Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4/02.9IDMGR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL
INDEMNIZAÇÃO CIVIL
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 02/08/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA MARINHA GRANDE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 71º, 72º, 377º CPP, 129º CP, 483º E 498º CC, ART.º 63º N.º 2 DA LEI 14/2000 DE 8/8 E 49º, Nº 1 DA LEI Nº 32/2002, DE 20 DE DEZEMBRO
Sumário: 1.- Assentando o pedido de indemnização cível conexo com a ação penal, formulado pelo Instituto da Segurança Social, na responsabilidade civil extracontratual do arguido pela prática de um crime - abuso de confiança contra a segurança social, a obrigação de indemnizar pelos danos causados baseia-se no artº 483.º do Código Civil, sendo o prazo de prescrição a aplicar quer aos juros quer à própria indemnização, incluindo a suspensão e interrupção, os da lei civil geral e não os especiais daquela obrigação;

2.- O que releva não é a prescrição da prestação tributária mas sim o prazo de prescrição do direito à indemnização. E este prazo, segundo o disposto no artigo 498º, n.º 3, do C. Civil, é o prazo de prescrição do ilícito criminal, se este for mais longo.

Decisão Texto Integral: 1. No processo nº 4/02.9IDMGR do Tribunal Judicial da Marinha Grande em que, entre outros, são arguidos,

       A... e

       W..., Ldª, melhor ids. nos autos,

       Sendo-lhes imputada a co-autoria de um crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada e de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social na forma continuada

2. Procedeu-se a julgamento e a final foi decidido:

2.1. Condenar a arguida W..., Ldª, nas seguintes penas:

- pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada pp. pelo artigo 105º, n.º 1 e 15º, nº 1, do RGIT, na pena de 360 dias de multa à taxa diária de 7,00 euros.

- pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social na forma continuada pp. pelo artigo 105º, n.º 1 do RGIT, ex vi do artigo 107º, nº 1 e 15º, nº 1, do RGIT, na pena de 480 dias de multa à taxa diária de 7,00 euros.

Em cúmulo, na pena única de 700 dias de multa à taxa diária de 7,00 euros.

2.2. Condenar o arguido A... nas seguintes penas:

- pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada pp. pelo artigo 105º, n.º 1 do RGIT, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros.

- pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social na forma continuada pp. pelo artigo 105º, n.º 1 do RGIT, ex vi do artigo 107º, nº 1 do RGIT, na pena de 240 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros.

Em cúmulo, na pena única de 350 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros.

2.3. Condenar os demandados W..., Ldª. e A..., solidariamente, a pagar ao Instituto de Segurança Social, I.P., as quantias referidas no quadro inserto no ponto 10 dos factos provados, as quais totalizam € 68.862,85, bem como os juros de mora vencidos e vincendos à taxa prevista pela aplicação conjugada dos artigos 805º, nº 2, al. a) e 806º, nº 1, do Código Civil, 5º, nº 3, do DL nº 103/80, de 9 de Maio, 16º, nºs 1 e 2 do DL nº 411/91 de 17 de Outubro e 10º, nº 2, do DL nº 199/99, de 8 de Junho, até efectivo e integral pagamento.

3. Da sentença recorre o arguido A..., que formula as seguintes conclusões:

2.1. Se o fisco e a I.S.S têm um título devem proceder à execução com base nele.

2.2. É o que reza o artigo 199º do CPC em conjugação com o artigo 45º do mesmo diploma.

2.3. A lei tem em vista evitar reproduzir ou contradizer uma decisão anterior de conformidade com o nº 2 do artigo 497º, do CPC.

2.4. Razões pelas quais o pedido civil formulado nos autos deveria ter sido indeferido ou julgado improcedente ou por erro na forma do processo ou por não ser o tribunal comum o competente (art. 142º, nº 2, al. a) e b) do CPP e 237º, do CPTributário).

2.5. Por sua vez a condenação na quantia de juros não levou em conta a prescrição, de conformidade com a al. d) do artigo 310º do C. Civil.

