Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
53/13.1GDFND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE FRANÇA
Descritores: CONVERSA INFORMAL
ARGUIDO
ORGÃO DE POLÍCIA CRIMINAL
PROIBIÇÃO DE PROVA
Data do Acordão: 02/04/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (INSTÂNCIA LOCAL CRIMINAL DO FUNDÃO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 58.º, N.ºS 1 E 3, E 356.º, N.º 7, DO CPP; ART. 32.º DA CRP
Sumário: As conversas usualmente designadas de “informais”, mantidas entre órgão de polícia criminal e o arguido, não podem ser (validamente) valoradas, sejam quais forem as condições e o tempo processual da sua obtenção, nelas se incluindo, consequentemente, as verificadas antes de aquele obter a descrita qualidade de sujeito processual.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

Nos autos de processo comum que, sob o nº 53/13.1GDFND, correram termos pelo 2º Juízo da extinta comarca do Fundão, foram os arguidos A... e B...submetidos a julgamento, acusados pela prática, em co-autoria material, na forma consumada, de um crime de furto p. e p. pelo art.º 203º, n.º1 do Código Penal.

C... deduziu pedido de indemnização cível pedindo a condenação dos arguidos/demandados no pagamento da quantia € 5.268,16 (cinco mil duzentos e sessenta e oito euros e dezasseis cêntimos), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais por ele sofridos em consequência da conduta dos arguidos.

Efectuado o julgamento, viria a ser proferida sentença decidindo nos seguintes termos:

«I - Condenar os arguidos A... e B... pela prática em co-autoria de um crime de furto simples, p. e p. pelo artº 203º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 160 dias de multa à taxa diária de €5,00, o que perfaz o total de €800,00 (oitocentos euros).

II - Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização cível formulado por C... e, em consequência condenar os arguidos/demandados a pagar solidariamente ao demandante a quantia de € 5.018,16 (cinco mil e dezoito euros e dezasseis cêntimos), e julgar o pedido cível improcedente quanto ao demais e, em conformidade, absolver os demandados nesta parte

            Inconformado, o arguido B... interpôs o presente recurso, que motivou, concluindo nos seguintes termos:

1.O tribunal ‘a quo’ sustentou a condenação do ora recorrente na valoração das declarações confessórias constantes do “Aditamento” a fls. 16 dos autos quando resulta quer da Lei, quer da jurisprudência exactamente a sua inadmissibilidade como meio de prova.

2. O tribunal ‘a quo’ decidiu erroneamente – nos termos do artº 410º, 2, c), do CPP – que só após a realização das diligências periciais com vista à confirmação da confissão é que surgiu fundadamente a suspeita da autoria do(s) crime(s), tal como é exigido pelo nº 1 do artº 59º do CPP.

 3. Ora, daqui resulta uma profunda incongruência que faz falecer toda a fundamentação de suporte à admissibilidade de tal “confissão” e do cumprimento – que não sucedeu – do disposto no artº 59º, 1, do CPP; e por duas ordens de razão:

a) O recorrente foi constituído arguido não após os resultados das diligências “de confirmação” – que foram comunicados aos autos a 29 de Outubro de 2013 (cfr. fls. 64 a 72) – mas sim dois meses antes, a 27 de Agosto de 2013 (v. fls. 26); e

b) Dos resultados das referidas diligências periciais não resultou a confirmação da suspeita sobre o recorrente, mas antes o contrário, uma vez que as suas impressões digitais não coincidiram com nenhumas das impressões recolhidas.

4. Não foram realizadas quaisquer diligências desde fls. 16 (data das declarações “informais”) até fls. 26 (data da constituição do recorrente como arguido).

5. Mais: tal conclusão da douta sentença ora recorrida é contradita pela própria perícia dos autos: No relatório constante a fls. 68 a 72, cujo objecto foi “comparação dos vestígios lofoscópicos recebidos no âmbito do nosso Exame nº 730201300162, com as resenhas decadactilares e palmares de A... e de B....” consta que das comparações realizadas com as impressões digitais e palmares apostas nas resenhas enviadas, resultou a identificação de três (03) vestígios palmares com valor identificativo assinalados como A1.1, A2.1 e A3.1, que se identificam, todos, com a região hipotenar da mão direita do indivíduo identificado como A...”.

