Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1562/09.2PCCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: REGISTO CRIMINAL
PENA DE PRISÃO
NÃO TRANSCRIÇÃO
Data do Acordão: 02/27/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CONDEIXA-A-NOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 17.º, N.º1 DA LEI N.º 57/98 DE 18 DE AGOSTO
Sumário: 1.- A condenação do arguido na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, constitui uma "pena não privativa da liberdade", para efeitos do artº 17.º, n.º1 da Lei n.º 57/98;

2.- Daí que, preenchido que seja o requisito que “das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes”, o juiz possa autorizar que essa condenação não seja transcrita no certificado do registo criminal.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

      Relatório

           

Por despacho do Ex.mo Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Condeixa-a-Nova, proferido a 17 de Outubro de 2012, foi indeferido o requerimento apresentado pelo arguido A..., em que este solicitava ao Tribunal que ordenasse aos Serviços do registo Central que emitisse o registo criminal do requerente sem a condenação que sofreu nos presentes autos, para assim poder renovar o visto e, consequentemente, entrar em Angola.

            Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido A..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1)- No âmbito dos presentes Autos o Arguido recorrente foi condenado  a 2 anos e 6 meses de prisão suspensa por igual período.

2)- O Arguido recorrente encontra-se a trabalhar em Angola há alguns meses por conta de uma empresa Portuguesa.

3)- Presentemente, o arguido recorrente necessita com urgência de renovar o visto para voltar a ir para Angola trabalhar.

4)- Uma das condições fundamentais para a renovação do visto é ter o CRC sem  qualquer condenação.

5)- Motivo pelo qual, foram feitos 2 requerimentos ao Processo a solicitar a não transcrição temporária da condenação dos presentes autos.

6)- O Tribunal a quo proferiu um Despacho no sentido de Indeferir o pedido.

7)- Todavia, o arguido recorrente, salvo o devido respeito, não concorda com o Despacho do Tribunal a quo.

8)- O arguido recorrente entende que ao seu caso se aplica perfeitamente o artigo 17.º da Lei n.º 57/98 de 18/08.

9)- Até porque, o arguido recorrente preenche os requisitos exigidos no referido artigo.

10)- O arguido recorrente é Primário, tem cumprido sempre com o Plano elaborado pela DGRS e os relatórios desta têm sido num sentido favorável ao arguido, este tem tido muito bom comportamento, nunca mais teve qualquer contacto ou ocorrência com a vítima, quando vem a Portugal fica a residir num apartamento em Leiria com as suas duas filhas.

11)- O arguido recorrente entende estarem reunidas as condições para ser deferida a referida pretensão.

12)- Tudo isto, permite concluir por um juízo de prognose favorável que permita a não transcrição temporária da Sentença no CRC do arguido recorrente.

13)- Mais, nada resulta dos autos, que indicie, ou indique que a sua personalidade seja propensa à prática de novos ilícitos, alias muito pelo contrário, basta ver os relatórios da DGRS que se encontram juntos aos mesmos.

14)- Podendo concluir-se face ao exposto, que se tratou de um acto isolado no percurso da vida do arguido recorrente, não se tendo verificado nem antes nem depois desta infracção qualquer outro acto ilícito.

15)- Acresce ainda que, está quase a terminar a suspensão da pena.

16)- Por fim e em conclusão, o Tribunal “a quo” ao indeferir o requerido está a violar uma série de Direitos e princípios Constitucionalmente consagrados tais como: o Direito ao Trabalho, o principio da necessidade entre outros.

Pelo que, deve o Douto Despacho recorrido ser revogado e, substituído por outro que defira a não transcrição temporária para o CRC do arguido recorrente da sentença no âmbito do presente processo apenas para efeitos de renovação do visto de trabalho para Angola.

O Ministério Público na Comarca de Condeixa-a-Nova respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção integral do despacho recorrido.

            O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá improceder, mantendo-se a douta decisão recorrida.

            Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P..

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

     Fundamentação

            O despacho recorrido tem o seguinte teor:

« Fls. 389 e 390: pese embora se compreendam as motivações do arguido requerente, a sua pretensão não é legalmente admissível.

