Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
50031-B/2000.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME FERREIRA
Descritores: DIREITO AO CONVIVIO
MENOR
ASCENDENTE
Data do Acordão: 02/26/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA - 3º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTºS 1887º E 1887º-A, DO C. CIV.
Sumário: I – O artº 1887º-A, do C. Civ. (aditado pelo artº 1º da Lei nº 84/95, de 31/08) veio consagrar o direito de um menor a conviver e a relacionar-se de forma estreita (e familiar) com a sua família natural, designadamente com os irmãos e avós, assim como veio consagrar tal direito a estes, em relação a um menor seu familiar, direito esse que o referido preceito denomina de “convívio com irmãos e ascendentes”, pelo que se pode entender tratar-se de um direito de convívio recíproco ou, se se quiser, de um direito de visita recíproco – como o entendeu o STJ no seu acórdão de 3/3/1998, in CJ/STJ, 1998, tomo I, pg. 119.

II – Alguma jurisprudência tem o entendimento que é incorrecta essa interpretação, como sucedeu no Ac. da Rel. Lisboa de 17/02/2004, in C. J. ano XXIX, tomo I, pg. 117, onde se defende que “não existe nenhum direito de visita que tenha por objecto os menores, nomeadamente não existe o direito de visita dos avós. O que existe é o direito da criança de manter regularmente relações pessoais e contactos directos com os pais e outras pessoas, salvo se houver algo contra o superior interesse da criança”.

III - Os filhos estão sujeitos ao poder paternal até à sua maioridade (artº 1877º C. Civ.), competindo aos pais, no interesse dos filhos, velar pela sua segurança e saúde, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação e promover o seu desenvolvimento físico, intelectual e moral, de acordo com as possibilidades daqueles, representá-los e administrar os seus bens (artºs 1878º, nº 1, e 1885º, nº 1, C. Civ.).

IV - Para que um pai possa cumprir essas funções, em pleno e de forma responsável, tem de ter condições para o efeito e não limites ou barreiras externas à sua vontade que obstem a esse exercício ou que não lhe permitam assumir e exercer plenamente essas ditas funções, muito especialmente quando essa função é predominantemente de autoridade e de disciplina em relação aos filhos.

V - Aos avós não cumpre velar quanto a esse poder-dever parental, nem eles estão, pessoal e habitualmente, vocacionados ou preparados para exercer um poder disciplinador, formativo e de guarda dos netos, antes lhes cabendo e normalmente desempenham um “papel afectivo e lúdico, satisfazendo as necessidades emocionais dos netos”.

VI - É importante, muito importante, o relacionamento familiar de um jovem, o que habitualmente lhe proporciona afecto, carinho, conforto, segurança e identificação pessoal e social, com o que se desenvolve a sua personalidade e formação sócio-moral e contribui para a moldar, habitual e desejavelmente no bom sentido, donde o teor do citado artº 1887º-A, do C. Civ., no sentido de os pais não poderem injustificadamente privar os filhos do convívio com os irmãos e ascendentes.

VII - Porém, há que interpretar com cuidado este preceito, pois do mesmo não resulta nem pode resultar que este “direito de convívio” é idêntico ou tem o mesmo conteúdo dos direitos e deveres dos pais sobre os filhos, em caso de separação daqueles, como resulta dos artºs 1905º, nºs 1 e 2, 1906º, do C.Civ. e 180º da OTM.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
I
No Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, correram termos uns autos de regulação do exercício do poder paternal relativamente à menor A..., nascida em 26/05/1995, filha de B... e de C..., tendo, na sequência do óbito da referida B..., ocorrido em 11/04/2006, aí sido a menor entregue aos cuidados e à guarda do pai, com quem vive desde a data de óbito da mãe, ao qual foi entregue o exercício do poder paternal sobre a filha, devendo a menor, no entanto, manter laços de convivência regular com a família materna – decisão judicial de 13/07/2006.
II
Por apenso a esses autos foi, pelos avós maternos da menor, D... e E..., residentes na Rua da Majoreira, 425, Ponte de Pedra, Regueira de Pontes, Leiria, em 5/12/2006, deduzido o presente processo com vista a ser-lhes reconhecido o direito de visita à e pela menor, por forma a ficar assegurado o convívio regular entre esses avós e a neta.
III
Em resposta apresentada pelo Requerido, pai da menor, foi referido que nunca a menor foi impedida de conviver com os avós maternos, tanto que nos últimos meses esse contacto tem-se verificado pelo menos três vezes por semana, comendo a menor em casa desses avós nessas ocasiões.