6. A não suspensão imediata do acto de fls. 16 e consequente constituição de arguido deveu-se única e exclusivamente a uma manobra processual para obviar à presença de um advogado na tomada de declarações do então suspeito, ora recorrente, isto porque o órgão de investigação, a GNR, não tinha quaisquer dúvidas sobre a suspeita que recaía sobre o recorrente – e tal facto foi confirmado em sede de audiência de julgamento pelo responsável pela investigação, a testemunha 1º Sargento E... .

7. O não cumprimento quer do disposto no artº 59º, 1, quer do disposto no artº 58º, 2, ambos do CPP, tem como consequência legal a inadmissibilidade das declarações prestadas pelo ora recorrente contra ele, nos precisos termos do artº 58º, 4, aplicável ‘ex vi’ artº 59º, 3, ambos do CPP.

8. Não se verificou nos autos qualquer das situações previstas pelo artº 357º, 1, do CPP, sendo que as referidas testemunhas militares da GNR D... e E... se encontravam legalmente impedidas de testemunhar sobre o conteúdo de tais declarações e, consequentemente, não pode o tribunal ‘a quo’ valorar tais depoimentos nessa parte.

9. O 1º Sargento da GNR E..., no exercício das suas funções, chamou ao Posto da GNR de Silvares o arguido e ali interrogou-o como suspeito dos crimes dos autos.

10. Pretender que o que resulta dos autos foi uma confissão ouvida no decurso de meras conversas informais é subverter o disposto nos artºs 129º, 1 e 356º, 7, do CPP, torneando deste modo a proibição ali constante.

11. O acórdão do Tribunal Constitucional citado na douta sentença – de 8/7/1999, in BMJ nº 489, pag. 5 – não é subsumível ao caso dos presentes autos, quer porque, e como acima se demonstrou, não existiram quaisquer “conversas informais”, quer porque, mesmo que se considerassem “conversas informais” as que ocorreram entre um militar da GNR no exercício das suas funções com o suspeito de uma investigação, tal militar nunca terá o estatuto de mera ‘testemunha’ das declarações do arguido, uma vez que foi ele o verdadeiro ‘detonador’, instigador dessas mesmas declarações.

12. Inexistem nos autos quaisquer testemunhas presenciais e a prova pericial constante de fls. 68 a 72 dos autos acusou negativo no confronto das impressões digitais colhidas no automóvel objecto dos autos e aquelas recolhidas ao arguido. Deste Modo

13. Ao admitir em julgamento e considerar na douta sentença as declarações prestadas pelo arguido com violação do disposto no artº 59º, 1 e do disposto no artº 58º, 2, ambos do CPP, o tribunal ‘a quo’ violou o disposto no artº 58º, 4, aplicável ‘ex vi’ artº 59, 3, ambos do CPP.

14. Ao admitir em julgamento e considerar na douta sentença os depoimentos prestados pelas testemunhas militares da GNR D... e E..., o tribunal ‘a quo’ violou o disposto no artº 356º, 7 do CPP. Assim,

15. São legalmente inadmissíveis e insusceptíveis de valoração quer as declarações do arguido constantes de fls. 16, quer os depoimentos dos militares da GNR D... e E..., encontrando-se violado o artº 125º do CPP em conjugação com o disposto nos artºs 58º, 4, aplicável ‘ex vi’ artº 59º, 3 e artº 356º, 7, todos do CPP. Pelo que,

16. Foi também violado o princípio da livre apreciação da prova disposto no artº 127º do CPP, uma vez que foi apreciada prova legalmente inadmissível. Deste modo,

17. Os factos dados como provados sob os pontos 2, 3, 4, 7 e 8 da FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO da douta sentença ora recorrida, violam o artº 203º, 1 do CP, pelo que têm que ser dados como não provados, e consequentemente, deve o arguido B... ser absolvido do crime de furto simples. Consequentemente,

18. Inexiste nos autos qualquer prova da conduta ilícita do arguido ora recorrente, inexistindo consequentemente a obrigação do recorrente indemnizar os danos alegados pelo demandante cível.

19. Com a procedência do pedido civil deduzido pelo assistente C... contra o arguido ora recorrente, violou a douta sentença os artºs 483º e 562º e seg.s do CC.

