmo "… teria a competência necessária para apurar a existência da licença, para supervisionar a actuação dos seus funcionários e evitar o preenchimento do tipo de ilícito".

31 – Pois bem, sendo o arguido gerente de uma empresa que possui em todo o território nacional cerca de 20 estabelecimentos comerciais, com cerca de 70 funcionários, tendo delegado num funcionário o pagamento da taxa da SPA, age negligentemente quando não verifica que essa taxa de 48 € foi paga?!

32 – Parece-nos manifestamente exagerado para as normais atribuições de um "bom pai de família", neste caso de um gerente diligente.

33 – São milhares as facturas e pagamentos que mensalmente a empresa tem que efectuar: impostos, segurança social (com estes o arguido preocupa-se mensalmente e garante pessoalmente o pagamento), dezenas de fornecedores, trabalhadores, rendas, condomínios, electricidade, internet, comunicações, água, seguros, bancos, etc

34 – Pretende o recorrente (também) ver alterada a matéria de facto dada como assente nos factos provados, no número 4: "O estabelecimento comercial referido não possuía licença de difusão de fonogramas em público, nem autorização para proceder à reprodução ou distribuição de obra protegida pelo Código de Direito de Autor e Direitos Conexos.";

35 – É que da prova produzida em julgamento, nomeadamente da junção da autorização (referente a todo o ano de 2012) para a execução pública de obras musicais do reportório da Sociedade Portuguesa – efectuada na audiência de julgamento já pelo signatário – não é possível ao tribunal recorrido fundamentar com a certeza necessária a convicção para condenar a recorrente.

36 – Em sede de alegações (e na impossibilidade de contestação), arguiu o recorrente a existência da autorização para a execução pública de obras musicais do reportório da Sociedade Portuguesa de Autores, que se juntou aos autos.

37 – Autorização essa, que como se verifica pelo número 6 dos factos provados, é relativa ao período de 1 de Janeiro de 2012 a 31 de Dezembro de 2012, embora emitida em 31/5/2012.

38 – Tal realidade, levou a demandante civil SPA a desistir do pedido de indemnização cível, já após a 2ª sessão de julgamento.

39 – E sendo que é prática corrente da Sociedade Portuguesa de Autores solicitar o pagamento da taxa não no fim do ano anterior (2011) ou início do ano corrente (2012) – cfr. documentos juntos pela inspecção da ASAE no inquérito – no caso concreto a taxa de 2012 deveria ter sido paga até 28 de Abril de 2012.

40 – Sendo certo que autorização, abrange todo o ano de 2012, não só a partir do momento em que procedesse ao pagamento da respectiva taxa.

41 – A autorização refere expressamente que é relativa ao período de 1 de Janeiro de 2012 a 31 de Dezembro de 2012, abrangendo, como é evidente, a data dos factos descritos na acusação.

42 – E se em boa verdade a mesma autorização refere no seu corpo que não tem eficácia retroactiva, a verdade é que a SPA não cobrou o valor proporcional de 31 de Maio ao final do anos, mas a taxa de todo o ano de 2012, bem como não se coibiu de referir expressamente que o período licenciado era de 1/1/2012 a 31/12/2012.

43 – Resulta então uma evidente contradição da matéria de facto provada, pois se no seu número 6 se prova que a autorização que possuía era referente ao período de 1 de Janeiro de 2012 a 31 de Dezembro de 2012, não se pode no seu número 4 dar-se como provada a inexistência de licença de difusão de fonogramas em público, nem a autorização para proceder à reprodução ou distribuição de obra protegida pelo CDADC.

44 – No nº 4 dos factos provados deve ser expurgada qualquer conclusão de que o arguido não tinha licença de difusão de fonogramas em público, com a consequente absolvição do arguido do crime de que se encontrava acusado.

Nestes termos, e nos melhores de direito, deverá o presente recurso proceder sendo revogado, nos termos alegados, o despacho recorrido, bem como a sentença que condenou o arguido, fazendo-se Justiça!

(…)”.


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            Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido, alegando que o despacho recorrido se encontra devidamente fundamentado, que não se mostra junta aos autos qualquer procuração forense pelo que não existe qualquer nulidade insanável, que o arguido agiu negligentemente pois havia até beneficiado de uma suspensão provisória do processo numa outra ocasião mas pelo mesmo crime, e que na data da prática dos factos inexistia licença que só foi emitida, depois de paga, em data posterior, e concluiu pelo não provimento do recurso.


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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando a argumentação do Ministério Público junto da 1ª instância, afirmou a inexistência do vício da contradição insanável da fundamentação e concluiu pela improcedência do recurso.


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            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal, tendo respondido a assistente, acompanhando o parecer do Exmo. Procurador-Geral Adjunto.

           

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

            Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

            - A nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação;

            - A nulidade insanável da falta de notificação da acusação e do despacho que a recebeu e designou dia para julgamento, ao mandatário constituído do arguido, e a nulidade insanável da realização da audiência de julgamento na ausência daquele mandatário;

            - A incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto [ponto 4 dos factos provados];

            - A contradição insanável da fundamentação;

            - A falta de tipicidade da conduta.


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            Para a resolução destas questões, importa ter presente o que de relevante consta da decisões recorridas. Assim:

A) O despacho tem o seguinte teor:

“ (…).

I. Veio o Ilustre Advogado requerer a declaração de nulidade de todos os actos processuais subsequentes à dedução de acusação, porquanto, apesar de o Arguido ter sido notificado da totalidade dos actos, o requerente, enquanto mandatário, não o foi, verificando-se uma nulidade prevista no artigo 119.º, al. c), do Código de Processo Penal.

Em primeiro lugar deve dizer-se que, da consulta dos autos, não consta dos mesmos qualquer procuração forense a favor do Ilustre Advogado.

Com efeito, apesar de o mesmo ter acompanhado o Arguido no interrogatório deste (cfr. fls. 30, 31 e 32), a verdade é que tal actuação ocorreu, no que é possível percepcionar pela leitura do processo, apenas quanto a esse acto, não tendo sido constituído qualquer mandatário para os termos posteriores, razão pela qual foi nomeado pelo Ministério Público defensor ao Arguido, aquando da dedução de acusação (cfr. fls.122).

