Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3635/15.3T8ACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: FALTA
INSUFICIÊNCIA
IRREGULARIDADE
MANDATO
NOTIFICAÇÃO DA PARTE
EFEITOS
DECISÃO DA CAUSA
Data do Acordão: 10/26/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (ALCOBAÇA – INST. LOCAL – SECÇÃO CRIMINAL – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 48.º DO CPC
Sumário: I - A falta, insuficiência ou irregularidade de mandato, impõem, como pressuposto da declaração de ineficácia dos actos praticados pelo mandatário aparente, a notificação, não só deste, mas da própria parte, para que a esta seja dada oportunidade de ratificar o processado e emitir procuração.

II - A falta de notificação da parte, consubstanciando omissão que a lei prescreve (artigo 48.º do CC), constitui irregularidade susceptível de influir na decisão da causa.

Decisão Texto Integral:





Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

1. No âmbito dos autos de contraordenação n.º 3635/15.3T8ACB da Comarca de Leiria, Alcobaça – Inst. Local – Secção Criminal – J1, por decisão de 18.09.2015 do Inspetor-geral da Inspeção-geral dos Ministérios do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia e da Agricultura e do Mar, foi o arguido “A.... de B... ”, melhor identificado nos autos, condenado pela prática de várias contraordenações, designadamente ambientais graves, na coima única de € 6.000,00 (seis mil euros).

2. Inconformado com o assim decidido, o arguido deduziu impugnação judicial.

3. Impugnação, essa, que por despacho de 27.01.2016 não veio a ser admitida.

4. Dessa decisão vem interposto o presente recurso, no âmbito do qual são formuladas as seguintes conclusões:

a) Vem o Arguido recorrer da decisão do Meritíssimo Juiz do Douto Tribunal a quo, que entendeu que o Mandatário do Arguido apresentou a procuração fora de prazo, e por conseguinte, que a mesma deve ser tida como sem efeito.

b) Salvo melhor opinião, mal andou o Meritíssimo Juiz a quo ao não ter em consideração que o Mandatário do Arguido apenas foi notificado no dia 24 de Dezembro de 2015, conforme documento dos CTT.

c) De facto, apesar de a lei referir que se presume que a notificação foi recebida no 3.º dia útil. Porém, tal presunção pode ser ilidida, caso tal beneficie o notificando, o que é o caso.

d) Assim, o prazo de cinco dias apenas deveria ter tido início a 4 de Janeiro de 2016 (data do 1.º dia após as férias judiciais), pelo que a entrada a dia 07 de Janeiro de 2016 do requerimento a juntar a procuração se encontrava em tempo.

e) Nessa medida, sempre o douto despacho deveria ser revogado e substituído por outro que admita a junção da referida procuração por estar em tempo e admita a interposição da impugnação judicial da decisão administrativa.

f) Por outro lado, é entendimento pacífico da jurisprudência e doutrinas que, o Arguido deve ser sempre notificado para vir ele produzir a procuração e/ou ratificar o processado.

g) Tal entendimento é refletido no Acórdão do TRL de 21.03.2012, in http://www.dgsi.pt/jtrl1.nsf/0/92e69e75152e95d3802579ca00597fcb?OpenDocument, o Acórdão do TRL de 13-01-2011, in http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/5d920c7c2badbfd080257de10056f4d6?OpenDocument, e Acórdão do TRL de 29-04-2004, in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/69c17f450423997d80256f180046816a?OpenDocument.

h) Diz-se assim no primeiro que “Não sendo junta a procuração no prazo fixado, tudo se passa como se faltasse o mandato, havendo então que cumprir o disposto no n.º 2 do art. 40 do CPC, notificando a Ré, na sua própria pessoa, para suprir essa falta.”

i) Refere-se no segundo Acórdão que “A omissão da notificação do despacho recorrido à própria Arguida configura uma nulidade processual, atacável por via de recurso porquanto coberta por decisão judicial, cuja consequência, naturalmente, importa que todo o que posteriormente haja sido processado e que esteja absolutamente dependente da sua prática tenha que ser repetido.”