            Nestes termos e com o douto suprimento que se invoca, deve dar-se provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e substituindo-se pro decisão que absolva o arguido do crime de que vem acusado, bem como do pedido cível dos autos e demais custas do processo e assim se fará Justiça.

            Respondeu o demandante civil concluindo pelo não provimento do recurso.

            Também o MP em primeira instância respondeu, concluindo pelo não provimento do recurso, nos seguintes termos:

1. É válida a confissão dos factos que o recorrente fez perante os elementos da GNR.

2. Estendendo-se essa validade à testemunha C..., que não sendo OPC, também ouviu as declarações confessórias do recorrente.

3. As declarações do recorrente não foram prestadas no âmbito de interrogatório ou de inquirição, e ocorreram de forma voluntária e espontânea.

4. Os depoimentos daquelas testemunhas são válidos.

5. Não foi violado nenhum preceito legal, designadamente os apontados artºs 58º, 59º, 355º, 356º e 357º, todos do CPP.

6. A M.ma Juiza ‘a quo’ explanou na fundamentação de facto os motivos da sua decisão não existindo nenhuma contradição.

            Nesta Relação, o Ex.mo PGA emitiu douto parecer, no qual conclui pelo não provimento do recurso.

            Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

FACTOS PROVADOS:

            Vêm dados como assentes os seguintes factos:

1. No dia 17 de Julho de 2013, cerca das 22H00, C... estacionou o veículo, marca FIAT, modelo PUNTO, com a matrícula (...)NH, no Largo do Adro, Av. do Brasil, em Silvares.

2. A hora não concretamente apurada, mas ocorrida entre as 22H00 do referido dia 17/07/2013 e as 02H45 do dia 18/07/2013, os arguidos A... e B..., em comunhão de esforços e de fins, dirigiram-se ao veículo automóvel, acima referido, com intenção de se apropriarem do mesmo.

3. Assim, na concretização dos seus intentos, ali chegados, sem autorização e contra a vontade do legítimo proprietário, de forma não concretamente apurada, entraram no referido veículo, que se encontrava trancado, colocaram-no em funcionamento e abandonaram o local, fazendo-o seu.

4. De seguida, conduziram-no pela Estrada Municipal nº 512, no Ourondo, até à Quinta do Carvalhal, local onde se despistaram e abandonaram o veículo, com danos.

5. Com efeito, o referido veículo, com valor venal de cerca de €2.000,00, foi posteriormente recuperado pela GNR do A... e entregue ao seu proprietário, o qual terá de despender a quantia de €4.418,16 para reparar os danos causados.

6. Os arguidos, concretamente o arguido A..., não eram das relações do ofendido e nunca haviam estado no interior do veículo em causa com autorização deste.

7. Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, em comunhão de esforços e de fins, com intenção de se apropriarem do referido veículo automóvel, não obstante saberem que o mesmo não lhes pertencia e que actuavam sem autorização e contra a vontade do seu proprietário.

8. Sabiam os arguidos, também, que tal comportamento lhes era proibido e punido pela lei penal como crime.

9. Os arguidos não têm passado criminal transcrito.

»Relativamente às condições socio-económicas e familiares dos arguidos apurou-se que:

10.O arguido B... está desempregado; reside com avó em casa desta e tem 9º ano de escolaridade.

11.O arguido A... é feirante, recebe cerca de €15 a €25/dia de trabalho; trabalha todos os fins de semana, um dia por semana no Fundão e duas em duas semanas na Guarda; reside sozinho em casa arrendada da qual paga €150/mês; despende cerca de €50/mês em água e luz.

» Constantes do pedido de indemnização cível, para além dos factos comuns e provados constantes do despacho de acusação, resultou provado que:

12. C... é dono e legítimo proprietário do veículo identificado em 1).

13.Em consequência do despiste referido em 4) o veículo apresenta danos na transmissão direita; no triângulo suspenso direito da direcção assistida Punto; no ventilador eléctrico com suporte; no radiador de água; no capôt; na travessa inferior frente; na travessa superior capôt; nos dois guarda-lamas frente; nos dois resguardos cava da roda; no para-choques frente; nos dois faróis; no pneu frente direito; na jante frente direita; vidro parabrisas; amortecedor frente direito; tubo travão frente direito; tubo água radiador; nas dobradiças do capot; na matricula da frente; no braço apoio do motor e triângulos de suspensão; na barra estabilizadora frente mais casquilhos; faróis de nevoeiro frente; no mecanismo fecho capot; frisos laterais portas e guarda-lamas e nos cintos de segurança com retenção.