Da consulta dos autos, o procedimento adoptado afigura-se correcto.

Mas, ainda que assim não se entendesse, e se seguisse integralmente o entendimento do requerente, não se pode concordar com a sua subsunção jurídica.

Com efeito, a situação fáctica, mesmo nos termos alegados, nunca é reconduzível a qualquer causa de nulidade insanável. Defende o Ilustre Advogado que se encontra preenchida a alínea c), do artigo 119.º, nomeadamente, no trecho onde se prevê a "ausência do defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência", todavia tal alínea não tem o conteúdo que o requerente lhe pretende atribuir.

De facto, trata-se de uma ausência física, ou processual, de defensor aos actos em que a sua presença é obrigatória, nomeadamente os previstos no artigo 64.º do mesmo diploma legal, com vista à tutela do princípio da indefesa, mas tal é assegurado pela assistência de um defensor, ainda que nomeado, e por isso desconhecido do Arguido, e não de um concreto defensor.

No caso vertente, a defesa do Arguido foi assegurada através de nomeação de defensor oficioso, pelo que, em todos os actos previstos no artigo 64.º o Arguido se encontrou assistido por defensor, nos termos e para os efeitos do aludido artigo 119.º, al. c) do Código de Processo Penal.

Assim, não se descortinando a situação fáctica supra alegada no elenco das nulidades insanáveis (cfr. artigo 119.º), nem tão pouco nos das nulidades sanáveis (cfr. artigo 120.º), a mesma seria reconduzível a uma mera irregularidade, prevista no artigo 123.º, n.º 1 do referido diploma legal.

Contudo, tal irregularidade teria de ser arguida pelo interessado no próprio acto, ou nos três dias seguintes a contar daquele em que tiver sido notificado para qualquer termo do processo.

A nomeação de defensor ocorreu com a acusação pública deduzida, tendo o Arguido sido notificado com expressa referência a referido acto de nomeação (cfr. fls. 119 a 124, 128 e 131).

O interessado na arguição, deve sublinhar-se, seria se o próprio Arguido e não o seu defensor, pelo que, tendo o Arguido sido notificado regularmente da acusação contra si deduzida teria o prazo de 3 dias para invocar a dita irregularidade.

Sem prejuízo das alegações referentes à doença do Arguido, a verdade é que não é crível que até este momento o mesmo não tenha tomado conhecimento da notificação realizada e da acusação criminal contra si deduzida.

Destarte, deve o requerimento antecedente ser indeferido.

II. Pelo exposto, julgo improcedente à arguição de nulidade insanável de todo o processado subsequente à acusação.

(…)”.


*


B) Na sentença foram considerados provados os seguintes factos:

            “ (…).

1. A... é legal representante da sociedade "C..., Lda", que explora um estabelecimento comercial no Centro Comercial " (...)", na cidade da Covilhã.

2. O Arguido, no exercício das suas funções de gerente, após aconselhamento jurídico, substitui os CD's tradicionalmente utilizados em cada um dos estabelecimentos comerciais, por dispositivos de armazenamento digital, vulgo "pens", encontrando-se os originais na sede da empresa, tendo ordenado o envio dos referidos dispositivos para todas as lojas exploradas pela empresa, a fim de o seu conteúdo ser reproduzido como música ambiente.

3. No dia 29 de Maio de 2012, pelas 14h30m, no referido estabelecimento comercial que se encontrava aberto ao público, o Arguido reproduziu, pelo sistema de som ali instalado, a música "Leave the World Behind", que faz parte do álbum "Compile/Ingrosso/Ângelo/Laidback Luke Fear Debora Cox".

4. O estabelecimento comercial referido não possuía licença de difusão de fonogramas em público, nem autorização para proceder à reprodução ou distribuição de obra protegido pelo Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos.

                5. O Arguido delegou a tarefa de legalização das lojas e obtenção de licenças, nas quais se incluía a licença de difusão de fonogramas, num funcionário da referida empresa.

6. O Arguido após o referido em 3., solicitou autorização para a execução pública obras musicais do reportório da Sociedade Portuguesa de Autores, a qual foi emitida em 31.05.2012, relativa ao período de 01 de Janeiro de 2012 a 31 de Dezembro de 2012, pela qual despendeu a importância de 48,00 €.

7. O Arguido não tinha conhecimento que o estabelecimento não possuía a licença necessária.

8. O Arguido sabia que para levar a difusão de música ambiente nas circunstâncias descritas necessitava de autorização de quem fosse titular dos direitos de autor da mesma.

9. Apesar disso, e durante o ano de 2012, até à data referida em 3., não se certificou que o estabelecimento possuía a devida licença, como podia e devia, face ao conhecimento da obrigação de licenciamento.

10. O Arguido sabia que difusão de música ambiente nas circunstâncias descritas sem a autorização de quem fosse titular dos direitos de autor da mesma era punida por lei penal.

11. O Arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente. 

12. O Arguido, solteiro, nasceu no dia 05 de Julho de 1983.

13. O Arguido é empresário, exercendo funções de gerente na empresa " C..., Lda., auferindo pela função 1.000,00 €, mensais.

14. Reside sozinho, em casa própria.

15. Tem um filho, que não reside consigo, suportando as despesas do infantário no valor de 235,00 € e 50,00 € a título de pensão de alimentos.

                16. Tem o 9.º ano de escolaridade.

17. O Arguido não tem antecedentes criminais.

            (…)”.

            C) Foram considerados não provados os seguintes factos:

            “ (…).

a) O Arguido sabia que com tal conduta lesava direitos patrimoniais de Autor, o que quis.

b) O Arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

            (…)”.

           

            D) Dela consta a seguinte motivação de facto:

            “ (…).

            O Tribunal formou a sua convicção com base na ponderação da prova produzida à luz das regras de experiência comum} designadamente:

Nas depoimentos de D... e E... } inspectores da ASAE, os quais no dia 29 de Maio de 2012 se deslocaram ao estabelecimento comercial " C..." sito no (...), Covilhã.

