Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3389/08.0TJCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
LIVRANÇA
PREENCHIMENTO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
COMUNICAÇÃO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 06/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SECÇÃO DE EXECUÇÃO - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 32, 75, 76, 77 LULL, DL Nº 446/85 DE 25/10
Sumário: 1. A alegação genérica, por parte dos oponentes, de que o Banco/exequente “não explicou qualquer aspeto relacionado com o contrato de abertura de crédito”, não equivale à invocação do desconhecimento de alguma das suas cláusulas, para efeitos de exclusão da mesma do conteúdo do contrato, ao abrigo do disposto no art. 8º do DL 446/85, pretensão de exclusão que sempre teria de ser expressamente formulada.

2. A falta de adequada comunicação ou informação de determinada clausula, para efeitos da sua exclusão do contrato, não é de conhecimento oficioso pelo tribunal.

3. Ao conhecer de tal questão, declarando excluídas do contrato todas as suas cláusulas com fundamento em que não lhes foram comunicadas, sem que tenha sido alegado o desconhecimento das mesmas por parte dos aderentes, o juiz conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento, importando a nulidade da sentença.

4. A ausência de instruções expressas quanto ao preenchimento dos elementos de uma livrança subscrita e avalizada em branco, só pode ter o sentido de deixar o seu preenchimento ao cuidado do banco mutuante.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

AR (…) MS (…)  e MC (…),deduzem oposição à execução que contra si é movida pelo banco espirito santo, S.A., defendendo a extinção da execução,

com base nos seguintes fundamentos:

1. Tendo a subscritora da livrança dada à execução sido declarada insolvente por sentença proferida no dia 5/9/2006, a exequente não reclamou os seus créditos no respetivo processo de insolvência, créditos estes que já existiam nessa altura.

se a exequente tivesse reclamado o crédito exequendo na insolvência, poderia não ter sido necessário executar a livrança com o montante nele aposto, mas por valor inferior àquele que consta da livrança, tornando menos onerosa a posição dos avalistas.

esta situação é geradora de uma indeterminação do montante em dívida, indeterminação esta que é motivo de nulidade da livrança.

2. No caso de pagarem o montante aposto na livrança, os avalistas, nos termos dos artigos 32.º e 77.º da LULL, ficariam sub-rogados nos direitos emergentes da livrança contra a sociedade S (...) , Ld.ª;

assim sendo, incumbia ao exequente a obrigação de preservar os direitos que os avalistas pretendessem exercer contra a avalizada, dever este que o exequente anulou com a sua conduta;

não o tendo feito, devem os avalistas ficar desonerados do pagamento do montante aposto e das obrigações decorrentes da livrança, nos termos consignados no art. 653º do CC.

no âmbito do referido processo de insolvência foi aprovado e homologado um plano de insolvência, plano que tem vindo a ser cumprido pela S (…), Lda., sendo que, não tendo a exequente reclamado o seu crédito, nem estando o mesmo verificado, reconhecido e graduado, não podem os avalistas exercer o seu direito de regresso em relação à subscritora da livrança por culpa do BES.

4. Os executados só celebraram o contrato que dá origem à livrança sob coação moral exercida pelo banco exequente, facto este que é causa de anulabilidade do mesmo contrato, o que invocam.

4. Há um preenchimento abusivo da livrança em relação ao local e data de emissão, ao nome e morada da subscritora e ao local de pagamento/domiciliação, já que quanto a estes elementos nada tinha sido convencionado a tal respeito na cláusula relativa ao preenchimento da livrança.

5. A cláusula relativa ao preenchimento da livrança é ainda nula em relação à autorização de preenchimento no que concerne à data de vencimento e ao valor a apor na livrança, porque a data e a quantia não eram e são indetermináveis, ficando exclusivamente na dependência da vontade da própria exequente.

Tal cláusula é assim nula por indeterminabilidade do objeto no que diz respeito à data de vencimento e ao valor, violando à alínea j) do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10, determinando a nulidade de tal cláusula a nulidade dos avales prestados.

6. O direito do exequente está prescrito nos termos dos artigos 70.º, 71.º e 77.º da LULL.

 7. Ao impedir a sub-rogação dos avalistas em relação à subscritora da livrança e ao apor como data de vencimento da livrança uma data posterior em cerca de três anos relativamente ao momento em que considerou vencidas todas as obrigações, o Banco age em abuso de direito.