14.Às peças supra identificadas acresce o valor do serviço de bate-chapas,pintura e montagem.

15.Para o demandante proceder à reparação do veículo supra identificado terá de despender a quantia de €4.418,16 (quatro mil quatrocentos e dezoito euros e dezasseis cêntimos).

16.O veículo em causa era utilizado pelo demandante nas suas tarefas do quotidiano, nomeadamente nas suas deslocações domésticas e nos trabalhos agrícolas permitindo ao demandante deslocar-se e fazer transporte de azeitonas, frutas, lenhas e outros produtos agrícolas.

17.Em consequência da conduta dos arguidos, o demandante ficou privado de utilizar o seu veículo desde a data da ocorrência do sinistro até 03.02.2014,data da apresentação do pedido cível em tribunal.

****

Não de provaram quaisquer outros factos susceptíveis de influir na decisão da causa, nomeadamente não se provou que:

A. Em consequência da conduta dos arguidos, o demandante ficou muito perturbado psicologicamente.

B. Nas noites posteriores à ocorrência da subtracção, o demandante quase não conseguiu repousar, devido à insegurança, tremor e medo que sentia.

C. Tendo por esse motivo muita dificuldade em adormecer.

DECIDINDO:

            Analisadas as conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação de recurso, logo se constata que o âmbito deste se restringe à questão da admissibilidade das declarações pretensamente confessórias prestadas informalmente pelo arguido/recorrente perante as autoridades policiais durante o inquérito e à possibilidade da sua valoração em sede de audiência de discussão e julgamento.

            Relativamente ao arguido B... foi dada como assente a factualidade integrante do crime de furto simples, p.p. pelo artº 203º, 1, do CP, por cuja prática foi, a final, condenado; acessoriamente, viria a ser também condenado no pagamento - solidariamente com o co-arguido - de uma indemnização civil, decorrente dos danos causados no veículo furtado e da privação do seu uso. Grosso modo, os factos atinentes à prática desse crime pelo recorrente são os descritos em 1. a 8.da sentença.

            Em sede de fundamentação da matéria de facto que serviu de suporte ao processo logico-dedutivo conducente ao estabelecimento da convicção do julgador, ficou dito na sentença, na parte que ora nos interessa:

«A formação da convicção do Tribunal baseou-se na análise crítica do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, segundo juízos de experiência comum e de acordo com o princípio da livre apreciação, plasmado no artigo 127º do Código do Processo Penal, bem como nos documentos juntos aos autos máxime termo de entrega de fls. 8; auto de exame direto de fls. 10; auto de apreensão de fls.11; suporte fotográfico de fls. 12a; participação de acidente de viação de fls. 13 a14, orçamento de fls. 84, certidão de fls. 102 a 106; conjugadas com as regras da experiência e do normal acontecer.

Ancorou-se, ainda, o Tribunal no relatório de exame pericial de fls. 44 a 56 e fls.66 a 73.

Os arguidos exerceram o direito ao silêncio, nos termos do disposto no artigo343º, nº1 do C.P.P., esclarecendo apenas o Tribunal quanto às suas condições pessoais, sociais e económicas, nos termos que resultaram provados.

Baseou-se, ainda, aquela convicção basicamente numa apreciação livre da prova testemunhal, tal qual a mesma se produziu em sede de audiência de discussão.

Assim, C..., proprietário do veículo identificado no libelo acusatório, localizou temporal e espacialmente os factos explicando detalhadamente as circunstâncias antecedentes e posteriores à ocorrência do sinistro; os danos que o mesmo apresenta; o valor da reparação, que ascende acerca de quatro mil euros, e o valor do veículo, que ascende a cerca de dois mil euros.