2.6. Mas, a ter de haver condenação, ela não devia abranger exclusivamente o recorrente.

2.7. Foram violados os artigos supra referidos e outros que V. Exas suprirão, nomadamente os artigos 203º e ss, do Código de Processo Tributário.

4. Respondeu o Ministério Público, dizendo em síntese que:

4.1. O acórdão proferido não violou qualquer disposição legal nem as referidas nem as outras não especificadas.

4.2. O presente recurso deve ser rejeitado mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.

5. O demandante Instituto de Segurança Social, I.P. não respondeu.

6. Nesta instância, a Exma Sr.ª. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que o recurso deve ser rejeitado por manifestamente improcedente

7. Foram colhidos os vistos e teve lugar a conferência.


……….



III

Questões a apreciar:

1. A não exigência ou ilegalidade do pedido de indemnização civil contra o recorrente neste processo-crime.

2. A prescrição dos juros.


IV


Apreciando:

 

1ª Questão.

1. Embora sob outra forma, questiona o recorrente a formulação do pedido de indemnização civil pelo Instituto de Segurança social e a sua condenação no mesmo, neste processo.

A questão da legalidade do pedido de indemnização civil pelo não pagamento ou entrega das contribuições devidas à Segurança Social ou o I.V.A. ao Estado, no processo-crime, tem sido objecto de apreciação pela jurisprudência em vários acórdãos.

No processo de recurso nº 5397/07.1, do Tribunal da Relação do Porto, de que somos relator, embora sob forma indirecta[1], foi por nós decidido a possibilidade e legalidade da dedução do pedido de indemnização civil no processo-crime, pelo não pagamento ao Estado, de determinada quantia a título de imposto de IVA.

Aí dissemos, a dado momento:

“…dispõe o artigo 71º, do Código de Processo Penal, que o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal, nos casos previstos na lei.

Aqui se consagra expressamente o princípio da adesão. Pelo que, mesmo no caso de absolvição pelo crime, pode haver condenação na indemnização civil, sempre que o pedido se revelar fundado - artigo 377º, do Código de Processo Penal -, sendo assim, por claras razões de economia processual[2].

… numa situação dita de normal, o pedido de indemnização civil só poderá ser deduzido em separado, nas situações descritas no artigo 72º, do Código de Processo Penal….

Por imposição do princípio da adesão e em obediência ao mesmo, se for instaurada acção de indemnização civil fora das situações do artigo 72º, nº 1, do Código de Processo Penal, a acção não pode prosseguir por falta de um requisito de validade que se reflecte na competência do tribunal. Este deverá ser considerado materialmente incompetente e o réu absolvido da instância na acção cível - artigo 288º, nº 1, alínea a), do CPCivil[3].

Por aqui se pode desde já concluir que, a haver uma absolvição da instância por existirem dois pedidos quanto à mesma indemnização civil, a mesma deveria ocorrer no processo civil - de falência -, que não neste processo-crime.

E seria assim porque, de acordo com as regras processuais próprias, a situação tem um tratamento não de litispendência, mas de inexistência ou falta do dito requisito de validade para o tribunal civil apreciar o pedido fora dos casos do artigo 72º, nº 1, do Código de Processo Penal.

… não se diga que, com o reconhecimento dos créditos a favor do Estado em dois processos diferentes, acarreta prejuízo para a arguida, pois que esse prejuízo só se efectivará com o pagamento em duplicado. E, desde que pague uma vez, a arguida poderá então requerer, nessa altura, a extinção da dívida, pelo pagamento. E se por mero absurdo pagasse duas vezes, sempre poderia alegar o enriquecimento sem causa por parte do Estado.

Somos levados a concluir, pois, que a arguida foi indevidamente absolvida da instância”.