Aí descreverem a inspecção de rotina realizada, referindo que, quando chegaram se encontrava a ser emitida música ambiente, através de uma "pen", música propagada através de colunas, pelo que requisitaram as licenças de emissão, as quais não foram apresentadas.

Ambas as testemunhas, quando questionadas sobre a música que se encontrava a ser reproduzida, referiram não se recordar, remetendo para o Auto de notícia. Confrontada a segunda testemunha com o Auto, referiu a mesma que seria a música "Leave the World Behind", parte integrante do álbum "Compile/Ingrosso/Ângelo/Laidback Luke Fear Debora Cox".

                Relevantes para a prova da matéria considerada provada foram as declarações do Arguido.

Com efeito, o mesmo começou por afirma que não sabia, que a loja não possuía a respectiva licença.

Com efeito, atenta a dimensão da empresa, a qual possui várias lojas, o mesmo referiu que tinha delegado tais funções burocráticas num funcionário da empresa, pelo que não tinha conhecimento da inexistência de licença.

No que se refere à musica ambiente que é reproduzida na loja o mesmo referiu que, anteriormente utilizavam CD's originais em todas as lojas, mas que os mesmos se extraviam ou desapareciam, pelo que, atento o prejuízo para a empresa e após se aconselhar juridicamente, manteve e adquiriu novos CD's originais os quais guardou na sede da empresa, dando ordens para que fossem efectuadas cópias dos mesmos para dispositivos de armazenamento digitais ("pens") os quais depois distribui por todas as lojas.

O Arguido depôs de modo circunstanciado e credível, sendo verosímeis as suas declarações, pelo que se lhe deu credibilidade.

Com efeito, atenta a dimensão da loja, não é expectável que o gerente trate de toda burocracia respeitante às lojas, sendo natural que ocorram delegações de tarefas.

Ainda assim, o Arguido tinha conhecimento da obrigatoriedade da licença pelo que, tendo dado ordens para a distribuição dos dispositivos deveria ter previamente apurado se as lojas estavam licenciadas, e considerando que a licença é anual, deveria, no início do ano, fiscalizar a obtenção da licença.

O Arguido, ao proceder ao envio das músicas para as lojas, sem apurar se as mesmas possuíam licença, encontrando-se o estabelecimento em causa sem licença durante um período de cinco meses, não actuou com a cautela exigível, e com que poderia ter actuado, face às funções que exerce, ao seu grau de instrução e ao conhecimento da proibição que possuía.

Assim, a prova dos factos 1. a 11. resultou da análise da prova nos termos supra referidos.

O facto 6. foi considerado provado, igualmente, com base no documento de fls. 241.

Os factos 12. a 15. foram considerados provados com base nas declarações do Arguido, as quais não mereceram qualquer censura, nesta parte.

O facto 17. foi dado como provado com base no certificado de registo criminal de fls. 195.

A matéria de facto não provada resultou da análise supra efectuada, encontrando-se em oposição com os factos julgados provados.

No que se refere à testemunha G..., a mesma foi inquirida apenas a matéria atinente ao pedido cível, do qual houve desistência, já homologada, pelo que não foi considerado, neste ponto.

(…)”.

E) E a seguinte fundamentação quanto à qualificação jurídica dos factos:

            “ (…).

Encontra-se o Arguido acusado da prática de usurpação, previsto e punido pelo artigo 195.º e 197.º, do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos.

Importa averiguar, face ao manancial fáctico apurado, se a conduta do arguido é susceptível de integrar a prática dos referidos ilícitos.

Estabelece referido o artigo 195.º, no seu n.º 1 que, comete o crime de usurpação quem, sem autorização do autor ou do artista, do produtor de fonograma e videograma ou do organismo da radiodifusão, utilizar uma obra ou prestação por qualquer das formas previstas neste Código.

Preceitua o n.º 2 do referido normativo que comete também o crime de usurpação quem divulgar ou publicar abusivamente uma obra ainda não divulgada nem publicada pelo seu autor ou não destinada a divulgação ou publicação, mesmo que a apresente como sendo do respectivo autor, quer se proponha ou não a obter qualquer vantagem económica [al. a] quem coligir ou compilar obras publicadas ou inéditas sem a autorização do autor [al. b], quem estando autorizado a utilizar uma obra, prestação de artista, fonograma, videograma ou emissão radiodifundida, exceder os limites a autorização concedida, salvo nos casos expressamente previstos neste código [al. c].

No que respeita à expressão «utilização», o artigo 67.º, no seu n.º 1, estabelece que o autor tem o direito exclusivo de fruir e utilizar a obra, no todo ou em parte, no que se compreendem nomeadamente, as faculdades de a divulgar, publicar e explorar economicamente por qualquer forma, directa ou indirectamente, nos limites da lei.

Por seu lado, o n.º 2 prevê que, a garantia das vantagens patrimoniais resultantes dessa exploração constitui, do ponto de vista económico, o objectivo fundamental da protecção legal.

Decorre do disposto no n.º 2, al. e), do artigo 68º, que assiste ao autor, entre outros, o direito exclusivo de fazer ou autorizar, por si ou pelos seus representantes à difusão pela fotografia, telefotografia, televisão, radiofonia, ou por qualquer outro processo de reprodução de sinais, sons ou imagens e a comunicação pública por altifalantes ou instrumentos análogos, por fios ou sem fios, nomeadamente por ondas hertzianas, fibras ópticas, cabo ou satélite, quando essa comunicação for feita por outro organismo que não o de origem.

O crime de usurpação de obra artística visa proteger a obra – obra, como criação intelectual, no caso, do domínio artístico e exteriorizada em CD (art. 1º, nº 1 do CDADC) – bem como o "complexo de direitos que constituem o direito de autor (José Branco, Leis Penais Extravagantes, Org. José Pinto de Albuquerque e José Branco, Vol. II, Universidade Católica Editora, 2011, p. 248).

