Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
157/08.2GAMIR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: CRIME DE DANO
INDÍCIOS
DESPACHO PRONÚNCIA
Data do Acordão: 03/17/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE MIRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 31º, 212º CP, 308º CP, 204º, 3 CC
Sumário: 1. Indícios, no sentido da expressão contida no artigo 308º do CPP, são vestígios, presunções, suspeitas, sinais, indicações, suficientes e bastantes para convencer de que há crime e que o responsável pela sua prática é o arguido.
2. Não é necessário para a pronúncia uma certeza da existência da infracção, juízo que se guarda como imprescindível para a convicção do juiz do julgamento
3. Basta-se a lei e a doutrina dominante com um grau de suficiência e quantidade de indícios, de forma a que, todos relacionados e conjugados entre si, constituam um todo persuasivo de culpabilidade do arguido, impondo um juízo de probabilidade do que lhe é criminalmente imputado.
4. Na fase preliminar que é a instrução, não se pretende uma espécie de "julgamento antecipado" nem um juízo de certeza moral e de verdade que são pressupostos da condenação, mas tão só a verificação de existência de indícios de que determinado crime se verificou e que existe uma probabilidade séria, aferida pela positiva e objectivamente, de que o mesmo foi praticado por um ou mais arguidos, e assim se apreciando a decisão do Ministério Público ou do Assistente de acusar.
5. No crime de dano tutela-se, a propriedade plena sobre a coisa alheia danificada, o que abrange a tutela dos direitos de gozo, fruição e guarda.
Não é possível configurar um estado intelectual de antijuridicidade e dirigido à concreção de uma conduta desvalorativa, em quem não possui a representação da natureza alheia da coisa ou da propriedade, e ao invés está convencido de que um determinado prédio é seu.
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO

            1. No processo n.º 157/08.2GAMIR, do Tribunal Judicial da Comarca de Mira, recorre a assistente A… do despacho do Mmº Juiz que decidiu NÃO PRONUNCIAR o arguido M..., datado de 28 de Julho de 2009, pela prática de um crime de dano p. e p. pelo artigo 210º do Código Penal.

Note-se que o Ministério Público, por despacho de 23/3/2009, arquivou o inquérito pela prática de tal crime, tendo a assistente requerido a abertura da fase instrutória (artigo 287º, n.º 1, alínea b) do CPP), a qual vem a culminar na prolação de um despacho de não pronúncia.

            2. A assistente, motivando o seu recurso, apresenta as seguintes CONCLUSÕES (em transcrição):

«1ª- Nos presentes autos de processo comum singular, foi ordenado o arquivamento dos autos no que concerne à prática pelo arguido M... do crime de dano p. e p. pelo artigo 212°, do Cód. Penal.

2ª- Da instrução oportunamente deduzida continuou a beneficiar o mesmo, dado o despacho de não pronúncia em recurso, em obediência ao princípio da inexistência de indícios suficientes da prática do crime em apreço, por não se tornar mais provável a sua futura condenação do que a sua absolvição em sede de julgamento.

3ª- Indícios suficientes são elementos de facto trazidos pelos meios probatórios ao processo que, livremente analisados e apreciados, criam a convicção de que a manterem-se em julgamento, terão sé rias probabilidades de conduzir a uma condenação do arguido pelos factos que lhe são imputados.

4ª- Como é sabido, em sede de inquérito exige-se tão-somente a convicção da prática do ilícito criminal; é em julgamento — com recurso ao contraditório e demais meios processuais atendíveis — em que o Juiz terá de ser mais exigente e se reclama uma certeza cimentada na sã apreciação da prova — com recurso a outros meios processuais adequados.

5ª- Ora, no caso sub judice, salvo melhor opinião em sentido contrário e que se respeita, existem indícios mais do que suficientes no processo que, livremente apreciados, criam a clara
convicção de que a manterem-se em julgamento, terão sérias probabilidades de conduzir a urna condenação do arguido pelos factos que lhe são imputados. Na realidade,

6ª- Inequívoco que o arguido efectivamente ordenou a demolição de uns anexos, muro, currais, marquises, portões em ferro, canos de rega, tanque, carro de mão, diversos legumes plantados, aves de capoeira, etc. — de onde se poderá concluir, sem esforço — tratar-se de coisa alheia.

7ª- O crime de dano p. e p. no artigo 212º, do Cód. Penal, sanciona os comportamentos de quem “(...) destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia (...)“, sendo que a palavra “alheio” pressupõe a pertença a outra pessoa.

8ª-  A qualificação de coisa alheia é determinada pelos princípios, categorias e normas da lei civil, bastando as noções acabadas de expor e todas as demais expostas nestas alegações para se perceber que o arguido incorreu na prática do crime de dano que aqui lhe é imputado, ao agir da forma como agiu sobre o muro, marquises, currais e também sobre os produtos hortícolas, aves de capoeira e demais bens móveis referidos nas queixas.

9ª- No mais, não colhe a argumentação de serem consideradas, in casu, como parte integrante quer de prédio rústico quer de prédio urbano toda a coisa móvel ligada materialmente ao prédio com carácter de permanência — artigo 204º, n° 3, do Cód. Civil.

10ª- E tão pouco a invocação do artigo 31°, do Cód. Penal de que aquela conduta não possa ser punida em termos criminais,

11ª- Manifestamente o arguido socorreu-se da acção directa, questionando-se desde logo o seguinte:

a) Onde está a necessidade do meio utilizado, sabendo-se que esta impõe uma prévia impossibilidade de recorrer aos meios coercitivos públicos?

b) E a actualidade?

c) E a superioridade do valor a salvaguardar relativamente ao interesse sacrificado?

12ª- A autodefesa mostra-se legalmente proibida pelo artigo 1° do Cód. Proc. Civil — onde se preceitua que “ninguém é lícito o recurso à força com o fim de assegurar o próprio direito, salvo nos casos e dentro dos limites declarados por lei.

13ª- Ora, tais requisitos mostram-se apertados, como decorre do artigo 336°, do Cód. Civil, a saber:

a) Fundamento real: é necessário saber que o agente seja titular de um direito, que procura realizar ou assegurar.

b) Necessidade: o recurso à força deve ser indispensável, pela impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios normais, para evitar a inutilização do direito do agente.

c) Adequação: o agente não pode exceder o estritamente necessário para evitar o prejuízo.

d) Valor relativo dos interesses em jogo: através da acção directa não pode o agente sacrificar interesses superiores aos que visa realizar ou assegurar.

14ª- Manifestamente, o arguido sabia que os bens destruídos eram alheios, tudo mandou destruir, danificar e desfigurar, não executando aquela sentença cível, nem recorrendo às forças policiais — praticando o crime de dano previsto na norma legal invocada.

15ª- Deve, assim, ser revogado o douto despacho de não pronúncia de fls que não pronunciou o arguido pela prática do crime de dano p. e p. pelo artigo 212°, do Cód. Penal e substituído por outro (Acórdão) que pronuncie o arguido e designe dia e hora para julgamento. Já que,

16ª- A douta decisão recorrida — despacho de não pronúncia sob recurso — violou entre outros, as normas plasmadas entre outros nos artigos 283°, 286°, 307º e 308°, do Cód. Proc. Penal, devendo tal decisão ser revogada e substituída por outra que pronuncie o arguido e designe dia e hora para julgamento, tudo de harmonia com o expresso nestas alegações e respectivas conclusões.

