Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
408/21.8T8MGR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
PRESSUPOSTOS
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
Data do Acordão: 05/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DA MARINHA GRANDE DO TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 265.º, N.ºS 1 E 2, DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL
Sumário: Pedida na ação a declaração de nulidade do contrato de arrendamento por falta de forma e a consequente restituição do locado, com condenação do réu no pagamento de quantia mensal determinada pelo uso e fruição do imóvel, não pode depois, mediante ampliação do pedido, sem acordo da contraparte, vir peticionar-se – o que não é consequência dos pedidos primitivos e implica alteração da causa de pedir – a resolução do contrato de arrendamento, celebrado verbalmente, por falta de pagamento de rendas, com condenação do réu a despejar o locado e a pagar as rendas em falta.
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 408/21.8T8MGR-A.C1

(Juízo de Competência Genérica da Marinha Grande - Juiz 2)

Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- RELATÓRIO

A autora, AA, requer a ampliação do pedido previamente deduzido no articulado inicial, em que pediu a nulidade do contrato de arrendamento celebrado por falta de forma e a consequente restituição do locado, livre e devoluto de pessoas e bens.

Para o efeito alega que, demonstrado que o contrato de arrendamento celebrado com vício de forma é válido, mas não podendo a Autora lançar mão da acção de despejo por falta de título, sempre poderá requerer a ampliação do pedido, ao abrigo do artigo 265.º do CPC, formulando pedido de resolução do contrato de arrendamento, celebrado verbalmente entre Autora e Réu, por falta de pagamento das rendas desde Dezembro de 2020 até ao presente.

O Réu, em exercício de contraditório, alegou que o conhecimento da Autora da existência de contrato de arrendamento era prévio à instauração da acção, não se tratando de uma consequência ou desenvolvimento do pedido inicialmente formulado, mas de um novo pedido, com a alegação de novos factos, circunstância que não se encontra abrangida pela norma invocada, pugnando pelo indeferimento da ampliação.

O Juízo de Competência Genérica ..., não concordando com o requerido pela Autora, profere a seguinte decisão:

“Impõe-se concluir que a ampliação do pedido não constitui nem alteração, nem ampliação do pedido previamente formulado, i.e., não respeita os pressupostos exigidos pelo artigo 265.º, n.º 2, 1.ª parte do CPC, razão pela qual se não admite a ampliação do pedido. Notifique”.

A Autora, AA, não se conformando com a decisão, interpõe o seu recurso, assim concluindo:

1ª- Interpôs a Autora, a 11.06.2021, contra o Réu, acção declarativa de condenação, em processo ordinário, sob a forma comum (que aqui dá por integralmente reproduzida), alegando, em suma, que:

- Ambos celebraram, verbalmente, a 01.03.2020, um contrato de arrendamento urbano para habitação, ela na qualidade de proprietária do prédio e senhoria, ele na qualidade de arrendatário.

- convencionaram, verbalmente, que o contrato teria o prazo certo de um ano, não renovável, com início a 01.03.2020 e término a 28.02.2021, correspondendo-lhe a renda mensal de €200,00 (duzentos euros).

- o contrato não foi reduzido a escrito, não obstante tenha sido comunicado às finanças e liquidado o imposto de selo.

- o R., desde 01.03.2020 e até ao momento, ocupa e habita permanentemente o imóvel.

- o R. efectuou o pagamento de seis “rendas”, entre Junho de 2020 até Novembro de 2020, entregando à A. a quantia mensal de €200,00 (duzentos euros), perfazendo um total de €1200,00 (mil e duzentos euros), sempre em numerário. - após o que, e até à data, não procedeu à entrega de qualquer outro valor à autora.

2ª- Terminou a A. pedindo: a) Ser declarado nulo, por vício de omissão da forma, o contrato de arrendamento, celebrado verbalmente entre A. e R..b) Ser o R. condenado a entregar, ou restituir, o imóvel à A., livre e devoluto de pessoas e bens;c) Ser o R. condenado a pagar à A., pelo uso e fruição do imóvel, a quantia mensal de €200,00, desde o início desse uso e fruição (descontando-se a quantia de €1200,00 efectivamente já paga pelo R.) até à efectiva restituição do imóvel à A., acrescido de juros de mora à taxa legal a contar desde a sua citação.

3ª- Em sede de contestação (cfr. artº.s 34º a 36º da mesma) o R. invoca a existência de título, prevalecendo-se da faculdade prevista no art.º 1069º, nº 2, do Código Civil, uma vez que tinha procedido ao pagamento de seis rendas e habitava permanentemente o local (tudo, aliás, conforme a própria A., de bona fides, já havia admitido).