Quanto ao tipo subjectivo, o ilícito referido é punido em termos gerais a título de dolo em qualquer das suas modalidades, e a título de negligência, nos termos do artigo 197.º, n.º 2 do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos.

Do substrato fáctico resulta que o Arguido ordenou o envio dos referidos dispositivos para todas as lojas exploradas pela empresa, a fim de o seu conteúdo ser reproduzido como música ambiente.

Mais resulta que no dia 29 de Maio de 2012, pelas 14h30m, no referido estabelecimento comercial que se encontrava aberto ao público, o Arguido reproduziu, pelo sistema de som ali instalado, a música "Leave the World Behind", que faz parte do álbum "Compile/Ingrosso/Ângelo/Laidback Luke Fear Debora Cox", não possuindo o estabelecimento comercial licença de difusão de fonogramas em público, nem autorização para proceder à reprodução ou distribuição de obra protegido pelo Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos.

Independentemente da posição interpretativa que se prossiga (sobre as posições da doutrina quanto ao âmbito da previsão do art. 195º, nº 1, mais e menos restritivas, ver José Branco, Leis Penais Extravagantes, op. cit. p. 253), não suscita dúvidas que a peça musical difundida pelo na loja se materializa em obra do domínio artístico, que essa obra foi reproduzida publicamente, e que o foi sem autorização dos autores, tudo de acordo com a exigência do tipo.

O Arguido, ao ordenar a emissão da música nos termos referidos, quando inexistia licença, praticou objectivamente o ilícito de que vem acusado, ainda que por intermédio de outrem, o funcionário que efectivamente reproduziu a música no estabelecimento, o qual todavia, mais não fez do que obedecer ao seu comando.

Importa agora verificar o preenchimento do tipo subjectivo.

A este respeito, resultou provado que o Arguido, apesar de saber que para a difusão de música ambiente nas circunstâncias descritas necessitava de autorização de quem fosse titular dos direitos de autor da mesma, não tinha conhecimento que o estabelecimento não possuía a licença necessária.

Mais resultou provado que o Arguido sabia que difusão de música ambiente nas circunstâncias descritas sem a autorização de quem fosse titular dos direitos de autor da mesma era punida por lei penal e que, não obstante, durante o ano de 2012, até à data 29 de Maio de 2012., não se certificou que o estabelecimento possuía a devida licença, como podia e devia, face ao conhecimento da obrigação de licenciamento.

A final, resultou provado que o Arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente.

No que respeita à factualidade considerada não provada elenca-se que o Arguido sabia que com tal conduta lesava direitos patrimoniais de Autor, o que quis e que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

Assim, no que respeita ao dolo, não resultou provado que o Arguido tenha actuado com conhecimento e vontade da prática do ilícito típico, pelo que a sua actuação não pode ser considerada dolosa, nos termos do artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal.

Ao nível negligente, preceitua o artigo 15.º do Código Penal que age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz: a) Representar como possível a realização de um facto correspondente a um tipo de crime, mas actuar sem se conformar com sua realização; b) Não chegar sequer a representar a possibilidade da realização do facto.

Enquanto elemento de um tipo legal, a negligência é, simultaneamente, e segundo a doutrina dominante, elemento do tipo-de-ilícito e do tipo-de-culpa.

No que concerne ao tipo-de-ilícito, o que caracteriza os crimes negligentes é a violação de um dever objectivo de cuidado, por parte do agente, o qual lhe era exigível em virtude de regras de natureza legal, regulamentar, profissional ou da experiência e a que estava obrigado, de acordo com os conhecimentos e capacidades do homem médio.

Este dever objectivo de cuidado pode ser decomposto no dever de representar o perigo, que consiste na avaliação do perigo de modo a evitar a produção do resultado, e no dever de adoptar a conduta idónea a evitar o resultado, ou, na terminologia de Jescheck, no «dever de cuidado interno» e no «dever de cuidado externo» (Tratado de Derecho Penal – Parte General, Vol. II, p. 797, apud acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21.09.2011, relatora Eduarda Lobo, proc. 195/06.0PBLMG.P1, disponível in dgsi.pt).

Todavia, não basta a violação de um dever objectivo de cuidado para que se conclua pelo total preenchimento do tipo de ilícito. Como refere Figueiredo Dias, uma tal violação pode constituir legitimamente indício do preenchimento do tipo de ilícito, mas não pode, em caso algum fundamenta-lo. Como precisa o mesmo autor, desta vez citando Claus Roxin, «o que em abstracto é perigoso pode deixar de o ser no caso concreto» – op. cit. p. 108.

Significa isto que é sempre necessária a imputação objectiva do resultado à conduta negligente.

Por outro lado, no que respeita ao tipo-de-culpa, o que caracteriza os crimes negligentes é o facto de o juízo de censura pessoal indispensável a toda a responsabilização jurídico-penal (princípio da culpa), se fundar numa atitude leviana ou descuidada do agente – Figueiredo Dias, op. cit., p. 226 e 227.

No âmbito da culpa, deve apurar-se se o arguido estava em condições de prever o resultado e de satisfazer as exigências objectivas inerentes ao dever de cuidado.

Atende-se aqui à capacidade de culpa do agente infractor, o que pressupõe a ponderação das suas qualidades e a sua capacidade individual, ou seja, a consideração da sua inteligência, formação, experiência de vida, bem como das especialidades das da sua inteligência, formação, experiência de vida, bem como das especialidades das circunstâncias que envolveram o delito.

Impõe-se um exercício interpretativo no qual se procura aferir se o arguido sopesados tais condicionantes, podia actuar de outro modo.

Com isto se relaciona o problema da exigibilidade do comportamento lícito, que significa que a conduta não será criminosa quando a adopção de uma outra (cuidadosa) não seria de esperar duma pessoa na posição do agente.

Com efeito, toda a pena deve ter como suporte axiológico uma culpa concreta, ou recordando o brocardo latino, nulla poena sine culpa.

