Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
994/11.0T2AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: DELIBERAÇÃO SOCIAL
AMORTIZAÇÃO DE QUOTA
NULIDADE
HERDEIRO
LEGITIMIDADE ACTIVA
GERÊNCIA
RELAÇÃO
PRINCÍPIO DA SUBSTITUIÇÃO
Data do Acordão: 02/19/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CDE COMÉRCIO AVEIRO CBV
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.56, 62, 225, 227, 232 CSC, 26, 715 CPC
Sumário: 1.- É parte legítima, o herdeiro de uma quota de sociedade, ainda que desacompanhado dos restantes contitulares, para pedir a declaração de nulidade de deliberação social.

2.- Não sendo convocado para as assembleias que deliberaram sobre a extinção das quotas que também são suas, foi violado o seu direito de participação, o que determina a nulidade da deliberação emitida naquelas condições.

3.- Até que sejam designados, pela forma legal, os gerentes (“de direito”), o sócio único, designado de forma viciada, assume e exerce os poderes de gerência na sociedade (“gerente de facto”).

4.- Tendo o tribunal de 1ª instância, no saneador, absolvido o réu por ilegitimidade do autor, mas entendendo a Relação que este é parte legítima e, nos termos do art.715º do Código de Processo Civil, dispuser de todos os elementos necessários ao enquadramento jurídico do mérito da causa, a Relação deve substituir-se ao tribunal recorrido e proferir decisão de mérito.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

            EN (…), casado, residente (…) Albergaria-a-Velha, (…), intentou acção de declaração de nulidade de deliberação social, contra Colégio (…), Lda., sediada em Albergaria-a-Velha e EA (…), viúvo, residente (…) Cascais, pedindo que sejam:

            Declaradas nulas e de nenhum efeito as deliberações de amortização das quotas pertencentes aos sócios seus pais e de venda da pertencente à sua mãe, tomadas nas reuniões das assembleias gerais de 4 de Outubro de 1995 e 2 de Maio de 2011;

            Ordenado o cancelamento dos respectivos registos na Conservatória do Registo Comercial;

            Declarada nula e de nenhum efeito a deliberação de nomeação do 2º R. como gerente da Ré sociedade, tomada na reunião da assembleia geral de 2.5.2011;

            Ordenado o cancelamento do respectivo registo na Conservatória do Registo Comercial.

            Síntese da causa de pedir:

            Os seus pais faleceram.

            Em conjunto com seus cinco irmãos, é herdeiro legitimário de ambos.

            Os seus pais eram titulares da maioria do capital social da sociedade Ré.

            O 2º Réu, enquanto sócio minoritário da 1ª R. participou nas deliberações sociais das assembleias gerais que tiveram lugar em 4.10.1995 e 2.5.2011, em que foram decididas as amortizações das quotas com o valor nominal de Esc.: 950.000$00 (€ 4.738,58), cada uma, de que eram titulares os seus pais, e a aquisição da quota da sua mãe pelo 2º R. e a nomeação deste como gerente da sociedade.

            Deliberações levadas ao registo em 3.5.2011, à excepção da relativa à amortização da quota da sua falecida mãe.

            As deliberações prejudicam a esfera patrimonial do Autor, enquanto herdeiro.

            Nas referidas reuniões foram dispensadas as formalidades da convocatória, por se considerar estarem presentes todos os sócios, decidiram constituir-se em assembleia geral universal e invocaram o disposto nos artigos 8º e 9º do pacto social da Ré Sociedade.

            A falta de convocação dos herdeiros dos falecidos determina a nulidade das deliberações.

            Não esteve ali representada a totalidade do capital social, o que impossibilitava a reunião ao abrigo do disposto no art. 54º nº 1 do C.S.C.

            Faltaram as menções obrigatórias subjacentes à deliberação de amortização, conforme imposto pelo art.236º do C.S.C.

            A Ré nada deliberou quanto à redução do capital social ou do aumento proporcional das quotas dos outros sócios, por força das amortizações.

            A Ré Sociedade não comunicou a deliberação de amortização aos interessados herdeiros.

            Tendo falecido o seu pai em 9.7.1995, há muito tinha escoado o prazo dos noventa dias que o pacto e a lei impunham para que fosse deliberada a amortização.

