Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2546/20.5T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOÃO MOREIRA DO CARMO
Descritores: INUTILIDADE DO CONHECIMENTO DO RECURSO DE FACTO
DANO BIOLÓGICO
MEDIDA DA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 10/25/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTº. 640º. DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário:
I - Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância, importância ou suficiência jurídica para a solução de direito e mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente;

II - O dano biológico deve ser ressarcido enquanto dano patrimonial futuro, caso se verifique/conclua que a lesão originou no futuro, e só por si, uma perda da capacidade de ganho do lesado ou se traduz, apenas, uma afetação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, que exija esforço acrescido para as actividades gerais da vida ou profissionais, para além do agravamento natural resultante da idade;

IV - Esse dano patrimonial futuro deve, como regra, ser calculado em atenção ao tempo provável de vida do lesado, ou seja, à esperança média da sua vida, e não apenas em função da duração da sua vida profissional activa (ie. prevista até à sua reforma);

IV - Na determinação equitativa desse dano patrimonial futuro do lesado, há que levar em conta vários elementos referenciais, designadamente o recebimento de uma só vez do todo capital/rendimento futuro que é antecipado e a taxa de rentabilidade do capital, baseada num juízo de previsibilidade.

Decisão Texto Integral:

1. AA, residente em Porto ..., intentou contra Zurich Insurance Plc – Sucursal em Portugal, com sede em ..., acção declarativa de condenação, pedindo a condenação da ré no pagamento da indemnização de 75.000 €, acrescida de juros à taxa de 8% ano a calcular sobre a diferença entre o quantum atribuído em sede judicial e o valor de 10.000 € oferecido pela ré, calculados desde 1.10.2019, data da apresentação da proposta razoável ou, caso assim se não entenda, acrescida de juros calculados desde a citação.

Invocou, para tanto, os prejuízos sofridos em resultado de acidente de viação ocorrido, a nível de dano biológico (a indemnizar em 40.000 €) e dano não patrimonial (a indemnizar em 35.000 €).

Contestou a ré, reconhecendo a sua responsabilidade civil pelo pagamento de uma indemnização à ora autora, impugnando somente os danos invocados e respectivos valores peticionados por os considerar excessivos. 

*

A final foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção, e, em consequência, condenou a R. a pagar à A. a quantia global de 75.000 €, sendo 40.000 € a título de danos patrimoniais e 35.000 € a título de danos morais. Mais condenou a R. a pagar à A. juros de mora à taxa de 8% ano a calcular sobre a diferença entre o quantum atribuído em sede judicial e o valor de 10.000 € oferecido pela R., calculados desde 1.10.2019 até integral pagamento da quantia ora fixada.

*

2. A R. recorreu, concluindo que:

1ª. – Pelo presente Recurso de Apelação pretende a ora Recorrente impugnar a decisão relativa à matéria de facto nos termos do disposto no Artº. 640º. do Código de Processo Civil, sendo também o recurso extensivo à aplicação da matéria de direito;

2ª. – Salvo o devido respeito, entende a ora Recorrente que, na Sentença proferida, o Tribunal “a quo” não procedeu a uma correta apreciação da prova produzida, visto que determinados factos deveriam ter sido considerados não como provados e o cálculo indemnizatório não deveria ter considerado determinados fatores, os quais, no entendimento da ora Recorrente, não se verificaram;

3ª. – Em cumprimento do disposto no Artº. 640º. do Código de Processo Civil, a ora Recorrente efetuou a transcrição dos depoimentos das Testemunhas em sede de fundamentação do presente Recurso, sendo que não efetua a transcrição dos mesmos em sede das presentes Conclusões de Recurso, atenta a extensão daqueles;

4ª. – Nos presentes Autos discute-se a extensão dos danos resultantes de um sinistro rodoviário ocorrido no dia 23 de Abril de 2015, pelas 07h00m, na Rua ..., em Porto ..., e no qual esteve envolvido um veículo ligeiro de mercadorias, de matrícula ..-..-LO, encontrando-se o mesmo, à data do acidente “sub judice”, segurado na ora Recorrente “Zurich – PLC”, através de contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, titulado pela Apólice nº. ...67;

5ª. – O condutor do veículo segurado na Zurich perdeu o controlo da viatura que tripulava, entrou em despiste, e embateu no corpo da Autora, AA, a qual se encontrava a aguardar a chegada do autocarro escolar, pelo que, em sede pré-contenciosa, a Zurich aceitou a culpa do condutor do veículo seu segurado na ocorrência do sinistro, tendo comunicado tal posição à Autora e à Mãe da mesma, e face a tal, a Autora foi seguida e tratada pelos serviços clínicos da Zurich, até à data em que lhe foi atribuída “alta clínica”;

6ª. – (… narrativa)

7ª. – A ora Recorrente não se conforma com a Sentença proferida pelo Tribunal “à quo”, na parte em que condenou a Zurich no pagamento das quantias de:

a) 40.000,00 Euros a título de indemnização relativa a dano biológico na vertente patrimonial e dano futuro;

b) 35.000,00 Euros a título de indemnização relativa a danos não patrimoniais.

8ª. – Relativamente aos danos não patrimoniais, foram dados como provados, entre outros, os seguintes factos constantes da Sentença proferida pelo Tribunal “a quo”:

28. ….”

29. …

(…)

44. …

9ª. – Salvo o devido respeito, a Recorrente entende que a prova produzida deveria ter sido objeto de outra análise, tratamento e conclusão final, e, consequentemente não deveriam ter sido considerados como provados os supra transcritos factos.

10ª. – No ponto 44 da matéria considerada como provada consta que, “em resultado do acidente”, a Autora sente-se desinteressada e incapaz de voltar a praticar as atividades extracurriculares que praticava antes do acidente (dança “hip-hop” e aulas de “violeta”, tal como fixado nos pontos 30 e 31 da matéria considerada como provada na Sentença proferida);

11ª. – O Tribunal “a quo” entendeu que os ferimentos sofridos pela Autora no acidente aqui discutido foram a única causa para a mesma ter deixado de praticar as atividades extracurriculares, sendo referido … no 44º. facto considerado como provado;

12ª. – A ora Recorrente entende que foi produzida prova Testemunhal na Audiência de Julgamento de que o facto de a Autora ter deixado de praticar tais atividades se deve a várias causas, a saber:

- ferimentos ocorridos no acidente de viação aqui discutido;

- localização da residência da Autora;

- localização da escola onde eram ministradas as aulas de “hip-hop”;

- localização do conservatório onde a Autora frequentava as aulas de “violeta”;

- localização das escolas frequentadas pela Autora desde o oitavo ano, até ao ingresso na faculdade.

13ª. – O acidente de viação “sub judice” ocorreu quando a Autora se encontrava a frequentar o oitavo ano de escolaridade, sendo que, na Audiência de Julgamento relativa aos presentes Autos foi inquirida a Testemunha BB (Mãe da Autora), e foi referido pela mesma que as aulas de dança “hip-hop” eram ministradas em ..., perto da escola que a Autora frequentou no oitavo e nono ano de escolaridade, e também que, quando a Autora ingressou no décimo ano de escolaridade, passou a frequentar uma escola sita em Porto ..., cidade onde residiam;

14ª. – Foi inquirido o irmão da Autora – CC – na Audiência de Julgamento, sendo que o mesmo referiu que as aulas de “violeta” eram também ministradas na cidade ...;

15ª. – Consta o seguinte do relatório pericial elaborado pelo Instituto de Medicina Legal e constante dos presentes Autos:

 “Não voltou a praticar hip-hop porque tal como não podia praticar educação física, não podia dançar “e depois saí da escola (o grupo de dança pertencia à escola) e nunca mais dancei”

(Cfr. pág. 6 do relatório pericial, notificado às Partes em 01/09/2021 e ao qual foi atribuída a referência nº. 976 904 85 pelo sistema “Citius”)

16ª. – Foi a própria Autora que referiu ao Perito do INML que o grupo onde dançava pertencia à escola, e, posteriormente, saiu dessa escola, sendo que tal matéria consta do 46º. facto considerado como provado na Sentença proferida pelo Tribunal.

17ª. – Verifica-se assim que o critério geográfico, quer relativo localização da residência da Autora (Porto ...), quer relativo à localização da escola onde a Autora frequentou o décimo ano de escolaridade (Porto ...) condicionou a frequência das aulas de “hip-hop” e de “violeta” (ministradas em ...).

18ª. – Entende a ora Recorrente que os factos numerados com 28 e 44 da matéria considerada como provada, não o poderiam ter sido, uma vez que nestes consta a ocorrência do acidente “sub judice” como causa única para a Autora ter deixado de frequentar as aulas de dança e de “violeta”, quando, na verdade, e atenta a prova produzida, se verifica que para tal concorreram outros fatores e causas, tal como a localização do local de ensino escolar e a residência da Autora;

19ª. – Entendeu também o Tribunal “a quo” considerar como provado o facto numerado como 29, o qual se transcreve:

“29. …

20ª. – A ora Recorrente entende que não foi feita prova da última parte do mesmo, ou seja, de que a Autora, à data do acidente era uma pessoa “sociável”;

21ª. – Na Audiência de Julgamento, o irmão da Autora – CC – descreveu a mesma como sendo, uma pessoa tímida e envergonhada anteriormente à ocorrência do acidente de viação “sub judice”, pelo que, desta forma, não poderá ser considerado como provado que anteriormente ao acidente “sub judice”, a Autora era uma pessoa sociável, visto que tal é a antítese de uma pessoa “tímida” e “envergonhada”;

22ª. – Entende a ora Recorrente que não poderá ser considerada como provada a matéria constante do facto numerado como 17, ou seja, o teor de um documento de cariz clínico junto pela Autora com a Petição Inicial;

23ª. – Tratando-se de um documento particular, a Ré Zurich impugnou o mesmo em sede de Contestação, sendo que, posteriormente, o Autor de tal documento não foi inquirido em sede de Audiência de Julgamento, pelo que não foi não foi produzida qualquer prova que permitisse confirmar o teor do mesmo;

24ª. – Ocorreu um lapso de escrita na redação do 2ª. facto considerado como provado na Sentença proferida, constando do mesmo que a matrícula do veículo segurado na Zurich é “84-46-20”;

25ª. – A matrícula do veículo é “..-..-LO”, tal como consta da Apólice de Seguro, junta à Contestação como Doc. nº. 1, pelo que se requer a correção da redação de tal facto considerado como provado;

26ª. – Na fundamentação da Sentença é referido que a Autora foi atropelada por um veículo pesado de passageiros, sendo que nos factos considerados com provados não consta a categoria do veículo.