Explicou, ainda, como tendo sido chamado ao Posto da GNR de Silvares teve conhecimento da identificação dos autores dos factos, aí presenciou os arguidos assumir, perante si e agentes de autoridade infra identificados, autoria da factualidade constante do libelo acusatório sendo que “os arguidos prontificaram-se a pagar os prejuízos”, conforme observou.

Nesse dia a mãe do arguido B..., que foi chamada ao posto, assumiu a responsabilidade de entregar ao depoente €2.500,00 para o compensar dos prejuízos sofridos pedindo-lhe para esperar até à época estival, altura em que o pai do arguido B... regressaria a Portugal.

Sucede que após ter sido proferido o despacho de arquivamento de fls. 31, a mãe do arguido B... declinou a responsabilidade do filho dizendo que havia sido absolvido pelo que não tinha de pagar.

Não obstante a qualidade de ofendido, depôs de forma aparentemente isenta, objectiva, lógica, coerente e, nessa medida, credível.

Ancorou-se, ainda, o tribunal nas declarações de D... e de E..., ambos militares da GNR que de forma objetiva e aparentemente imparcial, enquadrando espacial e temporalmente os factos explicaram como recuperaram o veículo identificado nas fotografias acima aludidas e como detectaram os arguidos como sendo os autores da subtracção do veículo.

Assim, e uma vez que o arguido A... tem outro processo por factos de natureza semelhante chamaram-nos ao posto da GNR de Silvares, onde os arguidos confessaram autoria dos factos e, nessa sequencia procederam à recolha das impressões digitais dos mesmos a fim de poderem ser comparadas com as impressões digitais recolhidas ao veículo.

Depuseram de forma isenta, objectiva e, nessa medida, credível.

Conforme exarado na ata de audiência de julgamento de fls. 159 a 164, os arguidos sustentam a proibição legal de valoração do auto de aditamento de fls. 16 e consequentemente do depoimento dos militares da GNR, acima aludidos a propósito dessas mesmas declarações dado que foram produzidas sem que os arguidos tivessem sido constituídos arguidos.

A este propósito cumpre reter que se durante qualquer inquirição feita a pessoa que não é arguido, surgir fundada suspeita de crime por ela cometido, a entidade que procede ao ato suspende-o imediatamente e procede à comunicação de que passa a assumir a qualidade de arguido e à indicação dos seus deveres e direitos que lhe assistem, conforme dispõem os art. 59.º, n.º 1 e 58.º, n.º 2, ambos do CPP.

A preterição de tal formalidade implica que as declarações prestadas pela pessoa visada não podem ser utilizadas como prova contra ela.

In casu, é certo que os arguidos assumiram a autoria dos factos antes de constituídos arguidos e em audiência exerceram o direito ao silêncio.

A propósito dessa matéria cumpre tecer as seguintes considerações.

Dispõe o art. 249.º, n.º 1 e 2, al. b), do CPP, que cabe aos órgãos de polícia criminal, mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária competente para procederem a investigações, praticar os atos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nomeadamente colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição.

No caso dos autos, a testemunha E... militar da GNR, na sequência das suspeitas levantadas sobre os arguidos contactou-os e não sendo legalmente proibido tal contacto, nada obstará que possa ser valorado o conteúdo do mesmo, sendo certo que nesse primeiro contacto os arguidos admitiram logo serem os autores do furto do veículo.

Assim, se é certo que no caso os arguidos foram convocados como meros suspeitos, entre outros possíveis, e logo se prontificaram a confessar, se tal confissão pudesse, eventualmente, ser o bastante para dar corpo à «suspeita fundada» de terem sido eles os autores do crime em averiguação, nessa circunstância, a diligência deveria ter sido imediatamente suspensa e ter-se procedido à comunicação de que passavam a assumir a qualidade de «arguido»bem como à indicação dos deveres e direitos que lhe assistiam, conforme dispõem os art. 59.º, n.º 1 e 58.º, n.º 2, ambos do CPP. A preterição de tal formalidade implicaria que as declarações prestadas pela pessoa visada não possam ser utilizadas como prova contra eles.

Todavia, não podemos olvidar que a prova não se cinge às declarações dos arguidos mas antes resulta da conjugação de outros elementos probatórios, nomeadamente as declarações da testemunha C..., que é totalmente alheia à actividade investigatória e, bem assim à prova pericial que acima demos conta.