Termos em que, e sempre no mais com o douto e necessário suprimento de V. Exas se espera seja dado provimento ao recurso, com todas as consequências legais.

            3. O Ministério Público da 1ª instância RESPONDEU como consta de fls 382-388, limitando-se a reproduzir o teor da própria decisão instrutória, entendendo que ao recurso não deve ser dado provimento.

            4. O arguido RESPONDEU ao recurso (fls 402-408), adiantando, em tom de conclusões, que:

«Por todo o exposto em face da documentação junta aos autos sempre terá de se concluir que a Recorrida ordenou a limpeza de um terreno que lhe pertence, demolindo as construções (em ruínas) ali existentes que igualmente lhe pertenciam, por fazerem parte integrante do dito imóvel.
36. O que exclui a sua actuação do tipo lega) do crime de dano.

De todo o modo,

Sempre terá de se entender como demonstrado que a Recorrida actuou na fundada convicção de estar a actuar sobre coisa sua, convicção resultante de decisão judicial precedente.

Termos em que o presente recurso deve ser julgado improcedente».

5. Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto deu parecer (fls 423-425) no sentido de que o recurso não merece provimento, seguindo, no essencial, a argumentação do Ministério Público de 1ª instância.

            6. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea b), do mesmo diploma.

            II – FUNDAMENTAÇÃO

           

1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (Cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

             Assim, balizados pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso, a única questão a resolver consiste no seguinte:

1ª- Há indícios suficientes (para o submeter a julgamento) de que o arguido M... praticou o crime de dano?

            2. O despacho recorrido tem o seguinte teor:

            «1. Relatório

O Ministério Público determinou o arquivamento na parte em que a factualidade denunciada pela ofendida A… consubstanciaria, em abstracto, a prática por parte do arguido M... de um crime de dano, p. e p. pelo art.° 212°, n.º 1 do Código Penal.

 Inconformada com tal arquivamento a assistente A… requereu a abertura de instrução.

Alegou, e em síntese, que tendo o arguido ordenado a demolição de um muro e barracos velhos (marquise e curral), não obstante o terreno lhe pertencer (na tese do Ministério Público), e tendo o arguido recebido uma carta da ofendida para efectuar a demarcação dos seus prédios, mas que a carta foi levantada nos correios em data posterior à demolição, encontra-se preenchido o conceito de coisa alheia que o tipo em análise exige.

Com efeito, entende a assistente que tais construções não podem ser consideradas como parte integrante do imóvel sendo as mesmas construídas por esta e em terreno próprio, atenta a falta de demarcação entre os respectivos proprietários confinantes.

Conclui, alegando que a tese do Ministério Público igualmente não colhe quando refere que o arguido terá agido no exercício de um direito de propriedade, ao abrigo de uma eventual acção directa, na medida em que não estão reunidos os respectivos pressupostos, mormente, necessidade e adequação, pelo que deverá, em conformidade, ser proferido despacho de pronúncia contra o arguido M..., pela prática de um crime de dano, p. e p. pelo art.° 212°, n.° 1 do CP.

Para prova do alegado requereu a inquirição do arguido P..., de três testemunhas, juntou documentos.

Declarada aberta a instrução, foi indeferida a inquirição da assistente e arguido M..., com os fundamentos previstos no despacho de fls 316 e interrogado o arguido P… e inquiridas as testemunhas arroladas.

Seguiu-se o debate instrutório com a observância do formalismo legal.

Em sede de inquérito foram constituídos e interrogados como arguidos
P…, a fls 26, e M..., a fls 68 e 144, inquirida a ofendida A…, a fls 64, 125 e 145, a testemunha F…, J…, L…, V…, a fls 126, 128 a 135.

Foi junta certidão do Proc. n.° 385/05.2 TBMIR, que correu termos neste Tribunal, a
fls 80 e seg., carta expedida pelo arguido a A…, a fls 142 e 143, e carta expedida por A… ao arguido M..., a fls
169 e 170.

II. Saneamento

O Tribunal é competente.

O Ministério Público tem legitimidade para proferir o aludido despacho de arquivamento.

O processo mostra-se isento de nulidades que o invalidem.

III. Fundamentação

A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação em ordem a submeter ou não a causa a julgamento, nos termos do art.° 286° do CPP.

O art.° 283° do CPP dispõe que só poderá ser deduzida acusação se durante o inquérito tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente, entendendo-se por indícios suficientes aqueles que impliquem uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, em julgamento, uma pena ou medida de segurança.

Nos termos do disposto no art.° 308° do CPP se, até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, o juiz, por despacho,
pronuncia o arguido pelos factos respectivos, sendo que, caso tal não se verifique, profere despacho de não pronúncia.

Os indícios suficientes são caracterizados pela nossa jurisprudência como tratando-se de um “conjunto de elementos convincentes de que o arguido praticou os factos incrimináveis que lhe são imputados”. (Neste sentido Acórdão da Relação de Coimbra, de 31 de Março de 1993, in CJ 1993, Tomo II, p. 65).

Nesta conformidade, e segundo o mesmo acórdão, “por indícios suficientes entendem-se vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes para convencer de que há crime e o arguido é responsável por ele. Porém, para a pronúncia, não é preciso uma certeza da existência da infracção, mas os factos indiciários devem ser suficientes e bastantes, por forma que, logicamente relacionados e conjugados, formem um todo persuasivo da culpabilidade do arguido, impondo um juízo de probabilidade do que lhe é imputado”.

O Acórdão da Relação do Porto de 20 de Outubro de 1993 prescreve que “...indícios, no sentido em que a expressão é utilizada no art.° 308°, do CPP, são meios de prova enquanto são causas ou consequências, morais ou materiais, recordações ou sinais, do crime... Para a pronúncia ou para a acusação, a lei não exige a prova, no sentido da certeza moral da existência do crime, bastando-se com á existência de indícios, de sinais dessa ocorrência... No juízo de quem acusa, como de quem pronuncia, deverá estar sempre presente a defesa da dignidade da pessoa humana, nomeadamente a necessidade de protecção contra intromissões abusivas na sua esfera de direitos, mormente os salvaguardados na DUDI-I e que entre nós se revestem de dignidade constitucional (art. 2.°, da DUDH e art.° 27°, da CRP)...”.

O mesmo acórdão salienta que “...quer a doutrina quer a jurisprudência vêm entendendo que aquela possibilidade razoável de condenação é uma possibilidade mais positiva do que negativa; o juiz só deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido...”, isto é, “...os indícios são suficientes quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição.” (in Colectânea de Jurisprudência, Ano XVIII, Tomo 4, pág. 259/260).

E bem assim, conforme se pode ler no Acórdão da Relação de Évora de 28 de Janeiro de 1997, “1 — Se das diligências efectuadas na instrução resultarem indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos. II — Indícios suficientes são referências factuais, sinais objectivos de suspeita, indicações de
vestígios, enfim, elementos de facto trazidos pelos meios legais probatórios ao processo, que conjugados e relacionados criam a convicção de que, a manterem-se em julgamento, terão sérias probabilidades de conduzir à condenação do arguido pelo crime que lhe é atribuído. (in BMJ 463, pág. 661).