Que em Julho de 2006 a menor esteve com os avós maternos 5 dias nos Açores e com eles passou alguns fins de semana no norte do país.
Que o Requerido não pretende sequer impedir esse convívio, pelo que considera não ter qualquer fundamento a presente acção.
Terminou pedindo a improcedência da presente acção.
IV
Procedeu-se à elaboração de um relatório social sobre as situações sócio-económicas de todos os intervenientes, posto que teve lugar uma audiência de discussão e julgamento com audição dos Requerentes, do Requerido, da menor e das testemunhas arroladas.

Posteriormente foi proferida a sentença de fls. 74 a 87, na qual foi decidido estabelecer um regime de visitas à menor a favor dos Requerentes, da seguinte forma:
1 – Os avós maternos poderão estar com a menor às 4ªs e 5ªs feiras, no período de almoço da menor, devendo ir buscá-la e levá-la à escola ou a actividades extracurriculares depois de tal período, sendo que à 4ª feira a menor poderá permanecer no período da tarde com os avós até ao início da actividade extracurricular;
2 – Os avós maternos poderão estar com a menor e tê-la consigo das 18h00 de sábado até às 19h00 de domingo, de quinze em quinze dias, devendo ir buscar a menor a casa do pai e aí a entregar, de forma a não inviabilizar a actividade de escutismo que a menor frequenta ao sábado à tarde;
3 – A menor passará ainda oito dias de férias de verão com os avós maternos, em período a acordar previamente com o pai da menor até 31 de Maio de cada ano;
4 – A menor passará ainda os dias de aniversário dos avós maternos com os ditos, sem prejuízo dos períodos de frequência escolar e de descanso da menor;
5 – Durante o período de férias em que a menor estiver com os avós maternos estes ficam obrigados a velar para que a menor telefone para o pai uma vez por dia.
V
Dessa sentença interpôs recurso o Requerido, recurso que foi admitido como apelação e com efeito devolutivo.

Nas alegações que apresentou o Apelante formulou, com utilidade, as seguintes conclusões:
1ª - Por sentença proferida foi fixado um regime de visitas dos avós maternos da menor, concedendo-lhes o direito de a terem com eles nas 4ªas e 5ªs feiras, no período de almoço, bem como durante as tardes das 4ªas feiras…
2ª - A menor tem estado, desde o falecimento da mãe, pelo menos 3 vezes por semana com os avós maternos…, pelo que estar a impor-se um regime de visitas com carácter periódico e regular, com pernoita em casa dos avós, em nada contribui para os interesses da menor;
3ª - O Apelante, por razões profissionais, apenas tem os fins de semana para estar com a filha, pelo que o fixado regime de visitas o lesa na sua qualidade de pai.
4ª - O regime de visitas fixado não é aplicável à actual situação escolar da menor, pois esta tem uma componente lectiva às 4ªs feiras de tarde.
5ª - Termos em que deve ser revogada a sentença recorrida, com revogação do regime de visitas estabelecido.
VI
Contra-alegou o Digno Agente do Ministério Público, onde defende, muito em resumo, que deve ser mantido o regime de visitas aos avós maternos como foi decidido na sentença recorrida.
VII
Nesta Relação foi aceite o recurso interposto e tal como foi admitido em 1ª instância, tendo-se procedido à recolha dos necessários “vistos” legais, sem qualquer observação, pelo que nada obsta a que se conheça do seu objecto.
E esse objecto passa, pois, pela reapreciação da sentença recorrida, designadamente quanto ao invocado e reconhecido direito de visita dos Recorridos em relação à sua neta e filha do Apelante e nos termos em que tal regime ficou definido.
Para se proceder a tal reapreciação importa, antes de mais, que aqui se dê conta dos factos em que se fundamentou a decisão recorrida, factos esses que não estão impugnados pelas partes e nem ocorre algo no processo que possa justificar a sua alteração oficiosa.