Acresce que, conforme explicaram a referidas testemunhas, após essa declaração confessória dos arguidos foram retiradas impressões digitais aos suspeitos com vista a confirmar essas declarações, nomeadamente por confronto com outros meios de prova, maxime a inspecção lofoscópica que havia sido realizada ao veículo.

Daí que só após a realização dessas diligências com vista à confirmação da confissão lhes tenha surgido fundadamente a suspeita da autoria do(s) crime(s), tal como é exigido pelo n.º 1 do artigo 59.º do CPP.

E, a ser assim, só a partir desse momento - isto é, do momento em que a suspeita passou a ser razoavelmente fundada - se impunha, legalmente, a suspensão imediata do ato e a constituição formal dos arguidos relativamente aos quais o inquérito foi arquivado e entretanto reaberto (cfr. fls. 31 e 57).

Até então, o processo de obtenção das diversas declarações, incluindo as dos então suspeitos e ora arguidos, lograram cobertura legal, nomeadamente, nos artigos 55.º, n.º 2, e 249.º, n.ºs 1 e 2 a) e b) do CPP.

Daí que se entenda que as declarações prestadas pelo militares da GNR acima aludidos não incidem sobre matérias proibidas, já que depuseram, não sobre factos que lhes tenham sido transmitidos, antes, sobre o resultado da sua percepção direta, colhida durante a realização do auto respetivo. Portanto, nesta perspectiva, nem se trata de depoimento indireto, sujeito ao regime do artigo 129.º do CPP, nem de depoimento abrangido pela proibição do artigo 356.º, n.º 7 do mesmo diploma.

E tais depoimentos não versaram sobre autos de leitura proibida, uma vez que não se tratou de declarações de arguido, que os arguidos ainda não eram nem tinham ainda de ser.

Por outro lado, não é despiciendo referir que, como acima aludimos, C..., aqui ofendido, também assistiu e confirmou essas declarações.

No mesmo sentido, veja-se Acórdão do Tribunal Constitucional de 08.07.1999,in BMJ n.º 489, pág. 5, a propósito da valoração do depoimento de testemunhas que relataram conversas informais que tiveram com um co-arguido que, chamado a depor em audiência se remeteu ao silêncio, no uso de legal direito, deliberou: "Há ,assim, que concluir que o art. 129.º, n.º 1 (conjugado com o art. 128.º, n.º 1), do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que o tribunal pode valorar livremente os depoimentos indirectos de testemunhas, que relatem conversas tidas com um co-arguido que, chamado a depor, se recusa a fazê-lo no uso do seu direito ao silêncio, não atinge, de forma intolerável, desproporcionada ou manifestamente opressiva, o direito de defesa do arguido. Não o atinge, ao menos na dimensão em que essa norma foi aplicada ao caso.

Por isso, não havendo um encurtamento inadmissível do direito de defesa do arguido, tal não é inconstitucional."

(…)

Todos os depoimentos foram acolhidos e compulsados na medida em que emergentes do conhecimento pessoal e direto da realidade dos factos que indiciaram, sendo que o convencimento incutido teve em linha de conta a pormenorização da narração, a convicção mostrada, a certeza da não hesitação e, de um modo geral, a coerência dos raciocínios.

(…)» (Os sublinhados são da nossa responsabilidade)

            Da leitura da sentença recorrida resulta uma primeira conclusão, a extrair de imediato: - a situação do arguido B..., ora recorrente, não é igual à do co-arguido A..., relativamente ao qual foram recolhidos três vestígios palmares que o relatório pericial de fls. 66 e seg.s identificou como pertencendo todos à região hipotenar da sua mão direita e recolhidos em diversas partes do veículo em causa, dois no aro da porta do condutor (lado exterior) e um no vidro da mala (lado exterior).

            Relativamente ao arguido B..., nenhum vestígio lofoscópico ou outro foi recolhido e analisado.

            Assim sendo, relativamente a si, a convicção do tribunal tomou por base a ‘confissão’ informal feita perante os militares da GNR, D... e E..., a que assistiu também o ofendido C..., que o confirmaram em declarações na audiência de julgamento.