8. O montante inscrito na livrança não corresponde à divida real, tendo havido amortizações posteriores nos montantes de € 6 500,00 euros, € 800,00 euros e €250,00 euros, pelo que, o capital efetivamente em dívida era apenas de €71 514,36 euros, valor sobre o qual, posteriormente às cartas de interpelação de setembro de 2005, se venceriam, quando muito, os juros de mora à taxa legal de 4%, jamais tendo sido acordada a capitalização de juros.

O Banco Exequente contesta, concluindo pela improcedência total da oposição.

Foi proferido despacho saneador no qual foi, desde logo, proferida decisão de improcedência, quanto aos seguintes fundamentos em que os oponentes baseavam a sua oposição:

- nulidade da fiança com fundamento na indeterminação do montante em dívida;

- inexigibilidade da obrigação, pelo facto de o exequente não ter preservado os direitos dos avalistas para a sub-rogação;

- anulabilidade do contrato e da livrança com fundamento em coação moral;

- nulidade da clausula relativa à autorização para preenchimento da livrança, no que concerne à data de vencimento e ao valor a apor na livrança, por indetermináveis;

- exceção de prescrição;

- abuso de direito.

Por considerar envolver matéria controvertida, o juiz a quo relegou para final os seguintes fundamentos invocados pelos oponentes:

- preenchimento abusivo da livrança pelo facto de nada ter sido convencionado quanto ao local, data de emissão, nome e morada da subscritora e local de pagamento/ domiciliação;

- que o montante inscrito na dívida não corresponde à divida real (existência de amortizações posteriores à data em que o Banco considerou vencidas as obrigações e capitalização de juros).

Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença, que, julgando procedente a oposição, declarou extinta a execução.


*

Não se conformando com a mesma, a exequente dela interpõe recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:

(…)


*

Os oponentes apresentaram contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido e alegando que a violação do dever de informação se encontra alegada nos arts. 30º, 31º, 42º e 43º, da oposição à execução.
Cumpridos que foram os vistos legais, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo[1] –, as questões a decidir são as seguintes:
1. Nulidade da sentença por excesso de pronúncia, ao abrigo do disposto no art. 615º, nº1, al. d), 2ª parte.
2. Se o contrato está sujeito ao regime das Clausulas Contratuais Gerais.
3. Se o Banco cumpriu o dever de comunicação.
4. A decretar-se a nulidade da sentença, apreciar os restantes fundamentos deduzidos em oposição à execução.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

1. Nulidade da Sentença por excesso de pronúncia.

A Apelante invoca a nulidade da sentença com fundamento em que o juiz a quo conheceu a questão de saber se ocorreu violação dos deveres de informação previstos no DL nº 446/85, de 25 de Outubro, quando tal violação não foi invocada pelos oponentes como fundamento de oposição à execução, não podendo o tribunal conhecer oficiosamente de tal questão.

Os Apelados pronunciam-se no sentido da não verificação da invocada nulidade, alegando terem alegado a violação do dever de informação aos avalistas, nos artigos 30º, 31º, 42º, 43º, e 60º, do requerimento inicial de oposição à execução.

Quer da leitura do requerimento inicial de oposição à execução, quer da síntese que dele é feita na sentença recorrida, quer do despacho saneador que, conhecendo a quase generalidade dos fundamentos da oposição, relegou a apreciação de dois deles para sentença, logo se conclui ser de dar razão à apelante.

Tendo o despacho saneador conhecido dos fundamentos enumerados sob os pontos 1, 2, 3, 5, 6 e 7, reportados à síntese que deles é efetuada no relatório do presente acórdão, para final foi relegado unicamente o conhecimento das seguintes questões ou fundamentos de oposição à execução, invocados pelos oponentes:

- preenchimento abusivo da livrança pelo facto de nada ter sido convencionado quanto ao local, data de emissão, nome e morada da subscritora e local de pagamento/ domiciliação;

- incorreção do valor aposto na livrança, por existência de amortizações posteriores à data em que o Banco considerou vencidas as obrigações, e pelo facto de não ter sido acordada qualquer capitalização de juros.