São eles (tal como emergem da sentença recorrida):
1 - A..., nascida a 26/05/1995, está registada como filha de C... e de B...;
2 – B... faleceu em 11/04/2006;
3 – Por sentença homologatória de 27/11/2000, do acordo de exercício de poder paternal estabelecido entre os pais da menor, esse poder paternal era exercido em conjunto pelos progenitores, tendo a menor ficado a pernoitar em casa da mãe, sendo os fins de semana passados de forma alternada com os ditos progenitores, e sendo as datas de aniversário e períodos de férias passados com os mesmos e por períodos de tempo iguais;
4 – Por sentença de 13/07/2006, em virtude do falecimento da mãe da menor, o poder paternal foi atribuído ao pai da menor, à guarda de quem foi confiada, determinando-se a manutenção de laços de convívio regular com a família materna e a manutenção de apoio psicológico à menor, atenta a perda recente da mãe;
5 – A menor reside com o pai e com a companheira deste, em casa de tipo T4, na zona central de Leiria, onde a menor dispõe de quarto individual;
6 – Durante os primeiros anos de vida da menor foi a mãe quem lhe assegurou a prestação de cuidados, dado que dava explicações em casa, dedicando muito tempo à filha e mantendo com ela uma relação privilegiada;
7 – Após a separação dos pais da menor, o pai assumiu igualmente os cuidados da menor nos períodos que a tinha consigo, permitindo um estreitamento do relacionamento entre ambos, o que facilitou o acolhimento da menor no seu agregado habitacional, havendo uma relação afectiva entre a menor e a companheira do pai;
8 – A menor é descrita como sociável e apresenta bom desempenho académico;
9 – Desde a separação dos pais da menor que esta beneficia de apoio psicológico;
10 – A menor manteve uma relação afectiva significativa com a família materna alargada, designadamente com os avós e tios maternos, com quem convivia assiduamente e que constituem uma plataforma de apoio importante para a menor;
11 – A mãe da menor faleceu em virtude de doença do foro oncológico, mediando entre a detecção da doença e o falecimento cerca de seis meses;
12 – Desde a separação dos pais, data em que a menor tinha cinco anos de idade, até ao falecimento da mãe, altura em que a menor tinha quase onze anos de idade, a menor passava mais tempo com a mãe, embora convivesse assiduamente com o pai;
13 – Desde o nascimento da menor que esta convive de perto com os avós e tios maternos, sendo esta uma família com uma relação de grande coesão familiar e de valores tradicionais, em que mantém-se o hábito de fazerem um almoço dominical entre todos, mesmo depois da autonomia dos filhos;
14 – A avó materna e os tios maternos sempre ajudaram a cuidar da menor, pernoitando esta em casa dos avós frequentemente;
15 – Desde o falecimento da mãe da menor que a menor não voltou a pernoitar em casa dos avós, por falta de consentimento do pai da menor;
16 – Desde data não apurada, após o falecimento da mãe da menor, a menor almoça com os avós maternos cerca de duas vezes por semana;
17 – E desde então a menor também convive com o ex-companheiro da mãe;
18 – A menor manifesta vontade de pernoitar em casa dos avós maternos;
19 – O pai da menor manifesta relutância ao convívio da menor com a tia materna, com quem tem um relacionamento tenso;
20 – Desde o momento em que a doença da mãe da menor se agudizou que foram os avós maternos e tios maternos da menor quem cuidou desta nos períodos em que a menor estava com a mãe, levando-a e indo buscá-la à escola, ajudando-a com os trabalhos de casa, levando-a a médicos quando necessário, bem como à psicóloga que a acompanhava, pernoitando a menor junto deles;
21 – A avó materna da menor trabalha como empregada de limpeza, numa farmácia em Leiria, entre as 09h00 e as 12h00 e entre as 14h00 e as 18h00, e o avô materno está reformado, encontrando-se habitualmente em casa;
22 – Os avós maternos da menor residem a cerca de 5 kms da menor e os tios maternos a cerca de 15 kms dos avós maternos;
23 – A avó paterna da menor é doméstica;
24 – Os avós paternos da menor estão com esta todos os sábados, à hora de almoço, até a menor ir para os escuteiros (às 15h00), e bem assim no final desta actividade até que o pai vá buscar a filha e, por vezes, ainda no final da catequese da menor;
25 – Os avós paternos da menor residem a cerca de 500 metros desta;
26 – Desde data não apurada após o falecimento da mãe da menor, a menor tem almoçado com os avós maternos às 4ªs e 5ªs feiras, e dado que às 4ºs feiras não tem aulas da parte da tarde fica com o avô materno, com o tio materno Sérgio ou com o ex-companheiro da mãe, até cerca das 19h30, altura em que vai para uma aula de dança; às 5ªs feiras a menor é entregue na escola depois do período de almoço, normalmente pelo tio materno;
27 – Aos sábados e domingos, de forma irregular, os avós maternos telefonam ao Requerido/Apelante a pedir para a menor ir almoçar com eles, o que tem sido desatendido;
28 – Depois do falecimento da mãe, a menor viajou com os avós maternos para os Açores, por 5 dias, sendo que tal viagem já se encontrava programada antes desse falecimento, altura em que um familiar destes ia festejar o final de um curso académico;
29 – Depois do falecimento da mãe, a menor passou com os avós maternos um fim de semana em descida do Douro, tendo o pai da menor consentido nesse passeio;
30 – O pai da menor trabalha no sector bancário, entre as 8h30 e as 18h00.