27ª. – Em termos de danos não patrimoniais, verifica-se que a Autora alega que ficou traumatizada com a ocorrência do sinistro, tendo sido considerado como provado que: 45. …

28ª. – A tipologia e categoria do veículo atropelante é um fator a considerar quando tais danos são alegados (“medo e terror psicológico”), e, pela leitura da fundamentação da Sentença, verifica-se que o Tribunal entendeu que a categoria do veículo constituiu um facto que agravou os contornos do acidente “sub judice” neste domínio;

29ª. – Em termos memórias traumatizantes relacionadas com a ocorrência de um sinistro, será menos grave aquela em que se visualiza um veículo ligeiro – e consequentemente, de menores dimensões – em rota de colisão, do que a mesma situação que envolva um veículo pesado e de dimensões superiores;

30ª. – Verifica-se que o veículo segurado na Zurich e interveniente no sinistro “sub judice”, era um veículo ligeiro de mercadorias, e não um veículo pesado de passageiros, tal como consta da Apólice relativa ao contrato de seguro, a qual foi junta em anexo à Contestação como Doc. nº. 1, sendo que tal documento não foi impugnado.

31ª. – O cálculo da indemnização, efetuado nos termos do disposto nos Artsº. 496º. e 564º. Do Código Civil, leva em conta a gravidade do dano e as circunstâncias que o provocaram, e, em termos de memórias do sinistro em casos de atropelamento, as dimensões do veículo são um fator a considerar, sendo que, para efeitos de cálculo indemnizatório relativo a danos não patrimoniais (neste caso, o “medo e terror psicológico” resultante da memória do acidente), não poderia o Tribunal ter levado em conta que a Autora foi atropelada por um veículo pesado de passageiros;

32ª. – O cálculo do valor indemnizatório atribuído a título de compensação relativa a danos não patrimoniais, levou em conta determinados fatores que o Tribunal entendeu como lesivos, a saber:

- ferimentos sofridos pela Autora e “quantum doloris” associado;

- sequelas resultantes do sinistro, englobando o dano estético;

- tratamentos médicos a que a Autora foi sujeita;

- período de recuperação dos ferimentos;

- período em que ocorreu impossibilidade de frequentar o ensino escolar;

- impossibilidade de frequentar atividades extracurriculares;

- tipologia / categoria do veículo envolvido no sinistro;

- idade da Autora à data do sinistro.

33ª. – No que diz respeito ao valor atribuído na Sentença a título de danos não patrimoniais, verifica-se que, na determinação dos danos efetuada ao abrigo do disposto no Artº. 496º. Do Código Civil e respetivo cálculo efetuado ao abrigo do disposto no Artº. 564º. de tal diploma legal, o Tribunal englobou determinados fatores que entendeu como lesivos, sendo que, no entendimento da a ora Recorrente, os mesmos não se verificaram, visto que:

a) A Autora deixou de frequentar as aulas de “violeta” e as aulas de dança “hip-hop” não só em virtude das lesões ocorridas no acidente de viação “sub judice”, mas também pelo facto de ter mudado de escola para uma cidade diferente daquela onde frequentava as tais atividades extracurriculares;

b) O acidente de viação não envolveu um veículo pesado de passageiros, mas sim um veículo ligeiro de mercadorias, tal como se pode verificar pela leitura da Apólice de seguro, junta em anexo à Contestação como Doc. nº. 1;

c) Anteriormente ao sinistro, a Autora era uma pessoa tímida e envergonhada, tal como foi referido pelo irmão da mesma na Audiência de Julgamento.

34ª. – Consequentemente, se tais fatores não fossem englobados, o valor indemnizatório teria que ser inferior, atendendo-se à determinação dos danos e respetivo cálculo, tal como consta dos Artº. 496º. e 564º. do Código Civil, já que o lesante – e, consequentemente, a entidade para a qual aquele transferiu a responsabilidade civil – apenas poderá ser responsabilizado pelos danos por si causados, e na medida em que concorreu para a sua verificação;

35ª. – No domínio dos danos patrimoniais, na Sentença proferida, o Tribunal condenou a Zurich no pagamento à Autora da quantia de 40.000,00 Euros, tendo tal quantia sido atribuída:

a) a título de compensação pelo dano biológico de que a Autora ficou a padecer em resultado dos ferimentos ocorridos no acidente de viação “sub judice”, e,

b) a título de compensação atribuída à Autora relativamente a dano patrimonial futuro.

36ª. – Pela análise da fundamentação supra transcrita, verifica-se que o Tribunal classificou tal dano como sendo de cariz patrimonial, presumindo que as lesões sofridas pela Autora irão provocar, no futuro, uma perda da capacidade de ganho, sendo referido a fls. 36 da Sentença proferida, o seguinte:

“…”

37ª. – Salvo o devido respeito por entendimento diverso, a ora Recorrente entende que o dano biológico poderá assumir uma vertente patrimonial e uma vertente não patrimonial, conforme consta dos Acórdãos transcritos em sede de fundamentação do presente Recurso.

(Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 04/06/2013, proferido no Processo 2092/11.8T2AVR.C1 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 01/06/2021, proferido no Processo 1614/17.5T8GRD.C1);

38ª. – No que diz respeito ao dano biológico, constam da Sentença os seguintes factos considerados como provados:

49. “…”

39ª. – O exercício de atividades relacionadas com “Design e Multimédia” requer maioritariamente o uso de um computador, e, no relatório pericial constante dos presentes Autos, consta que a Autora referiu o seguinte ao Perito do INML que elaborou o mesmo:

“Nega limitações na utilização do computador, referindo somente “quando estou muito tempo (ao computador) doem-me os ombros (sic); nega limitações na aprendizagem ou nas tarefas inerentes à licenciatura que ingressou este ano lectivo, como seja desenhar.(sic)”

(Cfr. pág. 6 do relatório do INML, notificado às Partes em 01/09/2021 e ao qual foi atribuída a referência nº. 976 904 85 pelo sistema “Citius”)

40ª. – Tal matéria consta do 46º. facto considerado como provado na Sentença proferida pelo Tribunal “a quo”:

41ª. – A indemnização por danos patrimoniais futuros destina-se a compensar o lesado relativamente à perda da capacidade de ganho e penosidade inerente à prática de esforços acrescidos no desempenho da atividade profissional, sendo que, no caso em apreço:

a) não ocorreu perda da capacidade de ganho da Autora;

b) não se verifica a necessidade da prática de esforços suplementares no exercício da atividade profissional por parte da Autora, tal como se pode verificar pela leitura das conclusões constantes do relatório pericial elaborado pelo INML;

42ª. – Entende a ora Recorrente que o dano biológico sofrido pela Autora terá que ser classificado com dano não patrimonial, uma vez que, não se verifica qualquer prejuízo patrimonial derivado do dano biológico sofrido;

43ª. – Consequentemente, não se verificando qualquer prejuízo patrimonial para a Autora (perda da capacidade de ganho ou necessidade da prática de esforços acrescidos no exercício da atividade profissional), deverá ser a ora Recorrente absolvida do pagamento da quantia de 40.000,00 Euros, revogando-se a Sentença nesta parte, devendo a mesma ser substituída por Douto Acórdão onde seja fixado um valor indemnizatório destinado a compensar a Autora relativamente ao dano biológico na vertente não patrimonial;

Ou, subsidiariamente, caso se entenda manter a classificação do dano biológico sofrido pela Autora como dano de natureza patrimonial:

44ª. – No cálculo relativo à indemnização referente a danos patrimoniais, o Tribunal aplicou o disposto nos nºs. 1 e 2 do Artº. 564º. do Código Civil;

45ª. – O nº. 2 do Artº. 564º. do Código Civil é aplicável em duas situações distintas:

a) quando seja previsível a ocorrência de danos no futuro;

b) quando não é possível determinar a totalidade ou a extensão dos danos no momento de elaboração da Decisão.

46ª. – Existem elementos nos Autos que demonstram que não é previsível que ocorra qualquer perda da capacidade de ganho ou limitação no exercício da atividade profissional da Autora, já que:

a) no relatório elaborado pelo INML não consta qualquer referência a necessidade de realizar esforços acrescidos no exercício da atividade profissional;

b) não consta qualquer referência a previsibilidade de ocorrência de dano futuro;

c) o exercício de atividades relacionadas com “Design e Multimédia” requer maioritariamente o uso de um computador, e da Perícia realizada pelo INML constam declarações da Autora, nas quais a mesma nega dificuldades no uso de computadores, negando também limitações de aprendizagem e realização de tarefas relativas ao curso superior que se encontra a frequentar

47ª. – Salvo o devido respeito, a ora Recorrente não poderá concordar com a fundamentação constante da página 36 da Sentença proferida, onde consta o seguinte:

“…”

48ª. – Entende a ora Recorrente que não poderia ter sido aplicado o disposto no nº. 2 do Artº. 564º. do Código Civil ao caso concreto, visto que não se verificam os elementos e condicionantes que determinam a sua aplicação, ou seja, não existem elementos que façam prever a ocorrência de dano futuro;

49ª. – Entendendo-se o dano biológico como dano de natureza patrimonial, deveria ter sido efetuado um desconto (em regra, de 1/3 do valor indemnizatório, tal como tem vindo a ser fixado na Jurisprudência relativa ao tema em apreço) à quantia apurada a título indemnizatório, a fim de evitar a ocorrência de uma situação de enriquecimento sem causa por parte da Autora, dando-se assim cumprimento ao disposto nos Artsº. 473º. e seguintes do Código Civil;

50ª. – A este respeito cita-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no Processo 397/03.0GEBNV.S1 e disponível na Internet em www.stj.pt: de onde se retira o seguinte:

“…”.

51ª. – Verifica-se que um dos fatores levados em conta pelo Tribunal “a quo” no cálculo efetuado para efeitos de fixação da quantia indemnizatória relativa a dano patrimonial, foi o “tempo médio de esperança de vida”.