Na sentença recorrida, o juiz a quo, considerando que o contrato de empréstimo sob a forma de abertura de crédito em conta corrente, subjacente à emissão da livrança, estava sujeito ao regime das cláusulas contratuais gerais, e que o Banco não provou os factos comprovativos do efetivo cumprimento dos deveres de informação enumerados nos arts. 5º e 6º do DL nº 444/85, de 25.10, considerou encontrarem-se excluídas do contrato todas as clausulas nele inseridas, nomeadamente a cláusula 7ª, referente à autorização para preenchimento da livrança, não podendo esta produzir efeitos enquanto tal, pelo que, concluindo pela inexistência de título válido, declarou extinta a execução.

Defendem apelados nas suas contra-alegações de recurso, que a alegação de tal questão se encontraria contida nos seguintes artigos do requerimento inicial da oposição à execução, por si apresentada[2]:

30º Em abono da verdade, deve também afirmar-se que todas as cláusulas do referido contrato foram elaboradas sem prévia negociação individual quer com a S (…), Lda., quer com os avalistas.

31º Isto é, a exequente não concedeu a possibilidade à (s) contra-partes (s) de influenciar (m) o respetivo conteúdo, nem tão pouco explicou aos representantes da S (…), Lda., e aos garantes subscritores do contrato e da livrança qualquer aspeto relacionado com aquele contrato.

42º Visto que, a aposição da data de vencimento e do valor ficaram exclusivamente na dependência da vontade da própria exequente ao não ser consagrada qualquer data de vencimento e o valor limite a justapor na livrança.

43º Subsistindo uma indefinição do acordo de preenchimento em relação ao prazo de validade da própria livrança, não se vislumbra a determinação do respectivo objecto, ficando assim os avalistas “subjugados” ao livre arbítrio do banco exequente.

60º Visto que jamais fora acordado e aceite pelos avalistas qualquer capitalização de juros moratórios, como aliás resulta, e sem prescindir da invocação supra realizada da cláusula sétima do contrato.”

É certo que, nos arts. 30º e 31º do requerimento de oposição à execução, os oponentes aludem a que o “Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente disponibilizado em Conta Crédito” terá sido celebrado com recurso à utilização de clausulas contratuais gerais. Contudo, nunca, nos artigos referidos, ou durante todo o requerimento de oposição à execução, os apelantes fazem a mínima referência, que seja, ao desconhecimento de alguma das cláusulas apostas nesse contrato, por não lhe ter sido devidamente comunicadada ou explicada.

Com efeito, a genérica referência, no art. 31º do requerimento de oposição, a que a exequente “nem tão pouco explicou aos representantes da S (…)r, Lda., e aos garantes subscritores do contrato e da livrança qualquer aspeto relacionado com aquele contrato, não equivale à invocação do desconhecimento por falta de comunicação, ou por comunicação com violação do dever de informação, de qualquer uma das suas cláusulas, para efeitos de a fazer excluir do contrato ao abrigo do disposto no artigo 8º, do Dec. Lei nº 446/85, de 25 de outubro.

Para que houvesse invocação relevante de tal falta de comunicação ou de esclarecimento, os oponentes haveriam de ter alegado expressamente não terem tido conhecimento de alguma das suas cláusulas, identificando, em concreto, qual, ou quais, de entre as 12 cláusulas constantes de tal contrato, eram por si desconhecidas à data da conclusão do contrato, por as mesmas não lhes terem sido comunicadas ou, tendo-o sido, não lhes ter sido devidamente explicitadas, razão pela qual não teriam atingido o verdadeiro sentido ou alcance das mesmas, até para se poder concluir se o contrato poderá, ou não, subsistir, sem a(s) cláusula(s) excluída(s). E, teriam ainda de formular expressamente a sua pretensão de exclusão de tais cláusulas do conteúdo do contrato.

Com efeito, a exigência da alegação e prova da efetiva e eficaz comunicação de determinada clausula geral inserida num contrato de adesão, a cargo do contraente que submete a outrem cláusulas contratuais gerais, só faz sentido se for alegado o desconhecimento da mesma por parte do aderente. O que se encontra em causa com a obrigatoriedade de “comunicação integral” de modo a tornar “possível o seu conhecimento completo”, prevista no artigo 5º do DL 446/85, de 25 de Outubro, e com a sanção de “exclusão” do contrato prevista no nº1 do artigo 8º do mesmo diploma, é assegurar o afastamento do conteúdo contratual das estipulações de que o aderente só tome conhecimento em momento ulterior ao da celebração do contrato[3].