            A sociedade não pode deliberar a amortização de uma quota, que assim se extingue, e ao mesmo tempo a sua aquisição por um sócio.

            Ao adquirir a quota, o sócio é que fica devedor do respectivo preço, não tendo a sociedade intervenção no acto para além da deliberação.

            Síntese da contestação:

            O Autor é parte ilegítima.

            Nos termos do art.8º do pacto social, está estipulado que “as quotas não se transmitem por morte dos sócios aos seus sucessores, devendo a sociedade amortizá-las, adquiri-las ou fazê-las adquirir por sócio ou terceiro, nos termos da lei.”

            Não tendo direito à quota, tudo quanto se passa na referida sociedade não afecta directamente a esfera patrimonial do A., nem o mesmo pode juridicamente invocar interesse directo em demandar em acção de anulação de deliberações sociais de uma sociedade em que não é sócio, nem nunca poderá vir a ser.

            Quanto ao invocado vício de falta de convocação de interessados, diz o art.227º, nº1, do Código das Sociedades Comerciais: “a amortização ou a aquisição da quota do sócio falecido efectuada de acordo com o prescrito nos artigos anteriores retrotrai os seus efeitos à data do óbito”. Por sua vez, o nº3 do mesmo artigo apenas autoriza os herdeiros a votar “em deliberações sobre alteração do contrato ou dissolução da sociedade”, não impondo a sua convocação para quaisquer outras deliberações”. Logo, não tinham de ser convocados para a assembleia geral onde foi deliberada a amortização, pois nela não podiam intervir e votar.

            Quanto ao vício da falta de representação da totalidade do capital social, ou a quota de EN (…) era uma res nullius, cujo titular seria determinado pela deliberação de amortização, e, nesse caso, a totalidade do capital social estava representada, pois essa quota não contava para a realização da assembleia geral, ou, sendo a quota bem comum do seu casal não da sua herança, pois nunca houve transmissão aos sucessores -, então a sócia AN (…) representava as duas quotas, sua e de seu falecido marido e teríamos a totalidade do capital social representado.

            Quanto à alegada falta das menções obrigatórias subjacentes à deliberação de amortização, tal como vem exigido pelo art.236º do C.S.C., porque não consta do elenco de causas de nulidade das deliberações sociais, a mesma seria quando muito anulável e já se encontram há muito ultrapassados os prazos legais fixados no art.59º do Código.

            Quanto à inexistência dos efeitos internos e externos da amortização, eles resumem-se a 2, a saber:

            O não ter sido deliberado a redução do capital social ou aumento proporcional das quotas dos outros sócios, nos termos do art.237º;

            A falta de comunicação da amortização aos herdeiros, nos termos do art.9º, nº3, do Pacto Social e art.234º, nº1, do C.S.C.

            Quanto à primeira, o problema está resolvido pelo art.237º, nº1, do C.S.C., onde determina que “se a amortização de uma quota não for acompanhada da correspondente redução de capital, as quotas dos outros sócios serão proporcionalmente aumentadas”.

            Quanto aos efeitos da deliberação de amortização de 4/10/1995, os efeitos internos produzem-se por mero efeito da deliberação, não sendo os mesmos oponíveis a terceiros se não tiver havido registo. Porém, quando a presente acção foi proposta já o registo se encontrava realizado.

            Quanto ao segundo fundamento, basta ler com atenção o art.9º do Pacto Social, para se concluir que o mesmo apenas tem em vista os casos de amortização de quota com os fundamentos referidos nas diversas alíneas do nº1 e por isso o nº 3 manda que a mesma “seja comunicada ao sócio”, ou seja ao titular do mesma quota.

            Ora, não era o caso do sócio (…), já falecido e cujo falecimento era a causa da amortização, pelo que não podia ser-lhe a deliberação comunicada.

            Quanto à alegação do 2º Réu ser viúvo ao tempo da assembleia, era ele o titular da quota e, por força da proibição constante do art.8º do Pacto Social, a quota não se transmite aos sucessores do seu cônjuge, que também são os seus sucessores futuramente.

            Os argumentos apresentados para a situação resultante do falecimento do pai do Autor são, na sua maioria, os mesmos invocados para a situação resultante do falecimento da sua mãe.