j) Lê-se inclusivamente no terceiro Acórdão “O regime aqui estabelecido [no artigo 40.º/2 CPC] só seria de observar posteriormente, se a situação não fosse entretanto regularizada. Neste sentido podem ver-se o Professor Lebre de Freitas na anotação ao art.º 40 do seu Código de Processo Civil Anotado, ou o Professor Castro Mendes ali citado. Podem ver-se ainda, o Professor Alberto dos Reis – Código de Processo Civil Anotado, em anotação ao art.º 41.º, com redação idêntica ao atual art.º 40.º, ou Abrantes Geraldes – Saneamento e Condensação, editado pelo CEJ em 1997, pág. 42, em nota de rodapé n.º 56.

k) É assim indiscutível que tal omissão representa uma nulidade arguível, e arguida, no presente recurso, que conduz à anulação de todo o processado.

l) Tal entendimento leva-nos à terceira questão que tal decisão a quo nos suscita, a da sanação da irregularidade.

m) De facto, e salvo melhor opinião, todos os atos judiciais devem ser úteis e conduzir à descoberta material da verdade.

n) Efetivamente, o Meritíssimo Juiz a quo deu um prazo de 5 dias para junção da procuração, com a respetiva cominação.

o) O Ilustre Mandatário do Arguido apresentou tal documento no dia 07 de Janeiro de 2016, tendo o Meritíssimo Juiz a quo apenas se pronunciado sobre o mesmo no dia 27 de Janeiro de 2016.

p) Ora, salvo melhor opinião, independentemente da questão do prazo, o Ilustre mandatário regularizou e sanou tal situação no dia 07 de Janeiro, muito antes sequer de o Meritíssimo Juiz se ter pronunciado sobre a mesma no despacho de que agora se recorre.

q) Tal é igualmente e amplamente o entendimento da Jurisprudência e doutrinas, conforme se verificou já pelos Acórdãos referidos supra, mas também de forma mais concreta pelo Acórdão do TRL de 31-05-2007, in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/7605b748079eef928025735a003568b3?OpenDocument, onde se afirma que

r) “Pretende-se com os pressupostos de parte [de que a regularidade do mandato faz parte] que a decisão de mérito seja proferida quando possa ser útil e se apresente como necessária não vá o tribunal exercer a sua atividade em vão.”

s) Finaliza o Venerável Tribunal da Relação de Lisboa afirmando que o prazo que foi dado ao Ilustre Mandatário não é um prazo perentório, nos termos do artigo 139.º do CPC (artigo atual).

t) E neste caso, contra-ordenacional apenas se pode entender que tal prazo é dilatório e não perentório pois o juiz deve assegurar-se de todos os pressupostos no início da audiência de discussão e julgamento.

u) Tanto mais que, a impugnação judicial da decisão administrativa em processo contraordenacional não carece de defensor.

v) Assim, e em conclusão, a referida decisão de que se recorre encontra-se ferida de nulidade, na medida em que o Meritíssimo Juiz a quo deveria ter, antes de proferir a mesma, notificado o Arguido com vista a juntar procuração e ratificar o processo.

w) Caso assim se não entenda, o que apenas por mera hipótese se admite, sempre se dirá que se entende que a procuração foi junta em tempo, contrariamente ao entendido pelo Meritíssimo Juiz a quo, porquanto o Ilustre Mandatário do Arguido apenas foi notificado a 24-12-2015, tendo o prazo tido início em 04-01-2016 e fim em 08-01-2016 (sem qualquer multa).

x) Caso assim se não entenda, o que apenas por mera hipótese se admite, sempre se dirá que a junção da procuração antes de qualquer ato do Meritíssimo Juiz a quo sanou efetivamente a falta da mesma procuração, mesmo que, eventualmente, tal prazo tivesse sido excedido, porquanto o referido prazo é dilatório e também porque tal irregularidade, tendo em consideração os princípios do Direito Processual, já havia sido sanada em momento anterior ao da douta decisão de que agora se recorre.

y) Razão pela qual, sempre a douta decisão de que se recorre deverá ser revogada e substituída por outra que admita a junção da procuração.

Nestes termos, sempre deverá ser concedido provimento ao presente recurso, considerando verificada a nulidade suscitada, de falta de notificação ao Arguido, com as necessárias consequências.

Caso assim se não entenda, o que apenas por mera hipótese se admite, sempre se dirá que se entende que a procuração foi junta em tempo, pelo que deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que admita a junção da procuração e dê prosseguimento aos autos.