Dito por outras palavras: visando a exigência de comunicação integral a necessidade de assegurar à contraparte a possibilidade de uma tomada de conhecimento efetivo do respetivo conteúdo, só faz sentido exigir ao predisponente a prova da efetiva e adequada comunicação se o aderente, de algum modo, alegar ou invocar que, por se tratar de uma clausula sobre a qual não houve negociação prévia e por não lhe ter sido devidamente explicada, dela não chegou a ter conhecimento em momento prévio ou contemporâneo à assinatura do contrato.

Ora, nomeadamente quanto à identificada cláusula 7º (denominada, “Livrança com aval e acordo de preenchimento”) nunca, ao longo da alegação por si efetuada no requerimento de oposição, os apelantes referem não terem tido conhecimento de tal cláusula ou de alguns dos três pontos de que se compõe, aquando da celebração do contrato, pelo facto de não lhe ter sido comunicada ou explicada (o que os oponentes alegam, relativamente a tal clausula, é que, face ao teor do seu nº1, o preenchimento da letra acabaria por ficar ao critério do Banco, invocando a nulidade de tal clausula ao abrigo da al. j), do artigo 18º do DL 446/85).

Se é certo que o nº3 do artigo 5º do DL nº 446/85, faz recair, sobre o contraente que submeta a outrem as clausulas contratuais gerais, o ónus da prova da comunicação adequada e efetiva, há que distinguir entre o ónus da prova e o ónus de alegação[4], sendo que se, em regra, quem tem o ónus de alegar tem também o ónus de provar, nem sempre assim é, seja pela existência de presunção legal, seja pela dispensa do ónus de prova, ou pela consagração da sua inversão.

E a circunstancia de fazer recair sobre aquele que se socorre de clausulas contratuais gerais o ónus da sua efetiva comunicação, não dispensa a contraparte, caso se queira aproveitar da eventual falha de cumprimento de tal dever, de alegar expressamente que não teve adequado conhecimento de determinada clausula geral inserida no contrato, pelo facto de não lhe ter sido dado conhecimento da mesma ou de que, apesar de lhe ter sido comunicada, não se apercebeu do seu alcance por não lhe ter sido devidamente explicada.

Tratando-se de um facto constitutivo de uma exceção que favoreceria os oponentes, era a estes que incumbiria a invocação do desconhecimento de determinada cláusula, para o efeito de a fazer excluir do contrato, enquanto fundamento de extinção da obrigação (artigo 342º, nº2 do CC), independentemente, em momento posterior, por força da inversão do ónus da prova consagrada pelo legislador no nº3 do citado artigo 5º, viesse a incumbir ao Banco/exequente a alegação e prova do cumprimento adequado do dever de comunicação. Ou seja, apenas no caso de os oponentes terem alegado o desconhecimento de determinada cláusula aquando da celebração do contrato, e só em tal caso, aí sim, ao Banco caberia a alegação e prova de que cumpriu a obrigação de comunicação e explicação da mesma[5].

Aderindo à qualificação da sanção prevista no nº1 do artigo 8º para a falta de comunicação – exclusão do contrato individual – como integrando uma invalidade mista[6], entende-se que mesma não é de conhecimento oficioso pelo tribunal (nem poderá, obviamente, ser invocada pelo predisponente)[7].

Como salienta José Lebre de Freitas[8], face ao ónus da substanciação do pedido, para o autor (ou, no caso em apreço, para o oponente), não lhe basta formular um pedido para que todas as causas de pedir possam ser consideradas no processo, tendo a afirmação da situação jurídica de ser fundada em factos que exercem a função de individualizar a pretensão para o efeito da conformação do objeto do processo.

Por isso, ao apreciar o pedido não pode basear a sentença de mérito em causa de pedir não invocada pelo autor, sob pena de nulidade da sentença, ao abrigo do disposto no artigo 615º, nº1, al. d), do CPC.