            Quanto à questão específica da amortização e da venda da quota de que era titular a falecida (…), além do mais, não é incompatível, pois a sociedade afirmou o seu direito à amortização, que tem de deliberar previamente relativamente à deliberação de venda, depois as duas hipóteses – amortização e alienação – estão expressamente previstas na lei e no pacto social e, interpretando a vontade do sócio que representava a sociedade, esta foi de transmitir a quota da sócia (…) ao sócio sobrevivente. E o registo que foi feito foi o da transmissão da quota ao sócio sobrevivente.

            As condições de alienação podem ser fixadas pela sociedade na sua deliberação, dentro do princípio da autonomia contratual.

            A anulabilidade do negócio consigo mesmo, prevista no art.261º do C. Civil, não se verifica quando “o representado tenha especificadamente consentido na celebração, ou que o negócio excluía por sua natureza a possibilidade de um conflito de interesses”.

            Através da deliberação tomada em 2/5/2011, a sociedade expressamente consentiu na aquisição pelo 2º. Réu da participação social da sócia falecida Ana Natália e, além disso, pelo facto de ter ocorrido a amortização, ele tornar-se-ia o único sócio da sociedade. Não tendo sido deliberada a redução de capital, a quota do 2º Réu seria proporcionalmente aumentada, pelo que também ficaria detentor da totalidade do capital social, pelo que não há qualquer incompatibilidade de interesses.

            Nenhum empréstimo foi deliberado conceder ao 2º. R.

            Síntese da réplica:

            Após a morte do titular de uma quota, os seus herdeiros passam a ser contitulares da mesma por efeito da sucessão legal.

            O Autor, enquanto herdeiro dos falecidos sócios, tem direito às respectivas quotas, enquanto a sociedade não praticar qualquer dos actos previstos no art. 225º nº 2 do C.S.C.

            O Autor não tem que entrar no contrato societário para ser titular de um direito hereditário sobre a quota.

            Até à efectivação da amortização da quota os herdeiros conservam os seus direitos sociais, pelo que terão de ser convocados.

            A nulidade das deliberações afecta directamente a esfera patrimonial do Autor.

            O Autor tem um interesse directo em demandar os Réus, definido pela utilidade derivada da procedência da acção.

            A nulidade é invocável a todo o tempo e por qualquer interessado, como prescreve o art.286º do C. Civil.

            No saneador, o Tribunal julgou procedente a excepção de ilegitimidade activa e absolveu os réus da instância. Mais julgou improcedentes os pedidos de condenação por litigância de má fé.


*

            Inconformado, o Autor recorreu e apresentou as seguintes conclusões:

            A) Ao contrário do que se defende na douta decisão recorrida, desde logo com a morte de (…) quota de que este era titular no capital social da Recorrida sociedade com o valor nominal de Esc:950.000$00 (€ 4.738,58) passou a integrar o acervo hereditário a que têm direito os herdeiros legitimários, como é o caso do Recorrente, mesmo afastando o pacto social a sucessão hereditária, até que a sociedade deliberasse validamente a sua amortização.

            B) O Recorrente, como herdeiro de cada um dos falecidos (...) e (…), tem o direito de sindicar a legalidade das deliberações tomadas quando defende que ambas estão feridas do vício de nulidade, uma vez que tem direito às respectivas quotas enquanto a sociedade não praticar validamente qualquer dos atos previstos no art. 225º nº 2 do C.S.C., mormente, proceda à sua amortização.

            C) Estão feridas de vício de nulidade as deliberações em que:

            a. Se verifique a falta de convocação dos herdeiros para a reunião da assembleia geral em que é deliberada a amortização;

            b. Se constate a ausência de poderes do representante da quota do falecido que intervém na deliberação de amortização;

            c. Há falta de representação de uma das quotas do capital social por estar indicada como presente quem não era dela titular;

            d. Se verifique a falta das menções obrigatórias subjacentes à deliberação de amortização nos termos previstas no art. 236º do C.S.C. que visam interesses de ordem pública;

            e. Inexistem os efeitos internos e externos da amortização (redução de capital social ou aumento proporcional das quotas dos outros sócios), comunicação aos interessados e registo na Conservatória do Registo Comercial;

            f. Se delibere a amortização de uma quota, que assim se extingue, e do mesmo passo a sua aquisição por um sócio, no caso o Recorrido (…).