Caso assim se não entenda, o que apenas por mera hipótese se admite, sempre se dirá que a junção da procuração antes de qualquer ato do Meritíssimo Juiz a quo sanou efetivamente a falta da mesma procuração, com a consequente revogação da decisão recorrida e substituição por outra que admita a junção da procuração, ou a notificação do Arguido para esse efeito, e dê prosseguimento aos autos,

Assim se fazendo a costumada Justiça.

5. Por despacho judicial exarado em 16.03.2016 foi o recurso admitido.

6. Ao recurso respondeu o Ministério Público, pronunciando-se no sentido da respetiva improcedência.

7. Remetidos os autos à Relação, o Exmo. Procurador – Geral Adjunto emitiu parecer, no qual secundando a posição assumida na resposta ao recurso, apresentada em 1.ª instância, defende não merecer o mesmo provimento.

8. Cumprido o n.º 2 do artigo 417.º do CPP não houve reação.

9. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

Sendo as conclusões que delimitam o objeto do recurso, no caso em apreço as questões a apreciar prendem-se com:

- A tempestividade da apresentação da procuração;

- A necessidade de notificação pessoal ao arguido do despacho de exarado a fls. 158;

- A natureza do prazo fixado para a apresentação da procuração;

- O efeito da junção da procuração em momento anterior ao da prática do despacho judicial da decisão em crise.

2. A decisão recorrida

Ficou a constar do despacho recorrido:

Por intermédio do despacho de fls. 158, e sob a expressa cominação do disposto no artigo 48.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, aplicável ex vi dos artigos 41.º, n.º 1 do Decreto – Lei n.º 433/82, de 27/10, e 4.º do Código de Processo Penal, foi determinada a notificação do Ilustre advogado que apresentou a impugnação judicial para juntar aos autos, em 5 (cinco) dias, procuração forense, com eventual ratificação do processado.

Tal notificação foi expedida por via postal registada em 11-12-2015, considerando-se efetuada, nos termos do artigo 113.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, em 16-12-2015.

Deste modo, constata-se que o aludido prazo de cinco dias se esgotou em 21-12-2015, tendo no entanto a procuração forense de fls. 163 sido remetida aos autos apenas em 07-01-2016 (cf. fls. 161).

É certo que, considerando ainda o período de férias judiciais que decorreu entre 22-12-2015 e 03-01-2016, inclusive, tal junção, ainda que com o necessário pagamento de multa, poderia ter sido feita nos dias 04-01-2016, 05-01-2016 ou 06-01-2016 [cf. artigos 139.º, n.º 5, do Cód. Proc. Civil, e 107.º - A, do Cód. Proc. Penal], o que não sucedeu, não tendo o Ilustre advogado constituído invocado qualquer motivo de justo impedimento para a junção extemporânea da procuração em apreço.

Como assim, e em conformidade com o supra citado artigo 48.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, aplicável ex vi dos artigos 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, e 4.º do Código de Processo Penal, decido declarar sem efeito e, por conseguinte, não admitir a impugnação judicial deduzida nos autos.

Custas a cargo do Ilustre advogado, com taxa de justiça que fixo no mínimo legal.

Notifique e, após trânsito do presente despacho, comunique à autoridade administrativa.

3. Apreciação

a.

Dissente o recorrente da decisão em crise enquanto a teve por notificada no dia 21.12.2015, defendendo havê-lo sido, tão só, em 24.12.2015, conforme documento dos CTT que junta.

Vejamos.

Na sequência da apresentação (em 30.10.2015) da impugnação judicial em 05.12.2015 foi exarado despacho judicial determinando a notificação do Ilustre advogado subscritor da mesma para, sob a cominação do disposto no artigo 48.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi dos artigos 41.º, n.º 1 do D.L. n.º 433/82, de 27.10 e 4.º do CPP, em cinco dias, juntar aos autos procuração forense, com eventual ratificação do processado.

Resulta dos autos ter sido a notificação, acompanhada de cópia do despacho, expedida no dia 11.12.205.

Em 07.01.2016 foi remetida aos autos a procuração de fls. 163, após o que, em 27.01.2016, veio a ser proferida a decisão recorrida.