Refere Germano Marques da Silva, “Por indiciação suficiente, entende-se a possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, em razão dos meios de prova já existentes, uma pena ou medida de segurança criminal,..“ isto é, uma probabilidade, fundada em elementos de prova que, conjugados, convençam da possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicável uma pena ou medida e segurança.” (in “Curso de Processo Penal”, II, 2 Edição, Verbo 1999, pág. 99 e 100).

No mesmo sentido refere Figueiredo Dias, ainda que no âmbito da anterior redacção do Código de Processo Penal, mas com plena actualidade, com as devidas adaptações, “.os indícios só serão suficientes, e a prova bastante, quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado ou quando esta seja mais provável que a absolvição”.

E adianta “Tem pois razão Castanheira Neves que na suficiência dos indícios está contida a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final, só que a instrução preparatória (e até contraditória) não mobiliza os mesmos elementos probatórios que estarão ao dispor do juiz na fase do julgamento, e por isso, mas só por isso, o que seria insuficiente para a sentença pode ser bastante ou suficiente para a acusação.” (in Figueiredo Dias, «Direito Processual Penal», 1.° Vol., 1974, p. 133).

Em conclusão poderemos afirmar que constitui indiciação suficiente o conjunto de elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo vingar a convicção de que este virá a ser condenado pelo crime que lhe é imputado. (Neste
sentido Acórdão da Relação do Porto de 22 de Maio de 2002, Proc.
n.° 0210509, in www.dgsi.pt).

 Após a apreciação jurisprudencial do conceito de indícios suficientes importará, ainda que sucintamente, analisar o ilícito em causa.

                                                           *

A assistente pretende a pronúncia do arguido M... pela prática do crime de dano, p. e p. pelo art. 212°, n.° 1 do CP.

O crime de dano pode ser cometido por qualquer pessoa, sendo a propriedade o bem jurídico protegido pelo mesmo e a sua utilidade em sentido amplo. (cfr. Carlos Alegre, Crimes
contra o Património,
Cadernos da Revista do Ministério Público, n°3, 1988, pág. 93).

O tipo objectivo do crime consubstancia-se na prática pelo agente dos actos descritos no tipo relativamente a uma coisa alheia, móvel ou imóvel, isto é, de uma coisa que não pertence ao agente. Tais actos podem traduzir-se em:

Destruir, significa a perda total ou parcial da utilidade da coisa, implicando o sacrifício da sua substância, traduzindo-se na forma mais drástica do cometimento deste crime.

Danificar, abrange os atentados à substância ou à integridade física da coisa que não atinjam o limiar da destruição.

Desfigurar, significa uma alteração da imagem exterior da coisa, relativamente àquela que possuía originariamente.

Tornar não utilizável, é reduzir a utilidade da coisa relativamente à função a que se destinam, por referência à corporiedade da coisa, excluindo todas as condutas que impossibilitem a utilização daquela, mas que não atinjam a sua integridade. (Cfr. Manuel da Costa Andrade, Comentário Conimbricense ao Código Penal, T. II, 1999, Coimbra Editora, p. 222).

A coisa tem ser autónoma e corpórea, no sentido de ser considerada como uma unidade, susceptível de ser objecto de relações de comércio jurídico.

Por outro lado, o carácter alheio é determinado pelos princípios, categorias e normas de direito civil.

Nestes termos, é alheia para o possuidor que a detém e frui sob qualquer título que não o direito de propriedade.

No que concerne ao tipo subjectivo, requer-se a existência de dolo (não sendo o dano negligente, criminalmente punido) para a sua incriminação, nos termos do art.° 14º  do Código Penal. “Consiste o dolo, neste crime, na consciência e vontade de destruir, danificar ou desfigurar a coisa alheia, com o fim de lesar a propriedade de outrem” (Leal Henriques e Simas
Santos, O Código Penal de 1982, vol. 4, 1987, Rei dos Livros, p. 117).

Cumpre, agora, analisar os elementos de prova coligidos na fase de inquérito e
instrução, por forma a aquilatar da existência de indícios, e se estes são suficientes, para
preencher todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal supra referido, bem como
a sua autoria pelo arguido, uma vez que só deste modo existirá uma possibilidade razoável de
lhe ser aplicada, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança, nos termos do art.°
283°, n.° 2 do CPP.

Do inquérito

Iniciaram-se os presentes autos, em parte, com a denúncia apresentada por A… por, no dia 20 de Outubro de 2008, ter acordado sobressaltada e tendo se deparado com uns indivíduos, coadjuvados por máquinas, a mando de M..., a destruir os anexos da sua residência, nomeadamente, uma casa de banho, um quarto, parte da cozinha, um telheiro e um curral com galinhas que desapareceram.

Mais acrescentou que também destruíram um muro com cerca de 80 metros, junto à Rua dos Claros, bem como um outro curral onde guardava lenha, ferramentas e víveres.

Complementarmente, a fls 125 e 140, declarou os objectos que se encontravam nas divisões supra enunciadas, bem como acrescentou que foi destruído um furo de rega e uma fossa de esgotos, causando-lhe um prejuízo de cerca de € 15.000,00.

Concluiu, declarando que o terreno onde se encontrava tudo o que foi destruído foi o que foi objecto da acção n.° 385/05.2TBMIR.

Foram tomadas declarações ao arguido M..., a fls 68 verso, que confirmou a ordem de demolição de um muro e uns barracos velhos, bem como a remoção de lixo e entulho que se encontravam na sua propriedade uma vez que o adquiriu aos herdeiros de X… .

Mais esclareceu que a propriedade do terreno foi-lhe reconhecida no Proc. n.° 385/05.2 TBMIR que correu termos neste Tribunal tendo notificado a ofendida para em determinado prazo retirar deste os seus haveres.

Complementarmente, a fls 144, esclareceu que recebeu uma carta da assistente a convidá-lo para delimitar o terreno, datada de 21/10/2008, mas que apenas levantou em data posterior à demolição.

No entanto, esclarece que não subsistem dúvidas quanto à delimitação do terreno uma vez que as construções demolidas já existiam aquando da aquisição pelas pessoas em processo de inventário e que lho venderam, sendo interessada a aqui assistente uma vez que os seus filhos também o eram.

O arguido P..., a fls 127, prestou um depoimento semelhante à ofendida na medida em que presenciou a destruição descrita pela ofendida.

As testemunhas J…, L…, V…, a fls 128 e seg. declararam que no dia e hora constante da denúncia encontravam-se a destruir uns anexos num terreno, cumprindo ordens e tendo sido contratados pela firma BT....

Mais acrescentaram que foram retirados alguns objectos dos anexos, com a ajuda de P....

A fls 142 consta a missiva do arguido M... dirigida à assistente A... mediante a qual aquele pretende ocupar o terreno que adquiriu a U… e mulher e a G… e mulher, tendo cinco dias, a contar da recepção da mesma, para retirar os seus haveres, deixando-o livre de pessoas e bens.

Tal carta foi recepcionada a 15/10/2008, cfr. fls 143.

A fls169 consta uma carta dirigida ao arguido M..., por parte de A..., datada de 17 de Outubro de 2008, formulando um convite para proceder à delimitação de ambos os prédios.