52ª. – Salvo o devido respeito por tese diversa, entende a ora Recorrente que o calculo do valor indemnizatório – neste domínio – deveria ser efetuado tendo em consideração o período de vida ativa, e não a esperança média de vida, citando-se a este respeito, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no Processo nº. 290/07.8PATNV.C1.S1 e disponível na Internet em www.dgsi.pt, onde consta o seguinte:

“… ”

53ª. – Deverá ser dado provimento ao presente Recurso, sendo revogada a Sentença proferida e substituída por Douto Acórdão onde:

a) seja operada a redução do valor indemnizatório fixado a título de compensação relativa a danos não patrimoniais,

b) se classifique o dano biológico sofrido pela Autora como dano de natureza não patrimonial;

c) seja a Zurich absolvida do pagamento à Autora da quantia de 40.000,00 Euros fixada a título de indemnização relativa a dano biológico e dano patrimonial futuro;

d) seja fixada quantia indemnizatória, destinada a compensar a Autora pelo dano biológico sofrido na sua vertente não patrimonial, ou, subsidiariamente, em relação ao dano biológico, caso se entenda manter a classificação do mesmo como dano patrimonial:

e) o valor indemnizatório de 40.000,00 Euros fixado na Sentença seja reduzido, levando em conta o que se acabou de expor nas presentes conclusões.

assim se fazendo acostumada Justiça !

Termos em que, e no muito que V. Exas. se dignarão suprir, deverá ser dado provimento ao presente Recurso, sendo revogada a Sentença proferida e substituída por Douto

Acórdão onde:

a) seja operada a redução – em valor a determinar no Douto entendimento dos Venerandos Juízes do Tribunal da Relação – do valor indemnizatório fixado a título de compensação relativa a danos não patrimoniais, sendo levado em conta que determinados danos não se verificaram e, parte dos danos relatados no presente recurso não foram apenas causados pela ocorrência do acidente de viação “sub judice”, tal como supra exposto;

b) se classifique o dano biológico sofrido pela Autora como dano de natureza não patrimonial;

c) seja a Zurich absolvida do pagamento à Autora da quantia de 40.000,00 Euros fixada a título de indemnização relativa a dano biológico – na sua vertente de cariz patrimonial – e dano patrimonial futuro;

d) seja fixada quantia indemnizatória, a determinar no Douto entendimento dos Venerandos Juízes do Tribunal da Relação, destinada a compensar a Autora pelo dano biológico sofrido na sua vertente não patrimonial,

ou, subsidiariamente, em relação ao dano biológico, caso se entenda manter a classificação do mesmo como dano patrimonial:

e) o valor indemnizatório de 40.000,00 Euros fixado na Sentença seja reduzido, levando em conta o que se acabou de expor relativamente ao cálculo do mesmo com base na vida ativa, ao desconto destinado a evitar a ocorrência de enriquecimento sem causa e à inexistência de elementos que façam prever a ocorrência de dano patrimonial futuro.

assim se fazendo acostumada Justiça !

3. A A. pugnou pela manutenção do decidido.

 

II – Factos Provados

 

1. No passado dia 23 de Abril de 2015, pelas 07H00, em Porto ..., a Autora, nascida em .../.../2001 – na altura menor, com 13 anos de idade – foi vítima de atropelamento quando se encontrava a aguardar o autocarro escolar – cfr. boletim de nascimento junto 15.12.2020, que aqui se dá por integralmente reproduzido

2. A Autora foi assim surpreendida pelo veículo com a matrícula ..-..-LO (por lapso escreveu-se 20), conduzido por DD e seguro na ora Ré, que, inesperadamente, saiu da sua mão de circulação e acabou por invadir o local perto da zona destinada à paragem do autocarro escolar.

3. O referido veículo acabou assim por colidir violentamente contra a Autora.

4. Ao local do acidente foram chamados os Bombeiros Voluntários ... que prestaram os primeiros socorros e transportaram a Autora para a Urgência do Hospital ... em ... - Cfr. doc. 1 de episódio de urgência junto a 27.08.2020 e que se dá por integralmente reproduzido.

5. Do acidente em causa resultaram as seguintes lesões:

a) - Escoriações na face: mento, hemiface esquerda e dor na abertura da boca;

b) - Fractura fechada dos ossos da perna esquerda;

c) - Fractura fechada do cubito esquerdo.

6. A Autora foi submetida, entre outros, a engessamento da perna esquerda e cirurgia ao braço esquerdo, tendo permanecido internada no Hospital ... em ... até ao dia 27 de Abril de 2015, data em que teve alta - Cfr. doc. 2 de nota de alta junto com a petição inicial (P.I.) e que se dá por integralmente reproduzido.

7. No período que se seguiu, durante cerca de 5 meses, a Autora esteve em repouso total no seu domicílio, devidamente medicada para as dores, tendo faltado por completo ao 3.º período de aulas escolares e vendo-se privada do gozo das suas férias de verão.

8. Durante este período, e em face das lesões que resultaram do sinistro, a Autora voltou a ter que ser submetida a nova intervenção cirúrgica em 19 de Julho de 2015, tendo assim passado por mais um período de internamento de 19 a 20 de Julho de 2015 - Cfr. doc. 3 de carta de referência de enfermagem e nota de alta junto com a P.I. e que se dá por integralmente reproduzido.

9. Participado o sinistro à Ré, e findo o habitual processo de instrução, foi por esta assumida a responsabilidade sobre o sinistro e a Autora passou a ser seguida na rede médica da Ré - Cfr. doc. 4 de carta de definição

de responsabilidade junto com a P.I. e que se dá por integralmente reproduzido.

10. A Autora foi assim, durante um longo período de tempo, sujeita a consultas e tratamentos na rede médica da Ré, tratamentos esses integralmente suportados pela Ré.

11. Apenas em 26 de Setembro de 2019 foi considerado pelo “corpo clinico” da Ré que as lesões em resultado do sinistro se encontravam devidamente consolidadas, tendo assim sido emitido relatório médico de avaliação de dano corporal - Cfr. doc. 5 relatório de avaliação de dano corporal efectuado por prestador clinico da Ré junto com a P.I. e que se dá por integralmente reproduzido.

12. A Autora foi submetida a 2 operações cirúrgicas e de acordo com o relatório médico de avaliação de dano corporal elaborado pelo serviço clinico da Ré (doc. 5), foi atribuída à Autora uma IPP de 4 pontos, Quantum Doloris de 2 pontos e Dano estético de 3 pontos.

13. Quanto a períodos de incapacidade, foram fixados à Autora pelos serviços clínicos da Ré, a título de Incapacidade Temporária Geral Total (ITGT) 146 dias (de 23/04/2015 a 15/09/2015) e SI de cerca de 1465 dias (de 15/09/2015 a 26/09/2019) - (doc. 5),.

14. A Ré propôs indemnização pelo valor total de € 10.000,00, o que a A. não aceitou.

15. O acidente supra referido ficou a dever-se a culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na Ré tendo esta assumido a sua responsabilidade pela produção do sinistro, a qual se encontrava transferida para a Ré por via do Contrato de Seguro de Responsabilidade Civil Automóvel (apólice n.º ...67) – cfr. doc. 1 junto com a contestação e que se dá por integralmente reproduzido.

16. A Autora foi submetida a exame de avaliação médico-legal por parte do prestador clínico da Ré (doc. 5) que lhe determinou o seguinte:

- IPP ou IPG de 4 pontos;

- Quantum Doloris de 2 pontos (escala de 1 a 7);

- Dano Estético de 3 pontos (escala de 1 a 7);

17. Recorreu também a Autora a avaliação médico-legal efectuada pelo Médico Especialista, Dr. EE, Assistente Graduado do Serviço de Ortopedia do Hospital ... e habilitado pelo Instituto de Medicina Legal ..., tendo-lhe sido determinado o seguinte – (Cfr. relatório de avaliação de dano corporal efectuado pelo Dr. EE cuja junto como doc. 6 junto com a P.I. e que se dá por integralmente reproduzido):

- IPP ou IPG de 6 pontos;

- Quantum Doloris de 4 pontos (escala de 1 a 7);

- Dano Estético de 2 pontos (escala de 1 a 7);

- ITGT de 146 dias e SI de cerca de 1465 dias.

18. A Autora frequenta actualmente o Curso Superior de Design e Multimédia da Universidade ...;

19. Aquando do atropelamento e como consequência deste a Autora temeu pela sua vida, sofreu dores intensas avaliadas em “score” de grau 9 - doc. 1 de episódio de urgência junto a 27.08.2020 e que se dá por integralmente reproduzido;

20. Foi sujeita a um período de internamento inicial desde 23.04.2015 a 27.04.2015, tendo sido sujeita, inclusivamente, a cirurgia ao cubito esquerdo, com colocação de material de osteossíntese - conforme doc. 1;

21. Volvidos cerca de 3 meses após a data do acidente (de 19/07/2015 a 20/07/2015), foi a Autora novamente sujeita a novo período de internamento (1 dia) para efeitos de nova cirurgia ao cubito esquerdo - conforme doc. 2 já referido.

22. De acordo com os serviços clínicos da Ré, a Autora teve em situação de Incapacidade Temporária Geral Total (ITGT) durante 146 dias (de 23/04/2015 a 15/09/2015) - conforme doc. 5 já referido.

23. Durante este período a Autora esteve completamente dependente da ajuda de terceira pessoa, in casu, a sua mãe que a acompanhou “exaustivamente”.

24. Por via do engessamento da perna e braço esquerdo, a Autora viu-se remetida para uma cama durante longo período de tempo, sendo que na

fase final da ITGT passou para uma cadeira de rodas por forma a aceder a outras divisões da casa.

25. Viu-se completamente privada das mais elementares e básicas tarefas do dia-a-dia, como fazer a sua higiene pessoal, o que apenas foi possível com a ajuda da sua mãe.

26. Viu-se forçada a faltar por completo ao 3.º período do ano lectivo em curso à data do acidente.

27. Não gozou as férias de Verão de 2015, passando todo esse período em casa.

28. Viu-se completamente privada da frequência – ainda hoje assim se mantém – de actividades extracurriculares que frequentava à data do acidente.

29. À data do acidente, a Autora era uma jovem dinâmica, boa aluna, interessada e sociável.

30. Frequentava o conservatório de música onde tinha aulas de violino/violeta.

31. À data do acidente era praticante de hip-hop.

32. Era, portanto, saudável, atlética, não tinha quaisquer dores e nada a impedia de ser uma criança/jovem “normal”.

33. Passou por um longo período de fisioterapia onde realizou 40 sessões, 20 ao membro superior esquerdo e 20 ao membro inferior esquerdo -

Cfr. requisição de fisioterapia junto como doc. 7 com a P.I. que se dá por integralmente reproduzido.