Lida a promoção que antecede, e reponderada a questão à luz dos argumentos do acórdão do TRL de 23.02.2011, proferido no processo n.º 53/05.5PEACH-4.L1-3, na base de dados da DCSI (ali invocados), há que reconhecer razão ao Ministério Público, no sentido seguinte (tomando de empréstimo as palavras do referido acórdão): “a pena de prisão até um ano e a pena não privativa da liberdade a que se reporta o n.º1 do artigo 17.ºe da Lei n.º 57/98 de 18-08 (Rectificada pela Declaração n.º 16/98, de 22-9 (DR I- Série A, de 30-09), e alterada pelo Dec.-Lei n.º 323/2001, de 17-12, e pelas Leis n.ºs 113/2009, de 17-09, e 114/2009, de 22-09), comporta tão só a pena de prisão que não exceda aquele limite e a pena de multa. Qualquer outra pena de prisão, superior a um ano, ainda que substituída pela pena de suspensão da execução da pena de pisão, não pode ser incluída no texto daquele normativo. Contra este entendimento não colhe a objecção de que esta pena de suspensão da execução da pena de prisão é uma pena autónoma, pois que sendo-o, é verdade, está sempre dependente da pena principal, podendo a execução desta ter lugar a qualquer momento, verificados que se mostrem, naturalmente, os factores legais susceptíveis de conduzir a essa mesma execução. Se fosse intenção do legislador permitir a não transição, nos certificados a que se referem os artigos 11.º e 12.º da Lei 57/98, de 18-08 das sentenças condenatórias que apliquem pena de prisão superior a um ano, mesmo nos casos em que é substituída pela pena de suspensão da execução da prisão, tê-lo-ia assumido, como fez para os casos de cancelamento definitivo, v.g. no caso dos crimes contra a liberdade sexual, onde o legislador teve o cuidado de acentuar que o dito cancelamento dos casos de condenação pelos aludidos crimes verifica-se decorridos vinte e três anos sobre a extinção da pena principal ou de substituição (cf. artigo 4.º, n.º1, da Lei n.º 113/2009, de 17-09). O acórdão condenatório do arguido em pena de 2 (dois) anos de prisão suspensa na sua execução por igual período terá que ex vi do disposto no n.º1 do artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 18-08 que ser transcrito nos certificados a que se referem os artigos 11.º e 12.º da mesma Lei n.º 57/98.

Esta posição vem, de certo modo, em coerência com a razão de ser da não transcrição, associada a motivos de menor perigosidade, decorrente da menor gravidade do crime, a aferir pela pena principal e não pela pena de substituição.

Em suma, a pena aplicada nos presentes autos não cabe na previsão do artigo 17.º, n.º1, da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto e, por essa razão, não pode ser determinada a sua não transcrição no registo criminal.

Nestes termos, indefere-se o requerido, por inadmissibilidade legal.

Notifique. ».

*
                                                                        *
                                                  
O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos , face às conclusões da motivação do arguido A... a  questão a decidir é a seguinte:

- se o arguido preenche os requisitos aludidos no art.17.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, para não transcrição da sentença no seu C.R.C., pelo que o despacho recorrido ao indeferir o requerimento para essa não transcrição violou aquele preceito e ainda direitos constitucionais como o direito ao trabalho e o princípio da proporcionalidade, razão pela qual deve ser revogado e substituído por outro despacho que defira o requerido.


-

            Passemos ao conhecimento da questão.

            Com a aprovação do Código Penal de 1982 o legislador procedeu a um conjunto de reformas tendentes a efectivar os princípios consagrados na nova lei.

Neste âmbito, o DL n.º 39/83, de 25 de Janeiro, veio consagrar um novo regime de registo criminal e acesso à informação criminal «…sobretudo no sentido de dar franca primazia à ressocialização dos criminosos…», resultando a importância desta matéria evidente «…pela circunstância de a publicidade conferida aos antecedentes dos indivíduos poder influenciar, de forma negativa, a já assinalada finalidade da reintegração social dos delinquentes.» ( preâmbulo do diploma).

Entre os mecanismos previstos para a adequação do registo aos efeitos das penas, consagrou-se, no art.22.º do DL n.º 39/83, de 25 de Janeiro, a possibilidade do tribunal da condenação determinar a não transcrição da respectiva sentença nos certificados de registo emitidos para fins não jurisdicionais, quando a condenação seja « em pena de prisão até 1 ano ou outra pena equivalente.», e « sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes.».

O DL n.º 305/88, de 2 de Setembro, reconhecendo que é possível e desejável dar mais um passo no sentido de reduzir ao mínimo o efeito estigmatizante da publicidade conferida aos antecedentes criminais, entendeu alterar a redacção dada ao art.22.º do DL n.º 39/83, para permitir « com maior flexibilidade, de acordo com as circunstâncias do caso, (…) a não transcrição dos factos sujeitos a registo. Neste sentido permite-se a não transcrição de decisões que condenem em pena não detentiva.» ( preâmbulo do diploma).