Enunciados os factos a ter em conta, cumpre-nos abordar as questões suscitadas pelo presente recurso.
Não está aqui em causa o exercício do poder paternal por parte do Requerido/Apelante em relação à menor sua filha, A..., poder esse que lhe foi atribuído após o óbito da mãe da criança, ocorrido em 11/04/2006, a cuja guarda ficou entregue e com quem a menor passou a viver desde então, na casa do pai e da actual companheira deste.
Nem está aqui em causa o modo como esse exercício tem sido desenvolvido ou desempenhado, pelo que não nos cumpre fazer qualquer juízo de valor acerca do mesmo.
O que apenas está em apreciação é a decisão proferida em 1ª instância que decidiu no sentido de: 1 – Os avós maternos poderão estar com a menor às 4ªs e 5ªs feiras, no período de almoço da menor, devendo ir buscá-la e levá-la à escola ou a actividades extracurriculares depois de tal período, sendo que à 4ª feira a menor poderá permanecer no período da tarde com os avós até ao início da actividade extracurricular;
2 – Os avós maternos poderão estar com a menor e tê-la consigo das 18h00 de sábado até às 19h00 de domingo, de quinze em quinze dias, devendo ir buscar a menor a casa do pai e aí a entregar, de forma a não inviabilizar a actividade de escutismo que a menor frequenta ao sábado à tarde;
3 – A menor passará ainda oito dias de férias de verão com os avós maternos, em período a acordar previamente com o pai da menor até 31 de Maio de cada ano;
4 – A menor passará ainda os dias de aniversário dos avós maternos com os ditos, sem prejuízo dos períodos de frequência escolar e de descanso da menor;
5 – Durante o período de férias em que a menor estiver com os avós maternos estes ficam obrigados a velar para que a menor telefone para o pai uma vez por dia.

Baseou-se tal decisão no disposto no artº 1887º-A, do C. Civ. (aditado pelo artº 1º da Lei nº 84/95, de 31/08), preceito no qual se dispõe que “os pais não podem injustificadamente privar os filhos do convívio com os irmãos e ascendentes”.
Tal preceito veio consagrar o direito de um menor a conviver e a relacionar-se de forma estreita (e familiar) com a sua família natural, designadamente com os irmãos e avós, assim como veio consagrar tal direito a estes, em relação a um menor seu familiar, direito esse que o referido preceito denomina de “convívio com irmãos e ascendentes”, pelo que se pode entender tratar-se de um direito de convívio recíproco ou, se se quiser, de um direito de visita recíproco – como o entendeu o STJ no seu acórdão de 3/3/1998, in CJ/STJ, 1998, tomo I, pg. 119 -, embora haja quem entenda que é incorrecta esta referida interpretação, como sucedeu no Ac. da Rel. Lisboa de 17/02/2004, in C. J. ano XXIX, tomo I, pg. 117, onde se defende que “não existe nenhum direito de visita que tenha por objecto os menores, nomeadamente não existe o direito de visita dos avós. O que existe é o direito da criança de manter regularmente relações pessoais e contactos directos com os pais e outras pessoas, salvo se houver algo contra o superior interesse da criança”.
Seja como for, e independentemente de se saber se trata ou não, no citado preceito, de haver um direito de visita ou se é apenas um direito ao convívio, o que é certo é que cumpre aos Estados sempre assegurar que uma qualquer criança possa ser criada e desenvolver-se em segurança e com bem-estar, por forma a que a sua evolução física, intelectual e moral seja digna, feliz, harmoniosa e fiável (num espírito de paz, dignidade, tolerância, liberdade, igualdade e solidariedade), preferencialmente em meio familiar, conforme resulta da Convenção sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque a 26/01/1990.
Para tanto cumpre aos Estados assegurar que todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança – artº 3º, nº 1, da dita Convenção.
E no reconhecimento e efectivação deste interesse cumpre, antes de mais, assegurar que a criança deva ser educada pelos pais – artºs 5º, 7º, nºs 1 e 2, 9º, nº 1, e 27º, nº 2, da Convenção.
Donde resulta que os filhos estejam sujeitos ao poder paternal até à sua maioridade (artº 1877º C. Civ.), competindo aos pais, no interesse dos filhos, velar pela sua segurança e saúde, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação e promover o seu desenvolvimento físico, intelectual e moral, de acordo com as possibilidades daqueles, representá-los e administrar os seus bens (artºs 1878º, nº 1, e 1885º, nº 1, C. Civ.).