            D) Uma vez que está em causa a declaração de nulidade da deliberação, o Recorrente tem legitimidade para intentar a presente acção, enquanto interessado na obtenção judicial dessa declaração de nulidade, tanto das deliberações de amortização como do negócio de transmissão da participação social, uma vez que a nulidade pode ser invocável a todo o tempo e por qualquer interessado, como prescreve o art. 286º do C. Civil.

            E) O regime jurídico aplicável à nulidade não sofre excepção quanto à invocação de nulidade das deliberações sociais, sendo invocável por iniciativa dos sócios, do órgão de fiscalização, dos gerentes – art. 57º do C.S.C. – ou por qualquer terceiro interessado, podendo mesmo ser declarada oficiosamente pelo Tribunal.

            F) Em qualquer circunstância, tal como foi configurada a Petição Inicial, o Recorrente tem um interesse directo em demandar os Recorridos, definido pela utilidade derivada da procedência que se espera desta acção, uma vez que com a declaração de nulidade das deliberações postas em crise, os seus direitos hereditários mantém-se intocáveis como se pretende, passando o Recorrente a ser novamente co-titular das referidas quotas.

            G) A douta decisão recorrida violou assim, designadamente, os artigos 26º do C.P.C., 56º do C.S.C., 286º do C. Civil, devendo desde logo ter declaradas nulas as deliberações postas em crise no despacho saneador sentença, como impunha o art. 510º e 659º do C.P.C.


*

            Os Réus contra-alegaram, na defesa da sentença recorrida, reafirmando argumentos anteriores e assumindo, como novo argumento que, “não pode deixar de anotar-se o facto de a sentença recorrida ter demonstrado que, mesmo que os herdeiros fossem sócios da sociedade, a representação da herança nunca caberia ao recorrente, mas ao cabeça-de-casal da herança, citando as normas dos artigos 222º, nº1 e 223º, nº. 1 do C.S.C., com referência ao artigo 2079º do C. Civil, suportando essa argumentação ainda no acórdão do STJ de 21/6/2011 aí citado e, também por esta via, o recorrente seria parte ilegítima para os termos da presente causa.

*

            As partes foram ouvidas nos termos e para os efeitos previstos no art.715º, nº3, do Código de Processo Civil. Sobre os poderes de substituição do tribunal de recurso, dispondo este dos factos necessários, ver A. Geraldes, Recursos, Almedina, 2010, página 360, com exemplo paralelo.

*

            As questões que importa resolver são:

            1ª O Autor é parte ilegítima?

            2ª Não o sendo, as deliberações sociais invocadas são nulas?


*

            Os factos essenciais estão provados por documento e admitidos por acordo nos articulados e são:

            1. O Autor é filho de (…) e (…) que foram casados no regime da comunhão geral de bens, ambos já falecidos, o primeiro em 9 de Julho de 1995 e a segunda em 10 de Fevereiro de 2011.

            2. O Autor tem cinco irmãos, todos habilitados por escritura de habilitação.

            3. Na sociedade Ré, com a firma “Colégio (…), Lda.”, os falecidos eram titulares, cada um, de uma quota com o valor nominal de Esc: 950.000$00 (€ 4.738,58) e o 2º Réu titular de uma quota com o valor nominal de Esc: 100.000$00 (€498,80) o que perfazia a totalidade do capital social de Esc: 2.000.000$00 (€9.975,96).

            4. O 2º Réu participou nas deliberações sociais das reuniões das assembleias gerais que tiveram lugar em 4 de Outubro de 1995 e em 2 de Maio de 2011, em que foram deliberadas, entre outras:

            A amortização da quota com o valor nominal de Esc.: 950.000$00 (€ 4.738,58) de que era titular o falecido (…);

            A amortização da quota da falecida (…) com o valor nominal de Esc.: 950.000$00 (€ 4.738,58);

            A aquisição desta quota pelo 2º Réu, valor da qual este se constituía devedor à sociedade porque esta procedia ao pagamento;

            A nomeação do 2º Réu como gerente da sociedade.