Resta, por fim dizer que a negligência divide-se, em negligência consciente, quando o agente prevê como consequência de determinada conduta, empreendida por si, um resultado típico, não se conformando, contudo, com a produção da mesma e inconsciente quando o agente não prevê, sequer, como consequência, o resultado típico.

Em suma, podemos dizer, com Jescheck, que a negligência se determina, no fundo, segundo um duplo critério: de um lado, examina-se que comportamento seria objectivamente devido para evitar a violação involuntária de um determinado bem jurídico, perante uma dada e concreta situação de perigo, de outro lado, se tal comportamento poderá ser exigido pessoalmente àquele agente segundo, as suas características e capacidades individuais" (Jescheck in Tratado de Derecho Penal, Parte General, Ed. Comares, Granada, 1993, pp. 511 e seqs.), apud, acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24.04.2010, proc. 100/06.3GAMNC.G1, disponível in dgsi.pt).

Não tendo sido violada nenhuma norma de cuidado expressa, legal ou regulamentar, há que apurar se existiria, naquela situação fáctica, uma exigência comportamental (prudencial ou usual) que não foi respeitada.

Por outras palavras, o que importa verificar, nesta fase, é se, com a conduta praticada, existia uma previsibilidade objectiva de perigo para determinado bem jurídico e se não foi observado o cuidado adequado a impedir a ocorrência do resultado típico.

Assim verificada a perigosidade objectiva da conduta, deve de seguida verificar-se se seria possível actuar de forma mais cuidada, evitando o resultado típico.

De facto, o padrão comportamental a seguir por um homem fiel aos valores protegidos, consciencioso e prudente, colocado na mesma circunstância do Arguido, tendo conhecimento da obrigatoriedade legal da obtenção da licença seria, previamente à emissão da ordem para emissão de música ambiente, apurar, se os estabelecimentos destinatários de tal ordem possuíam a licença respectiva, e no caso de se ter iniciado um novo ano, atenta a periodicidade anual da licença, averiguar se a mesma teria sido renovada.

Com efeito, o Arguido, enquanto responsável pela administração, não se pode demitir das suas funções pela simples delegação de competências, cabendo-lhe sempre um dever de vigilância, de controlo, do qual não se poderá alhear.

Cumpre agora indagar se o mandato geral de cuidado e previsão podia também ser cumprido pelo agente concreto, de acordo com as suas capacidades individuais, a sua inteligência, formação, a sua experiencia de vida e posição social, ou seja, indagar o tipo de culpa negligente.

O Arguido à data, exercia as funções de gerente na empresa, possuindo o 9.º ano de escolaridade, tendo conhecimento da necessidade de obtenção da licença.

O Arguido era pois uma pessoa activa, no mercado de trabalho, exercendo funções de responsabilidade para as quais tinha competência em face da sua formação escolar e profissional, pelo que, ainda que não tenha representado o perigo da sua acção, é de considerar que tinha todas as possibilidades para o ter feito e, assim, agir de outro modo.

O mesmo teria, assim, a competência necessária para apurar a existência da licença, para supervisionar a actuação dos seus funcionários e evitar a preenchimento do tipo de ilícito.

O Arguido negligenciou totalmente esta vertente. Com efeito, a loja da empresa na Covilhã, não obteve a licença anual durante um período de praticamente 5 meses. Por força da persistência da situação irregular por um período de tempo tão considerável é de concluir que o Arguido não exerceu de forma alguma as funções de controlo que lhe podem ser exigidas.

Tal atitude é reveladora de uma atitude descuidada ou leviana pela qual tem de responder.

Nestes termos, resta concluir que o Arguido cometeu um crime usurpação de direitos de autor, na forma negligente, previsto e punido pelos artigos 195.º, n.º 1 e 197.º, n,º 2 do Código de Direitos de Autor e dos Direitos Conexos.

(…)”.


*

*


Da nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação

1. Alega o arguido – conclusões 3 e 4 – que o despacho recorrido sofre de vício de fundamentação porque o tribunal a quo não fundamentou o que decidiu nos termos impostos pelo art. 97º, nº 5, do C. Processo Penal, limitando-se a dizer «… não se descortinando a situação fáctica supra alegada no elenco das nulidades insanáveis (…) a mesma seria reconduzível a uma mera irregularidade …», circunstância que, afirma no corpo da motivação, seria suficiente para suscitar a sua nulidade.

Sem razão, porém. Explicando.

A fundamentação é uma exigência de transparência da decisão judicial e o pressuposto da sua capacidade de convencimento e aceitação. Ela proporciona o controlo da decisão a quem a proferiu, permite aos seus destinatários e à comunidade a compreensão dos juízos de valor e de apreciação nela levados a cabo.

Por isso, o dever de fundamentação das decisões judiciais tem assento no art. 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, e encontra-se concretizado, ao nível do processo penal, nos arts. 97º, 194º e 374º, do C. Processo Penal.

O princípio geral tem sede no nº 5 do art. 97º, enquanto o art. 194º, nºs 6 e 7 rege especificamente para o despacho que aplica medida de coacção ou de garantia patrimonial, e o art. 374º, nº 2 rege especificamente para a sentença.

Para a questão sub judice, releva o art. 97º, nº 5, do C. Processo Penal. Dispõe este preceito que, os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.

O grau de exigência da fundamentação depende da complexidade da concreta questão, da mesma forma que a sua maior ou menor extensão variará em razão da capacidade de exposição e da capacidade de síntese do autor da decisão. Mas em qualquer caso, o que a fundamentação deve permitir aos destinatários é entender totalmente o que foi decidido e por que razão assim foi decidido. Só quando tal não acontece, se pode afirmar a falta de fundamentação da decisão [aqui incluindo a sua insuficiência].