Ora, face ao falecimento da mãe da aqui menor A..., esta ficou entregue à guarda e cuidados do pai, a quem cabe exercer o poder paternal sobre a filha, nos sobreditos termos, o que tem vindo a cumprir, sem razões aparentes para criticas negativas, o que, aliás, se verifica desde o nascimento da menor, porquanto nunca o pai se demitiu dessas funções e do seu poder-dever de pai, apesar da separação que houve entre os progenitores da A... quando esta tinha 5 anos de idade – pontos 3, 4, 7 e 12 supra.
Ora, para que este pai (ou qualquer outro) possa cumprir as suas ditas funções, em pleno e de forma responsável, tem de ter condições para o efeito e não limites ou barreiras externas à sua vontade que obstem a esse exercício ou que não lhe permitam assumir e exercer plenamente essas ditas funções, muito especialmente quando essa função é predominantemente de autoridade e de disciplina em relação aos filhos (como se acentua no citado acórdão do STJ de 3/3/1998).
Ora, não podemos esquecer que a A... tem actualmente quase 13 anos de idade, estando, por isso, a entrar na fase da adolescência mais problemática e que habitualmente mais problemas e cuidados acrescidos traz aos pais, como é sabido, especialmente nos dias de hoje, dada a complexidade e a dificuldade da vida actual, nos mais variados aspectos, como todos os pais bem sabem e sentem.
Por isso, este pai, como qualquer outro, não pode ter um qualquer espartilho ou limitação nessa sua função disciplinadora, formativa e educativa da menor, nem relativamente ao seu dever de “guardar” a filha, sem esquecer que a actual frequência escolar da A... também exige a esta um maior esforço e empenho académico, o que cumpre não só a ela cumprir mas também ao pai velar para que assim suceda (atente-se no ponto 8 supra, onde consta que a menor apresenta bom desempenho académico).
Ora, sabendo-se que aos avós não cumpre velar para que assim suceda, nem eles estão, pessoal e habitualmente, vocacionados ou preparados para exercer um poder disciplinador, formativo e de guarda dos netos, antes lhes cabendo e normalmente desempenham um “papel afectivo e lúdico, satisfazendo as necessidades emocionais dos netos” – conforme se diz no citado acórdão -, é neste contexto que cumpre apreciar a pretensão formulada pelos Recorridos e a sentença recorrida.
Isto sem esquecer, naturalmente, que é importante, muito importante, o relacionamento familiar de um jovem, o que habitualmente lhe proporciona afecto, carinho, conforto, segurança e identificação pessoal e social, com o que se desenvolve a sua personalidade e formação sócio-moral e contribui para a moldar, habitual e desejavelmente no bom sentido.
Donde o teor do citado artº 1887º-A, do C. Civ., no sentido de os pais não poderem injustificadamente privar os filhos do convívio com os irmãos e ascendentes (e porque não também com tios, primos e amigos?).
Porém, há que interpretar com cuidado este preceito, pois do mesmo não resulta nem pode resultar que este “direito de convívio” é idêntico ou tem o mesmo conteúdo dos direitos e deveres dos pais sobre os filhos, em caso de separação daqueles, como resulta dos artºs 1905º, nºs 1 e 2, 1906º, do C.Civ. e 180º da OTM.
Bem pelo contrário, do dito preceito apenas resulta que as crianças podem e devem ter e manter laços familiares, designadamente com os avós, quer haja ou não separação dos pais e independentemente da regulação do exercício do poder paternal sobre os menores, mas sem que daí advenham limitações e muito menos complicações a este exercício, que se pretende exercido de forma responsável, na sua plenitude e até preferencialmente com a colaboração e o auxílio dos avós, quando possível.
Donde resulta que aos pais de um menor é admitida a possibilidade de obstarem a esse tipo de convívio familiar caso o mesmo se revele prejudicial para a criança, mas apenas em tais casos, mas não cabendo aos avós um direito para além desse convívio, isto é, estes são alheios ao poder-dever de guarda e de educação dos netos, quando este caiba aos pais da criança.
Conforme bem se salientou nos acórdãos da Rel. do Porto de 7/01/1999 (in C. J. ano XXIV, tomo I, pg. 180) e da Rel. de Lisboa de 17/02/2004 (in C. J. ano XXIX, tomo I, pg. 117), é desejável que os menores tenham uma forte ligação com os avós, até para a boa formação afectiva e moral das crianças, pelo que, sendo necessário, deverá ser estabelecido um regime de visitas aberto, desde que assim seja desejado pelas crianças, pois o contrário será violar o seu direito ao desenvolvimento da personalidade.