            5. A deliberação de amortização da quota do falecido (…) foi levada ao registo pela apresentação nº 16/2011-05-03.

            6. E a aquisição da quota pelo 2º R pela apresentação 17/2011-05-03.

            7. Em 4 de Outubro de 1995, pelas 16 horas, reuniram na sede social da Ré Sociedade o 2º Réu e a falecida (…) e, dispensando as formalidades da convocatória, por considerarem estarem presentes todos os sócios, decidiram constituir-se em assembleia geral universal, nos termos do disposto no art. 54º do C.S.C.

            8. Os dois presentes, intitulando-se únicos sócios da sociedade, deliberaram a amortização da quota com o valor nominal de Esc: 950.000$00 (€ 4.738,58), pelo preço de Esc: 2.870.787$70, de que o falecido (…) era titular.

            9. Os presentes invocaram o disposto nos artigos 8º e 9º do pacto social da Ré Sociedade.

            10. Dispõe o art.8º do pacto social: “As quotas não se transmitem por morte dos sócios aos seus sucessores, devendo a sociedade amortizá-las, adquiri-las, ou fazê-las adquirir por sócio ou terceiro, nos termos da lei”.

            11. E o artigo 9º do pacto social exara:

            “A sociedade reserva-se o direito de amortizar quotas, nos seguintes casos:

a) (…)

d) Quando se verificar a situação prevista no art.8º do contrato de sociedade. (…)

            “ A amortização é realizada pelo valor da quota determinado em face do último balanço aprovado…”

            12. Em 2 de Maio de 2011, pelas 19 horas, reuniu na sede social da Ré Sociedade, o 2º Réu e, intitulando-se único sócio da sociedade e declarando “não havendo outros sócios a convocar”, deliberou constituir-se em assembleia geral nos termos do disposto no art. 54º do C.S.C.

            13. Estava ainda presente o cabeça de casal, representante da herança líquida e indivisa aberta por óbito de (…), (…), e o mandatário da sociedade (…).

            14. O sócio presente deliberou sem intervenção de qualquer outro dos presentes.

            15. Nas 2 reuniões referidas, os presentes não fizeram qualquer menção sobre a situação da sociedade mas referiram que as amortizações eram feitas de acordo com os valores apurados nos últimos balanços.

            16. As deliberações não foram comunicadas ao Autor.

            17. O 2º Réu foi casado à data de aquisição da quota sob o regime de comunhão de bens adquiridos com (…).

            18. À data de 2 de Maio de 2011, o 2º Réu era viúvo.

            19. O 2º Réu tem filhos.

            20. O artigo 10º do pacto social exara que a qualidade de gerentes atribuída aos sócios falecidos “importa” para eles um direito especial, “por ter sido essencial à formação da sua vontade”.


*

            1ªquestão: o Autor é parte ilegítima?

            A sentença recorrida entendeu que sim. Depois de considerações introdutórias, a sentença diz-nos, (citando nós apenas os argumentos e conclusões em síntese):

            “…as quotas sociais de que os pais do aqui autor eram titulares na sociedade ré estão excluídas do acervo hereditário daqueles por força do estipulado no art. 8º do pacto social.”

            “Dispõe o art. 225°, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais que “O contrato de sociedade pode estabelecer que, falecendo um sócio, a respectiva quota não se transmitirá aos sucessores do falecido, bem como pode condicionar a transmissão a certos requisitos, mas sempre com observância do disposto nos números seguintes”.

            “Em consonância com tal faculdade legal, estipulou-se expressamente, sob o art.8º do pacto social da sociedade ré, que “as quotas não se transmitem por morte dos sócios aos seus sucessores, devendo a sociedade amortizá-las, adquiri-las ou fazê-las adquirir por sócio ou terceiro, nos termos da lei”.

            “É, pois, inequívoco que os sócios da 1ª ré não quiseram, aquando da constituição desta, que as participações sociais se transmitissem mortis causa aos seus sucessores.”

            Depois, considerando a factualidade assente, a sentença entende “que antes de decorridos 90 dias sobre as datas dos decessos dos sócios (…) e (…)foi deliberada a amortização das quotas de que aqueles eram titulares, em conformidade com o prescrito no art.225º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais e no art. 9º, n.º 1, al. d), e n.º3, do contrato de sociedade.”