34. Desde a data do acidente até presente data tem necessitado de ajuda medicamentosa em situações de SOS em virtude de por diversas vezes ter de lidar com dores no braço esquerdo e no joelho esquerdo, dores essas que aumentam com as variações de tempo (meteorológico) e obrigam a Autora a recorrer a tratamento medicamentoso de analgesia.

35. Padece de uma dismetria dos membros inferiores de 18 mm - Cfr. relatório de exame junto como doc. 9 junto com a P.I. bem como relatório do INML de 27.08.2021 junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

36. O Joelho da perna esquerda apresenta uma deformação na medida em que após o sinistro passou a estar “valgo à esquerda clinicamente com cerca de 10º” - conforme doc. 6 já referido.

37. Após o sinistro nunca mais a Autora se sentiu “confortável” e “confiante” com o seu corpo.

38. A Autora não se sente confortável no uso de determinadas roupas que exponham a cicatriz do braço esquerdo assim como o joelho esquerdo.

39. Ficou com uma híper sensibilidade na zona da cicatriz no braço esquerdo, desenvolvendo fobia ao mero “toque” no braço esquerdo.

40. A dismetria de 18 mm dos membros inferiores provoca na Autora a sensação de uma “perna mais cumprida que a outra”, tendo a mesma desenvolvido, após a data do sinistro um andar claudicante.

41. A Autora perdeu por completo o interesse na dança, não se sentindo capaz de executar as aulas.

42. Nunca mais frequentou as aulas de violino/violeta que tanto gostava antes da ocorrência do sinistro na medida em que se sente limitada ao nível do braço.

43. Após o acidente e nos períodos que se seguiram, sempre viu a sua vida altamente limitada no âmbito de aulas de educação física.

44. Em resultado do acidente, a Autora sente-se desinteressada e incapaz de voltar a praticar as actividades extracurriculares que praticava antes do sinistro.

45. A A. sentia medo e terror psicológico, após o sinistro, sempre que se deslocava junto da paragem de autocarro onde ocorreu o mesmo.

46. Do teor do relatório pericial do INML de avaliação do dano corporal de 27.08.2021 (que aqui se dá por integralmente reproduzido) consta designadamente o seguinte: “A. Queixas: A nível funcional (…) Nesta data a examinanda refere as queixas que a seguir se descrevem: (…)

Postura, deslocamentos e transferências: quando se agacha o joelho esquerdo “estala” (sic) – (…);

Fenómenos dolorosos: ao longo da coluna vertebral, de maior intensidade na coluna dorso-lombar e “ombros”; no braço (aponta para o terço proximal da face posterior do antebraço) e joelhos esquerdos, mas também na coluna lombar, associados a mudanças climatéricas, como chuva e humidade e mais acentuados no período nocturno;

Outras queixas a nível funcional: refere que “noto que está mais solto” (membro superior esquerdo) (sic) (aponta para a articulação do cotovelo), refere evitar esforços com o membro superior esquerdo (…) Menciona que tem receio de atravessar a estrada, assim com quando é passageiro dianteiro (…);

A nível situacional - Actos da vida diária: (…) refere queixas álgicas na região lombar” (…);

 Vida afectiva, social e familiar: “actualmente não pratica nenhum desporto, efectuando esporadicamente “exercícios em casa, mas não quero esforçar o joelho” (sic) Não voltou a praticar hip-hop porque tal como não podia praticar educação física, não podia dançar “e depois saí da escola (o grupo de dança pertencia à escola) e nunca mais dancei” (sic) menciona sentir-se inibida de ir à praia ou de utilizar determinado tipo de vestuário, como sejam leggins até ao nível do terço proximal da perna ou vestuário com riscas verticais, devido ao valgo que aresenta no joelho esquerdo; refere que “não gosto que me toquem no braço esquerdo” (sic), por desconforto e receio de se magoar;

Vida profissional ou de formação: refere que após o acidente em apreço o seu professor do conservatório de música (frequentava o 5.º ano do conservatório e tocava violino) elaborou “um plano especial (para praticar violino) (sic) para a examinanda, mas refere que depois acabou por desistir porque “não tinha a mesma destreza…a mão esquerda é a que toca as notas…não era tão boa como antes…” (sic). Nega limitações na utilização do computador, referindo somente “quando estou muito tempo (ao computador) doem-me os ombros (sic); nega limitações na aprendizagem ou nas tarefas inerentes à licenciatura que ingressou este ano lectivo, como seja desenhar.”

47. A A. como consequência do acidente supra referido apresenta as seguintes sequelas:

 “Face: 2 discretas cicatrizes rosadas, aproximadamente transversais e paralelas entre si, lineares, na linha média da região submentoniana, a maior e mais anterior medindo 0,8cm e a mais posterior0,6cm. Nega dor, parestesias ou alteração da sensibilidades locais.;

Membro Superior Esquerdo: cicatriz rosada, de características cirúrgicas, no terço proximal da face póstero-medial do antebraço, medindo 3x2,5cm de maiores eixos, negando dor parestesias ou alteração da sensibilidades locais no terço proximal da face posterior do antebraço; mobilidades mantidas e indolores; força muscular mantida, mesmo contra resistência;

Membros inferiores: crepitação dos joelhos à mobilização; mobilidades articulares mantidas dentro dos parâmetros de normalidade e indolores bilateralmente; desvio em valgo do joelho esquerdo. Distância da cicatriz umbilical ao maléolo medial: à direita de 91cm e à esquerda de 90,5cm; ausência de amiotrofias das pernas (perímetros medidos a 15cm do polo inferior da rótula) – 30,5 cm à direita e 30cm à esquerda.” – cfr. relatório de perícia de avaliação do dano corporal do INML de 27.08.2021, que aqui se dá por integralmente reproduzido;

48. Do teor do relatório do INML referido consta, sob a epígrafe “Discussão”, designadamente o seguinte: “Os elementos disponíveis permitem admitir a existência de nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano atendendo a que se confirmam os critérios necessários para seu estabelecimento: existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumática, o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões, se exclui a existência de uma causa estranha relativamente ao traumatismo e se exclui a pré-existência de dano corporal.”

49. Do teor das conclusões do referido relatório do INML referido consta o seguinte:

 “A data de consolidação médico-legal das lesões é fixável em 16.09.2016;

 Período de défice funcional temporário total fixável em 7 dias;

 Período de défice funcional temporário parcial fixável em 506 dias;

 Período de repercussão temporária na actividade profissional/de formação total fixável em 92 dias;

 Período de repercussão temporária na actividade profissional/de formação parcial fixável em 421 dias;

 Quantum doloris fixável no grau 4/7;

Défice funcional permanente da integridade físico psíquica fixável em 5,88 pontos;

 As sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, compatíveis com a actividade de formação que frequenta.

 Dano estético permanente fixável no grau 3/7 ;

 Repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável no grau 3/7.”

50. Do teor do referido relatório do INML consta igualmente o seguinte relativamente ao “Défice funcional permanente da integridade físico psíquica” que foi fixado em 5,88 pontos: “assim consideraram-se os danos permanentes constantes da tabela seguinte:

Sequelas do traumatismo do membro superior esquerdo (fractura da diáfise cubito esq) tratada cirurgicamente com encavilhamento cúbito com FK e posterior extracção do material de osteossíntese – ao exame objectivo apresenta deformação saliente, notória à inspecção e à palpação, no terço proximal da face posterior do antebraço (…);

Sequelas do traumatismo do membro inferior esquerdo (fractura da tíbia e peróneo) tratado conservadoramente – ao exame objectivo apresenta desvio em valgo do joelho esquerdo; distância da cicatriz umbilical ao maléolo medial: à direita de 91cm e à esquerda de 90,5cm com tradução imagiológica de 18mm (…)”;

51. A A. residia na altura do sinistro durante o período de recuperação no 2.º andar de um prédio sem elevador;

52. Como consequência das lesões sofridas pela A. na sequência do acidente em apreço nestes autos e tendo em conta o apoio e assistência que necessitava, o quarto da A. foi mudado para a sala de jantar da respectiva residência em virtude de ter mais espaço para o efeito;

53. Não obstante após o sinistro a A. ter um andar claudicante, actualmente tal já não é notório.

 

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Alteração da matéria de facto.

- Indemnização a atribuir à A.

2. A R. impugnou a decisão da matéria de facto, relativamente aos factos provados 2., 17., 28., 29. 44., pugnando pela correcção do 1º indicado, que o 2º, 3º e 5º indicados passem a não provados e resposta restritiva ao 4º. Isto com base nos depoimentos das testemunhas BB e CC, prova documental e relatório que especificou (conclusões de recurso 2ª, 3ª, 8ª a 25ª).

Na motivação da decisão da matéria de facto o tribunal a quo exarou que:

“O Tribunal formou a sua convicção com observância o princípio da liberdade de julgamento e conjugando os diversos elementos de prova produzidos ao longo do processo e devidamente sujeitos às regras da contraditoriedade e da imediação.

Os factos considerados como provados foram-no com base nos documentos juntos aos autos, bem como nos depoimentos das testemunhas.

Assim, os documentos relevantes para a formação da convicção do tribunal foram já indicados nos respectivos factos dados como provados, que em conjugação com o depoimento das testemunhas inquiridas, permitiu dar como provados os factos supra elencados.

De facto, as declarações das testemunhas arroladas pela A. revestiram grande espontaneidade e segurança, denotando vivência e conhecimento directos do sucedido, sendo consistentes, pelo que convenceram plenamente o Tribunal.

As testemunhas BB, mãe da A., CC, irmão da A. e de FF, empregada doméstica do avô da A., denotaram, não obstante a proximidade familiar e afectiva com a A., grande isenção e objectividade, tendo descrito com pormenor e espontaneidade o estado de saúde físico, psíquico e emocional da mesma, sendo além do mais consistentes e coerentes, merecendo assim plena credibilidade.

Note-se, igualmente, que relativamente às queixas veiculadas pela A. às Exmas. Sras. Peritas do INML e descritas no respectivo relatório, vão ao encontro do teor dos depoimentos das testemunhas ouvidas, o que reforça a sua consistência.

Ora, tais depoimentos em conjugação com a referida prova documental junta aos autos permitiu dar como provados os factos supra referidos.