Porém, como é que deve ser preenchido ou “conformado” tal direito, por forma a não afectar ou a não prejudicar o exercício do poder paternal por parte dos pais sobre os filhos, designadamente quando estes entendam que é de “limitar” esse dito convívio, por razões de segurança, de formação e de educação dos menores?
Quanto a este aspecto afigura-se-nos ser de recorrer ao Ac. da Rel. de Lisboa de 12/06/2003, in C. J. ano XXVIII, tomo III, pg. 110, sobre um caso idêntico ao presente, no qual se faz alusão à obra de Maria Clara Sottomayor “Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio”, obra que também consultámos (na sua 3ª edição), acórdão esse onde se defende que “não sendo os avós titulares do poder paternal, não lhes pode ser reconhecido direito a ter consigo uma menor (sua neta) em condições semelhantes às que seriam reconhecidas ao progenitor a quem a custódia da criança não estivesse confiada, não devendo, por isso, na fixação de um regime de visitas aos avós, ser adoptada uma configuração exagerada”.
E da referida obra da Maria Clara Sottomayor, a pgs. 102 e segs., respigamos as seguintes passagens, com relevância para a presente abordagem: “… o interesse do menor prevalece relativamente ao interesse dos avós e dos irmãos maiores, ou seja, o direito destes está condicionado ao interesse do menor e pode ser limitado ou suprimido se prejudicar ou afectar negativamente, de forma grave, o interesse do menor” – pg. 110; “em regra as situações de animosidade entre os avós e os pais da criança serão resolvidas no seio da família por cedências mútuas e é aconselhável que assim seja (princípio da auto-regulamentação da família). No entanto, a possibilidade de uma intervenção judicial tem um valor preventivo e simbólico, repondo a justiça, sobretudo nos casos extremos de conflito, em que haja uma proibição total por parte dos pais do menor ao convívio deste com os avós ou irmãos. Neste contexto, poder-se-á questionar a força jurídica e a eficácia de uma decisão judicial imposta contra a vontade dos pais, que têm a guarda do menor e o poder de o educar e controlar, podendo estes sempre, apesar da ordem judicial, ocultar o menor dos avós e dos irmãos, impedindo o convívio entre estes ” – pg. 110/111; “os pais têm o dever, e não meramente uma obrigação moral, de respeitar o menor como pessoa, o que engloba o respeito pelas suas relações afectivas e pelo seu direito de conhecer ambos os lados da família” – pg. 116; “… o princípio da subsidariedade da intervenção do Estado na família exige que a possibilidade de impor judicialmente um direito de visita contra a vontade dos pais só deve concretizar-se em casos extremos e não pode ser generalizada a outros aspectos ou conflitos entre o menor e os pais… A norma do artº 1887º-A… apresenta, sobretudo, um efeito preventivo, no sentido de inibir os pais de se oporem à relação dos filhos com os avós e com os irmãos. Consequentemente, julgamos que esta necessidade de intervenção do Estado nas decisões dos pais só existirá em situações limite e raras, em relação às quais o facto de o tribunal resolver o conflito num determinado sentido funcionará como um factor pacificador” – pg. 117.
No mesmo sentido pode ver-se o Ac. desta Relação de 30/10/2007, proferido na Apelação nº 4-D/1997.C1, relatado pelo Senhor Desembargador Teles Pereira (disponível no site desta Relação), onde este cita jurisprudência do Supremo Tribunal Norte Americano, a propósito de um caso idêntico ao presente (direito de visita dos avós maternos a um neta confiada ao pai e na sequência da morte da mãe), segundo a qual “assiste aos pais, e só a eles, um direito constitucional fundamental de limitar visitas aos seus filhos menores, com terceiras pessoas, incluindo os avós destes”.
Cumpre, face às considerações de carácter geral expostas, passar ao caso concreto.
E o que nele verificamos é que a A... nasceu em 26/05/1995, pelo que está prestes a completar 13 anos de vida, terá vivido com os pais até por volta dos seus 5 anos de idade, altura em estes se separaram, tendo então ficado a viver na companhia da mãe, mas sob o poder paternal de ambos os pais e com largos períodos de vivência junto do pai – pontos 3 , 7 e 12 supra.
Com o falecimento da mãe, ocorrido em 13/07/2006, foi a menor confiada ao pai, com quem passou a viver em casa deste, onde também vive a actual companheira do pai, com quem a menor tem uma relação afectiva, onde a A... tem um quarto próprio – pontos 3, 4, 5 e 7.