Lendo o despacho recorrido não se vê como possa padecer de falta ou insuficiência de fundamentação, sendo certo que não se limitou ao raciocínio conclusivo que o recorrente transcreveu. Bem pelo contrário, partindo da invocada nulidade insanável por falta de notificação ao mandatário, começa por considerar que, apesar de o Ilustre Advogado, Sr. Dr. B..., ter acompanhado o arguido no acto da sua constituição como tal e subsequente interrogatório, não existia nos autos procuração forense a seu favor, e que por isso, a nomeação de defensor ao arguido no momento da dedução da acusação pública foi correcta. Depois, considera que mesmo que assim não se entendesse, nunca se verificaria a nulidade insanável prevista na alínea c), do art. 119º, do C. Processo Penal, pois o defensor nomeado, mesmo que desconhecido do arguido, assegurou a sua defesa, nem qualquer nulidade prevista no art. 120º do mesmo código pelo que, só poderia estar-se perante uma irregularidade, há muito sanada, por não ter sido invocada pelo arguido nos três dias após a sua notificação da acusação.

É pois perfeitamente entendível o raciocínio argumentativo elaborado pelo Mmo. Juiz a quo, e que o foi pelo arguido, resulta dos termos em que na motivação do recurso sindica o despacho.

Em conclusão, o despacho recorrido não padece de falta ou insuficiência de fundamentação.


*

            Da nulidade insanável da falta de notificação da acusação e do despacho que a recebeu e designou dia para julgamento e da nulidade insanável da realização da audiência de julgamento na ausência do mandatário do arguido

            2. Alega o arguido – conclusões 5 a 27 – que tendo constituído mandatário no acto em que foi constituído arguido e como tal interrogado, a acusação e a data do julgamento não foram notificadas àquele, o que constituí nulidade insanável, como constitui também nulidade insanável a realização da audiência de julgamento sem a presença do mandatário constituído devido à omissão daquela notificação, apesar de substituído por defensor, nos termos do art. 67º, nº 1, do C. Processo Penal.

           

            Sendo portanto, várias, as questões suscitadas pelo arguido, o que torna conveniente uma exposição, ainda que breve, do desenrolar do processo. Assim:

            a) No dia 29 de Maio de 2012, no decurso de uma inspecção, a ASAE verificou que no estabelecimento da sociedade C..., Lda., situado na loja 1.43 do (...), Covilhã, que se encontrava aberto ao público, era reproduzida música protegida pelo C. do Direito de Autor e Direitos Conexos, sem que existisse a necessária autorização, tendo por isso levantado o respectivo auto de notícia;

            b) Em 1 de Junho de 2012 o Digno Magistrado do Ministério Público delegou na ASAE a realização do inquérito;

            c) Em 18 de Junho de 2012 a ASAE solicitou ao Comandante do Posto Territorial da GNR de Fânzeres a constituição de arguido da sociedade C..., Lda., a constituição de arguido do representante legal da sociedade e o respectivo interrogatório de arguido;

            d) Em 8 de Agosto de 2012, no Posto Territorial da GNR, em Fânzeres, foi constituída arguida a sociedade C..., Lda., sendo seu representante legal A... [fls. 38 a 39];

            e) No mesmo dia e local foi constituído arguido e como tal interrogado, o cidadão A... [fls. 43 a 44 e 46 a 47];

            f) Na constituição de arguido do arguido A..., a fls. 43 a 44 [feita em modelo de documento pré-definido], sob o título, DEFENSOR/ADVOGADO, consta: «Nome: B..., Cédula: (...), com escritórios sedeados: Rua (...) Porto, contacto: (...).»; no auto de interrogatório de arguido, a fls. 46 a 47 [também feito em modelo de documento pré-definido], sob o título, DATA, HORA E LOCAL, pode ler-se, além do mais, «(…) compareceu perante mim o arguido abaixo identificado, bem como o seu defensor, Dr. B..., portador da cédula profissional (...), com escritório sedeado em Rua (...) Porto, com contacto (...).»;

            g) A mesma menção consta da constituição de arguido da sociedade referida, a fls. 38 a 39;

h) Em 14 de Dezembro de 2012 a Digna Magistrada do Ministério Público encerrou o inquérito, proferindo despacho de arquivamento quanto à sociedade arguida e deduzindo acusação contra o arguido, tendo solicitado ao SINOA, quanto a este, a indicação de defensor oficioso, que desde logo nomeou;

i) Veio a ser indicada e portanto, nomeada, a Ilustre Advogada, Sra. Dra. F..., com consultório na Covilhã;

j) A acusação e a nomeação de defensor foram notificadas ao arguido por via postal simples com prova de depósito, para a residência que consta do TIR, com o depósito no receptáculo efectuado em 19 de Dezembro de 2012 [fls. 133];  

l) A acusação e a nomeação de defensor foram notificadas à Ilustre Advogada nomeada defensora, por via postal registada datada de 17 de Dezembro de 2012 [fls. 130];

m) Em 7 de Março de 2013 foi proferido despacho que designou dia para julgamento para o dia 17 de Abril do mesmo ano, que foi notificado ao arguido por via postal simples com prova de depósito, para a residência que consta do TIR, com o depósito no receptáculo efectuado em 12 de Março de 2013 [fls. 190 a 191 verso], com a expressa menção de contactar e prestar colaboração à sua defensora oficiosa, aí devidamente identificada; 

n) No dia 17 de Abril de 2013, aberta a audiência, não se encontravam presentes, o arguido e uma testemunha, estando presente, além das demais pessoas convocadas, a defensora nomeada ao arguido, Sra. Dra. F..., tendo por despacho então proferido, sido o arguido condenado em multa pela falta injustificada, e decidido o início do julgamento na sua ausência; ouvidas as testemunhas presentes, foi proferido despacho que, considerando a presença do arguido indispensável para a descoberta da verdade, ordenou a sua interrupção e continuação para 19 de Abril de 2013, e a passagem de mandados de detenção para comparência do arguido;

o) No dia 18 de Abril de 2013, via fax, o arguido, por intermédio do Ilustre Advogado, Sra. Dr. B..., requereu a declaração de nulidade de todos os actos processuais afectados pelas nulidades consubstanciadas na falta de notificação da acusação e da data designada para julgamento ao mandatário constituído, e na ausência do arguido e do seu mandatário constituído a actos de comparência obrigatória;