Assim, o art. 22.º, na nova redacção, passou a consignar, designadamente, que « Os tribunais que condenem em pena de prisão até um ano, em outra pena equivalente ou em pena não detentiva» poderão determinar a não transcrição da sentença nos CRC a que se refere o art.17.º.

A Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, veio entretanto revogar o DL n.º 39/83, de 25 de Janeiro, com excepção dos artigos 23.º e 24.º ( relativos ao registo especial de menores), passando a estabelecer no seu art.17.º, n.º1, que « Os tribunais que condenem em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não  transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se referem os artigos 11.º e 12.º deste diploma.».

Os CRC a que se referem os artigos 11.º e 12.º da Lei n.º 57/98, aludem, respectivamente, aos certificados requeridos “para fins de emprego” e “para outros fins”.

A alínea e), n.º 2, do art.12.º da Lei n.º 57/98, para que remete o art.17.º da mesma lei, estabelece que os certificados referidos no número anterior não podem conter informação relativa « A condenações de delinquentes primários em pena não superior a seis meses de prisão ou em pena equivalente, salvo enquanto vigorar interdição decretada pela autoridade judicial.».

Os artigos 17.º, n.º1 e 12.º, n.º2, alínea e), da Lei n.º 57/98, foram objecto de nova redacção, introduzida pela Lei n.º 114/2009, de 22 de Setembro, passando a consignar-se, em ambos os preceitos, que as condenações ali aludidas são as que respeitam a «pessoa singular».

O requerimento do arguido A..., solicitando ao Tribunal a quo que ordenasse aos Serviços do registo Central que emitisse o registo criminal do requerente sem a condenação que sofreu nos presentes autos, para assim poder renovar o visto e, consequentemente, entrar em Angola, foi indeferido pelo despacho recorrido à luz dos argumentos enunciados no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23.02.2011, proferido no processo n.º 53/05.5PEACH-4.L1-3, e que são os seguintes:

- a pena de prisão até um ano e a pena não privativa da liberdade, a que se reporta o n.º1 do artigo 17.ºe da Lei n.º 57/98 de 18-08, comporta tão só a pena de prisão que não exceda aquele limite e a pena de multa;

- qualquer outra pena de prisão, superior a um ano, ainda que substituída pela pena de suspensão da execução da pena de prisão, não pode ser incluída no texto daquele normativo. Contra este entendimento não colhe a objecção de que esta pena de suspensão da execução da pena de prisão é uma pena autónoma, pois que sendo-o, é verdade, está sempre dependente da pena principal, podendo a execução desta ter lugar a qualquer momento, verificados que se mostrem, naturalmente, os factores legais susceptíveis de conduzir a essa mesma execução.

Se fosse intenção do legislador permitir a não transição, nos certificados a que se referem os artigos 11.º e 12.º da Lei 57/98, de 18-08 das sentenças condenatórias que apliquem pena de prisão superior a um ano, mesmo nos casos em que é substituída pela pena de suspensão da execução da prisão, tê-lo-ia assumido, como fez para os casos de cancelamento definitivo, v.g. no caso dos crimes contra a liberdade sexual, onde o legislador teve o cuidado de acentuar que o dito cancelamento dos casos de condenação pelos aludidos crimes verifica-se decorridos vinte e três anos sobre a extinção da pena principal ou de substituição (cf. artigo 4.º, n.º1, da Lei n.º 113/2009, de 17-09).

- no caso em apreciação foi aplicada ao arguido uma pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período de tempo, sujeita ao regime de prova.

Vejamos.

Como regra, na abordagem da pena a aplicar deve o Tribunal atender, num primeiro momento, à escolha da pena dentre as penas principais enunciadas no tipo penal. Nos termos do art.70.º do C.P. « Se ao crime forem aplicáveis , em alternativa , pena privativa e pena não privativa da liberdade , o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.».

Actualmente, as penas principais, enunciadas em alternativa nos tipos penais, são as penas de prisão e as penas de multa. 

Feita a opção por uma destas penas, em face unicamente de razões de prevenção, definidas no art.40.º, n.º1 do Código Penal, passa-se à determinação da concreta medida da pena (art.71.º do C.P.).

O Código Penal encara a pena de prisão como a última ratio das reacções criminais, reservando-as por isso para os casos mais graves. O legislador tem a consciência clara de que a prisão «é um mal que deve reduzir-se ao mínimo necessário», uma pena a que só será legítimo recorrer «quando, face às circunstâncias do caso, se não mostrarem adequadas as reacções penais não detentivas» (cfr. preâmbulo, n.ºs 7 e 9).