            Também no ac. Relação do Porto de 28.2.2007, proferido no processo nº 0615916, consultável em C, subscrito por nós enquanto juiz adjunto, se decidiu:

            “ Ora, o pedido civil que foi deduzido e conhecido neste processo não respeita a qualquer daqueles actos tributários relativos à liquidação ou à execução de impostos, mas à obrigação de indemnizar por danos causados, baseada na responsabilidade civil por facto ilícito e culposo, a que alude o art. 483º, nº 1, do Código Civil.
            Tal pedido de indemnização cível cabe no âmbito do princípio definido no art. 71º do Código de Processo Penal e, desse modo, teria que ser deduzido obrigatoriamente no processo penal.                                  Sendo da competência dos tribunais judiciais conhecer desse pedido, conjuntamente e em simultâneo com a conexa acção penal”.

            Igualmente no ac. da Relação do Porto de 24.10. 2007, proferido no processo nº 0713235, consultável em www.dgsi.pt.jtrp, e também por nós subscrito, se decidiu:

            “ Como decorre do disposto no art. 71.º do Código de Processo Penal, só o pedido de indemnização civil “fundado na prática de um crime” é deduzido no processo penal respectivo. O que quer dizer que qualquer outro pedido cível que não tenha por fundamento a indemnização por danos resultantes da prática de um crime não pode ser deduzido em processo penal (ac. do STJ de 06-11-96, em CJ-STJ/1996/III/185). É também neste sentido restrito que se baseia a fundamentação do Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/99, publicado no Diário da República n.º 179, Série I-A, de 03-08-99.
            O que leva a concluir que o processo penal é inidóneo para conhecer de pedido civil que não tenha por fundamento o facto ilícito integrador do crime que é objecto do processo penal. Como acontece quanto à indemnização baseada na responsabilidade civil de natureza contratual ou numa obrigação legal de contribuir para a segurança social ou de pagar impostos.
            Sucede que a causa de pedir invocada no pedido civil deduzido pelo assistente não é a obrigação legal que impendia sobre os arguidos de descontar nas remunerações dos trabalhadores da sociedade arguida as suas contribuições obrigatórias para a segurança social e de as entregar à respectiva entidade, bem como a percentagem que por lei cabe à entidade patronal,
mas antes o facto ilícito de que os arguidos estão acusados em co-autoria e que constitui o crime de abuso de confiança previsto e punido no n.º 1 do art. 107.º do RGIT.
            E é por ser esta a causa de pedir que o pedido civil é admissível e o assistente tem legitimidade processual e interesse em agir…
            Com efeito, o despacho recorrido parte do pressuposto de que o recorrente, para exigir o pagamento das prestações contributivas em dívida à segurança social, não necessita de recorrer a qualquer acção de natureza declarativa, neste caso, conexa com a acção penal, visto que dispõe de condições, designadamente título executivo válido, que lhe permitem instaurar de imediato a respectiva acção executiva para o pagamento coercivo dessa dívida. O que é certo. Mas, neste caso, como também refere o despacho recorrido, a responsabilidade civil do gerente, o arguido C………., é meramente subsidiária, de harmonia com o disposto nos arts. 22.º a 24.º da Lei Geral Tributária, aprovada pela Lei n.º 15/2001, de 5-06, que prescrevem o princípio da responsabilidade subsidiária dos membros dos corpos sociais da pessoas colectivas pelas dívidas tributárias; enquanto que na responsabilidade civil por facto ilícito o mesmo arguido, como co-autor, responde solidariamente com a sociedade arguida pelo pagamento da indemnização por danos causados à segurança social, nos termos do art. 497.º do Código Civil. O que faz toda a diferença em termos de garantias de exequibilidade patrimonial por parte da segurança social.
            Ora, o que está em causa no pedido civil deduzido pelo assistente é, não directamente o incumprimento da obrigação legal de entregar as prestações devidas à segurança social, mas antes a responsabilidade civil emergente da prática do crime de abuso de confiança em relação à segurança social que a acusação imputa em co-autoria aos arguidos. E esta determina-se e resolve-se segundo as regras do Código Civil, para que remete o art. 129.º do Código Penal e para que também remete o art. 3.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, dispondo que, quanto à responsabilidade civil, aplicam-se subsidiariamente as disposições do Código Civil e legislação complementar.
            …