Do documento junto com o requerimento de interposição do recurso, decorre que os serviços dos Correios – CTT em 14.12.2015 lavraram a informação de «Entrega não conseguida», seguida da anotação «Destinatário ausente, empresa encerrada. Avisado na Loja CTT Bairro dos Arcos (Óbidos), consignando-se mostrar-se a mesma disponível para levantamento no dia 15 Dezembro de 2015.

Posteriormente, em 24.12.2015, consta o registo: «Entrega conseguida».

Perante semelhante circunstancialismo, afigura-se-nos não assistir razão ao recorrente. Com efeito, tendo presente o disposto nos artigos 113.º, n.º 2 e 107.º - A do CPP, o último com referência ao artigo 145.º do CPC, não tendo o mesmo ilidido a presunção inscrita na norma primeiramente indicada, o que apenas podia suceder se a receção do aviso ou notificação ocorresse em data posterior à presumida, por razões que não lhe fossem imputáveis [cf. o n.º 4 do artigo 1.º do D.L. n.º 121/76, de 11.02], tão pouco invocado justo impedimento, por um lado, ultrapassado que se mostrava o período para a prática do ato num dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, por outro lado, não merece a decisão em crise, enquanto considerou tardia a junção da procuração, censura.

Falece, pois, nesta parte razão ao recorrente.

b.

Já no que concerne à questão, igualmente suscitada no recurso, no sentido de, também, o arguido dever ter sido notificado do despacho de 05.12.2015, não se ignorando, embora, tratar-se de matéria que não vem recebendo resposta unânime por parte dos tribunais, tendemos a reconhecer-lhe razão.

Na verdade, tendo o tribunal a quo, desde logo, optado pela notificação nos termos do n.º 2 do artigo 48.º do CPC, ou seja com a cominação de ficar sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário, tal como defendido, entre outros, nos acórdãos do STJ de 19.03.2009 (proc. n.º 09ª0330), do TRL de 29.042004 (proc. 1866/2004-2), 21.03.2012 (proc. n.º 259/09.8TTLSB.L1), do TRE de 20.10.2011 (proc. n.º 620/10.5T2STC), do TRP de 20.01.2003 (proc. n.º 0252398), 19.04.2004 (proc. 0450716), 28.06.2012 (proc. 758/09.1TBLMG.P1) afigura-se-nos que deveria ter sido a mesma, igualmente, dirigida à arguida.

Como escreve Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 81, «Enquanto o art. 33º se ocupa dos casos em que a parte haja intervindo no processo sem ter constituído advogado, o art. 40º trata daqueles em que tenha intervindo advogado ou solicitador sem procuração ou com procuração insuficiente (concederam-se poderes, mas não para o ato praticado) ou irregular (não foram observados os requisitos de forma do art. 35º). Uma vez que houve atuação do advogado ou solicitador, a notificação em que o Juiz fixe o prazo para a sua regularização deve ser feita à parte e ao mandatário aparente, embora só a primeira possa suprir a falta ou corrigir o vício e ratificar o processado (Castro Mendes, DPC, II, pg. 183)», prosseguindo o Autor «Diversa é a situação em que o advogado protesta juntar procuração, que tenha invocado mas não haja acompanhado a peça em que a invoque, caso este em que apenas ele deve ser notificado para a juntar, sem sujeição imediata à cominação da 2.ª parte do n.º 2; só se não o fizer no prazo que lhe for fixado é que se segue a aplicação do regime do artigo «por tudo se passar como se ocorresse falta de mandato» (ac. do TRL de 9.11.73, BMJ, 231, p. 200)».

No mesmo sentido se pronunciou o acórdão do TRE de 20.10.201, enquanto, com apelo ao acórdão do TRL de 9.4.2004 (proc. 1866-2004 – 2), consignou: “Independentemente de saber se a situação dos autos se enquadrava no art.º 40.º [atual 48.º] do CPC, como foi entendido, ou no art.º 41.º (…) [atual 49.º], julga-se que não foi observado pelo tribunal recorrido o regime estabelecido nos referidos preceitos, que só diverge nos pressupostos, identificados nas respetivas epígrafes. Em qualquer dos casos ali referidos – de falta, insuficiência ou irregularidade do mandato, ou de patrocínio a título de gestão de negócios – se impõe, como pressuposto da declaração de ineficácia do processado, que a própria parte seja notificada para ratificar a gestão, ou o processado, e emitir procuração. Só a parte pode praticar tais atos e é ela a principal interessada em decidir se a ação deve, ou não, prosseguir (…). O art.º 41.º - 3 [atual 49.º, n.º 3] do CPC impõe a notificação pessoal à parte do despacho que fixa prazo para a ratificação do processado, regra que se considera aplicável à ratificação do processado prevista no artigo anterior, por se tratar de uma situação idêntica».