Ora, a alegação genérica de que a exequente “nem tão pouco explicou aos representantes da S (…) Lda. e aos garantes subscritores do contrato e da livrança qualquer aspeto relacionado com aquele contrato”, não pode ser entendida como contendo a invocação de desconhecimento de qualquer uma das cláusulas. Por outro lado, no requerimento de oposição à execução não é, nunca, formulada qualquer pretensão de exclusão do contrato de alguma das suas clausulas com fundamento em que não teriam tido conhecimento da mesma à data da celebração do contrato, surgindo a alegação da falta de explicação do teor do contrato sem qualquer autonomia, e a propósito da invocação de que terão assinado tal contrato e avalizado a livrança por terem sido a tal coagidos pelo Banco (arts. 30º a 38º do requerimento de oposição à execução).

Como tal, e não tendo sido expressamente alegada como fundamento de oposição à execução, o juiz a quo não poderia conhecer de tal questão, o que acarreta a nulidade da decisão recorrida, ao abrigo do disposto no artigo 615º, nº1, al. d) do CPC, que assim se decreta.

De qualquer modo, ainda que se considerasse que, embora deficientemente alegada, a falta de comunicação das clausulas do contrato de crédito constituiu um dos fundamentos da oposição e que, como tal, o juiz a quo poderia ter conhecido de tal questão, a solução final seria a mesma – a alegação genérica de que “não lhe foi explicado qualquer aspeto relacionado com aquele contrato” é inócua, não tendo por efeito fazer recair sobre o banco/exequente a alegação e prova de que comunicou e explicou adequadamente, e uma por uma, cada uma das 12 clausulas e respetivas subalíneas, constantes do contrato.

Ainda que assim não fosse, e que se tivesse tal alegação por relevante, sempre caberia aos oponentes, desde logo, e em primeiro lugar, a prova do carater não negociado de toda e de cada uma das suas clausulas relativamente às quais se pretendessem socorrer do regime contido no DL 446/85[9], prova que não lograram atingir (o ponto 1 da B.I., em que se perguntava se, “Relativamente ao referido contrato todas as clausulas foram elaboradas sem prévia negociação individual quer com a S (…) Lda., quer com os avalistas”, obteve a resposta de “não provado”[10].

A declaração de nulidade da sentença recorrida torna inútil a apreciação das demais questões suscitadas nas alegações de recurso da Apelante, impondo a este tribunal o conhecimento dos fundamentos de oposição à execução que o despacho saneador relegara para final.


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A. Matéria de facto
São os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida e que não são postos em causa por qualquer das partes:
 a) O Banco exequente deu à execução uma livrança, subscrita por «S (…)Ld.ª», no montante de €86.247,44, vencida em 26 de Maio de 2008, constando, do seu verso, a declaração, escrita e assinada, de AR (…), MS (…) e MC (…) , , no sentido de que avalizavam a livrança.
b) Esta livrança não foi paga nem na respetiva data de vencimento, nem posteriormente e até ao presente.
c) A livrança foi subscrita pela sociedade comercial S (…) para garantir o cumprimento do «Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente disponibilizado em Conta Crédito», junto como documento n.º 1 da oposição, constante de fls. 28 a 34, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido
d) Esta livrança foi entregue apenas com a aposição das assinaturas dos então gerentes da S (…) Lda. (na qualidade de subscritora da livrança) e com a aposição das assinaturas dos sócios-gerentes da mesma sociedade comercial mas na qualidade de avalistas da devedora principal e em branco em relação aos demais elementos.
e) No ponto 2, da cláusula sétima do contrato, sob a epígrafe «Garantias», ficou estabelecido:
 «O BES fica autorizado a preencher a referida livrança nos seguintes termos:
……a) data de vencimento - posterior ao vencimento de qualquer obrigação ou
obrigações que resultem para o Cliente da celebração do presente contrato:
……b) valor - qualquer quantia devida pelo Cliente ao abrigo do presente
contrato.»
f) Quanto à aposição da data de vencimento e do valor da livrança não foi consagrada qualquer data de vencimento e valor limites a escrever na livrança.
g) Não foi acordado ou aceite pelos avalistas qualquer capitalização de juros moratórios.
h) À data em que o Banco exequente considerou vencidas as obrigações decorrentes do contrato, isto é, em 08 de Setembro de 2005 ( ver carta de folhas 76), a dívida era de €79 064,36 euros (vide despacho de fls. 136).
i) Após tal data houve amortizações nos montantes de € 6 500,00 euros, €800,00 (vide despacho de fls. 136).
j) À época da subscrição do contrato e da livrança a S (...) , Ld.ª já atravessava dificuldades financeiras, ascendendo então o montante devido ao Exequente a €149. 064,36 euros.

l) A exequente não apresentou a livrança a pagamento à respetiva subscritora, nem procedeu ao ato formal de protesto.