            “Assim sendo, não ocorreu o circunstancialismo previsto na última parte do n.º 2 do art.225º. Deste modo, não tem o autor qualquer direito ou expectativa legalmente protegida às quotas de que seus falecidos pais eram titulares e, como tal, não tem interesse em pedir a anulação das deliberações sociais em causa, sendo, de resto, terceiro perfeitamente estranho ao contrato societário e, como tal, carece de legitimidade.”

            “Ainda que assim não se entendesse, o que apenas como mera hipótese se admite, sempre o aqui autor seria parte ilegítima na presente acção. Com efeito, equacionando-se que o aqui autor, por força da sua qualidade sucessória, tinha os direitos inerentes à titularidade das quotas que pertenceram aos seus pais, sempre haveria que atentar na especificidade do regime de exercício dos mesmos no caso concreto.” (…)

            “No caso dos autos, o autor não alega que é representante comum dos restantes contitulares ou que tem a qualidade de cabeça-de-casal, não podendo, por isso, exercer, de modo singular, os direitos que eventualmente decorressem da contitularidade das quotas dos seus falecidos pais.”

            Não concordamos com esta solução.

            Segundo o artigo 26º do Código de Processo Civil, “o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer”.

            “O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção; o interesse em contradizer, pelo prejuízo que dessa procedência advenha.”

            “Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.”

            O demandante assegura a legitimidade singular activa na acção identificando-se como o titular da relação controvertida.

            Afastada a concepção objectivista da legitimidade, nenhuma dificuldade surge na diferenciação da sua congénere substantiva, sendo que a nova concepção evita confundir o aspecto da legitimidade, enquanto pressuposto processual, com o da procedência da pretensão.

            O interesse a que se refere a lei tem de ser um interesse jurídico, tem de ser pessoal ou directo, no sentido de que ninguém, em seu próprio nome, pode, em regra, defender interesse alheio.

            E, por isso, se concorda com a Sra. Juíza, quando afirma que, “perante tal formulação são raríssimas as situações de ilegitimidade, tendo havido até quem defendesse a supressão, pura e simples, do pressuposto da legitimidade processual, com excepções devidamente definidas da legitimidade indirecta ou da tutela de interesses colectivos ou difusos (vide Miguel Teixeira de Sousa, “Apreciação de Alguns Aspectos da Revisão do Projecto Civil – Projecto”, na Revista da Ordem dos Advogados, Ano 55 (1995) - II - 374/376).”

            O Autor apresenta-se como herdeiro dos titulares das quotas amortizadas, pedindo a declaração de nulidade das deliberações de amortização, por não ter sido convocado para a assembleia na qual estas foram emitidas, entre as outras faltas que invoca.

           

            Nesta configuração, o Autor apresenta-se como titular da relação controvertida. Como herdeiro, alega, tinha de ser convocado para a assembleia que deliberou sobre algo que era seu.

            Mesmo que destinadas à amortização, pelo pacto social, e até lá, as quotas não estão excluídas do acervo hereditário (arts.2024º e 2031º do Código Civil).

            E é ainda relevante o artigo 227º do Código das Sociedades Comerciais, que dispõe:


(Pendência da amortização ou aquisição)

            1 – A amortização ou a aquisição da quota do sócio falecido efectuada de acordo com o prescrito nos artigos anteriores retrotrai os seus efeitos à data do óbito.

            2 – Os direitos e obrigações inerentes à quota ficam suspensos enquanto não se efectivar a amortização ou aquisição dela nos termos previstos nos artigos anteriores ou enquanto não decorrerem os prazos ali estabelecidos.

            3 – Durante a suspensão, os sucessores poderão, contudo, exercer todos os direitos necessários à tutela da sua posição jurídica, nomeadamente votar em deliberações sobre alteração do contrato ou dissolução da sociedade.

            O interesse do Autor é o da participação e da audição em assunto seu, um interesse que não é de outro e não é propriamente o interesse de sócio. O interesse é patrimonial, jurídico, pessoal e directo.

            Não se trata aqui da representação da herança.

            Importará também distinguir a contitularidade para o exercício de direitos sociais e aquela para o pedido de nulidade.