Decidindo-se pela aplicação da pena de prisão, impõe-se ainda verificar se ela pode ser objecto de substituição, em sentido próprio ou impróprio, e determinar a sua medida.

Dentro das penas de substituição da prisão, em sentido próprio, encontram-se para além da pena de multa, a que alude o art.43.º do Código Penal - « A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. (…)» -, também as penas de suspensão de execução da prisão ( art.50.º do C.P.) e de prestação de trabalho a favor da comunidade ( art.58.º do C.P.).

Concentrando a atenção na pena de suspensão da execução da pena diremos, de acordo com o estatuído no art.50.º do Código Penal, que o tribunal deve suspender « …a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos  se , atendendo à personalidade do agente , às condições da sua vida , à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste , concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição .».

A condenação em pena suspensa significa que a pena pronunciada pelo tribunal não chegará a ser cumprida se, du­rante o período da suspensão, o condenado cumprir os deveres que lhe forem impostos e não cometer crime por que venha a ser conde­nado ( artigos 50.º e  56.° do  Código Penal ).

O art.17.º, n.º1 da Lei n.º 57/98, na sua actual redacção, aplicável ao caso em apreciação, estabelece dois requisitos a que o tribunal de condenação da pessoa singular deve atender, na sentença ou em despacho posterior, para determinar a não transcrição da respectiva sentença nos certificados de registo a que se referem os artigos 11.º e 12.º:

- o primeiro, é que a condenação seja em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade;  

- o segundo é que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes.

O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23.02.2011, para que remete o despacho recorrido, consigna “ que é precisamente” a “ classificação dicotómica das penas principais presentes no critério de escolha da pena, estabelecido no art.70.º do Código”, que impõe que “a pena não privativa da liberdade” a que se alude no art. 17.º, n.º1 da Lei n.º 57/98 só possa contemplar a pena de multa.

Salvo o devido respeito, o art.70.º do C.P. estabelece o critério de escolha entre as penas principais, quando o tipo as apresente em alternativa, mas a pena que deve ser levada ao registo criminal não é a abstracta pena de prisão ou de multa ali estabelecida, mas sim uma pena concreta, e quando a esta for uma pena de prisão, a mesma deve ser substituída por uma “pena não privativa da liberdade”, sempre que se verificarem os respectivos pressupostos.

Assim, não vislumbramos ali qualquer razão de interpretação para considerar que “a pena não privativa da liberdade” em que o arguido foi condenado, e a que se alude na primeira parte do n.º1 do art.17.º, da Lei n.º 57/98, só possa corresponder à pena de multa.

Uma vez que na fixação do sentido e alcance da lei, o interprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados ( art.9.º, n.º3 do  Código Civil), cremos que se o legislador quisesse restringir a não transcrição no registo criminal apenas à condenação, entre as penas não privativas da liberdade, à pena de multa, tê-lo-ia dito expressamente.   

A afirmação de que contra o entendimento, seguido no despacho recorrido, “ não colhe a objecção de que esta pena de suspensão da execução da pena de prisão é uma pena autónoma, pois que sendo-o, é verdade, está sempre dependente da pena principal, podendo a execução desta ter lugar a qualquer momento, verificados que se mostrem, naturalmente, os factores legais susceptíveis de conduzir a essa mesma execução”, merece algumas considerações.

A pena de suspensão de execução da prisão, a que alude o art.50.º do C.P., é uma pena não privativa da liberdade, uma outra pena, uma pena autónoma, diversa da pena de prisão. Se a pena de suspensão de execução da prisão vier a ser revogada, esta deixa de existir, passando a existir uma outra pena, a de prisão.

Mas tal situação verifica-se igualmente na condenação de uma pena de multa. A multa importa, quando não paga, o risco de se converter em prisão. Se o risco vier a precipitar-se, a pena de multa converte-se em pena de prisão.

Também a  “manifesta incoerência por parte do legislador” tida como verificada no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23.02.2011,  “..se interpretássemos a expressão “pena não privativa da liberdade”, constante daquele n.º 1, como abarcando qualquer outra pena” está longe de verificada no exemplo ali dado: “ sempre que o tribunal aplicasse, por mero exemplo, treze meses de prisão [efectiva], a não transcrição, porque a pena que figurámos é superior a um ano, nunca seria admissível; mas se aplicasse uma pena de prisão ainda que superior a essa (que poderia ir, ao tempo da publicação da mencionada Lei, até três anos e, actualmente, até cinco anos), desde que substituída pela pena de suspensão da execução da prisão, a não transcrição já seria de admitir!”.