Mais consta que até essa demarcação não aceita que utilize e ocupe o que pertence à assistente.

A fls 170, resulta uma declaração do arguido a relatar que levantou a mesma no dia
27/10/2008.

Da instrução

Em sede de instrução foram tomadas novas declarações ao arguido P... que nada acrescentou ao anteriormente relatado, especificando os estragos mas desconhece os limites do terreno em questão e a que título é que pertence à assistente.

No mais foram inquiridas as testemunhas JÁ…, MD… e MS… que não presenciaram os factos objecto da presente instrução, não sendo vizinhos da assistente há mais de 10 anos e não conseguindo identificar os prédios em questão, desconhecendo as respectivas áreas, bem como a que título é que a assistente se arroga proprietária.

Foram juntos documentos a fls 288 a 310.

                                                           *

Da conjugação das considerações teóricas expostas a propósito do tipo legal do crime de crime de dano, p. e p. pelo art.° 212°, n.° 1 do CP, com a análise dos elementos probatórios carreados para os autos, entendemos ser de concluir que inexistem indícios suficientes para proferir um despacho de pronúncia contra o arguido M....

Senão vejamos.

Temos que se encontra indiciado à saciedade que os anexos, muro e curral destruídos
se encontravam na propriedade do arguido M..., na qualidade de sócio-gerente da
empresa BT..., conforme se extrai das declarações da assistente A...
e do teor da certidão de fls 79 a 121, que reconhece aquela proprietária do prédio descrito sob
o n.° 5/19850322, por sentença transitada em 2/10/2008.

Do teor da mesma certidão se extrai que nesse prédio a assistente construiu anexos à casa de habitação, com cozinha, quarto, casa-de-banho, arrumos, fossas, construção de um furo artesiano e plantação de árvores que encerra, em última análise, o teor da denúncia que apresentou.

Assim, importa aferir do tratamento a dar a uns anexos e curral inseridos num imóvel, bem como um muro, entroncando tal desiderato no alcance do significado de coisa alheia.

Nos termos do art.° 1344º do CC a propriedade de imóveis abrange o subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico.

Assim, ressalvadas restrições que a lei, ou negócio jurídico, consagrem, mormente de natureza pública, os limites materiais à propriedade são concedidos pelas estremas horizontais.

Ora, um prédio rústico é definido como uma parte delimitada no solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica, enquanto um prédio urbano é qualquer edifício incorporado no solo com os terrenos que lhe sirvam de logradouro, nos termos do art.° 204°, n.° 2 do CC.

Por outro lado, são consideradas como parte integrante quer de prédio rústico quer de prédio urbano toda a coisa móvel ligada materialmente ao prédio com carácter de permanência, cfr. art.° 204°, n.° 3 do CC.

Nestes termos, as partes integrantes não se ligam à estrutura do prédio e que, por esse facto, não deixa de sem elas estar completo e prestável ao uso a que se destina: tão só aumentam a sua utilidade, proporcionando-lhe maior produtividade, segurança, comodidade ou embelezamento, pelo que desempenham uma função auxiliar ou instrumental. (Neste sentido Santos Justo, in Direitos Reais, Coimbra Editora, pág. 128).

Acompanhando tal entendimento, temos para nós que uns anexos, um muro e um
curral são partes integrantes do imóvel cuja propriedade o arguido, na qualidade de sócio-gerente da empresa BT..., viu reconhecida por sentença transitada em julgado, não integrando, assim, o elemento objectivo que o tipo em análise exige, qual seja, coisa alheia.

Diga-se, e a título liminar, que o tratamento a dar a tais construções, se foram realizadas pela assistente, cairia sob alçada do instituto das benfeitorias o que extravasa o âmbito da presente decisão e o objecto dos presentes autos, pelo que a existir algum direito terá que ser exercido noutra sede.

No entanto, e mesmo que assim não se entendesse, sempre diremos que não se encontra indiciado o elemento subjectivo do crime de dano na medida em que o arguido M... só após o trânsito em julgado da sentença que lhe reconheceu a propriedade do imóvel procedeu à demolição das construções que se situavam neste, cuidando de conceder um prazo à assistente para retirar os seus haveres, deixando-o livre de pessoas e bens, não assumindo relevância a carta enviada por esta ao arguido uma vez que nem sequer se encontra indiciado que este a tenha recebido antes de proceder à aludida demolição.

Com efeito, não resulta indiciado que o arguido M... tivesse consciência e vontade de que estaria destruir coisa alheia, sendo essa a finalidade da sua conduta.

A ponderação dos indícios e o estabelecimento da sua suficiência abrange a
representação da dimensão histórico-naturalística do facto, a inerente imputação objectiva, a
declaração da culpa e o confinamento do quadro de consequências legais, concatenado com o
material probatório coligido.

Deste modo, realizando um juízo de prognose sobre a produção de prova, e respectivo exercício do contraditório, em sede de audiência de discussão e julgamento, não se afigura como plausível a possibilidade, razoável, da aplicação de uma pena ou medida de segurança ao arguido M....

Entendendo-se esta como um critério balizado por uma possibilidade particularmente qualificada ou probabilidade elevada de condenação. (Vide Carlos
Adérito Teixeira, in
“Indícios Suficientes: Parâmetro de Racionalidade e Instância de Legitimaçâo concreta do Poder-Dever de Acusar”, in Revista do CEJ, 2° Semestre 2004, N°1, pág. 161).

Por todo o exposto, não resulta indiciado nos autos que o arguido M... tenha cometido, em autoria material, o crime de dano, p. e p. pelo art.° 2 12°, n.° 1 do
CP.

IV. Decisão

Por todo o exposto, decido não pronunciar o arguido M... pela prática de um crime de dano, p. e p. pelo art.° 212° do Código Penal.

Notifique.

Condeno a assistente A... no pagamento das custas e respectivos encargos, nos termos dos art.°s 515°, n.° 1, al. a) e 514° do Código de Processo Penal e art.°s 8°, 16° e 24° do Reg. das Custas Processuais, fixando-se em 2 UC a taxa de justiça.

Remeta os autos à distribuição».

            3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

3.1. O recurso da assistente reporta-se à apreciação da existência dos indícios suficientes para a pronúncia do arguido pelo crime de dano, importando a este Tribunal apreciar e apurar se do inquérito e da instrução resultam indiciados factos que possam conduzir àquela pronúncia.

Recordemos os factos indiciados e constantes da queixa formulada pela assistente A... contra M...:

No dia 20 de Outubro de 2008, pelas 8h30m, na Rua dos Claros, Cabeças Verdes, freguesia do Seixo, área da comarca de Mira, a mando do arguido, três indivíduos do sexo masculino, com 3 máquinas, destruíram os anexos da residência da assistente, um muro junto à estrada, pertencente à mesma, bem como um curral, tendo com toda esta actuação causado um prejuízo àquela no valor de € 15000.

Para o arguido, para o JIC e para o Ministério Público não há indícios de crime (não esqueçamos que a posição do MP neste processo é coerente do princípio ao fim, na medida em que tem sustentado o primitivo despacho de arquivamento lavrado nos autos).

Para a assistente existem indícios de crime.

Analisemos, então, a questão dos «indícios suficientes».