            A circunstância de o assistente já dispor de título executivo para poder exigir coercivamente o pagamento das prestações em falta e respectivos juros de mora em nada colide com a dedução deste pedido civil nem pode obstar à admissibilidade deste pedido. Como também decidiu o acórdão da Relação de Coimbra de 13-06-2007 (em www.dgsi.pt/jtrc.nsf/ proc. n.º 11773/04.1TDLSB.C1): “A existência de título executivo, ou título de igual valor, não impede que se demandem os arguidos no enxerto cível deduzido em processo penal, embora releve para efeitos de responsabilização pelas custas”. É que, como já ficou demonstrado supra, o título executivo de que o assistente dispõe não lhe garante os mesmos direitos de exequibilidade relativamente ao gerente, o arguido C………., através dos quais a sua responsabilidade é meramente subsidiária, isto é, só pode fazer reverter a execução contra este depois de excutido o património da sociedade. Enquanto que, obtendo uma sentença condenatória que o responsabilize solidariamente pelo pagamento das mesmas prestações, o assistente pode accioná-lo imediatamente e a título principal e executar desde logo o seu património individual, sem qualquer moratória.

            A única consequência é que o assistente não poderá servir-se ao mesmo tempo dos dois títulos executivos para cobrar a mesma quantia. Cobrando-a através de um dos títulos, o outro fica inutilizado.
            Contextualizado o pedido civil nos termos referidos, resulta evidenciado que o assistente tem, objectivamente, interesse legítimo em que seja apreciado e decidido o seu pedido civil deduzido neste processo penal, e, portanto, tem interesse em agir…”
[4].

            Estes são fundamentos por nós partilhados que explicitam as razões por que o pedido de indemnização civil formulado neste processo-crime é legalmente admissível e, consequentemente, foi correctamente deduzido e apreciado.

            Também com data de 25.1.2012, foi proferido/publicado acórdão sobre esta matéria, nesta 4ª secção deste Tribunal da Relação de Coimbra, no proc. nº 74/07.3TAMIR.C1, sumariado nos seguintes termos:

            1.- A competência do tribunal criminal para conhecer do pedido cível conexo com a acção penal decorre da responsabilidade civil extracontratual do agente que cometa o facto ilícito e culposo.

            2.- Tal pedido de indemnização deduzido pelo Instituto da Segurança Social com base nas condutas praticadas pelos arguidos integradoras do crime de abuso de confiança contra a segurança social, assenta na responsabilidade criminal emergente do incumprimento da obrigação legal tributária que sobre eles recaía — artºs 6º e 7º do Regime Geral das Infracções Tributárias.

            3.- O arguido é assim demandado a título principal, tendo por base a autoria de um crime de que emerge uma conexa responsabilidade civil delitual, sendo o pedido baseado na obrigação de indemnizar pelos danos causados pela prática de facto ilícito e culposo, de acordo com o artº 483.º do Código Civil.

            2. Sobre a questão da indemnização afirma ainda o recorrente que, a ter de haver condenação, ela não deveria abranger exclusivamente aquele.

            Não tem razão, pelo seguinte:

            Desde logo, o recorrente não foi o único que foi condenado nesta indemnização. A parte dispositiva do acórdão é clara sobre esta condenação em que foram condenados solidariamente o arguido recorrente e a arguida W....

            Com certeza que o arguido queria referir-se ao facto de os outros gerentes não o terem sido (condenados).

            Mas se se atentar no decidido quanto aos fundamentos para justificar e aceitar quer a dedução do pedido de indemnização quer a respectiva condenação neste processo-crime, compreende-se de imediato por que não foram os outros gerentes e arguidos também condenados: é que tais arguidos foram absolvidos do crime, o que significa que, quanto a eles, inexiste ou não se apurou qualquer responsabilidade pela prática de acto ilícito, no qual se fundamenta a apreciação do presente pedido de indemnização. Ou seja, não se está no âmbito da responsabilidade contratual – para justificar também a eventual condenação dos outros gerentes - mas sim no âmbito da responsabilidade civil por facto ilícito e culposo a que alude o art. 483º, nº 1, do Código Civil.

            E apenas o recorrente e a arguida W... Ldª., foram condenados pela prática do crime, logo de facto ilícito susceptível de gerar indemnização.