p) Em 19 de Abril de 2013 o posto territorial de Alfena da GNR informou não ter sido possível cumprir o mandado de detenção para comparência do arguido, por o mesmo não ter sido encontrado;     

q) Também em 19 de Abril de 2013 foi reaberta a audiência e, face à não apresentação do arguido, foi a mesma adiada para 3 de Maio de 2013, e ordenada a emissão de novos mandados de detenção para comparência;

r) Em 22 de Abril de 2013 o Digno Magistrado do Ministério Público promoveu o indeferimento das nulidades invocadas pelo arguido no requerimento de 18 de Abril de 2013;

s) Em 3 de Maio foi proferido o despacho recorrido;

t) Em 3 de Maio de 2013 o posto territorial de Alfena da GNR informou não ter sido possível cumprir o mandado de detenção para comparência do arguido, por o mesmo não ter sido encontrado;    

u) Também em 3 de Maio de 2013 foi reaberta a audiência, estando presentes, para além dos convocados, o arguido e o Sr. Dr. B..., que juntou procuração subscrita pelo arguido, o que determinou a prolação de despacho declarando cessadas as funções da defensora nomeada; a audiência prosseguiu, tendo o arguido prestado declarações, após o que foi interrompida para continuar a 13 de Maio de 2013;

v) Reaberta a audiência a 13 de Maio de 2013, foi proferida sentença homologatória da desistência do pedido de indemnização civil deduzido pela SPA, e designado o dia 22 de Maio de 2013 para a leitura da sentença;

x) No dia 22 de Maio de 2013, em audiência, foi publicitada a sentença condenatória.  

Posto isto.

3. A primeira questão a decidir é a de saber se o Ilustre Advogado, Sr. Dr. B..., foi pelo arguido constituído mandatário.

No despacho recorrido esta questão foi respondida negativamente, com o argumento de que não consta dos autos procuração forense a favor do Ilustre Advogado e que, apesar de ter acompanhado o arguido no interrogatório deste, tal actuação ocorreu apenas quanto a esse acto.

Vejamos.

Dispõe o art. 35º do C. Processo Civil, com a epígrafe, «Como se confere o mandato judicial»:

O mandato judicial pode ser conferido:

a) Por instrumento público ou por documento particular, nos termos do Código do Notariado e da legislação especial;

b) Por declaração verbal da parte no auto de qualquer diligência que se pratique no processo.

  

É um facto que quando foi proferido o despacho em crise, não existia nos autos procuração – entendida como instrumento público ou documento particular que formaliza o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos – do arguido a favor do Ilustre Advogado. Com efeito, a procuração, formalizada por documento particular [fls. 240], só foi junta na sessão da audiência de julgamento de 3 de Maio de 2013, como consta em u) do ponto que antecede.  

Porém, como se viu, a procuração não é a única forma de concessão do mandato judicial, podendo este ser também conferido por simples declaração verbal do mandante no auto de qualquer diligência processual.

Resulta dos autos que o cidadão A..., após prévia convocação, compareceu no dia 8 de Agosto de 2012, pelas 11h46m, no Posto Territorial de Fânzeres da GNR, acompanhado do Sr. Dr. B..., Ilustre Advogado. Isto assente, consta do termo de constituição de arguido de fls. 43, sob o título DEFENSOR/ADVOGADO, a identificação completa daquele ou seja, o nome profissional, o número da cédula, o endereço do consultório e o contacto telefónico. E estes mesmos dados de identificação constam do auto de interrogatório de arguido de fls. 46 a 47, onde expressamente se afirma que compareceu o arguido, bem como o seu defensor, Dr. B...

É pois seguro que a comparência do Sr. Advogado no posto da GNR não se ficou a dever a solicitação do arguido ao OPC para que lhe fosse nomeado um defensor. Pelo contrário, o Sr. Advogado compareceu acompanhando o arguido, e se o OPC que lavrou o termo e o auto, deles fez constar o que acaba de se referir, é porque o arguido declarou que o Sr. Dr. B... ali se encontrava na qualidade de seu advogado, e não apenas para os actos em questão – constituição de arguido e interrogatório de arguido – como se entendeu no despacho recorrido, mas para os ulteriores termos do processo, pois só assim se justifica a identificação completa do Sr. Advogado naqueles documentos.

É verdade que nem no termo, nem no auto, se encontra formalizada uma declaração verbal do arguido, qua tale, constituindo seu mandatário o Sr. Advogado, e como este os assinou, não podia ignorar o respectivo conteúdo. Cremos, no entanto, que sobrepor a forma à substância no campo dos direitos de defesa, que é aquele onde nos encontramos, será sempre uma posição demasiado rígida e por isso, inadequada, tanto mais que a pré-formatação dos suportes documentais onde foram exarados o termo e o auto determina que estas estejam propriamente adaptados a fórmulas sacramentais de concessão do mandato judicial.

Entendemos, desta forma, que a identificação completa do Sr. Advogado, nos moldes que se deixaram assinalados, constante do termo e do auto, feita, necessariamente, na sequência de declaração do ora arguido – nem se concebe a que outro título ali poderiam constar –, corresponde, em substância, embora se admita a imperfeição da forma, à modalidade de concessão do mandato judicial prevista na alínea b), do art. 35º, do C. Processo Civil. 

Em conclusão, o Ilustre Advogado, Sr. Dr. B... é mandatário ou defensor constituído do arguido desde a data em que este como tal foi constituído e interrogado.

4. A segunda questão a decidir é a de saber qual o tipo de invalidade afecta a notificação da acusação e a notificação do despacho que designou dia para julgamento, na parte em que foi omitida relativamente ao mandatário constituído.

Fosse porque se seguiu entendimento similar ao do despacho recorrido, fosse porque não se atentou no teor do termo de constituição de arguido e no auto de interrogatório de arguido, na acusação pública, em cumprimento do disposto no art. 64º, nº 3, do C. Processo Penal, foi ordenada a solicitação ao SINOA de indicação de defensor ao arguido, que desde logo ficou nomeado.