3.2. Já o sabemos: a fase da instrução, em processo penal, visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não uma causa a julgamento - art. 286º, n.º 1 do CPP -, no sentido de que não se está perante um novo inquérito, mas apenas perante um momento processual de comprovação.

A pronúncia só deve ter lugar quando tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado o crime e de quem foi o seu agente - artigos 283º e 308º, n.º 1 do CPP.

Já na decisão instrutória de não pronúncia, o juiz decide que os autos não estão em condições de prosseguir para a fase de julgamento, por não se verificarem os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança criminais.

Adianta o art. 308º, n.º 1 do CPP:

“Se até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia”.

Por seu lado, o artigo 283º, n.º2 do mesmo diploma - aplicável por força do disposto no n.º 2 do art. 308º - estipula que “consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança”.

Ora, o que se entende, nesta sede, por “indícios suficientes”?

Tem-se tal entendido como a verificação suficiente de um conjunto de factos que, relacionados e conjugados, componham a convicção de que, com a discussão ampla em julgamento, se poderão vir a provar - com um juízo de certeza e não de mera probabilidade - os elementos constitutivos da infracção por que os agentes virão a responder – Acórdão do STJ de 10/12/1992 (pr. n.º 427747, consultado em http://www.dgsi.pt).

O Professor Figueiredo Dias doutrina que “os indícios só serão suficientes e a prova bastante, quando, em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado ou quando esta seja mais provável do que absolvição. (…) (…) na suficiência dos indícios está contida a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final, só que a instrução preparatória (e até a contraditória) não mobiliza os mesmos elementos probatórios que estarão ao dispor do juiz na fase de julgamento, e por isso, mas só por isso, o que seria insuficiente para a sentença pode ser bastante ou suficiente para a acusação” (Direito Processual Penal, pág. 133-134).

Indícios, no sentido da expressão contida no artigo 308º do CPP, são, assim, vestígios, presunções, suspeitas, sinais, indicações, suficientes e bastantes para convencer de que há crime e que o responsável pela sua prática é o arguido, não sendo necessário para a pronúncia uma certeza da existência da infracção, juízo que se guarda como imprescindível para a convicção do juiz do julgamento – basta-se a lei e a doutrina dominante com um grau de suficiência e quantidade de indícios, de forma a que, todos relacionados e conjugados entre si, constituam um todo persuasivo de culpabilidade do arguido, impondo um juízo de probabilidade do que lhe é criminalmente imputado.

De facto, para a pronúncia ou para a acusação, a lei não exige a prova, no sentido da certeza moral da existência do crime, bastando-se com a existência de indícios, de sinais dessa ocorrência.

Sem esquecer que no juízo de quem pronuncia, tem de estar presente a defesa da dignidade da pessoa humana, nomeadamente a necessidade da sua protecção contra intromissões abusivas na sua esfera de direitos, aqui se invocando preceitos da Declaração Universal dos Direitos do Homem, com incidência constitucional entre nós, tem sido entendido que esta possibilidade razoável de condenação é um possibilidade mais positiva do que negativa - o juiz só deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que não o tenha cometido.

Ou seja, os indícios são suficientes quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido ou pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição.

Traçando o limite de distinção entre o juízo de probabilidade e o juízo de certeza processualmente relevante, o que distingue fundamentalmente o juízo de probabilidade do juízo de certeza é a confiança que nele podemos depositar e não o grau de exigência que nele está pressuposta.

O juízo de probabilidade não dispensa o juízo de certeza porque, para condenar uma pessoa, o conceito de justiça num Estado de direito exige que a convicção se forme com base na produção concentrada das provas numa audiência, com respeito pelos princípios da publicidade, do contraditório, da oralidade de da imediação. Garantias essas que não é possível satisfazer no fim de uma fase preparatória como é a INSTRUÇÃO.

Tal significa que na suficiência dos indícios está contida a mesma exigência de verdade requerida para o julgamento final, mas apreciada em face dos elementos probatórios e de convicção constantes do inquérito (e da instrução) que, pela sua natureza, poderão eventualmente permitir um juízo de convicção que não venha a ser confirmado em julgamento.

Veja-se, no entanto, que se logo a este nível do juízo, no plano dos factos, se não puder antever a probabilidade de futura condenação, os indícios não devem ser considerados suficientes, não havendo prova bastante para a pronúncia.

Tal juízo sobre a suficiência dos indícios, feito com base na avaliação dos factos, na interpretação das suas intrínsecas correlações e na ponderação sobre a consistência das provas, contém sempre, contudo, necessariamente, uma margem (incontornável) de discricionariedade.

A opção por um despacho de pronúncia depende, pois, da existência de prova indiciária, de prima facie, de primeira mas razoável aparência, quanto à verificação dos factos que constituam crime e de que alguém é responsável por esses factos.

Não se exigindo o juízo de certeza que a condenação impõe - a certeza processual para além de toda a dúvida razoável -, é necessário, não obstante, que os factos revelados no inquérito ou na instrução apontem, se mantidos e contraditoriamente comprovados em audiência, para uma probabilidade sustentada de condenação[1].

A instrução não é, contudo, constituída apenas por prova indiciária.

Como explica Germano Marques da Silva, o indício é um meio de prova e todas as provas são indícios "enquanto são causas, ou consequências morais ou materiais, recordações e sinais do crime".

É neste sentido e segundo este autor que se deve interpretar o disposto no artigo 308º do CPP.

Chama-se também a atenção para o facto de, nesta fase preliminar do processo, não se visar "alcançar a demonstração da realidade dos factos”, mas apenas sinais de que o crime se verificou, praticado por determinado arguido. Como conclui Germano Marques da Silva, "as provas recolhidas nas fases preliminares o processo não constituem pressuposto da decisão jurisdicional de mérito, mas de era decisão processual quanto à prossecução do processo até à fase de julgamento".

Interpretando o exposto, nesta fase preliminar que é a instrução, não se pretende uma espécie de "julgamento antecipado" nem um juízo de certeza moral e de verdade que são pressupostos da condenação, mas tão só a verificação de existência de indícios de que determinado crime se verificou e que existe uma probabilidade séria, aferida pela positiva e objectivamente, de que o mesmo foi praticado por um ou mais arguidos, e assim se apreciando a decisão do Ministério Público ou do Assistente de acusar.

Nessa verificação deverá, contudo, o julgador interpretar criticamente e no seu prudente arbítrio os indícios recolhidos em sede de inquérito e instrução.

Em qualquer dos casos, essa verificação da suficiência de indícios não implica apreciação do mérito da acusação, no mesmo sentido em que tal ocorre na audiência de julgamento, apenas se julgando a verificação dos pressupostos de que depende a abertura da fase de julgamento.

3.3. Importa agora aquilatar da existência de indícios[2] que suportem a narrativa da assistente.

Há que indagar se existem indícios considerados suficientes de que tenha existido a prática de algum dano, tutelado pela lei penal.

Façamos a arquitectura do crime em causa.

O crime de DANO é caracterizado como crime comum, de sujeito passivo indeterminado, de acção ou omissão, de resultado e uniofensivo.

