Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3806/11.1TJCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: PENHORA
SALÁRIO
EXECUTADO
EMBARGOS DE TERCEIRO
CÔNJUGE
Data do Acordão: 11/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE COIMBRA – 4º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 351º, 352º E 825º, Nº 1DO CPC E 1696º, Nº 2, AL. B) DO C. CIV..
Sumário: I – Preceitua o nº 1 do artº 351º do CPC: “Se a penhora, ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”.

II - O artº 352º, por sua vez, estipula: «O cônjuge que tenha a posição de terceiro pode, sem autorização do outro, defender por meio de embargos os direitos relativamente aos bens próprios e aos bens comuns que hajam sido indevidamente atingidos pela diligência prevista no artigo anterior».

III - O preceituado no artº 1696º, nº 2, b) do CC, na medida em que determina que respondem ao mesmo tempo que os seus bens próprios, o produto do trabalho do cônjuge devedor, dispensa a citação do respectivo cônjuge, nos termos do artº 825º, nº 1 do CPC, penhorado que seja o produto do trabalho daquele, em execução movida apenas contra si e por dívida da sua exclusiva responsabilidade.

IV - Permitindo o artº 1696º, nº 2, b) do CC, não obstante tratar-se de um bem comum, que o produto do trabalho do cônjuge devedor responda ao mesmo tempo que os seus bens próprios, a penhora não atinge, indevidamente, esse bem.

V - Pese embora o produto do trabalho do cônjuge seja um bem integrado na comunhão do casal, no regime de comunhão de adquiridos, verdade é também que “ex lege” o mesmo responde A PAR dos bens próprios do cônjuge devedor e NOS MESMOS MOLDES em que tais bens respondem pelas dívidas da sua exclusiva responsabilidade.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – A) - 1) – I…, casada, no regime de bens, supletivo, da comunhão de adquiridos, com R…, veio, em 10/04/2012, por apenso aos autos de execução comum que, contra o seu marido, instaurou a sociedade “V…, L.da”, deduzir oposição, por embargos de terceiro, contra à penhora de 1/3 da pensão mensal paga, pela Caixa Geral de Aposentações, ao executado, a título de aposentado do ...

Invocando, entre outros preceitos, o disposto nos artºs 351º, 352º e 825º, do CPC, sustentou, em síntese, que, integrando a pensão em causa, bem do património comum do casal, já que faz parte do produto do trabalho do seu marido, a dívida exequenda é da exclusiva responsabilidade deste, pelo que a penhora, tendo sido efectuada, sem que ela, embargante, tivesse sido citada, nos termos do artº. 825º, nº 1 do CPC, é ilegal.

2) - Por despacho de 17/04/2012, a Mma. Juiz do 4º Juízo Cível de Coimbra, invocando o disposto no artº 1696º, nº 2, b) do CC e nos art.ºs 825º e 354º do CPC, entendeu que a penhora não havia, indevidamente, recaído sobre bem comum, pelo que indeferiu liminarmente a petição de embargos... (…)».

3) - Desta sentença veio a Opoente interpor recurso que foi recebido como Apelação, a subir em separado e com efeito devolutivo.

4) - a) - Por decisão sumária do Relator, de 11/07/2012, tomada ao abrigo do art.º 705º do CPC[1], foi negada procedência à apelação e mantido o despacho impugnado.

b) - Notificada dessa decisão, veio a Apelante, requerer que sobre a matéria em causa recaísse acórdão.

5) – As conclusões com que a ora Apelante findou o seu recurso, foram as seguintes:

6) - A decisão ora reclamada é, na parte da respectiva fundamentação, a que se passa a reproduzir:

«(…) B) - Preceitua o nº 1 do artº 351, do CPC: “Se a penhora, ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.”.

O artº 352º, por sua vez, estipula: «O cônjuge que tenha a posição de terceiro pode, sem autorização do outro, defender por meio de embargos os direitos relativamente aos bens próprios e aos bens comuns que hajam sido indevidamente atingidos pela diligência prevista no artigo anterior.».

Como salienta a embargante na sua alegação de recurso, a decisão recorrida teve por assente que “…estamos perante um bem comum do casal, que a recorrente é terceiro relativamente à dívida executada e que a penhora da dívida do casal foi feita sem que a citação do cônjuge tivesse sido requerida”.

O que interessa saber, pois, é se o preceituado no artº 1696º, nº 2, b), do CC, na medida em que determina que respondem ao mesmo tempo que os seus bens próprios o produto do trabalho do cônjuge devedor, dispensa a citação do respectivo cônjuge, nos termos do artº 825º, nº 1, do CPC, penhorado que seja o produto do trabalho daquele, em execução movida apenas contra si e por dívida da sua exclusiva responsabilidade.

A Mma. Juiz do Tribunal “a quo” respondeu afirmativamente a esta questão, dizendo, referindo-se ao estatuído no mencionado artº 1696º, nº 2, b):

«…estabelecendo este normativo um regime de exceção relativamente a determinadas categorias de bens comuns do casal, que respondam pelas dívidas do cônjuge ao mesmo tempo que os seus bens próprios, os motivos que determinaram tal regime excecional justificam que, igualmente, possam os mesmos ser penhorados em execução movida apenas contra um dos cônjuges sem que seja citado o outro cônjuge para requerer a separação de meações.

Ensinam a este respeito Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira que «trata-se aí de bens que dada a sua natureza e a ligação privilegiada que mantêm com o cônjuge executado, a lei permite que respondam ao mesmo tempo que os bens próprios deste; relativamente a esses bens, o interesse do outro cônjuge em defender a sua meação nos bens comuns do casal não possui no quadro legal a mesma classificação».