Relativamente à prova documental e especificamente aos relatórios médicos (referidos nos factos provados), o tribunal ponderou todos os elementos e informações constantes dos mesmos tendo o relatório pericial do INML especial prevalência probatória atendendo à sua natureza pericial, pelo que havendo elementos discrepantes ou não totalmente coincidentes se deu prevalência ao teor do relatório pericial do INML (como é o caso do facto não provado em a) resultando o inverso do relatório pericial, como resulta dos factos dados como provados).

(…)

Quanto aos factos dados como provados nos pontos 37 a 45., foram os mesmos dados como provados com base do depoimento das testemunhas inquiridas, especificamente BB, CC e FF, em conjugação com as regras da experiência.”.

2.1. Relativamente ao facto provado 2., menciona-se aí uma matrícula terminada no número 20, o que se deve a lapso, sendo antes LO, como se refere na apólice de seguro junto aos autos pela R. Cabe, pois, fazer a devida rectificação.

2.2. No respeitante ao facto provado 17., entende a recorrente que não poderá ser considerada como provada a matéria constante do facto numerado como 17., ou seja, o teor de um documento de cariz clínico junto pela A. com a p.i., porquanto se trata de um documento particular que a R. impugnou na contestação, sendo que, posteriormente, o autor de tal documento não foi inquirido em sede de audiência de julgamento, pelo que não foi não foi produzida qualquer prova que permitisse confirmar o teor do mesmo.

É apodíctico que a impugnação da matéria de facto consagrada no art. 640º do NCPC não é uma pura actividade gratuita ou diletante.

Se ela visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados, ela tem, em última instância, um objectivo bem marcado. Possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada ou não provada, para que, face à eventual nova realidade a que se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu. Isto é, que o enquadramento jurídico dos factos tidos por provados ou não provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada.  

Assim, se por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for irrelevante ou insuficiente para a solução da questão de direito e para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois nesse caso mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo factual anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente destituído de eficácia, por não interferir com a solução de direito encontrada e com a decisão tomada.

Por isso, nestes casos de irrelevância ou insuficiência jurídica, a impugnação da matéria de facto não deve ser conhecida sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente (vide Ac. desta Relação de 12.6.2012, Proc.4541/08.3TBLRA, em www.dgsi.pt).

Isto porque, a alteração da matéria de facto, nos pontos precisos que forem impugnados será irrelevante, insuficiente ou desnecessária se nenhuma interferência tiver na dita solução de direito.

No nosso caso verifica-se que o dito facto 17. se reporta a um relatório de avaliação de dano corporal efectuado por um médico. Acontece que tal avaliação médico-legal foi levada a efeito pelo INML, e foi com base no respectivo relatório que a julgadora de facto, e muito bem, deu por provada a matéria relevante. Que, de seguida, chamou à colação para arbitrar a respectiva indemnização.

Assim, o conhecimento desse impugnado facto acaba por ser desnecessário, por neste momento não ter qualquer importância para o recurso da R. e para a solução jurídica da causa.  

Considerando o explicitado, e tendo em conta que a impugnação de facto deduzida pela R. visa factualidade que acaba por se tornar dispensável para a sorte do seu recurso, então a referida impugnação, relativamente à apontada factualidade não tem de ser conhecida.

2.3. Quanto aos factos 28., 29. e 44., ouvimos a prova gravada em CD respeitante a tal matéria.

A testemunha BB, mãe da A., disse que, à data do acidente, a filha frequentava as aulas de dança “hip-hop” em ..., numa escola perto da escola onde ela estudava. No ano seguinte, quando já andava no 9º ano, ela não podia fazer exercício nenhum. Não podia fazer nada. E depois no 10º ano veio para Porto ..., saindo de .... Mas a testemunha não disse só isto que a recorrente transcreveu. Disse, também, que a filha tem muitas dores ainda á data de hoje, especialmente nas mudanças de tempo. Durante 1 ano não retomou as actividades físicas porque ficou limitada, sentindo dificuldades físicas, tendo dores nos joelhos e anca. Passado 1 ano a filha recusou-se a ir para ... e passou para outra escola em Porto ..., onde residia, porque não queria estar ao pé da paragem de autocarro onde foi atropelada. Faz, actualmente, fisioterapia, osteopatia e massagens para aliviar as dores. Exercícios físicos não consegue fazer, só alongamentos, e nem sequer consegue acompanhá-la a ela, mãe, numa caminhada.

A testemunha CC, irmão da A., declarou que ela frequentava violeta no conservatório em ..., ao lado da escola dela. Não se recorda se depois do acidente ela não voltou a este conservatório, mas é capaz de ter voltado. No 10º ano frequentou a escola secundária ..., onde residia, e saiu de .... Antes da ocorrência do acidente, ela era um bocadinho tímida no início. Mas quando mudou para ... começou, com o grupo de amigos que tinha a desabrochar, pronto, a integrar-se melhor com os amigos e estava a começar a ser uma pessoa diferente. Ela passou a ter aulas em ... no 8º ano. Mais disse mais, além do transcrito pela recorrente. Disse que a irmã tinha dores constantes. A irmã não pratica “hip-hop” ou violeta, mas não é por se ter desinteressado. Socialmente ficou mais carregada, com vergonha com as colegas, ficou mais tímida/envergonhada com as amigas. 

Com exceção do período do oitavo ano de escolaridade que antecedeu a ocorrência do acidente, o irmão da Autora descreveu-a como sendo uma pessoa tímida e envergonhada.

Ouvimos, também, a testemunha FF, empregada doméstica, do avô, referida na motivação da julgadora de facto e pela recorrida nas suas contra-alegações. A mesma referiu que conhece a A. desde que nasceu. Era uma criança divertida e bem-disposta antes do acidente. Depois do acidente perdeu a vontade de sair. Ela era dada com todas as pessoas. Agora ficou mais metida nela. Ficou menos sociável, tem menos à vontade do que antes.

Analisando.

Desta prova testemunhal, resulta inequivocamente que a A. deixou de realizar aulas de “hip-hop” e violeta devido ao acidente de viação de que foi vítima, e à consequente incapacidade física de que passou a padecer, com limitações físicas e dores. O mesmo resulta do relatório pericial elaborado pelo IML, espelhado no facto 46., sub-ponto 5., que reza Não voltou a praticar hip-hop porque tal como não podia praticar educação física, não podia dançar “e depois saí da escola (o grupo de dança pertencia à escola) e nunca mais dancei”, e su-ponto 6., que reza “após o acidente em apreço o seu professor do conservatório de música (frequentava o 5.º ano do conservatório e tocava violino) elaborou “um plano especial (para praticar violino) (sic) para a examinanda, mas refere que depois acabou por desistir porque “não tinha a mesma destreza…a mão esquerda é a que toca as notas…não era tão boa como antes…”.

Não temos dúvidas, por isso, em aceitar e reafirmar que a A. se viu privada da frequência de actividades extracurriculares que frequentava à data do acidente e que não se sente capaz para voltar a praticar as mesmas, devido ao acidente de que foi vítima.

Por conseguinte, a impugnação deduzida aos factos provados 28. e 44., só por aqui, improcede.

Adicionalmente diremos que, ao contrário do que defende a recorrente, não resulta do facto 44. que aí se se exprima que a única e exclusiva causa para a A. ter deixado de realizar as actividades extracurriculares que praticava tenha sido o acidente. Que foi o acidente foi !

Agora, se houve outras razões para a A. ter deixado de praticar essas actividades, como a recorrente sugere ao invocar critérios geográficos relativos à residência da A. e localização das aulas de “hip-hop” e violeta, competia-lhe a ela provar essa situação, o que não fez, porque inclusivamente nem os alegou na sua contestação. Sibi imputet.   

E quanto ao facto 28., o mesmo se diga, ou seja, provou-se, face aos apontados depoimentos testemunhais, que a A. era uma jovem sociável que saía e convivia com amigos e colegas de escola, o que começou a deixar de acontecer após o acidente.

Em suma, improcede a impugnação da decisão da matéria de facto deduzida pela R./recorrente.

3.1. Na sentença recorrida, sobre indemnização por danos não patrimoniais, escreveu-se que:

“Passemos à fixação dos danos de natureza não patrimonial de molde a que o valor indemnizatório seja justo, actualizado e verdadeiramente compense os danos que estão em causa.

No que concerne a danos não patrimoniais prescreve o artigo 496º nº1 do C.C. que na fixação da indemnização para além dos danos patrimoniais deve atender-se também aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, sendo que a gravidade desses danos há-de medir-se por um padrão objectivo e não à luz de factores subjectivos, cabendo ao tribunal e em face de cada caso concreto aferir se o dano é ou não merecedor de tutela do direito, devendo a reparação obedecer a juízos de equidade atento o circunstancialismo de cada caso concreto, ponderando o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias relevantes, deve ser proporcionada à gravidade do dano, tomando em consideração a justa medida das coisas e a criteriosa ponderação da realidade da vida( artigos 493 nº 3 A. Varela Ob. cit. )

E, tornando-se sempre difícil determinar a indemnização justa, o valor compensador, porquanto é impossível determinar a intensidade da dor alheia, no entanto, tal dificuldade não conduz a que se deixe de fixar uma indemnização tanto quanto possível justa, atendendo aos critérios referidos- Pois se é certo que as dores e o sofrimento não podem ser reintegrados mesmo por equivalente, mas é possível proporcionar ao lesado uma satisfação "em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, no qual se podem incluir mesmo interesses de ordem refinadamente ideal" (Mota Pinto, Teoria Geral, 3ª ed., pág. 115). (A.Varela; Obrigações em Geral, pags.429, Ac. STJ 27-5-79,BMJ287-292).

Feitas estas considerações resta-nos avaliar os danos apresentados pela A. nesta sede que lograram prova, tendo esta peticionado a quantia total de €35.000,00, por danos morais em consequência do acidente.

Da matéria de facto provada resulta que deste acidente resultaram para a A. as lesões supra referidas na matéria dada como provada, desde logo:

a) - Escoriações na face: mento, hemiface esquerda e dor na abertura da boca;

b) - Fractura fechada dos ossos da perna esquerda;

c) - Fractura fechada do cubito esquerdo.

A Autora foi submetida, entre outros, a engessamento da perna esquerda e cirurgia ao braço esquerdo, sujeita a duas intervenções cirúrgicas, a um período prolongado de realização de fisioterapia, sendo que no período que se seguiu ao acidente e durante cerca de 5 meses, a Autora esteve imobilizada no seu domicílio, devidamente medicada para as dores, tendo faltado por completo ao 3.º período de aulas escolares e vendo-se privada do gozo das suas férias de verão.