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B. Subsunção do direito aos factos.
Decretada a nulidade da sentença por ter conhecido questão de que não podia conhecer, incumbe, assim, apreciar os dois fundamentos de oposição à execução, invocados pelos apelantes, que o juiz a quo se absteve de apreciar e que, agora, retomam a sua relevância.

1. Preenchimento abusivo da livrança em relação ao local, data de emissão, nome e morada da subscritora e local de domiciliação, pelo facto de nada ter sido acordado quanto a tais elementos.

Alegaram os oponentes que, prevendo a cláusula relativa ao preenchimento da livrança unicamente a autorização para preenchimento da data de vencimento e do respetivo valor, haverá preenchimento abusivo em relação aos demais elementos apostos na livrança, ou seja, quanto ao local, data de emissão, ao nome a morada da subscritora e ao local de pagamento/domiciliação, já que, quanto a estes elementos nada foi convencionado.

Está assente em que a livrança em causa foi entregue apenas com a aposição das assinaturas dos então gerentes da subscritora da livrança, e com a aposição das suas assinaturas também na qualidade de avalistas.

Encontramo-nos, assim, perante o que é habitualmente denominado como assinatura de uma livrança em branco.

É entendimento pacífico na jurisprudência e na doutrina que o sujeito que avaliza ainda em branco o título que sabe destinado a suportar a obrigação cambiária do avalista, a quem sem mais entrega um o documento assinado, está a manifestar a vontade de que o preenchimento se faça nos mesmos termos que vierem a vigorar para a concretização da obrigação cambiária do avalizado: nem mais, nem menos[11].

Por conseguinte, os critérios a mobilizar para apurar se houve discrepância entre o preenchimento do título e a vontade manifestada pelo avalista são os fixados no acordo de preenchimento celebrado entre o credor e o avalizado, quer o avalista nele tenha ou não participado[12].

E é generalizadamente admitido que o acordo de preenchimento nem sequer tem que ser expresso, entendendo-se que a própria vontade de confiar o preenchimento a outrem se infere do facto concludente que é a subscrição e entrega voluntária do título. Como afirma Pavone La Rosa[13], a emissão voluntária de um título incompleto leva logicamente implícita a atribuição do poder de completar os elementos em falta necessários para conferir à declaração o conteúdo mínimo requerido pela lei cambiária.