A menor sempre teve uma relação afectiva significativa com a família materna, designadamente com os avós e tios, que sempre ajudaram a cuidar da A..., pernoitando esta em casa dos avós frequentemente – pontos 10, 13 e 14 supra -, o que deixou de ocorrer desde o óbito da mãe, por falta de consentimento do pai da menor – facto 15.
Mas a menor, porém, continuou a almoçar regularmente com os avós maternos, pelo menos duas vezes por semana – pontos 16 e 26 -, passando até as tardes das 4ªs feiras com o avô, quando não tem aulas.
Com os avós paternos a menor costuma almoçar aos sábados – facto supra nº 24.
Para lá disso a A... ainda tem passado alguns períodos de férias com esses avós, designadamente em duas viagens que fizeram juntos aos Açores e ao Douro, com o consentimento do pai da menor – pontos 28 e 29.
Cabe perguntar, face ao exposto, se ocorrem ou não razões de queixa dos Requerentes que possam justificar a presente acção.
E respondendo, afigura-se-nos que assim não sucede, pois nunca a A... foi privada ou impedida, pelo pai, de manter um convívio regular (e possível) com esses avós, afigurando-se-nos que estes, pelo muito “querer” que dispensam à neta (o que se compreende, respeita e aceita, tanto mais que perderam uma filha – a mãe da menor - em circunstâncias que é de lamentar e de forte dor para eles), estarão possivelmente a exagerar no seu propósito de quererem ter a neta com eles, o que até pode ser prejudicial para todos, especialmente para a menor, dado que esse “exagero” pode levar o pai da menor a não ter controlo na guarda, formação, vigília e educação da filha, o que cumpre evitar, muito especialmente nesta fase da adolescência, como já tentámos antes alertar.
Por isso, afigura-se que é de chamar a atenção aos Requerentes/Recorridos para o superior interesse da menor, e até deles próprios, no sentido de lhes fazer compreender e de aceitarem que urge impor disciplina e regras de conduta, além de métodos e obrigações de trabalho (estudo) à menor, para bem do futuro de todos, o que só o pai pode e deve fazer, pelo que a eles, avós, cumprirá até ajudá-lo nesse propósito e não dificultar-lhe tais tarefas, já de si pesadas e de grande preocupação, o que decerto compreendem e para o que não podem deixar de contribuir, como sempre fizeram e decerto vão querer fazer.
Mas chegou a hora de dar menos afectividade e mimos à neta e de tomar-se mais responsabilidade e empenho na sua educação e guarda, o que cumpre apenas ao pai acautelar.
Por isso, afigura-se-nos exagerada a “conformação” dada em 1ª instância à forma de convívio futuro a ser observada entre os Requerentes e a neta, até porque, na verdade, não ficou provado que tenha alguma vez existido qualquer privação de convívio entre os Requerentes e a A..., sua neta, como bem demonstrado está.
Donde ter razão o Recorrente com a interposição do presente recurso.
Assim sendo e dadas as especiais circunstâncias deste caso (e cada caso é especial em si mesmo), e porque com a propositura desta acção não pode deixar de ter sido criada alguma conflitualidade entre as partes, o que também está espelhado nos autos, importa reconfigurar o apontado direito dos Requerentes, com respeito pelo superior interesse da neta, por forma a não mais se suscitarem conflitos entre as partes sobre o modo como possa e deva ser exercido esse dito convívio, com vantagens para todos, sendo certo, no entanto, que a todos cumpre respeitar e zelar por tal convivência e pelo bom relacionamento entre todos, no interesse da criança e só dela, sem egoísmos nem exageros de parte a parte, mas sempre respeitando o poder-dever do pai da menor em relação à guarda, formação e educação da filha, para o que se apela aos Requerentes que contribuam nesse sentido e para o bem estar e desenvolvimento harmonioso, seguro e responsável da neta.
Nesse sentido entendemos que o facto de a menor ir almoçar, habitualmente, duas vezes por semana com os avós maternos, e uma vez por semana com os avós paternos (ao sábado), é mais do que suficiente para manter os laços de convívio desejáveis e existentes entre todos, até porque vivendo a menor em Leiria, onde tem escola, e residindo os avós maternos fora da cidade, além de que a avó materna trabalha todos os dias da semana – factos 21 e 22 -, seria muito difícil que houvesse maior número de “visitas” da neta aos avós, até porque não podemos esquecer que a menor tem de ter tempo para estudar e para se ocupar das actividades extracurriculares que tem, das quais uma parece ser o escutismo e a outra a catequese – ponto 24.