            2ª Questão: a prescrição dos juros.

            1. Diz o recorrente que a condenação nos juros não levou em conta a prescrição.

            Duas notas desde já se impõem:

            1ª : Nos termos do artigo 303º do Código Civil, o tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição, necessitando esta, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente por aquele a quem aproveita.

            Não tendo o recorrente suscitado a prescrição dos juros antes, está justificado por que razão o tribunal a quo não apreciou tal matéria.

2ª: A regra do supra mencionado art. 303º vale tanto para os juros como para a dívida principal, no caso a indemnização. Para se apreciar e concluir por eventual prescrição, deveria tal questão ter sido suscitada, o que não aconteceu.

Daí o limitar-se o actual conhecimento apenas aos juros, embora a questão tenha e mereça o mesmo tratamento, como se verá.

2. Antes de chegarmos aos prazos de prescrição e seu eventual decurso, cumpre apreciar a natureza da dívida e respectivos juros, para definir então os prazos aplicáveis.

            Queremos com isto dizer que, tendo a indemnização que foi fixada como causa de pedir a prática de um facto ilícito geradora da mesma ao abrigo do artigo 483º do Código Civil - não tendo pois por base a mera obrigação do pagamento/entrega das cotizações à Segurança Social -, o prazo de prescrição a aplicar quer aos juros quer à própria indemnização, são os da lei civil geral e não os especiais daquela obrigação, nomeadamente o disposto no artigo 14º do Decreto-lei nº 103/80 de 9 de Maio, - dispondo que as contribuições e juros devidos prescrevem no prazo de 10 anos -, bem como o disposto no artigo 49º, nº 1 da Lei nº 32/2002, de 20 de Dezembro – Lei de Bases da Segurança social - que veio determinar que as contribuições para a Segurança Social prescrevem no prazo de 5 anos – o que já acontecia (prescrição ao fim de 5 anos) ao abrigo do artigo 63º, nº2, da Lei nº 17/2000, de 8 de Agosto.

3. Nos termos do art. 129º do C. Penal, a indemnização por perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.

Por sua vez, a questão da prescrição dos juros colocada pelo recorrente tem de ser vista quanto ao direito à indemnização e juros e não quanto à obrigação tributária devida à Segurança Social.
            A fonte da obrigação quando ocorra um crime e o mesmo cause danos, não é a lei delimitadora da obrigação de entregar as quantias certas à Segurança Social mas sim a responsabilidade civil.
            Pelo que a natureza jurídica da obrigação sofre idêntica mudança, pois não se está a averiguar se existe uma dívida de Contribuições à Segurança Social, mas sim a averiguar a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil definidos no art. 483º do C. Civil.

            Neste contexto, o que releva não é a prescrição da prestação tributária mas sim o prazo de prescrição do direito à indemnização. E este prazo, segundo o disposto no artigo 498º, n.º 3, do C. Civil, é o prazo de prescrição do ilícito criminal, se este for mais longo: se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável. Como o direito à indemnização por factos ilícitos prescreve no prazo de três anos (art. 498º, 1 do C. Civil) e o prazo de prescrição do crime é de cinco anos, é este o prazo aplicável.

            De onde se conclui que o prazo de prescrição do direito à indemnização cível pelos danos decorrentes da prática do ilícito penal é de cinco anos.

            E tal prazo está sujeito às regras previstas na lei civil sobre a contagem, interrupção e suspensão do prazo da prescrição - art. 129º do C. Penal.
            Ao abrigo do artigo 306º, 1 do C. Civil, o prazo de prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido. E Interrompe-se com a citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima a intenção de exercer o direito - artigo. 323º, 1 do C. Civil -, começando a correr novo prazo a partir do trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo - artigo 327º, 1, do C. Civil.
            O art. 77º do C. Proc. Penal regula o exercício do direito à indemnização, estabelecendo os prazos em que o mesmo pode/deve ser exercido. Assim, antes da notificação do lesado para deduzir o pedido cível, o direito à indemnização não poderá ser exercido. Pelo que só a partir dessa notificação começa a correr o prazo de prescrição do pedido de indemnização civil.