Consequentemente, e porque responde no mesmo plano dos bens próprios do cônjuge devedor, apesar de se tratar de bem comum do casal, a penhora do produto do trabalho daquele cônjuge não impõe o cumprimento do disposto no art. 825.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.».

Afigura-se que a razão, na questão que se suscita nos autos, está do lado da Mma. Juiz do Tribunal “a quo”.

Vejamos.

O preceito que, anteriormente à reforma do CPC operada pelo DL 329-A/95, de 12/12 e pelo DL nº 180/96, de 25/09, regulava os embargos de terceiro por parte do cônjuge - o artº 1038º - excluía, expressamente, a possibilidade de se deduzirem tais embargos, nos casos em que a diligência que se pretendia atacar incidisse sobre o produto do trabalho do executado (nº 2, al. b), “in fine”).

No âmbito dessa legislação pretérita, decidiu o STJ, no Acórdão de 30/10/1984[2]: «…o artigo 825.°, n.° 2, e o artigo 1038.°, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil respeitam a todos os bens comuns, com excepção dos indicados no n.° 2, alíneas a), b) e c) do artigo 1696.° do Código Civil, e n.º 2, alínea b), do artigo 1038.° do Código de Processo Civil, pelo que, no caso dos autos, o credor podia penhorar o produto do trabalho do devedor executado, sem requerer a citação da sua mulher, não sendo permitido a esta embargar de terceiro, como se comanda no artigo 1038.º, n.° 2, alínea b), do Código de Processo Civil.

Deste modo, bem foram os embargos liminarmente indeferidos, na 1.ª instância (…)».

O actual artº 352º, que disciplina os embargos de terceiro por parte dos cônjuges, não consagra, “expressis verbis”, essa excepção, mas a norma acaba por contemplá-la na medida em que só admite os embargos relativamente a bens indevidamente atingidos pela diligência prevista no artigo anterior.

Ora, permitindo o artº 1696º, nº 2, b), do CC, não obstante tratar-se de um bem comum, que o produto do trabalho do cônjuge devedor responda ao mesmo tempo que os seus bens próprios, a penhora não atinge, indevidamente, esse bem.

Neste sentido escreveu-se no Acórdão da Relação do Porto, de 28/09/2006 (Apelação nº 0634328)[3]:

«Aceite a natureza comum do bem indicado à penhora: 1/3 do vencimento do cônjuge executado, não pode o cônjuge deste embargar «dado que este bem, ainda que comum, responde AO MESMO TEMPO que os bens próprios» -art. 1696º-2 b) 1ª parte, CC (cfr. J. Lebre de Freitas, A Acção Executiva, à luz do Código revisto, 2ª edição, 1997, 238).

Bem se diz, então, que, pese embora o produto do trabalho do cônjuge seja um bem integrado na comunhão do casal, neste regime de bens, verdade é também que “ex lege” o mesmo responde A PAR dos bens próprios do cônjuge devedor e NOS MESMOS MOLDES em que tais bens respondem pelas dívidas da sua exclusiva responsabilidade.

Assim é que, por isso, certo é, e bem se dirá, que não obstante tais bens serem bens comuns, não seguem o regime geral da responsabilidade pelas dívidas desses bens, mas excepcionalmente o regime da responsabilidade dos bens próprios.

(…)

Bem se ajuizou e decidiu, como no caso dos autos, que a credora/exequente podia penhorar parte (1/3) do produto do trabalho do devedor executado, que é um bem comum móvel, mas de que este podia dispor por si só e, consequentemente, podendo ser objecto da execução imediata (por aplicação do princípio de que podem ser executados todos os bens que podem ser alienados), sem requerer a citação da sua mulher, por não ser permitido a esta embargar de terceiro, no tocante à penhora requerida de 1/3 do salário do cônjuge executado (…)».

Do exposto resulta pois, que perfilhamos o entendimento de que, não obstante ser bem comum, pode ser penhorado, sem necessidade da citação do cônjuge não demandado, o produto do trabalho do cônjuge devedor, em execução contra este movida por dívida da sua exclusiva responsabilidade.

Não se vislumbra, nem a Apelante explica essa sua asserção, que esta interpretação dos preceitos em causa, seja contrária aos princípios constitucionais de protecção à família e, concretamente, viole o disposto no artº. 67º, nºs 1 e 2, al. a) da Constituição da República Portuguesa[4].
Em consonância com tudo aquilo que ficou explanado, improcedem, pois, as conclusões do recurso, sendo de confirmar o despacho recorrido e, consequentemente, de julgar a Apelação improcedente.».

II - As questões:

A questão a que urge dar resposta é a de saber se é de deferir a reclamação apresentada pelo recorrente, dando procedência à Apelação.

III - O circunstancialismo processual e os factos a considerar na decisão a proferir são os enunciados “supra”.

Ora, é nosso entendimento que as questões suscitadas nas conclusões do recurso foram solucionadas na decisão do Relator em termos que merecem a plena concordância deste Colectivo. 

Acolhe-se, pois, o entendimento expendido pelo Relator na decisão reclamada, motivo pelo qual a reclamação é de indeferir. 

IV - Decisão:

Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em indeferir a reclamação da Apelante, mantendo o decidido pelo relator.

Custas pela Apelante.


 (Luís José Falcão de Magalhães - Relator)

(Sílvia Maria Pereira Pires)

(Henrique Ataíde Rosa Antunes)



[1] Código de Processo Civil, aplicável na redacção que foi introduzida pelo DL n.º 303/07, de 24/08.
[2] BMJ nº 340, pág. 343 e ss..
[3] Consultável em “http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf?OpenDatabase”.
[4] Sobre a constitucionalidade da alínea b) do n.º 2 do artigo 1696.º do Código Civil, pode ver-se, por exemplo, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 617/2007, de 19/12/2007, no processo nº 997/2006 e consultável em “http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20070617.html”.