            O Autor invoca a nulidade. Esta, mesmo considerando as normas dos artigos 56º a 62º do Código das Sociedades Comerciais, “é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal” (art.286º do Código Civil; ver Pinto Furtado, Deliberações, Almedina, 2005, página 758 e acórdão da Relação do Porto, de 26.10.2004, processo 0423569, em www.dgsi.pt.).

            E, por isso, apesar de existirem outros interessados, não é exigida a intervenção de todos. (art.28º do Código de Processo Civil; com interesse, ver M. Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo Civil, Lex, 1997, página 163.)

            “O contitular de uma quota social, ainda que desacompanhado dos restantes contitulares, tem legitimidade para invocar a nulidade de deliberação social que

procedeu à amortização dessa quota.” (Acórdão da Relação de Lisboa, de 21.9.2004, em C.J. 2004, tomo 4, página 87.)

            Por tudo isto, o Autor é parte legítima.


*

            2ª Questão diferente, já substancial, de mérito, é saber se as deliberações sociais invocadas são nulas?

            Quanto à amortização da quota, dispõem os arts.232º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais.

            O primeiro diz que a amortização da quota tem por efeito a extinção da quota, sem prejuízo, porém, dos direitos já adquiridos e das obrigações já vencidas.

            Assim, a amortização e, por idêntico efeito, a venda também questionada têm um efeito directo na esfera patrimonial do herdeiro.

            Como já vimos, na pendência da amortização, preceitua o artigo 227º do Código das Sociedades Comerciais que “os direitos e obrigações inerentes à quota ficam suspensos” mas, “durante a suspensão, os sucessores poderão exercer todos os direitos necessários à tutela da sua posição jurídica, nomeadamente votar em deliberações sobre alteração do contrato ou dissolução da sociedade.”

            Neste contexto, na pendência da amortização e da venda e para elas, o herdeiro tem direito a ser ouvido e a participar na deliberação de assunto que lhe diz respeito.

            “Nomeadamente votar em deliberações sobre alteração do contrato ou dissolução da sociedade”, como diz a lei, quer dizer que estes são apenas dois casos exemplificativos de exercício de direitos necessários à tutela da sua posição jurídica.

            Mesmo que não tenha direito a voto, o herdeiro deve ser considerado nos assuntos que lhe dizem também respeito.

            Deliberações nulas são aquelas que violam normas legais ou contratuais subtraídas à disponibilidade dos sócios.

            Sendo assim, não sendo convocado para as assembleias que deliberaram sobre a extinção das quotas que também são suas, foi violado um seu direito fundamental, o que determina a nulidade da deliberação emitida naquelas condições.

            Trata-se de um vício de procedimento essencial. (art.56º, nº1, a), do Código das Sociedades Comerciais; M. Cordeiro, Manual de Direito das Sociedades, 2ª edição, 2007, Almedina, página 719.)

            No sentido desta nulidade, ver acórdãos do STJ, de 16.2.73, processo 064320, de 23.9.97, processo 17A083, em www.dgsi.pt; da Relação de Lisboa, de 15.5.2000, na C.J., ano 2000, tomo 3, página 88.

            Com isto não há necessidade de ajuizar sobre as restantes nulidades imputadas às mesmas deliberações.

            Mas será nula e de nenhum efeito a deliberação de nomeação do 2º Réu como gerente da Ré sociedade, tomada também na assembleia de 2.5.2011?

            As partes preocuparam-se menos com esta questão, parecendo que é afectada da mesma forma e com os mesmos argumentos apresentados para as nulidades já invocadas antes.

            Diz-nos a lei nos arts.252º e 253º do Código das Sociedades Comerciais:

            Composição da gerência

            A sociedade é administrada e representada por um ou mais gerentes, que podem ser escolhidos de entre estranhos à sociedade e devem ser pessoas singulares com capacidade jurídica plena.

            Os gerentes são designados no contrato de sociedade ou eleitos posteriormente por deliberação dos sócios, se não estiver prevista no contrato outra forma de designação.

            A gerência atribuída no contrato a todos os sócios não se entende conferida aos que só posteriormente adquiram esta qualidade.

            A gerência não é transmissível por acto entre vivos ou por morte, nem isolada, nem juntamente com a quota.

            Substituição de gerentes

            Se faltarem definitivamente todos os gerentes, todos os sócios assumem por força da lei os poderes de gerência, até que sejam designados os gerentes.