            Segundo os elementos que resultam dos autos, foi o lesado ou demandante “ISS, IP”, notificado do teor da acusação – momento a partir do qual pode ser deduzido o pedido de indemnização civil – por carta de 14.1.2005 – v. fls. 55.

O pedido de indemnização foi formulado e deu entrada em 31. 1. 2005 – v. fls. 70 a 77.

Por sua vez, este pedido foi notificado ao ilustre mandatário do arguido, ora recorrente, por carta de 6.10.2005, assim dando cumprimento ao disposto no artigo 78º, do CPP – v. fls. 173.

O que significa que, tendo o prazo da prescrição começado a correr após a notificação por carta de 14.1.2005[5], logo foi interrompido com a notificação efectuada por carta de 6.10.2005, da dedução do respectivo pedido.

Esta situação mantém-se até hoje, pois a decisão então já proferida ainda não transitou em julgado e, consequentemente não pôs termo ao processo.

            Ora, apesar da prescrição dos juros poder ocorrer sem que ocorra a prescrição da obrigação principal, dada a sua autonomia – v. arts. 561º, 310º, 1, d) e 307º do C. Civil -, o tratamento da questão da prescrição dos juros de mora devidos a título de indemnização civil não é diferente da questão da indemnização principal.


            Se não tivesse havido crime, as dívidas à Segurança Social e os respectivos juros de mora vencidos há mais de cinco anos, estariam prescritos. Podendo o recorrente no local próprio invocar a prescrição quer da obrigação tributária quer dos juros de mora.
            Acontece que no presente caso existiu a prática de um crime.
            Tendo havido a prática de um ilícito criminal, cujo facto também é simultaneamente gerador de dano, constitui-se uma nova obrigação, com uma fonte autónoma (responsabilidade civil).
            Havendo um facto ilícito gerador de danos, o agente suportará todos os danos sofridos com o incumprimento, porque a fonte da obrigação é a responsabilidade civil por factos ilícitos. É o regime regra, previsto nos artigos 563º e 566º do C. Civil.

            Pelo que as regras sobre a prescrição, incluindo a suspensão e interrupção, são as regras do C. Civil - art. 129º do C. Penal - e não as regras sobre a liquidação e cobrança das Contribuições para a Segurança Social.

            E segundo estas, não decorreu o prazo de prescrição da indemnização quer a devida a título principal quer a devida a título de juros de mora.

Neste sentido v. entre outros, os acs. do TRC de 21.4.2010 proferido no proc. nº 930/04.0TaCBR.C1 e do TRP de 23.2.2011, proferido no proc. nº 690/06TAMCN.P1, ambos consultáveis na base de dados do ITIJ.


V

DECISÃO

Por todo o exposto, decide-se negar provimento ao recurso confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a cargo do recorrente com a taxa de justiça que se fixa em 5 (cinco) Ucs.

Luís Teixeira (Relator)

Calvário Antunes


[1] Pois a questão nuclear consistia em apreciar se, tendo sido já reclamados em processo de falência os créditos do Estado contra a sociedade arguida, se o mesmo Estado podia deduzir no processo-crime pedido civil por aqueles mesmos impostos devidos.

[2] V. Germano Marques da Silva, ob. cit., vol. I, fls. 128.
[3] Neste sentido se pronuncia Germano Marques da Silva in ob. Cit, vol. I, fls. 131 e 132.

[4] Também em ac. do TRP de 23.2.2011, proferido no proc. nº 690/06.0TAMCN.P1, consultável na base de dados do ITIJ, se decidiu a este propósito:

“No pedido civil deduzido em processo penal, atinente à prática de um crime de Abuso de confiança contra a segurança social [artigo 107.º, do RGIT], a fonte da obrigação é a responsabilidade civil decorrente da prática de um crime e não a lei que define a obrigação de entregar certas quantias à Segurança Social”.

[5] Sendo certo que a notificação se considera feita no terceiro dia útil após tal remessa.