Na realidade, pode ser cometido por qualquer pessoa, bastando que incida sobre coisa alheia, sendo susceptível de ser cometido na forma omissiva, desde que dolosa, e em que é condição de realização do ilícito a ocorrência de um resultado final de destruição, danificação, desfiguração ou inutilização de uma coisa, assim se ofendendo o bem jurídico “propriedade”.

A acção tem, em qualquer das quatro modalidades, de atingir um limiar mínimo de danosidade social, uma exigência que configura o reverso da exigência de um valor mínimo da coisa.

A destruição (grau máximo de dano) significa a perda total da utilidade da coisa, implicando, normalmente, o sacrifício da sua substância (o processo causal não está tipificado - execução não vinculada).

A danificação abrange os atentados à substância ou à integridade física da coisa que não atinjam o limiar da destruição, podendo concretizar-se pela produção de uma lesão nova ou pelo agravamento de uma lesão preexistente.

Já a desfiguração abrange os atentados à integridade física que alteram a imagem exterior da coisa, querida pelo respectivo proprietário.

Finalmente, o «tornar não utilizável» refere-se às acções que reduzem a utilidade da coisa segundo a sua função.

«A destruição de uma coisa pode decorrer da sua pura eliminação ou supressão da respectiva autonomia, individualidade, ou capacidade de funcionamento, através de demolição ou desmembramento, ou ainda pela criação de um estado de insusceptibilidade de recuperação» (vide José António Barreiros, “Crimes Contra o Património”).

Ao atingir uma COISA ALHEIA, o agente do crime põe em causa o bem jurídico PROPRIEDADE, o qual é tutelado pelo tipo de crime em apreço.

COISA ALHEIA, para efeitos deste ilícito, é apenas aquela cujo direito de propriedade pertence a outrem, que não o agente (v. g. Acórdão da Relação do Porto de 11/11/1992, in C.J. XVII, Tomo V, página 247), pressupondo a palavra «alheio» a pertença a outra pessoa – cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 9 de Abril de 1997, in Col. Jur., Ano XXII, Tomo 11, pág. 146.

Como tal, tem-se entendido, e bem, que se exige, tendencialmente[3], a titularidade do direito de propriedade na pessoa do ofendido típico neste tipo de crime.

O objecto da acção tem, de facto, de constituir uma «coisa alheia» (sendo que o conceito de coisa é aqui mais restrito do que em direito civil — art. 202° do C. Civil), sendo a qualificação da coisa como alheia determinada pelos princípios da lei civil[4], excluindo-se as coisas insusceptíveis de apropriação, as rei nullius, e as coisas pertinentes à propriedade exclusiva do agente.

A nível SUBJECTIVO, o dano punível tem que ser doloso, já que o dano meramente culposo apenas implica ilícito de natureza civil e já não criminal - neste crime, o DOLO consiste na consciência e vontade de destruir, danificar ou desfigurar a coisa alheia, com o fim de lesar a propriedade de outrem.

Portanto, no crime de dano tutela-se, sobretudo, a propriedade plena sobre a coisa alheia danificada, o que abrange a tutela dos direitos de gozo, fruição e guarda (neste sentido, cfr. Costa Andrade, "Comentário Conimbricense do Código Penal", tomo II, Coimbra, 1999, pág. 212; José António Barreiras, "Crimes contra o património no Código Penal de 1995", Lisboa, 1996, pág. 29, e Luís Osório, "Notas ao Código Penal Português", tomo IV, 2.a edição, Coimbra, 1925, pág. 24).

3.4. Ora, alega a assistente que o arguido mandou destruir coisas suas.

Fala na queixa em anexos da sua residência e num curral onde tinha 4 galinhas (que entretanto desapareceram), referindo ainda a destruição de um muro com cerca de 80 m, junto à estrada e num curral onde guardava lenha, cebolas, alhos e ferramentas.

Não se duvida que tais bens estavam construídos em terreno que veio a ser considerado titularidade da empresa de que é sócio-gerente o arguido (BT..., Ldª), por acórdão exarado por esta Relação em 16/9/2008, transitado em julgado em 2/10/2008 (cfr. fls 80).

O proprietário do terreno onde estavam implantadas as «obras» destruídas pertence, em termos de direito de propriedade, de facto, ao arguido, não podendo a assistente tal ignorar pois o acórdão cível (Pº 385/05.2TBMIR) é claro – na acção cível fala-se, nos pontos 15º a 19º do rol dos factos dados como provados, nestas construções erigidas pela assistente que, a esse nível, não conseguiu provar a aquisição do terreno por usucapião e por acessão imobiliária.

Como tal, é lícito concluir-se, em nome do respeito pelas decisões judiciais, que o terreno onde estão implantadas as obras tidas como destruídas é propriedade da empresa do arguido.

Há agora que indagar a quem pertencem as coisas destruídas.

Estatui o artigo 1344º, n.º 1 do CC que a propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente á superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico – aqui, no fundo, e chamando à colação a máxima latina de que qui dominus este soli, dominus est usque ad coelum et usque ad inferos - pretende-se exprimir a ideia da inexistência de quaisquer limites materiais à propriedade sobre coisas imóveis, que não fossem relativos às suas estremas horizontais

Adianta depois o artigo 204º, na definição de COISA, que são coisas imóveis os prédios rústicos, as suas partes integrantes (definidas no n.º 3) e as suas partes componentes – o n.º 2 do normativo define prédio rústico como sendo «uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica».

Assim sendo, não temos qualquer dúvida em considerar que os dois currais e o muro referidos na queixa não são bens alheios para o arguido, ou seja, não são propriedade da pessoa que fez a queixa, na medida em que terão de ser considerados como partes componentes[5] do seu prédio rústico (subsumíveis à letra do n.º 2, 1ª parte, do artigo 204º do CC)[6] – portanto, neste particular, e não obstante concordarmos com a final conclusão jurídica, teremos de discordar do despacho recorrido quando argumenta que tais bens são partes integrantes do imóvel, na medida em que não estamos perante coisas móveis subsumíveis à letra do n.º 3 do artigo 204º do CC.

Numa outra perspectiva, seguindo uma tese que não exige a titularidade do direito de propriedade na pessoa do ofendido típico no crime de dano, temos por seguro que o direito de retenção por benfeitorias[7] pode justificar a posse legítima da coisa, sendo o direito de retenção um direito real de garantia que confere ao credor que se encontra na posse da coisa que deva ser entregue a outra pessoa, o direito de não a entregar enquanto esta não satisfizer o seu crédito, desde que verificada alguma das relações de conexão entre o crédito do detentor e a coisa que deve ser restituída e a que a lei confere tal tutela (art. 754.º do CC) – contudo, aqui é preciso ver que, para haver direito de retenção, as benfeitorias têm que ser aptas a conferir um direito de crédito (v. a este propósito os arts. 1273.º a 1275.º do CC[8]).

Contudo, tal tese fica prejudicada pois já aqui defendemos que é o direito de propriedade que tendencialmente é tutelado por este tipo de crime.

Em conclusão, e quanto aos currais e muro, inexiste ilicitude típica no comportamento do arguido, inexistindo crime de dano pois não se apurou que as coisas destruídas fossem a si alheias.