Durante este período a Autora esteve completamente dependente da ajuda da sua mãe que a acompanhou e apoiou completamente, vivendo para a recuperação da filha, ora A., que se encontrava acamada devido ao engessamento praticamente total da perna e braço esquerdo, sendo que na fase final da ITGT passou para uma cadeira de rodas por forma a aceder a outras divisões da casa. Durante este período a A. viu-se completamente privada das mais elementares e básicas tarefas do dia-a-dia, como fazer a sua higiene pessoal, o que apenas foi possível com a ajuda da sua mãe, que mudou o quarto da A. para a sala de jantar uma vez que o quarto era demasiado exíguo para a realização de todas as actividades de apoio à ora A.

Por outro lado, a residência da A. situa-se no segundo andar de um prédio sem elevador, pelo que na fase em que a A. estava imobilizada (cerca de 5 meses) a A. tinha que ser transportada ao colo da mãe e do irmão, pelo que evitava ao máximo sair de casa, tendo que o fazer necessariamente para ir às consultas e tratamentos médicos, com todas as dificuldades logísticas que isso acarretava.

A A., em consequência das lesões sofridas pelo acidente em apreço nestes autos, viu-se forçada a faltar por completo ao 3.º período do ano lectivo em curso à data do acidente, pelo que não obstante não ter perdido o ano lectivo e ter transitado para o 9.º ano de escolaridade, a verdade é que ficou privada dos ensinamentos e nessa medida dos conhecimentos ministrados no 3.º período do 8.º ano de escolaridade, ensinamentos esses, que como decorre das regras da experiência, revestem enorme relevância não só no percurso académico mas igualmente na formação pessoal da ora A., designadamente na sua cultura geral e que nessa medida são irrecuperáveis.

A A. não gozou igualmente as férias de Verão de 2015, passando todo esse período em casa.

Note-se igualmente que o acidente ocorreu a 23.04.2015 e apenas em 26.09.2019 foi considerado pelo “corpo clinico” da Ré que as lesões em resultado do sinistro se encontravam consolidadas, tendo realizado cerca de 40 sessões de fisioterapia, 20 ao membro superior esquerdo e 20 ao membro inferior esquerdo, o que representa um período de recuperação muito prolongado, com todo o desgaste físico e psicológico que tal processo de cura e de tratamento acarreta.

Note-se que o INML fixou o período de défice funcional temporário total em 7 dias; o período de défice funcional temporário parcial em 506 dias; o período de repercussão temporária na actividade profissional/de formação total em 92 dias e o período de repercussão temporária na actividade profissional/de formação parcial fixável em 421 dias, o que representa efetivamente um período muito longo de afectação da A. aos tratamentos e recuperação.

A A. viu-se completamente privada da frequência – ainda hoje assim se mantém – de actividades extracurriculares que frequentava à data do acidente.

De igual modo e em termos anímicos e emocionais, a A., à data do acidente, era uma jovem dinâmica, boa aluna, interessada e sociável, frequentava o 5.º grau do conservatório de música onde tinha aulas de violino/violeta, tendo aulas de dança de hip-hop na escola, todavia, após o sinistro nunca mais a Autora se sentiu “confortável” e “confiante” com o seu corpo, usando roupas que tapem a cicatriz do braço esquerdo assim como o joelho esquerdo, tendo um certa fobia ao mero “toque” no braço esquerdo, sentindo desconforto e medo.

Tal falta de confiança e auto estima foram acentuadas pela dismetria de 18 mm dos membros inferiores que provoca na Autora a sensação de uma “perna mais cumprida que a outra”, tendo a mesma desenvolvido, após a data do sinistro um andar claudicante, que actualmente já não denota.

A Autora perdeu igualmente e por completo o interesse na dança, sentindo-se desanimada e não se sentindo capaz de executar as aulas. De igual modo nunca mais frequentou as aulas de violino/violeta que tanto gostava antes da ocorrência do sinistro na medida em que se sente limitada ao nível do braço.

Após o acidente e nos períodos que se seguiram, sempre viu a sua vida altamente limitada no âmbito de aulas de educação física.

Deste modo e em resultado do acidente, a Autora sente-se desinteressada e incapaz de voltar a praticar as actividades extracurriculares que praticava antes do sinistro.

Note-se que a A. sentia medo e uma certa fobia, após o sinistro, sempre que se deslocava junto da paragem de autocarro onde ocorreu o mesmo.

A A., tinha apenas 13 anos de idade na data em que foi atropelada abruptamente pelo autocarro escolar, teve uma dolorosa e lenta recuperação, tendo ficado com sequelas que lhe ficarão para o resto da sua vida, afectando mesmo a sua postura física (atendendo ao encurtamento irreversível do membro inferior esquerdo em 18 mm) e a sua mobilização, além de que os fenómenos dolorosos de que padeceu ao longo de todo o processo de cura foram intensos, prolongando-se por um longo período temporal, tendo a perícia do INML fixado o quantum doloris no grau 4/7.

Acresce que além do mais e desde a data do acidente até presente data a A. tem necessitado de ajuda medicamentosa em situações de SOS em virtude de por diversas vezes ter de lidar com dores no braço esquerdo e no joelho esquerdo, dores essas que aumentam com as variações de tempo (meteorológico) e obrigam a Autora a recorrer a tratamento medicamentoso de analgesia.

A A. ficou com um défice funcional permanente da integridade físico psíquica de 5,88 pontos, tendo ficado com danos permanentes, desde logo deformação saliente, notória à inspecção e à palpação, no terço proximal da face posterior do antebraço esquerdo e desvio em valgo do joelho esquerdo, tendo ficado com a perna esquerda 18mm mais curta que a perna direita.

Assim, a A. sofreu, em consequência do acidente ora em apreço, um dano estético permanente que a perícia do INML fixou no grau 3/7, mais tendo a A. sofrido em consequência do referido acidente uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer que a perícia do INML fixou no grau 3/7.

Ponderada toda a factualidade supra exposta afigura-se concluir, que não fora o facto da ocorrência do acidente e os A. não teria sofrido tais danos, de gravidade considerável.

A situação que nos vem descrita, configura um dano considerável, retirando qualidade de vida, tanto a nível físico como emocional, a uma jovem de apenas 13 anos de idade, saudável e activa que se encontrava em plena adolescência a frequentar diversas actividades extracurriculares, com toda a potencialidade que a idade implica, sendo saudável e tendo gosto nas actividades que realizava.

Na sequência e como consequência do acidente a A., com todo o sofrimento que as lesões sofridas e respectiva recuperação acarretaram, viu a sua autoconfiança afectada, ficando sem ânimo e com receio para a realização de actividades físicas, de igual modo se sentindo incapaz para retomar as anteriores actividades, desde logo o conservatório, sentindo que já não era tão boa e que não tinha destreza no braço esquerdo que antes tinha, o que indubitavelmente, como resulta das regras da experiência, contribuiu para acentuar tal desânimo e tal perda de autoconfiança.

Tal tristeza e tal perda de entusiasmo, auto confiança, capacidade e de vitalidade apenas a própria A. consegue saber em que consiste, e sabê-lo-á diária e continuamente, mas cabe ao tribunal ser capaz de se colocar na posição do outro e assim avaliar o valor que tal perda tem numa pessoa com o estilo de vida e com a idade da A., idade fulcral para a formação da personalidade de qualquer pessoa e determinante no que respeita à consolidação de sentimentos como a auto estima e auto confiança, sentimentos esses que são muito sustentados na auto imagem e na concepção e consciência do corpo, que como resulta dos factos provados ficou com sequelas permanentes e irreversíveis.

Nessa medida a A. deverá ser devidamente compensada, com a noção de que qualquer valor não poderá nunca compensar o dano sofrido.

Pelo que atentos os critérios supra referidos, decido avaliar tais danos, englobando a ponderação do quantum doloris na globalidade dos danos não patrimoniais, e atento o critério de equidade estatuído na lei, na quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) valor que se afigura ser um valor equitativo e totalmente justo na situação em apreço.”.

A recorrente discorda, dado que: na fundamentação da sentença é referido que a A. foi atropelada por um veículo pesado de passageiros; a A. deixou de frequentar as aulas de “violeta” e as aulas de dança “hip-hop” não só em virtude das lesões ocorridas no acidente de viação “sub judice”, mas também pelo facto de ter mudado de escola para uma cidade diferente daquela onde frequentava as tais atividades extracurriculares; anteriormente ao sinistro, a A. era uma pessoa tímida e envergonhada. Consequentemente, se tais factores não fossem englobados, o valor indemnizatório teria que ser inferior (conclusões de recurso 26ª a 34ª). Mas sem razão.

Os 2º e 3º motivos que convoca a seu favor, entroncavam na alteração da decisão da matéria de facto que, contudo, não logrou alcançar. E o 1º motivo não é rigoroso na sua afirmação. Efectivamente, em lado algum, da fundamentação jurídica da sentença referente aos danos não patrimoniais (que atrás transcrevemos) o tribunal a quo menciona um veículo pesado de passageiros. O que se menciona é um atropelamento por autocarro.

É certo que um autocarro tanto pode ser um veículo pesado como um ligeiro (art. 106º, nº 1, do Cód. Estrada). Mas na dita fundamentação jurídica não se fez a menção/distinção a veículo pesado que a recorrente aponta para efeitos de redução de indemnização. Cai, pois, por terra, o especioso argumento da apelante.

Sendo assim, como a motivação de recurso da R./apelante assenta apenas nos motivos que indicou para ver reduzida a indemnização fixada, e não no montante excessivo da mesma, esta parte do recurso, face ao explicado, tem de ser indeferida.

3.2. Exarou-se, igualmente, na mesma fundamentação de direito da dita sentença, sobre o dano biológico, que:

“Passemos então a nossa análise aos prejuízos patrimoniais alegados pelo autor a título de dano biológico.

Conforme é sabido, e resulta do disposto pelo já citado artigo 563º, a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, ou seja, o responsável pelo facto danoso só será obrigado a reparar aqueles danos que não se teriam verificado sem esse facto e que abstraindo deste, seria de prever que não se tivessem produzido, sendo necessário estabelecer uma ligação positiva entre a lesão e o dano.