Também assim foi entendido no acórdão do TRP de 28.06.2012, do qual se extrata: «A situação de falta de mandato é, no entanto, muito próxima do exercício do patrocínio em gestão de negócios., já que esta se caracteriza pela falta de autorização e, portanto, de mandato. A diferença radica no facto de ali o advogado atuar como mandatário e no caso do art.º 41.º [atual 49.º] agir como gestor, ou seja – nas palavras de Alberto dos Reis [5] – “o ato de vontade praticado pelo interveniente tem alcance e significado diferente num e noutro caso. Uma coisa é o advogado (…) querer agir a título de mandatário e apresentar-se como tal, embora, de facto, por esquecimento ou inadvertência, não exiba mandato, outra coisa é querer atuar a título de gestor de negócios e assumir declaradamente essa posição.

São figuras muito próximas, bem se justificando um nível de exigência semelhante quanto aos termos processuais de suprimento da falta de mandato e da ratificação da gestão. Ali, com base num vício, exigindo-se a ratificação do processado; na gestão impondo-se igualmente a ratificação de atos processuais, pese embora não tenha por base um vício processual.

(…)

Ainda que o advogado, na contestação, tenha assumido a junção de futura procuração, pode não a ter em seu poder e pode até não ter sido passada e assinada pela própria parte, neste caso à semelhança da gestão de negócios. E se para esta última situação o n.º 3 do art.º 41.º [atual 49.º, n.º 3] prevê que o despacho que fixar o prazo para ratificação é notificado pessoalmente à parte cujo patrocínio o gestor assumiu, não encontramos razão para que esta exigência não se aplique também no âmbito de falta de mandato (e mesmo nas situações de insuficiência e irregularidade) em que seja necessário ratificar o processado.

(…)

Compreende-se a necessidade de notificar a própria parte (…) – quando “nada existe nos autos que ateste os necessários poderes do mandatário, e porque não se encontra ao alcance deste suprir essa omissão, subscrevendo procuração e declarando ratificar o processado, deve ser a própria parte, e não quem a patrocine, notificada para os fins do disposto do n.º 2 do art.º 40.º do CPC” [atual 48.º, n.º 2] e “se só a parte pode remediar tal falta, é condição necessária que isso lhe seja comunicado».

Perfilhando-se semelhante entendimento, posto que o tribunal a quo na situação concreta acionou de imediato o n.º 2 do artigo 48.º do CPC, prescindindo, contudo, da notificação do arguido, impõe-se concluir no sentido de haver sido omitida formalidade que a lei prescreve, irregularidade, essa, suscetível de influir decisivamente na decisão da causa – conduzindo, desde logo, a que ficasse sem efeito a impugnação judicial interposta da decisão da autoridade administrativa -, nulidade que, em função da parte apenas ter intervindo no processo no recurso em apreço, onde a invocou, se mostra tempestivamente arguida e, como tal, pode ser conhecida (cf. artigos 195.º, n.º 1 e 199.º, n.º 3 do CPC).

À luz do n.º 2 do artigo 195.º do CPC “Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente”. Contudo, porque foi junta – no caso antes do despacho em crise - procuração a favor do Ilustre Advogado subscritor da impugnação judicial, procuração, essa, anterior à data da prática do ato (impugnação judicial), mostra-se dispensável a preterida notificação (artigo 130.º do CPC).

Impõe-se, assim, revogar o despacho recorrido, o qual, deverá ser substituído por outro que, na falta de obstáculo de diferente natureza, admita a impugnação judicial.

Fica, pois, prejudicado o conhecimento das demais questões.

III. Decisão

Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal, na procedência do recurso, em revogar a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que, não ocorrendo obstáculo de diferente natureza, admita a impugnação judicial apresentada nos autos pela recorrente.

Sem tributação.

Coimbra, 29 de Outubro de 2016    

[Processado e revisto pela relatora]

(Maria José Nogueira - relatora)

(Isabel Valongo - adjunta)