Não vemos qualquer vantagem em que a menor passe mais tempo semanal com os avós, já que a avó está a trabalhar e não nos parece que possa ser o avô (reformado) a tomar habitualmente conta da neta para lá da hora de almoço nos dias de visita da neta, a não ser que o pai da menor tenha entendimento contrário.
Quanto aos sábados, e tal como tem sempre sucedido, é de manter o hábito de a A... almoçar com os avós paternos, a não ser que razões de ordem séria assim o desaconselhem, designadamente por a menor ter de estudar, o que só ao pai cumpre decidir, sábado a sábado.
Aos domingos, dado que o pai da menor é bancário e, por isso, pode apenas estar com a filha ao fim dos dias da semana, afigura-se que tem ele todo o direito e dever de manter a filha na sua companhia, até para ser criado um verdadeiro espírito familiar no seu lar, sem prejuízo de que possa (e deva) deixar ir a A..., quando assim o entenda e apenas nesses casos, almoçar aos domingos com os avós maternos, nos tais almoços de família promovidos por estes – ponto 13 -, onde se afigura que a presença do pai, uma vez por outra, também não seria de desaconselhar, desde que desejada por todos.
Quanto aos chamados períodos de férias, também aqui cumprirá sempre ao pai da menor e só a ele, decidir sobre se e quando a filha deva estar com os avós, desde que estes também assim o desejem e possam ter a A... com eles, sem prejuízo de ser acautelado o dever de guarda e de segurança da menor, o que apenas entre todos deverá ser assumido e decidido, como sempre aconteceu, com respeito pelo poder-dever de exercício do poder paternal.
Nada mais se afigura ser de regular no presente caso, dado o modo correcto como o Recorrente sempre tratou este relacionamento entre filha e avós maternos, sem causar sérios impedimentos a esse convívio, e dada a actual idade da A..., cuja vontade cada dia que passa a dita vai afirmando e mudando (estarão a esquecer-se dos amigos e da influência destes no comportamento da A...?), pelo que seria mero exercício de propósitos ir além do supra entendido.
Além de que também não se possa esquecer que existem avós paternos, cujo direito ao convívio com a neta é igual ao direito dos Recorridos.

Concluindo, afigura-se dever proceder o presente recurso e face às considerações supra expostas entende-se dever ser alterada a sentença recorrida, por forma a configurar o reclamado “direito de visita” atribuído aos avós maternos da A..., aqui Requerentes, pela seguinte forma:
1 – É de manter o hábito da menor ir almoçar duas vezes por semana com os avós maternos, e uma vez por semana com os avós paternos (ao sábado), salvo razões ponderosas em contrário.
2 - Não se vislumbra qualquer vantagem em que a menor passe mais tempo semanal com os avós, salvo consentimento do pai.
3 - Aos domingos, dado que o pai da menor é bancário e, por isso, pode apenas estar com a filha ao fim dos dias da semana, afigura-se que tem ele todo o direito e dever de manter a filha na sua companhia, até para ser criado um verdadeiro espírito familiar no seu lar, sem prejuízo de que possa (e deva) deixar ir a A..., quando assim o entenda e apenas nesses casos, almoçar com os avós maternos, nos almoços de família promovidos por estes.
4 - Quanto aos chamados períodos de férias cumprirá sempre ao pai da menor e só a ele decidir sobre se e quando a filha deva estar com os avós.
VIII
Decisão:
Face ao exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente o presente recurso e face às considerações supra expostas altera-se a sentença recorrida, por forma a configurar o reclamado “direito de visita” atribuído aos avós maternos da A..., aqui Requerentes, pela seguinte forma:
1 – É de manter o hábito da menor ir almoçar duas vezes por semana com os avós maternos – às 4ªs e 5ªs feiras -, e uma vez por semana com os avós paternos (ao sábado), salvo razões ponderosas em contrário.
2 - Não se vislumbra qualquer vantagem em que a menor passe mais tempo semanal com os avós, salvo consentimento do pai.
3 - Aos domingos, dado que o pai da menor é bancário e, por isso, pode apenas estar com a filha ao fim dos dias da semana, afigura-se que tem ele todo o direito e dever de manter a filha na sua companhia, até para ser criado um verdadeiro espírito familiar no seu lar, sem prejuízo de que possa (e deva) deixar ir a A..., quando assim o entenda e apenas nesses casos, almoçar com os avós maternos, nos almoços de família promovidos por estes.
4 - Quanto aos chamados períodos de férias cumprirá sempre ao pai da menor e só a ele decidir sobre se e quando a filha deva estar com os avós.
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Custas pelo Apelante e pelos Apelados em partes iguais.
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Tribunal da Relação de Coimbra, em / /