            Antes de entrarmos na análise das questões suscitadas no presente recurso diremos, desde já, que aparte todas as considerações que iremos tecer, essa prova se mostraria à partida insuficiente e deveria ter feito accionar o mecanismo de salvaguarda processual que contitui o princípio ‘in dubio pro reo’.

Dispõe o artº 127º do CPP que «salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.»

Não obstante consagrar esta norma o princípio da livre apreciação da prova, o poder/dever que daí resulta não é arbitrário mas, antes, vinculado a um fim que é o do processo penal, ou seja, a descoberta da verdade.

Assim sendo, o raciocínio lógico-dedutivo efectuado pelo julgador, deverá ser conclusivo no sentido da autoria dos factos pelo agente, não permitindo a formulação de conclusões alternativas; de outro modo mostrar-se-á legitimada a invocação daquele princípio constitucional ‘in dubio pro reo’, que favorece o arguido, em caso de dúvida, o qual é uma das emanações da presunção de inocência, consagrada no artº 32º, 2, da CRP. Justifica-se o apelo a esse princípio quando, posto perante as provas produzidas, o tribunal cai num impasse probatório, de incerteza factual, que justifica a respectiva resolução a favor do arguido, assim se dando os factos respectivos como não provados.

No nosso caso acrescem as seguintes ordens de razões: - o arguido B... terá ‘confessado’ a autoria dos factos perante aqueles dois militares e o ofendido, que o confirmaram em tribunal. Todavia, dessa ‘confissão’ não foi retirada qualquer consequência útil em termos probatórios, caso em que essas declarações informais poderiam servir como início de prova. Não seriam provas em si mas serviriam de suporte à aquisição de outras provas, essas sim válidas. Seria o caso se um arguido, ‘informalmente’, indicasse aos agentes policiais o local onde escondeu a arma do crime ou o seu produto ou qualquer outro elemento fáctico que permitisse chegar a esse fim. Não valem essas declarações, se desacompanhadas de qualquer outra referência. Naquele caso o depoimento dos agentes policiais não incidiria directamente sobre as ‘declarações informais’ do arguido mas sim sobre os elementos fácticos que presenciaram e que essas ‘declarações’ permitiram obter.

            Daí que nos pareça excessiva a afirmação constante da fundamentação atrás transcrita e que sublinhámos: «Daí que se entenda que as declarações prestadas pelo militares da GNR acima aludidos não incidem sobre matérias proibidas, já que depuseram, não sobre factos que lhes tenham sido transmitidos, antes, sobre o resultado da sua percepção direta, colhida durante a realização do auto respetivo. Portanto, nesta perspectiva, nem se trata de depoimento indireto, sujeito ao regime do artigo 129.º do CPP, nem de depoimento abrangido pela proibição do artigo 356.º, n.º 7 do mesmo diploma».

            O que é que, relativamente ao recorrente, percepcionaram os dois militares da GNR que vá para além daquilo que ouviram da boca dele? Nada, cremos.

            Também se nos afigura que, estando em causa direitos de consagração constitucional, como o direito a todas as «garantias de defesa», à escolha e assistência por advogado, à estrutura acusatória do processo, etc, (artº 32ª CRP), não se poderá operar uma sua compressão por via interpretativa. Daí que estejamos em total acordo com a doutrina traçada pelo acórdão da Relação do Porto, de 21/7/2011 (pesquisado em www.dgsi, onde é identificado como processo 20/11.0GASJP) ao deixar dito:

«Ora, se a inquirição, no processo, de uma pessoa suspeita da prática de um crime, com violação ou omissão das formalidades previstas nos nºs 1 a 3 do artigo 58.º, implica, por exigência das garantias de defesa, que as declarações prestadas pela pessoa visada não possam ser utilizadas como prova contra ela, não se divisa qualquer razão plausível para que uma conversa informal com uma pessoa que ainda não tem o estatuto de arguido nem tem, por isso e nomeadamente, o direito de ser assistida por defensor, ou tendo tal estatuto não foi assistida por defensor (conversa essa, aliás, tida, sabe-se lá, em que circunstâncias, não sendo até de excluir uma errada interpretação das palavras da pessoa visada), não tenha o mesmo tratamento.Assim, as chamadas “conversas informais” dos arguidos com os agentes policiais, antes de serem constituídos arguidos, não podem ser valorizadas em sede probatória.»