Se o Tribunal aplica ao arguido uma pena de prisão efectiva não superior a 1 ano, reservada para os casos mais graves, em que não existe outra possibilidade para atender às exigências de prevenção e de prevenção e se, ainda assim, pode essa condenação não ser transcrita no registo, não vislumbramos qualquer incoerência em que uma pena de prisão suspensão na execução, mesmo que superior a 1 ano, possa também não ser transcrita, pois a existência desta pena não privativa da liberdade tem como pressuposto uma prognose positiva sobre o comportamento do arguido à luz de considerações de prevenção geral e especial de socialização.

Incoerente e injusto seria sim, impedir-se a não transcrição de condenação em pena de suspensão de execução da prisão que resulta da substituição de uma pena de 13 meses de prisão ou até superior, e aquele que cumpriu uma pena de 12 meses de prisão efectiva, que é a última ratio nas penas, já ter essa possibilidade.

Por fim, o argumento de que “Se fosse intenção do legislador permitir a não transição, nos certificados a que se referem os artigos 11.º e 12.º da Lei 57/98, de 18-08 das sentenças condenatórias que apliquem pena de prisão superior a um ano, mesmo nos casos em que é substituída pela pena de suspensão da execução da prisão, tê-lo-ia assumido, como fez para os casos de cancelamento definitivo, v.g. no caso dos crimes contra a liberdade sexual, onde o legislador teve o cuidado de acentuar que o dito cancelamento dos casos de condenação pelos aludidos crimes verifica-se decorridos vinte e três anos sobre a extinção da pena principal ou de substituição (cf. artigo 4.º, n.º1, da Lei n.º 113/2009, de 17-09)” não o consideramos relevante para impedir, ao abrigo do disposto no art.17.º, n.º1 da Lei n.º 57/98, a não transcrição da sentença, que aplicou pena de substituição nos certificados de registo a que se referem os artigos 11.º e 12.º.

Pelo contrário, se o art.15.º da Lei 57/98, de 18-08 (na actual redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 114/2009, de 22 de Setembro), que regula o cancelamento automático das condenações no registo criminal, prevê prazos diferentes para as decisões que aplicam, designadamente, pena de prisão, pena de multa principal e pena substitutiva da pena principal, então não vislumbramos qualquer razão para restringir “a pena não privativa da liberdade” aplicada ao arguido a que alude o art. 17.º, n.º1 da Lei n.º 57/98, à pena de multa. O mesmo raciocínio se pode fazer relativamente ao cancelamento do registo criminal nos casos de condenação por crimes contra a liberdade sexual, estabelecido na citada Lei n.º 113/2009, de 17-09.

Em suma, a condenação em “pena não privativa da liberdade”, mencionada no art. 17.º, n.º1 da Lei n.º 57/98, abrange a pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período, sujeita a regime de prova, em que o arguido/recorrente foi condenado por sentença de 29 de Julho de 2010.

Tendo o Tribunal a quo decidido que o requerimento apresentado pelo arguido devia ser indeferido por inadmissibilidade legal, dado que a condenação em “pena não privativa da liberdade”, mencionada no art. 17.º, n.º1 da Lei n.º 57/98, não abrangeria a condenação na pena suspensa na execução em que este foi condenado, ficou comprometida a manutenção da decisão recorrida.  

Já atrás se consignou que o art.17.º, n.º1, da Lei n.º 57/98,  estabelece como  requisitos para se determinar a não transcrição da respectiva sentença nos certificados de registo a que se referem os artigos 11.º e 12.º, não só que a condenação seja em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade, mas ainda que  “das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes.”.

No caso em apreciação o Tribunal a quo apenas se pronunciou sobre o primeiro daqueles requisitos, omitindo por completo o conhecimento deste segundo requisito, não indicando, designadamente, a factualidade relevante para decidir se das circunstâncias que acompanharam o crime não se pode induzir perigo de prática de novos crimes.

Não o tendo feito, impõe-se que o mesmo Tribunal, em novo despacho, ao apreciar o requerimento apresentado pelo recorrente, conheça deste segundo requisito.

            Decisão

       

             Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido A... e, revogando-se o despacho recorrido, determina-se que o mesmo Tribunal, em novo despacho, conheça da verificação do segundo requisito a que alude o art.17.º, n.º1, da Lei n.º 57/98, decidindo seguidamente em conformidade.

             Sem custas.

                                                                         *

Orlando Gonçalves (Relator)

Alice Santos


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.