4ª- A A., então, apresentou requerimento de alteração ou ampliação do pedido, formulando os seguintes novos pedidos:- Seja declarada a resolução do contrato de arrendamento celebrado verbalmente entre Autora e Réu, por falta de pagamento das rendas desde Dezembro de 2020 até ao momento, nos termos do disposto nos art.ºs 1047º, 1048º, e 1083º, nº 1, 3 e 4, todos do Código Civil, devendo, consequentemente, ser o Réu condenado a despejar o locado de imediato, restituindo-o à A., livre, devoluto de pessoas e bens, e no mesmo estado de conservação em que o recebeu;- Seja o R. condenado a pagar à A. as rendas em falta desde Dezembro de 2020, até à efectiva restituição do imóvel à A., quantia essa acrescida de juros de mora à taxa legal a contar desde a sua citação.

5ª- Foi, então, proferido douto despacho que indeferiu a solicitada alteração ou ampliação do pedido, por se entender que a A. alegou factos novos (o não pagamento das rendas) e que os novos pedidos não são o desenvolvimento ou consequência dos primitivos pedidos.

6ª- Indiscutivelmente, a falta de pagamento das “rendas” havia já sido alegada pela A. na petição inicial (cfr. art.ºs 7º e 18º a 20º, da p.i.), pelo que não se trata da alegação de factos novos.

7ª- Ademais, crê-se errada a conclusão de que os novos pedidos formulados pela A. não correspondem ao desenvolvimento ou consequência dos pedidos primitivos.

8ª- De facto, no momento da propositura da acção, face à inobservância da forma escrita, a A. não tinha como obstar à nulidade do contrato, fosse a mesma invocada por si, pela parte contrária, ou declarada oficiosamente (uma vez que apenas o arrendatário goza da faculdade prevista no art.º 1069º, nº2, do Código Civil).

9ª- Por isso, ab initio, sendo o contrato nulo, não seria correcto peticionar a resolução do contrato com base na falta de pagamento de rendas.

10ª- A ampliação pode envolver a formulação de um pedido diverso, desde que tal pedido e o pedido primitivo tenham essencialmente causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelo menos integradas no mesmo complexo de factos.

11ª- No entanto, alguma doutrina não afasta, sequer, a possibilidade da alteração e/ou ampliação ocorrer fora do estricto circunstancialismo dos arts. 264º e 265º, do CPC, o que se justifica designadamente pelo seguinte: o que está em causa é a consonância do princípio da estabilidade da instância com o princípio da economia processual, dando-se prevalência a este último na estrita medida em que se verificam reais vantagens na solução definitiva num único processo do conflito existentes entre as mesmas partes, desde que a relação controvertida seja essencialmente a mesma, assente virtualmente na mesma causa de pedir.

12ª- In casu, a A. não alega quaisquer factos novos. A única “novidade” trazida ao autos provém do réu, ao declarar querer prevalecer-se da faculdade prevista no art.º 1069º, nº2, do C.C., obstando pois à declaração de nulidade do contrato.

13ª- Remeter a A. para uma nova acção autónoma, a fim de poder obter a desocupação do imóvel e a justa compensação pela utilização que o réu lhe deu, não se afigura correcto. Não só se traduziria em desperdício processual, como agravaria o prejuízo que a A. vai sofrendo.

14ª- A não admissão destes novos pedidos, que acarretam uma diminuta violação do princípio da estabilidade da instância, traduz-se numa severa violação do princípio da economia processual.

15ª- A decisão recorrida, salvo todo o respeito por opinião contrária, é violadora das normas contidas nos art.ºs, 6º, nº1, e 265º, do Código de Processo Civil.

Termos em que, e nos melhores de Direito aplicáveis, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida substituindo-a por outra que admite a requerida ampliação do pedido.

Com o que farão, V. Exc.ªs, a costumada J U S T I Ç A !

2. Do objecto do recurso

Os autos permitem que se enxerte, ao abrigo do artigo 265.º do Código do Processo Civil – que será o diploma a citar sem menção de origem -, no pedido inicial a) Ser declarado nulo, por vício de omissão da forma, o contrato de arrendamento, celebrado verbalmente entre A. e R.; b) Ser o R. condenado a entregar, ou restituir, o imóvel à A., livre e devoluto de pessoas e bens; c) Ser o R. condenado a pagar à A., pelo uso e fruição do imóvel, a quantia mensal de €200,00, desde o início desse uso e fruição (descontando-se a quantia de €1200,00 efectivamente já paga pelo R.) até à efectiva restituição do imóvel à A., acrescido de juros de mora à taxa legal a contar desde a sua citação-, o pedido de resolução do contrato de arrendamento, celebrado verbalmente entre Autora e Réu, por falta de pagamento das rendas desde Dezembro de 2020 até ao presente?

A 1.ª instância entende que não, justificando, assim, a sua posição:

“A regra no nosso sistema processual civil incide sobre a estabilidade da instância, artigo 260.º do CPC. As excepções elencadas no código, de entre as quais se encontram as plasmadas no artigo 265.º do CPC, manifestações do princípio da economia processual, deverão ser objecto de interpretação criteriosa, encontrando-se proibido o recurso à interpretação analógica, cfr. artigo 11.º do CC.

Prescreve assim o artigo 265.º, n.º 2 do CPC que em qualquer altura do processo, até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, o autor pode reduzir o pedido, podendo apenas ampliá-lo se a ampliação for o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.