Assim, a indemnização por danos patrimoniais corresponde ao prejuízo da situação patrimonial do lesado e, em princípio, tem por medida a diferença entre a situação patrimonial actual e que ele teria se não fossem os danos.

E o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado- dano emergente, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão- lucros cessantes - e não só aos presentes mas também aos futuros previsíveis, artigo 564º do C.Civil.

No que se refere aos supra referidos danos patrimoniais futuros, peticionou a A. a quantia de € 40.000,00, a título de indemnização pelo dano biológico sofrido, , face ao Défice Funcional Permanente de que padece e que o INML quantifica em 6 pontos.

Ora, o défice funcional permanente da integridade físico psíquica é hoje qualificado como dano biológico, dano corporal ou dano à integridade psico-física e que vem sendo entendido como dano-evento, reportado a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoal e profissional, independentemente de dele decorrer ou não perda ou diminuição de proventos laborais (cfr. Acórdãos do STJ, de 20/05/2010, proc. 103/2002.L1.S1; de 23/11/2010, proc. 456/06.8TBVGS.C1.S1; e de 26/01/2012, proc. 220/2001-7.S1, todos disp. in www.dgsi.pt).

Sendo certo que, sendo a A. estudante, não obstante a ausência de perda ou diminuição de rendimentos profissionais face a teste défice, ainda assim o mesmo deve ser objecto de indemnização, pois como refere o Acórdão do STJ de 23/11/2006, disp. in www.dgsi.pt, “Se a afectação da pessoa do ponto de vista funcional não se traduzir em perda efectiva do rendimento do trabalho, releva o designado dano biológico, determinante de consequências negativas a nível da actividade geral do lesado, justificativo de indemnização”.

Com efeito, passou a valorizar-se também o “dano futuro previsível em razão do maior esforço no desenvolvimento da actividade geral, incluindo a vertente profissional” (neste sentido, cfr. Acórdão do STJ de 17/11/2005, processo 5B3436, disp. in www.dgsi.pt, no qual também se considerou que “a limitação da condição física, que a deficiência, dificuldade ou prejuízo de certas funções ou actividades do corpo, ou seja, o handicap, que a IPP sempre envolve ou acarreta, determina necessariamente, até pelas suas consequências psicológicas, diminuição da capacidade laboral genérica e dos níveis de desempenho exigíveis. Mesmo quando não tanto assim na actividade profissional até então exercida, de considerar também outra qualquer, isso coloca o lesado em posição de inferioridade no confronto com as demais pessoas no mercado de trabalho. Ferida a integridade psicossomática plena, as sequelas permanentes que integram o dano corporal importam, pois, normalmente diminuição, pelo menos, da capacidade geral de ganho do lesado. Como assim, mesmo se não perspectivada de imediato diminuição dos seus conjecturais proventos futuros, o dano corporal ou biológico importa, de per si, prejuízo indemnizável, consoante arts. 564.º, n.º 2, e 566.º, n.º 2 Cód. Civil, a título de dano patrimonial futuro, independentemente da perda efectiva, actual, de rendimento”.

Assim, e face ao caso concreto ora em apreço, ficou provado que, à data do sinistro, a Autora tinha 13 anos de idade (nasceu a .../.../2001), era estudante, vivia com a família (mãe e irmão) e tinha várias actividades extra curriculares, desde a dança de hip hop à frequência do 5.º grau do conservatório de música no instrumento de violino (tendo os familiares esclarecido, em sede de audiência, tratar-se mais rigorosamente de violeta e não de violino, embora para o efeito, seja inóqua a diferença).

E em consequência das lesões sofridas aquando do evento, e não obstante a cura clínica das mesmas, certo é que a autora ficou a padecer de sequelas e de limitações ao nível do membro superior esquerdo, que apresenta deformação saliente, notória à inspecção e palpação, tal como resulta dos factos provados, bem como desvio em valgo do joelho esquerdo causando um encurtamento do membro inferior esquerdo de 18mm, continuando, além do mais, a sentir dores, que se exacerbam com as mudanças climatéricas.

Ou seja, a autora, em razão das sequelas com que ficou, passou a padecer de uma de incapacidade permanente geral (actualmente designado por défice funcional permanente da integridade físico-psíquica) de 6 pontos.

Ora, afigura-se assim - e face aos demais factos provados - claro e inequívoco que à luz das regras da experiência e do senso comum, a Autora, em razão das sequelas físicas de que ficou a padecer, é efectivamente vitima de um dano patrimonial futuro previsível, decorrente de uma manifesta perda da respectiva capacidade de ganho.

Na verdade, apesar de à data do sinistro ser estudante e de actualmente o curso universitário que frequenta de Design e Multimédia na Universidade ... ser compatível com as lesões e sequelas de que padece, certo é que como consequência do sinistro, a sua disponibilidade, capacidade e em síntese, a sua integridade físico-psíquica foi afectada e nessa medida foi necessariamente afectada e diminuída, desde logo pelas suas consequências psicológicas, nos termos supra referidos, a capacidade laboral genérica e os níveis de desempenho exigíveis, havendo sempre e necessariamente uma diminuição da capacidade geral de ganho do lesado, pelo que se afigura justa e devida a atribuição e fixação de uma indemnização por danos patrimoniais.

Neste sentido cfr. Acórdão do TRC, de 12.02.2019, processo n.º 1209/16.0T8CBR.C1, relator: Vítor Amaral, disponível in www.dgsi.pt, nos termos do qual se refere designadamente o seguinte no que concerne ao dano biológico: “Tal défice permanente repercutir-se-á em diminuição da condição e capacidade física, da resistência, da capacidade de certos esforços e correspondente necessidade de um esforço suplementar para obtenção do mesmo resultado, traduzindo-se numa empobrecida capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das atividades humanas em geral e progressiva maior penosidade das laborais.”

Relativamente ao valor do ressarcimento de tais danos, se não puder ser averiguado o valor exacto dos mesmos, caberá ao tribunal o recurso à equidade - artº 566º/3 do CC.

Neste sentido cfr. Ac. de 23/11/2006, Proc. nº 06B3977, sendo Relator Salvador da Costa, disponível in www.dgsi.pt:

“- A indemnização por dano patrimonial futuro deve corresponder à quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas, ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido não fora a acção e ou a omissão lesiva em causa.

- Se a afectação da pessoa do ponto de vista funcional não se traduzir em perda efectiva de rendimento de trabalho, releva o designado dano biológico, determinante de consequências negativas a nível da actividade geral do lesado, justificativo de indemnização, caso em que as tabelas usuais se não ajustam ao seu cálculo, relevando preponderantemente o juízo de equidade.”

No mesmo sentido, cfr. Ac. de 12/9/2006, Proc. nº 06B3977, sendo Relator Moreira Camilo, disponível in www.dgsi.pt:

“I- Tendo a Autora, em consequência do acidente, ficado com uma incapacidade permanente parcial geral de 5%, que não teve repercussão no seu efectivo ganho, pois certamente continuará a auferir os mesmos rendimentos do seu trabalho, importa, contudo, reconhecer que essa incapacidade se repercutirá, residualmente, em diminuição da condição e capacidade física e correspondente necessidade de um esforço suplementar para obtenção do mesmo resultado.

II - Ora, tal deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades humanas em geral e maior penosidade laborais traduz-se numa incapacidade funcional que integra um dano de natureza patrimonial futuro a indemnizar, na medida em que se reflecte, embora em grau indeterminável, na actividade laboral, ao revelar aptidão para, designadamente, poder retardar ou impedir progressões profissionais ou conduzir a reforma antecipada, com as inerentes quebras de rendimento no futuro.”

Nos termos do Ac. de 19/5/2009, Proc. nº 298/06.0TBSJM.S1, sendo Relator FONSECA RAMOS disponível in www.dgis.pt :

“- Se a actividade profissional da Autora, pese embora a incapacidade permanente que a afecta em consequência das lesões provocadas pelo acidente de viação de que foi vítima, não implicou a perda de rendimentos laborais, porquanto ao tempo do sinistro estava aposentada da sua profissão de funcionária pública, o que há a considerar como dano patrimonial futuro é o dano biológico, já que a afectação da sua potencialidade física determina uma irreversível perda de faculdades físicas e intelectuais que a idade agravará.

- Havendo dano biológico importa atender às repercussões que as lesões causaram à pessoa lesada; tal dano assume um cariz dinâmico compreendendo vários factores, sejam actividades laborais, recreativas, sexuais, ou sociais.

- A incapacidade parcial permanente, afectando ou não, a actividade laboral, representa, em si mesmo, um dano patrimonial futuro, nunca podendo reduzir-se à categoria de meros danos não patrimoniais.”

No mesmo sentido cfr. Ac. de 7/6/2011, Proc. nº 160/2002.P1.S1, sendo Relator GRANJA DA FONSECA disponível in www.dgis.pt:

“- O dano futuro previsível mais típico prende-se com os casos de perda ou diminuição da capacidade de trabalho e da perda ou diminuição da capacidade de ganho, perda esta caracterizada como efeito danoso, de natureza temporária ou definitiva, que resulta para o ofendido do facto de ter sofrido uma dada lesão, impeditiva da sua obtenção normal de determinados proventos certos (…) como paga do seu trabalho.

- Porém, a incapacidade funcional, ainda que não impeça o lesado de continuar a trabalhar e ainda que dela não resulte perda de vencimento, reveste a natureza de um dano patrimonial, já que a força do trabalho do homem, porque lhe propicia fonte de rendimentos, é um bem patrimonial, sendo certo que essa incapacidade obriga o lesado a um maior esforço para manter o nível de rendimentos auferidos antes da lesão.

- Assim, para ser atribuída indemnização pelo dano patrimonial futuro (IPP) não é necessário que a incapacidade determine perda ou diminuição de rendimentos.

- Essa incapacidade reflecte-se na impossibilidade de uma vida normal, com reflexos em toda a capacidade, podendo configurar-se como uma incapacidade permanente que deve ser indemnizada.

- Basta a alegação dessa incapacidade para, uma vez demonstrada, servir de fundamento ao pedido de indemnização pelo dano patrimonial futuro, cujo valor, por ser indeterminado, deve ser fixado equitativamente, nos termos do preceituado no art. 566.º, n.º 3, do CC.”

Importa agora aferir do quantum indemnizatório a atribuir à A., em sede de ressarcimento do dano patrimonial futuro.