3.5. E quanto aos anexos da residência da assistente?

Quanto ao que lá estaria dentro, há que dizer, desde já, que não resultou indiciado que estivesse ainda algo no seu interior, havendo testemunhos, a fls 53-v e a fls 126-v, que foram retirados pela assistente, pelo seu companheiro e por testemunhas (F… e L…) «alguns bens que estavam nos anexos», ficando por apurar até se as ditas galinhas morreram ou apenas desapareceram.

No que diz respeito a tais anexos, diremos que não resulta indiciado que tais bens fossem alheios ao arguido ou que sejam propriedade da assistente (tratar-se-ia de uma questão cível não facilmente resolúvel nesta sede penal).

Para além disso, e aí parece-nos ser o segmento decisivo para a resolução deste recurso, não resulta indiciado dolo na atitude do arguido (já não falamos em sede de ilicitude - ou seja, mesmo a provar-se indiciado que tais anexos eram da assistente, logo, bens alheios para o arguido -, mas sim de culpa).

De facto, parece-nos excessivo considerar que o arguido mandou destruir os anexos, bem sabendo que tais bens eram alheios e que não lhe pertenciam.

Só após o trânsito em julgado do acórdão cível que lhe dá razão na disputa dominial com a assistente quanto à titularidade do terreno onde estão implantas as obras destruídas, é que o arguido resolve agir, e até, como resulta de fls 68-v, a mando da sua própria mandatária.

O trânsito ocorre em 2/10/2008 e ele envia uma carta à assistente (a de fls 142), em 13/10/2008 – recebida por ela em 15/10/2008 (fls 143) -, na qual lhe comunica que pretende ocupar, no prazo de 5 dias a contar da recepção desta carta, o prédio em causa, pedindo-lhe para remover do local tudo quanto lhe pertença, deixando-o livre de pessoas e bens.

Decorridos 5 dias sobre o dia 15, avançam as máquinas, sendo curial e legítimo defender-se que o arguido pensou que a assistente teria removido os seus bens do local, assente que a resposta da assistente só lhe chegou às mãos no dia 27/10, dias após a destruição (fls 169-170).

Como tal, não resulta indiciado que o arguido tivesse consciência e vontade de que estaria a destruir algo que não lhe pertencia e que pertenceria antes à assistente, e que teria sido essa a finalidade da sua conduta.

Ou seja, face ao contexto probatório e às circunstâncias em que agiu, após receber um Acórdão Cível que lhe atribui a propriedade do terreno onde estão implantadas as obras em causa e ouvir o parecer da sua ilustre mandatária forense, não se indicia que o arguido tenha actuado com consciência censurável da possível ilicitude do facto cometido, o que exclui o dolo, nos termos do artigo 17º/1 do CP (erro sobre a ilicitude não censurável que configura uma causa da exclusão da culpa).

É certo que o crime de dano pode ser praticado pelo agente apenas com conhecimento e vontade da realização dos elementos objectivos do crime e consciência da censurabilidade da sua conduta perante o dever-ser jurídico-penal, não se exigindo que o dano seja praticado sem justificação ou sentido aparente (cfr. Acórdão desta Relação de 15/3/2006, Pº 157/06, lido em www.dgsi.pt).

Contudo, para haver dolo o agente tem de representar que a sua acção sacrifica coisa alheia, excluindo o dolo o eventual erro sobre o carácter alheio da coisa[9].

Ora, o arguido terá actuado, e até compreensivelmente, após ouvir a sua própria mandatária forense (em quem confiaria nesta sede, como é óbvio), na fundada convicção de que estaria a agir sobre coisas suas, convicção essa criada por muito recente decisão judicial transitada em julgado

Recorramos a um brilhante Acórdão desta Relação, datado de 10/5/2006 (Pº 1010/06), a propósito do elemento subjectivo do tipo:

«Para qualquer dos ilícitos acoimados ao arguido, torna-se inapelável que o agente da acção desvalorativa aja com dolo, isto é, com “o conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo de ilícito”[ Cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte geral, Tomo I, Questões Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, p. 332 a 351. ], em qualquer das suas modalidades, directo, necessário ou eventual.

Não estando o arguido convencido, isto é, não tendo o arguido a representação intelectual de que o prédio que o assistente reivindica, ou justificou como sendo seu, pertence a outrem, não se vê como possa ter dirigido a sua vontade à realização do tipo.

Não é possível configurar um estado intelectual de antijuridicidade e dirigido à concreção de uma conduta desvalorativa, em quem não possui a representação da natureza alheia da coisa ou da propriedade, e ao invés está convencido de que um determinado prédio é seu.

Sendo seu o prédio, ou estando de tal convencido, ao ponto de dois órgãos jurisdicionais lho haverem reconhecido, é normal que realize no prédio em apreço as alterações e obras que considere pertinentes para os fins que pretende vir a obter das utilidades que o imóvel lhe possa vir a propinar.

Para o arguido, que adquiriu o prédio, o registou e, certamente, o usufruía, a acção de justificação de um prédio urbano (em ruínas) que o assistente reclamou para si, é que se revelou antijurídica, o que desencadeou uma manifestação de vontade de ver clarificado o seu direito, em toda a sua extensão e plenitude jurídica e material, defendendo, e obtendo ganho de causa, nos órgãos próprios, os tribunais.

Não vinga, pelas razões expostas, a imputação acoimada ao arguido de que tenha feito qualquer intervenção modificativa ou abusiva em propriedade que não estivesse convencido que era sua pertença e com exclusão de qualquer outro.

Afunda-se, assim, a imputação feita ao arguido de ter agido contra propriedade ou coisa que sabia não lhe pertencer, o que vale por dizer que possa ter praticado qualquer dos crimes que, hipoteticamente, lhe poderia ser assacado».

3.6. Foi por discordar do entendimento jurídico da assistente é que o JIC de Mira concluiu que não havia indícios da prática de crime por parte do arguido.

E não nos merece nenhuma censura essa conclusão.

Assim, e de acordo com os elementos constantes dos autos, teremos de concluir que os elementos vertidos nos autos não permitem, na sua conjugação, fundar um juízo sério acerca da culpabilidade do arguido, não apontando, claramente, para uma probabilidade sustentada de condenação daquele em sede de julgamento penal, assente ainda a insofismável consideração de que esta questão tem um cariz essencialmente civil e já não tanto penal.

Bem pelo contrário, a manterem-se tais elementos, é mais provável a sua absolvição. Ora, sendo assim, como entendemos que é, outra não podia ser a decisão, sendo consequência lógica de toda a matéria probatória angariada nos autos a prolação de despacho de não pronúncia.

3.7. Acabemos da mesma forma como iniciámos esta fundamentação.

Pelos indícios suficientes.

Não ignoramos que no juízo indiciário há que levar em linha de conta o seguinte:

“I - A simples sujeição de alguém a julgamento, mesmo que a decisão final se salde pela absolvição, não é um acto neutro, quer do ponto de vista das suas consequências morais, quer jurídicas. Submeter alguém a julgamento é sempre um incómodo, se não mesmo um vexame;

II - Por isso, no juízo de quem acusa, como no de quem pronuncia, deverá estar sempre presente a necessidade de defesa da dignidade da pessoa humana, nomeadamente a necessidade de protecção contra intromissões abusivas na sua esfera de direitos, mormente os salvaguardados na Declaração Universal dos Direitos do Homem e que entre nós se revestem de dignidade constitucional, como é o caso da Liberdade (art. 3.º daquela Declaração e 27.º da CRP);

III- Nestes termos, vem-se entendendo que a «possibilidade razoável de condenação é uma possibilidade mais positiva que negativa» - o juiz só deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido, sendo suficientes os indícios quando haja «uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição» (cfr. sumário aposto no Acórdão do STJ de 28/6/2006, visionado em www.dgsi.pt).