A acusação e o despacho que designa dia para julgamento devem ser notificados ao arguido e ao advogado ou defensor nomeado (art. 113º, nº 9, do C. Processo Penal). A omissão da notificação da acusação e/ou do referido despacho ao advogado ou defensor nomeado, não integra a previsão do art. 119º, c), do C. Processo Penal, pelo que, nos termos do art. 123º do mesmo código, se traduz numa mera irregularidade.

Tendo o arguido constituído mandatário, a notificação da acusação e do despacho que designou dia para julgamento, não a este, mas ao defensor nomeado indevidamente, equivale pura e simplesmente à falta de notificação ao advogado. Foram pois cometidas, sucessivamente, duas irregularidades.      

Na notificação da acusação [fls. 128] regularmente feita ao arguido consta, além do mais, a seguinte informação: «Como não constituiu mandatário nem se encontra nomeado defensor nos autos, dada a obrigatoriedade imposta no artº 64º, nº 3 do C.P. Penal, foi-lhe agora nomeado defensor, o(a) Dr(a). F..., Endereço: Av. (...) Covilhã.». Também na notificação do despacho que designou dia para julgamento [fls. 190 a 191] regularmente feita ao arguido consta, além do mais, a seguinte informação: «Deve contactar e prestar toda a colaboração ao seu mandatário/defensor oficioso: Dr. F..., Endereço: Av. (...) Covilhã.».    

Embora nos mereça todo o respeito o problema de saúde invocado pelo arguido na motivação, certo é que, não é plausível, nem se justifica, que por causa dele, não tenha lido as duas notificações e não se tenha apercebido de que o seu defensor era outro que não o Sr. Dr. B.... Por isso, o arguido tinha o prazo de três dias, a contar da notificação da acusação e do despacho (art. 123º do C. Processo Penal), para arguir a irregularidade decorrente da omissão das respectivas notificações ao Ilustre Advogado constituído.

Assim, tendo a acusação sido notificada por via postal simples com prova de depósito, para a residência que consta do TIR, com o depósito no receptáculo efectuado em 19 de Dezembro de 2012, o termo do prazo para invocar a irregularidade ocorreu a 9 de Janeiro de 2013, e tendo o despacho que designou dia para julgamento sido notificado por via postal simples com prova de depósito, para a residência que consta do TIR, com o depósito no receptáculo efectuado em 12 de Março de 2013, o termo do prazo para invocar a irregularidade ocorreu a 20 de Março de 2013.

Logo, já se encontravam sanadas as irregularidades das notificações quando, em 18 de Abril de 2013, o arguido as invocou.

5. A terceira questão a decidir prende-se com as consequências da não comparência à audiência de julgamento do advogado constituído, que não foi notificado do dia designado para tal diligência.

Nos termos do art. 119º, c), do C. Processo Penal, constitui nulidade insanável, a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência.

Um dos casos em que é obrigatória a assistência do defensor é a audiência, salvo tratando-se de processo que não possa dar lugar à aplicação de pena de prisão ou de medida de segurança de internamento (art. 64º, nº 1, b), do C. Processo Penal.

Sendo um dos direito que integra o estatuto do arguido o direito a constituir advogado ou solicitar a nomeação de um defensor (art. 61º, nº 1, e), do C. Processo Penal), a ausência do defensor que integra o objecto daquela nulidade insanável é a ausência do defensor escolhido pelo arguido e portanto, é, em primeira linha, a ausência do advogado constituído.

Posto isto.

Começamos por dizer que, contrariamente ao alegado pelo arguido na conclusão 21, a Sra. Dra. F... não lhe foi nomeada defensora nos termos do art. 67º, nº 1, do C. Processo Penal, mas nos termos do art. 64º, nº 3, do mesmo diploma, nas circunstâncias supra expostas.

Como se viu, o arguido constituiu seu advogado e defensor o Sr. Dr. B... que não foi notificado, além do mais, do despacho que designou o dia 17 de Abril de 2013 para a audiência de julgamento.

Neste dia 17 de Abril o Sr. Dr. B... não compareceu no Tribunal Judicial da comarca da Covilhã, como também aí não compareceu o arguido, sendo certo que o julgamento se iniciou por não ter sido considerada imprescindível a presença do arguido, tendo sido inquiridas várias testemunhas.

É verdade que esteve presente na audiência a defensora nomeada ao arguido, Sra. Dra. F..., mas esta nomeação não deveria ter ocorrido precisamente porque o arguido havia constituído defensor. O entendimento expresso no despacho recorrido de que o arguido teve sempre a sua defesa assegurada pela nomeação de defensor oficioso é, em nosso entender, violadora do direito a um processo equitativo, previsto no art. 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, e da sua especificação do direito a escolher defensor, previsto no art. 32º, nº 3, também da Lei Fundamental. Com efeito, o defensor a que a lei se refere é, em primeira linha, o defensor constituído pelo arguido.        

Em suma, tendo o arguido constituído mandatário e não tendo este sido notificado da data designada para julgamento, o decurso da audiência sem a sua presença, ainda que feita com a presença da defensora indevidamente nomeada, constitui a nulidade insanável, prevista na alínea c), do art. 119º, do C. Processo Penal.

Consequentemente, face ao disposto no art. 122º, nº 1, do C. Processo Penal, a audiência de julgamento que decorreu no dia 17 de Abril de 2013 é inválida, como inválidos são todos os actos que se lhe seguiram, incluindo a sentença recorrida.


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A declaração de nulidade da audiência de 17 de Abril de 2013 e de todos os actos subsequentes, incluindo a sentença recorrida, prejudica o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.


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            III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso. Em consequência:

A) Julgam verificada a nulidade insanável prevista na alínea c), do art. 119º, do C. Processo Penal.

 

B) Declaram a invalidade da audiência de julgamento que decorreu no dia 17 de Abril de 2013, bem como a invalidade de todos os actos que se lhe seguiram, incluindo a sentença recorrida.


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            Recurso sem tributação (atenta a sua procedência).


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Coimbra, 6 de Novembro de 2013

 (Heitor Vasques Osório - Relator)

 (Fernando Chaves)