            O disposto no número anterior é também aplicável no caso de falta temporária de todos os gerentes, tratando-se de acto que não possa esperar pela cessação da falta.

            Faltando definitivamente um gerente cuja intervenção seja necessária por força do contrato para a representação da sociedade, considera-se caduca a cláusula do contrato, caso a exigência tenha sido nominal.

            Assim, apesar da gerência ser um direito especial conferido aos sócios falecidos, por força deste falecimento, aquela gerência caducou.

           

            Apesar da sociedade poder vir a ser obrigada a reponderar a posição dos interessados relativamente às quotas amortizadas ou vendidas, até lá a sociedade não pode ficar sem gerência, cabendo ela (ou os poderes de gerência, na designação da lei) ao sócio sobrevivo.

            Apesar da norma dispor directamente sobre a substituição de gerentes, o seu sentido pode valer naturalmente para o caso da falta definitiva de todos os gerentes, por morte (“Se faltarem definitivamente todos os gerentes, todos os sócios assumem por força da lei os poderes de gerência, até que sejam designados os gerentes.”)

            Porém, o sentido da expressão “poderes de gerência” é diferente do exercício do cargo de gerência validamente preenchido.

            No caso, anteriormente, concluímos pela nulidade das deliberações sobre as amortizações e venda de quotas. Significa isto que tais quotas permanecem.

            Mais, nos termos do artigo 225º, nº2, do Código das Sociedades Comerciais (“Quando, por força de disposições contratuais, a quota não for transmitida para os sucessores do sócio falecido, deve a sociedade amortizá-la, adquiri-la ou fazê-la adquirir por sócio ou terceiro; se nenhuma destas medidas for efectivada nos 90 dias subsequentes ao conhecimento da morte do sócio por algum dos gerentes, a quota considera-se transmitida.”), porque estas medidas legais não foram validamente efectivadas, no prazo, aquelas quotas estão agora transmitidas aos herdeiros.

            Ora, em regra, os sócios têm direito de eleger e de ser eleitos gerentes (art.21º e 252º do Código em análise).

            Tudo isto para dizer que na assembleia referida, faltando os demais interessados nas quotas dos falecidos, não tendo sido dado destino válido a tais quotas, questão prévia para a definição da composição social, o 2º Réu não podia nomear-se gerente (“gerente de direito”).

            Mas, por força da lei, até que sejam designados os gerentes (“de direito”), o 2º Réu assume e exerce os poderes de gerência na sociedade (“gerente de facto”).

            Sendo certo que a lei acautela esta gerência (de facto), ao tribunal foi pedido pronunciar-se sobre a deliberação social. E, quanto a esta, quanto à nomeação social para o cargo, pelos fundamentos que já antes invocámos, não pode o tribunal deixar de a declarar nula e de nenhum efeito.


*

            Decisão:

            Julga-se procedente o recurso interposto pelo Autor e revoga-se a decisão recorrida.

            Substitui-se esta decisão, julgando a acção procedente, por provada, e:

            a) declara-se nula e de nenhum efeito a deliberação de amortização da quota pertencente ao sócio (…) tomada na reunião da assembleia Geral de 4 de Outubro de 1995;

            b) Ordena-se o cancelamento do respectivo registo na Conservatória do Registo Comercial;

            c) Declara-se nula e de nenhum efeito a deliberação de amortização da quota pertencente à sócia (…)tomada na reunião da Assembleia

Geral de 2 de Maio de 2011;

            d) Declara-se nula e de nenhum efeito a deliberação de amortização por venda da quota pertencente à sócia (…) ao 2º R. tomada na reunião da assembleia geral de 2 de Maio de 2011;

            e) Ordena-se o cancelamento do respectivo registo na Conservatória do Registo Comercial;

            f) Declara-se nula e de nenhum efeito a deliberação de nomeação do 2º R. como gerente da Ré sociedade, tomada na reunião da assembleia geral de 2 de Maio de 2011;

            g) Ordena-se o cancelamento do respectivo registo na Conservatória do Registo Comercial;

As custas da acção e do recurso serão suportadas pelos réus.


*

Fernando de Jesus Fonseca Monteiro ( Relator)

 Maria Inês Carvalho Brasil de Moura

Luís Filipe Dias Cravo