De facto, a nosso ver, e atenta a fase processual em que nos encontramos, opinamos no sentido de que inexistem no processo elementos suficientes para levar o arguido a julgamento, pelo que o recurso interposto deverá improceder.

            III – DISPOSITIVO

            Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso interposto pela assistente A… e, em consequência, manter a douta decisão instrutória (despacho de não pronúncia) quanto ao arguido M....

            Custas (sem encargos – v.g. artigo 518º «a contrario sensu» do CPP revisto pelo DL 34/2008 de 26/2) pela recorrente/assistente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs [artigos 515º/1 b) do RCP e 8º/5 do RCP, este remetendo para a Tabela III], sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.


Coimbra, _______________________________
(Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.)



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(Paulo Guerra)


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(Vieira Marinho)


[1] A este propósito, adianta Fernanda Palma, in "Acusação e Pronúncia num Direito Processual Penal de Conflito entre a Presunção de Inocência e a Realização da Justiça Punitiva", I Congresso de Processo Penal - Memórias (coordenação de Manuel Monteiro Guedes Valente), Almedina, Lisboa, 2005, p. 126, que "[a] exigência da probabilidade dos factos é, por isso, qualificada em função de uma antecipação do que ditaria o in dubio pro reo na fase do julgamento. Verificação provável dos factos é aquela que exibe a potencialidade de ultrapassar a barreira do in dubio pro reo na fase de julgamento".
[2] A propósito da suficiência indiciária, Carlos Adérito Teixeira, in "Indícios Suficientes": Parâmetro de Racionalidade e "Instância"de Legitimação Concreta do Poder-Dever de Acusar”, Revista do CEJ, 2º Semestre de 2004, Número 1, p. 189, refere que «O conceito de "indícios suficientes", densificado no plano jurídico, funciona como critério de decisão e critério de justificação da acusação, no quadro de um procedimento orientado por princípios constitucionais e legais.
Naquele conceito liga-se o referente retrospectivo da prova indiciária coligida ao referente prospectivo da condenação, no ponto de convergência da "possibilidade razoável" desta, estabelecida por força daqueles indícios e não de outros.
A determinação do grau de tal possibilidade passa pela bitola da possibilidade particularmente qualificada ou de probabilidade elevada, por ser a que melhor salvaguarda a referência de condenação, a exigência de verdade do julgamento e os princípios que convergem no procedimento já nesse momento (presunção de inocência, in dubio pro reo, etc.).
O juízo de indiciação suficiente deve, assim, ter por equivalente o juízo de condenação em julgamento. Difere, todavia, o contexto probatório em que a convicção se afirma: dada a ordem natural das coisas, na fase (posterior) de julgamento, com a adição do imprescindível contraditório, da imediação da prova e do princípio da investigação, bem pode reger o postulado epistemológico segundo o qual "uma anterioridade cronológica revela-se uma inferioridade lógica", a sobrepor-se, paradoxalmente, ao postulado de que "só a prova concomitante ao facto se pode dizer que é genuína" (por não ter sofrido a corrosão do tempo sobre a memória, sobre o suporte físico e sobre a re(de)sistência do juízo)».
[3] Podendo admitir-se, a este propósito, a tutela do direito do inquilino, enquanto direito de gozo, fruição e guarda de um imóvel (em caso de destruição da coisa arrendada por parte do proprietário, com prejuízo para o arrendatário), estando a jurisprudência e a doutrina muito dividida a este nível.
[4] Não obstante a relatividade dos conceitos jurídicos e a existência de um conceito autónomo de coisa para efeitos penais. Por exemplo, alguém que colhe uma maçã de uma macieira alheia, contra a vontade do dono, ciente de que tal fruto e árvore não lhe pertencem, do ponto de vista civil, está a separar um fruto de uma coisa imóvel e no momento em que se exerce a acção de subtracção não se pode afirmar que esteja a subtrair uma coisa móvel (artigo 204º, nº 1, alínea c), do Código Civil). Porém, cremos que do ponto de vista penal, não se duvidará do preenchimento do tipo objectivo do crime de furto.
[5] Pires de Lima e Antunes Varela (CC anotado, Vol. I, p. 196, referem que «não devem considerar-se prédios urbanos mas como partes componentes dos prédios rústicos, as construções que não tenham autonomia económica, tais como adegas, celeiros, edificações destinadas às alfaias agrícolas».
Da mesma forma, não devem considerar-se como prédios rústicos os logradouros dos prédios urbanos, como os jardins, pátios ou quintais
Defenderemos também que, se a uma casa principal estão anexas construções de carácter secundário (as tais construções menores afectadas ao serviço de uma construção principal e integrando um conjunto funcionalmente unitário), dever-se-á entender, seguindo também Pires de Lima e Antunes Varela, que estamos perante um único prédio urbano, não obstante a pluralidade de construções que o integram (contudo, tal pressupõe que todas as construções sejam erigidas num só terreno e não em terrenos diferentes, como é o caso dos autos, no que concerne aos anexos da residência da assistente que foram construídos em terreno a si alheio) – o Acórdão do STJ de 21/4/2009 (Revista n.º 638/09 – 1ª secção) decidiu isso mesmo, ou seja, que tais anexos se encontram integrados no prédio urbano mãe, apesar de «na escritura de doação da casa não se fazer referência aos anexos ou dependências referidos».
[6] Sendo, eventualmente, a assistente titular de um direito decorrente da sua construção, de índole indemnizatório por benfeitorias ou até direito de retenção – mas não é ela titular de qualquer direito de propriedade sobre eles.
[7]Note-se que o simples apelo ao regime das benfeitorias não bastaria para resolver a questão, tanto mais que as consequências jurídicas do regime das benfeitorias não são meramente indemnizatórias, havendo nalguns casos o direito ao levantamento das benfeitorias efectuadas, o que, na nossa perspectiva, constitui um claro reconhecimento de que, nessa eventualidade, essas coisas passíveis de serem levantadas são inequivocamente da titularidade de quem tem o direito a obter o seu levantamento. Finalmente, nem sequer é claro que o regime jurídico aplicável seja o das benfeitorias, bem podendo ser caso de aplicação do instituto da acessão imobiliária (acessão essa que é até invocada na acção cível como possível modo de aquisição da propriedade do próprio terreno).
Não obstante tudo isto, o que é certo que, no caso vertente, nada disso se indicia em sede penal

[8] Haverá que atentar em que em cada situação, p. ex. de comodato, arrendamento, etc, há regras relativas ao direito de crédito por benfeitorias, que nem sempre deve reconhecer-se; e, não havendo direito de crédito, não há direito de retenção.

[9] Não havendo até que fazer apelo a quaisquer causas de exclusão da ilicitude (nomeadamente, aludindo à acção directa, dificilmente configurável in casu [artigos 336º do CC e 31º, n.º 1, alínea b) do CP],  pois a questão seria resolúvel a nível da culpa e da falta de dolo.