            De outra forma estaríamos a subverter o espírito da lei constitucional e mesmo a agir em fraude à lei ordinária se, porventura, sobrestássemos na constituição de arguido, com o mero fito de, desse modo, o arredar do benefício daquelas garantias e, dessa forma, obter provas incriminatórias contra ele.

            Ou seja, logo que existam fundadas suspeitas da autoria do crime, a pessoa em causa deve de imediato ser constituída arguido a fim de, no benefício de todas as suas prerrogativas processuais (artº 61º, CPP), poder livremente recusar-se a prestar declarações ou, prestando-as, poder ser posteriormente com elas confrontado (artºs 141º, 4, b) e 357º, 1, b), ambos do CPP). Se é hoje possível confrontar o arguido com as declarações prestadas de modo informado perante a autoridade judiciária e com a assistência de defensor, não é menos verdade que pesem embora as limitações impostas pela lei, mesmo assim, essas declarações não valem como confissão, antes são objecto de livre apreciação.

            Se assim é perante declarações prestadas com todas essas garantias pelo arguido constituído, por que razão hão-de ter o mesmo tratamento as declarações prestadas antes dessa constituição, ainda que formais, sendo que deixa de ser compreensível a valoração dessas declarações se prestadas através de ‘conversas informais’. Estas, pura e simplesmente não valem por si, não podem ser validamente valoradas, sejam quais forem as condições e o tempo processual em que forem obtidas.

            Coisa diferente é a previsão do artº 249º, 1, do CPP, ao conceder aos órgãos de polícia criminal a faculdade de praticarem os «actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova», v.g. através da recolha de «informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição» (cit. artº 249º, 2, b)). Por um lado, o que está aqui em causa é a urgência nos procedimentos, que não se compadece com a morosidade necessária à intervenção da competente autoridade judiciária; por outro, não se visa a obtenção de uma confissão, mas antes a aquisição de informações que levem à realização de diligências probatórias que, essas sim, poderão ser válidos meios de obtenção de prova. Já o dissemos, informações de terceiros ou dos agentes do crime que possam levar à descoberta da arma usada, do seu produto, à localização da vítima, etc. As informações obtidas não constituem provas de ‘per si’, antes servirão de justificação para as diligências levadas a cabo e que permitiram a aquisição de provas relevantes. Assim se compreende a afirmação constante do acórdão do STJ, de 15/2/2007, (pesquisado em www.dgsi, onde é identificado como processo 06P4593: «O que o art. 129º do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art. 249º do CPP

            O que está em causa, em suma, são as «diligências de investigação» (ou melhor, os resultados através delas obtido) levadas a cabo pelos agentes da autoridade na sequência das informações colhidas, mesmo de quem venha no futuro a adquirir a qualidade de arguido, e não o teor dessas informações, isoladamente consideradas, pois que assim, nenhum valor probatório autónomo detêm.

            Ou seja, a ‘confissão’ do arguido B..., constante do aditamento de fls. 16, reproduzida em audiência pelas testemunhas, militares da GNR, D... e E... e pelo demandante civil C..., não pode ser valorada como meio de prova, por força do que dispõem os artºs 356º, 7, 129º e 355º, todos do CPP. Porque desacompanhada de qualquer prova concludente, impõe-se a absolvição do arguido B..., em homenagem ao princípio ‘in dubio pro reo’, emanação do princípio constitucional da presunção de inocência, de invocação intra-processual.

A absolvição penal determinará a improcedência do pedido de indemnização civil, já que este tem por fundamento a prática de crime que se não provou ter o recorrente cometido.

Termos em que, no provimento do recurso se revoga o segmento da sentença recorrida na parte em que condenou o arguido B..., que, deste modo, vai absolvido relativamente à imputação da prática de um crime de furto simples, p.p. pelo artº 203º, 1, do CP e bem assim do pedido de indemnização civil contra si formulado.

             O demandante civil pagará as custas respectivas, na proporção do seu decaimento, a liquidar na primeira instância (artº 523º, CPP).

Coimbra 4 de Fevereiro de 2015

(Jorge França - relator)

(Fernanda Ventura - adjunta)