Como tal, a ausência de instruções na cláusula 7ª, relativamente ao preenchimento dos demais elementos da livrança, na parte em que não se pudesse inferir dos restantes termos do contrato de crédito, só poderia ter o sentido de deixar o seu preenchimento ao cuidado do Banco mutuante.
Por outro lado, e tendo já sido apreciada no despacho saneador a questão da omissão do acordo quanto à concreta data de vencimento e quanto ao valor a apor na livrança, os elementos que aqui se encontram em causa têm uma relevância secundária e alguns nem sequer são de preenchimento obrigatório, prevendo a lei critérios supletivos para o seu suprimento (falta de indicação da época de pagamento, do lugar de pagamento e do lugar da emissão – artigo 76º, ns. 2 a 4 da LULL).
Quanto ao nome e morada do subscritor da livrança – ele está perfeitamente identificado no contrato de crédito celebrado entre as partes[14] –, quanto ao local da subscrição da livrança, coincidirá com o da celebração do contrato; quanto à data de emissão aposta na livrança, 27.10.2003, embora não coincida com a data do contrato, os oponentes também não alegam que tenha sido emitida em data diferente.
Mais se chama atenção de que, sendo alguns desses elementos de preenchimento obrigatório, (artigo 75º da LULL), a livrança em branco é valida, apenas produzindo os efeitos próprios como livrança, aquando do seu preenchimento integral. Ora, a letra apresentada como título executivo encontra-se preenchida, sendo que os oponentes não alegam que tais elementos tenham sido preenchidos contra o acordado, mas, tão só, que nada foi acordado quanto a tais elementos.
A prova do preenchimento abusivo incumbia aos oponentes, prova que não atingiram, pelo que, também quanto a este fundamento, a oposição é de improceder.
2. Existência de amortizações não consideradas pelo Exequente.
Os oponentes sustentam que o montante inscrito na livrança não corresponde à divida real, desde logo por não ter tomado em consideração amortizações posteriores ao vencimento da dívida.
Encontrando-se demonstrada a ocorrência de amortizações nos valores de 6.500,00 € e 800,00 €, o capital em dívida ficará reduzido a 71.764,36 €.
Por fim, alegam ainda os oponentes que o montante aposto na livrança não estaria correto porquanto, nunca tendo sido acordado ou aceite pelos avalistas qualquer capitalização de juros moratórios, após as cartas de 08.09.2005 e de 16.09.2005, passaram quando muito a vencer-se os juros de mora à taxa de 4%.
Quanto a tal questão, alega o Exequente não se tratar de qualquer capitalização de juros, mas do acordado entre as partes e estipulado na Cláusula 4ª do Contrato, segundo a qual “em caso de atraso no pagamento de qualquer importância devida pelo cliente e virtude do presente contrato, a taxa de juros referida no nº1[15] é acrescida da sobretaxa permitida nos termos da Lei.”
Não se encontrando aqui em causa qualquer capitalização de juros, mas tão só a aplicação de uma sobretaxa em caso de incumprimento, também por este fundamento será de improceder a oposição.
A Apelação é de proceder na sua quase totalidade.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar procedente a apelação da Exequente, e, revogando-se a decisão recorrida, julga-se a oposição apenas parcialmente procedente, determinando-se o prosseguimento da execução para pagamento da quantia de 71.764,36 €, a título de capital, acrescida dos respetivos juros.

Custas a suportar por Autora e Ré na proporção do decaimento, na ação e na instância de recurso.

                                                                                 Coimbra, 16 de junho de 2015

Maria João Areias ( Relatora )