Neste caso não se lançará mão pelas razões supra aduzidas de nenhum equivalente a um capital produtor do rendimento frustrado que se extingue no final do período provável de vida activa do lesado.

Para o efeito, o juízo a efectuar tem por base essencialmente a equidade, fazendo-se uma ponderação à luz das regras da experiência e da normalidade das coisas, segundo critérios de razoabilidade.

Neste sentido cfr. Ac. do STJ de 27/3/2008:

“ Têm sido utilizadas para o efeito pela jurisprudência fórmulas e tabelas financeiras várias, na tentativa de se conseguir um critério tanto quanto possível uniforme. Mas as referidas fórmulas não se conformam com a própria realidade das coisas, avessa a operações matemáticas, certo que não é possível determinar o tempo de vida útil, a evolução dos rendimentos, da taxa de juro e do custo de vida.

Acresce não existir uma relação proporcional entre a incapacidade funcional e o vencimento auferido pelo exercício de uma profissão em termos de se poder afirmar que ocorre sempre uma diminuição dos proventos na medida exactamente proporcional à da incapacidade funcional em causa.

Assim, nesse caso, as mencionadas tabelas só podem ser utilizadas como meramente orientadoras e explicativas do juízo de equidade a que a lei se reporta. Como se trata de dano futuro no âmbito de um longo período de previsão, a solução mais ajustada é a de conseguir a sua quantificação imediata, embora, face à inerente dificuldade de cálculo, com ampla utilização de juízos de equidade.

Assim, a partir dos pertinentes elementos de facto apurados, independentemente do seu desenvolvimento no quadro das referidas fórmulas de cariz instrumental, deve calcular-se o montante da indemnização em termos de equidade, no quadro de juízos de verosimilhança e de probabilidade, tendo em conta o curso normal das coisas e as particulares circunstâncias do caso.

E apesar do longo período de funcionamento da previsão, a quantificação deve ser imediata, sob a atenuação da fluidez do cálculo no confronto da referida previsibilidade, no âmbito da variável inatingível da trajectória futura do lesado, quanto ao tempo de vida e de trabalho e à espécie deste, por via dos referidos juízos de equidade.

Devem, pois, utilizar-se juízos lógicos de probabilidade ou de verosimilhança, segundo o princípio id quod plerumque accidit, com a equidade a impor a correcção, em regra por defeito, dos valores resultantes do cálculo baseado nas referidas fórmulas de cariz instrumental.

No fundo, a indemnização por dano patrimonial futuro deve corresponder à quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido não fora a acção e ou a omissão lesiva em causa (…). “

Face ao exposto e tendo em conta os factos dados como provados e as especificidades do presente caso, afigura-se que os valores constantes das tabelas usualmente utilizadas em sede de cálculo da indemnização se revelam de todo desapropriadas para os referidos efeitos, pelo que, assume aqui o juízo de equidade uma preponderância fundamental.

Por tal razão, considerando que a A. ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente de 6 pontos, e considerando ainda as sequelas permanentes sofridas, a sua idade à data dos factos (13 anos de idade) e tempo médio de esperança de vida em termos de normalidade e de previsibilidade, tudo ponderado à luz dos factos dados como provados a este respeito, considera-se que a fixação de um valor indemnizatório de 40.000,00€, se afigura justo e equitativo, não afrontando de todo – bem pelo contrário - todas as regras da boa prudência, do bom senso prático e de criteriosa e justa ponderação das realidades da vida.”.

A recorrente dissente, dado que: o exercício de atividades relacionadas com “Design e Multimédia” requer maioritariamente o uso de um computador, e a indemnização por danos patrimoniais futuros destina-se a compensar o lesado relativamente à perda da capacidade de ganho e penosidade inerente à prática de esforços acrescidos no desempenho da atividade profissional, sendo que, no caso em apreço, não ocorreu perda da capacidade de ganho da A. e não se verifica a necessidade da prática de esforços suplementares no exercício da atividade profissional por parte da A.; impõe-se, pois, a sua absolvição do pagamento da quantia de 40.000 €. Por outro lado, caso se entenda manter a classificação do dano biológico sofrido pela A. como dano de natureza patrimonial, não é previsível a ocorrência de danos futuros, dado o exercício de atividades relacionadas com “Design e Multimédia” requer maioritariamente o uso de um computador. Ainda assim, entendendo-se o dano biológico como dano de natureza patrimonial, deveria ter sido efetuado um desconto (em regra, de 1/3 do valor indemnizatório, tal como tem vindo a ser fixado na jurisprudência relativa ao tema em apreço) à quantia apurada a título indemnizatório, a fim de evitar a ocorrência de uma situação de enriquecimento sem causa por parte da A. e não se devia ter considerado, para fixação da indemnização, o tempo médio de esperança de vida, mas sim o período de vida activa (conclusões de recurso 35ª a 52ª). Não acompanhamos, totalmente, as razões de direito alegadas pela recorrente.

- é óbvio que sendo a A. estudante não se pode falar, no presente, em perda ou diminuição de rendimentos profissionais, mas pode e deve falar-se em dano futuro previsível, tendo em conta que o seu dano biológico irá, naturalmente, exigir à mesma um maior esforço no desenvolvimento da actividade geral, incluindo a vertente profissional. Como a sentença recorrida acertadamente justificou, baseada na jurisprudência que citou, e que podemos afirmar, sem grande ousadia, ser hoje jurisprudência consolidada, que se aplaude e que é de sufragar.

Basta pensar, em termos de prognose e dentro da normalidade esperada, que com o decorrer dos anos, a A., com o seu dano biológico, terá, a pouco e pouco, que se esforçar mais e ser-lhe-á mais penoso a realização das suas actividades em geral. A sua capacidade genérica e os níveis de desempenho exigíveis ou vão reduzir-se ou mantendo-se a mesma estará obrigada a esforçar-se suplementarmente. E mesmo profissionalmente, é o que se espera acontecer, também, se acaso for trabalhar na área que estuda, com o uso de computadores, pois se ainda jovem já lhe doem os ombros quando está muito tempo no computador (facto 46., sub-ponto 6), a que se somam as dores da coluna, na zona lombar, no braço (sub-pontos 1. a 3. do mesmo facto 46.), então é quase inevitável que com o passar dos anos as dores irão aumentar e o tempo que estiver a trabalhar ao computador será necessariamente mais curto e com maior número de intervalos.

Não pode, por isso, avançar-se para uma absolvição da R. (dos 40.000 €), como esta pretende, no que respeita à quantia fixada a nível de dano patrimonial   

- quanto ao factor “período de vida activa” em vez de “tempo médio de esperança de vida” para o cálculo da indemnização, em termos de dano futuro previsível, cuja consideração a recorrente reclama, o mesmo não deve ser acolhido. Tal como na questão anteriormente tratada é hoje, igualmente, jurisprudência consolidada, a que se adere, o factor tempo médio de esperança de vida para o cálculo da indemnização – vide, por ex., o recente Ac. do STJ de 21.6.2022, Proc.1633/18.4T8GMR, em www.dgsi.pt.

- no que respeita a efectuar um desconto (em regra, de 1/3 do valor indemnizatório, tal como tem vindo a ser fixado na jurisprudência relativa ao tema em apreço) à quantia apurada a título indemnizatório (40.000 € de danos patrimoniais), a fim de evitar a ocorrência de uma situação de enriquecimento sem causa, por a A. ir receber a indemnização toda de uma vez só vez, a qual poderá aplicar em depósitos bancários e auferir os respectivos juros, como a R. pretende, aqui já damos razão à apelante, mas não inteiramente nos termos propugnados.
Efectivamente, a indemnização apurada tem de sofrer um ajustamento porque o lesado vai receber de uma só vez aquilo que, em regra, deveria receber em fracções anuais ao longo da sua vida média, havendo, assim, uma antecipação de capital, que poderá de imediato aplicar e fazer render, isto para se evitar uma situação de injustificado enriquecimento à custa alheia. E daí que fosse prática habitual na nossa jurisprudência proceder a uma redução de tal quantia, variável perante cada caso concreto, mas que a maior parte das vezes tanto poderia oscilar entre 1/3 ou 1/4 daquele montante, como fixar-se numa percentagem que não ultrapassava os 10% ou 20% desse capital antecipado, tudo dependendo das situações casuísticas/concretas.
Porém, e como se escreveu a esse propósito no Ac. do STJ de 19.9.2019,  Proc.2706/17.6T8BRG (citando, para o efeito, o Ac. do STJ de 19.4.2018, Proc.196/11.6TCGMR), ambos disponíveis em www.dgsi.pt, “o recebimento de uma só vez do montante indemnizatório não releva atualmente como em tempos não muito recuados já relevou, tendo em conta que a taxa de juro remuneratório dos depósitos pago pelas entidades bancárias é muito reduzido (…), o que implica, por si só, a elevação do capital necessário para garantir o mesmo nível de rendimento.” (apud o recente e indicado Ac. do STJ de 21.6.2022, há pouco citado).
Na verdade, como é do conhecimento geral, são actualmente muito baixas as rentabilidades do capital investido, particularmente no que concerne aos depósitos bancários, cujas taxas têm rondado os 0 % e só são ligeiramente mais elevadas em depósitos a prazo de duração muito prolongada, e mesmo assim não ultrapassarão, por certo, os 1% para quantias à volta da que estamos a trabalhar, na casa dos 40.000 €. É claro que se o actual fenómeno inflacionário se mantiver por um prazo temporal alargado tais taxas poderão vir a sofrer alteração nos próximos anos, embora não haja sinais evidentes que tal possa vir sustentadamente a acontecer.   

Cremos, portanto, que aquela apontada margem de desconto entre os 10% ou 20% do capital antecipado deve ser o critério justo a aplicar. Descontando 10%, teríamos uma quantia final de 36.000 €, 15% de 34.000 € e 20% de 32.000 €.

Temos por équo, então, uma quantia intermédia que fixamos em 35.000 € para indemnizar a A. por danos patrimoniais. 

(…)

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso, e, em consequência, altera-se o segmento decisório da sentença recorrida na parte referente aos danos patrimoniais, cujo valor se reduz (de 40.000 €) para 35.000 €, no demais se mantendo a decisão recorrida.

*

Custas pela R. e A. na proporção do vencimento/decaimento

*

                                                                                      ..., 25.10.2022

                                                                                      Moreira do Carmo

                                                                                      

                                                                                      Fonte Ramos

                                                                                      Alberto Ruço