Fernando Monteiro

Luís Cravo



[1] Tratando-se de decisão proferida após a entrada em vigor do novo código, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, em ação instaurada depois de 1 de Janeiro de 2008, aplicar-se-á o regime de recursos constante do novo código, de acordo com o art. 5º, nº1 do citado diploma – cfr., neste sentido, António Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina 2013, pág. 16.
[2] Alegação esta que, na sequência de reclamação então deduzida por parte dos oponentes, levara ao aditamento dos seguintes factos à Base Instrutória, os quais vieram a obter a resposta de “não provado”:
“1 – Relativamente ao referido contrato todas as cláusulas foram elaboradas sem prévia negociação individual quer com a S(…), Ld.ª, quer com os avalistas?
2 – O conteúdo do contrato entre a S(…) e o Exequente foi discutido em toda a sua extensão entre ambas as partes?
3 – Os funcionários da agência do Exequente que a S (…) escolheu explicaram aos representantes desta os termos do funcionamento do empréstimo?”
[3] Cfr., neste sentido, Ana Prata, “Contratos de Adesão e Clausulas Contratuais Gerais”, 2010, Almedina, pág. 214 e 215.
[4] Ana Filipa Morais Antunes autonomiza o “ónus da prova do cumprimento do dever de comunicação”, a cargo da entidade predisponente, do “ónus de alegação da violação do dever de comunicação”, incumbindo este sobre o aderente ou destinatário das cláusulas contratuais gerais – “Comentário à Lei das Clausulas Contratuais Gerais”, Coimbra Editora 2010, pág. 133. Também Fernando de Gravato Morais, a propósito da sujeição dos contratos de crédito ao consumo ao regime das clausulas contratuais gerais, defende que ao dador do crédito incumbe a alegação e a prova da comunicação devida bem como a alegação e a demonstração do dever de informação, aludindo, de modo claro e sem equívocos, à factualidade inerente ao modo como foi efetuada a comunicação, “bastando ao consumidor alegar a falta de comunicação das clausulas contratuais ou a omissão da informação do seu conteúdo” – Contratos de Crédito ao Consumo”, Almedina 2007, pág. 139.
[5] A tal respeito, se afirma no Acórdão do STJ de 24-02-2005, relatado por Araújo Barros: “Donde, previamente à prova de que a comunicação e a informação existiram e foram adequadas, subsiste o ónus, para aquele que se quer fazer valer da violação desses deveres, de alegar a respetiva facticidade, nomeadamente que aderiu ao texto das cláusulas sem que o proponente lhas tivesse comunicado ou prestado os devidos esclarecimentos”, e ainda no mesmo sentido, acórdão de 31-10-2003, também relatado por Araújo Barros, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[6] Embora a generalidade da doutrina vá no sentido da “inexistência jurídica”, e esta possa caber na letra da lei (da LCCG resulta apenas que tais clausulas não produzem efeitos e a que declaração de exclusão tem efeitos retroativos, o que não é exclusivo do regime de nenhum vício, sendo efeitos comuns à nulidade, à anulabilidade, à invalidade mista e à inexistência), o que apontaria para o seu conhecimento oficioso, este pode funcionar contra o aderente levando à exclusão de uma cláusula em cuja vigência o mesmo poderia ter interesse, ou mesmo, à nulidade de todo o contrato, contra a sua vontade, quando será indiscutível que o artigo 8º da LCCG visou a proteção do aderente. Como defende Marco Paulo Mendes Dias, in “O Vício de Não Incorporação da Cláusula Contratual nos Contratos de Adesão”, dissertação de mestrado sob a orientação de Isabel Meneres Campos, no que respeita à possibilidade de conhecimento oficioso, a invalidade mista permite afastar a possibilidade de conhecimento ofícios, deixando ao aderente a liberdade de escolher o que lhe interessa mais, fazendo valer os seus direitos quando tal vá de encontrão aos seus interesses (artigo disponível in http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/22887/1/Marco%20Paulo%20Mendes%20Dias.pdf., pág. 69).
[7] Como refere Jorge Morais Carvalho, “cabe a quem apresentou as clausulas provar o cumprimento dos requisitos de comunicação legalmente impostos, no caso de o seu incumprimento ser alegado pela outra parte” – “Os Contratos de Consumo, Reflexão sobre a Autonomia Privada no Direito do Consumo”, Lisboa, Março de 2011, pág. 105, http://run.unl.pt/bitstream/10362/6196/1/Carvalho_2011.pdf. O Acórdão do STJ de 24 de junho de 2010, relatado por Bettencourt de Faria, pronuncia-se no sentido de que, caso nenhuma das partes invoque essa falta de comunicação, nomeadamente o aderente que é o beneficiário da devida comunicação, o tribunal não pode conhecer de tal questão (acórdão disponível in www.dgsi.pt.).
[8] “Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Novo Código”, 3ª ed., Coimbra Editora, págs. 65 e 66, e págs. 168 e 169, nota 38.
[9] Cfr., neste sentido, Ana Prata, “Contratos de Adesão e Clausulas Contratuais Gerais”, pág. 180.
[10] Sendo certo que, se algumas das clausulas inseridas no contrato celebrado entre as partes se tratavam notoriamente de clausulas pré-estabelecidas e destinadas a vigorar em um sem número de contratos, outras há que terão sido objeto de negociação individual, sendo que, só relativamente às primeiras se colocaria a questão do ónus da comunicação a cargo do predisponente.
[11] Cfr., neste sentido, entre outros, Carolina Cunha, “Letras e Livranças, Paradigmas Atuais e Recompreensão de um Regime”, Coleção Teses, Almedina, pág. 588.
[12] Carolina Cunha, obra citada, pág. 592.
[13] “La Cambiale”, pág. 108, citado por Carolina Cunha, obra referida, pág. 535, nota 9.
[14] Afirmando-se na cláusula 7ª que “Para garantia do bom pagamento de todas as responsabilidades que advêm para o cliente (…), o cliente entregou ao BES uma livrança devidamente subscrita e avalizada pelo Garante”, encontrando-se, o Cliente e o Garante, devidamente identificados no contrato, bem como as respetivas moradas.
[15] Taxa correspondente à Euribor a três meses, acrescida de 3,0 pontos percentuais, arredondada para o quarto imediatamente superior.