No que respeita à interpretação dos conceitos “desenvolvimento” e “consequência” do pedido primitivo, apesar de se tratarem de substantivos cujo círculo de interpretação não levanta dúvidas, cingimo-nos à definição avançada por Lebre de Freitas, a qual abarca com rigor o pensamento que perfilhamos: “uma vez formulado, um pedido é consequência de outro quando a procedência deste implica a procedência do primeiro, ainda que em medida que pode depender de factos que excedam o âmbito da respectiva causa de pedir” e “o pedido primitivo é desenvolvido quando ao conteúdo inicial do direito a que se refere vem acrescentar um conteúdo acessório ou complementar da mesma natureza, ou quando, tendo-se feito valer inicialmente parte do direito, se pretende agora fazê-lo em outra parte ou na totalidade, sem que a procedência do pedido primitivo implique necessariamente a procedência do acréscimo decorrente do desenvolvimento e mesmo, na segunda situação, sem que haja entre os dois fundados ou não na mesma causa de pedir, uma relação de dependência” (Lebre de Freitas, “Ampliação do Pedido em Consequência do Pedido Primitivo”, in “Em Homenagem ao Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral”, Almedina, p.1302-1303).

Como se constata, o pedido formulado ora pela Autora não constitui nem desenvolvimento, nem consequência do pedido inicialmente formulado. Trata-se de novo pedido, com novos factos que não constavam inicialmente da petição inicial (não pagamento das rendas), constituindo mais do que pedido autónomo, também uma nova causa de pedir. E não argumente a Autora com a falta de meio processual para fazer valer o seu direito. Com efeito, a acção de despejo instaurada em processo declarativo comum não faz qualquer exigência no que respeita à forma escolhida pelas partes para celebrarem o contrato de arrendamento.

Impõe-se concluir que a ampliação do pedido não constitui nem alteração, nem ampliação do pedido previamente formulado, i.e., não respeita os pressupostos exigidos pelo artigo 265.º, n.º 2, 1.ª parte do CPC, razão pela qual se não admite a ampliação do pedido.

Notifique”.

Com todo o respeito pela Apelante, entendemos que a razão está do lado da 1.ª instância.

Vejamos:

Sabendo-se, tal como resulta do disposto nos arts. 3º, nº 1 e 581º, nºs 3 e 4, que o objecto da acção reside na pretensão que o autor pretende  ver tutelada e que a identificação do direito que se pretende fazer valer em juízo consubstancia-se  não só através  do seu próprio conteúdo e objecto -  o pedido - como por meio  do acto ou facto jurídico  que se considere  que lhe deu origem -  causa de pedir -, bem se compreende  que o art. 552.º, nº 1, al. d), faça recair sobre o autor o dever  de  “ expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção”.

Está em causa a denominada teoria da substanciação que assume assento no nosso ordenamento jurídico e que exige sempre a indicação do título em que se fundamenta o direito firmado pelo autor.

A petição inicial, é o instrumento processual próprio para o autor proceder à exposição dos factos essenciais que integram a causa de pedir e razões de direito que fundamentam a pretensão prosseguida com a acção por si proposta. A contestação, por sua vez, é o meio processual de que o réu dispõe para deduzir a sua defesa, podendo fazê-lo por impugnação e/ou excepção, devendo nela expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor e expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas, especificando-as separadamente, sob pena de os respetivos factos não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação - às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas.

Por outro lado, o princípio da verdade material tem subjacente o princípio do inquisitório, que se caracteriza, na sua essência, pelo princípio da prevalência do mérito sobre meras questões de forma e conjuga-se com o previsto reforço dos poderes de direcção, agilização, adequação e gestão processual do juiz, no sentido de que toda a actividade processual deve ser orientada para propiciar a obtenção de decisões que privilegiem o mérito ou a substância sobre a forma.

A lei processual civil permite a formulação de pedidos subsidiários -o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior - e, pode o autor deduzir cumulativamente contra o mesmo réu, num só processo, vários pedidos que sejam compatíveis, se não se verificarem as circunstâncias que impedem a coligação – artigos 554.º e 555.º.

O pedido subsidiário ou “eventual”, com larga tradição no nosso direito, pressupõe a formulação de um pedido “principal” ou “primário” - Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3.º, 1946, pág. 139.

Com a formulação de um pedido principal e um pedido subsidiário, o autor declara uma preferência pelo primeiro, devendo o tribunal apreciar essa pretensão jurisdicional e apenas passar à apreciação do pedido subsidiário, no caso do pedido principal improceder, por qualquer razão.

Por seu turno, a norma do artigo 265º, na parte que para aqui releva, preceitua:

“1 - Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação.

2 - O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instancia se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.

(...)

6 - É permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida”.

Como sabemos, após a citação do réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas ao pedido e à causa de pedir, salvo as possibilidades de modificação consignadas na lei - constitui um claro afloramento dos princípios dispositivo e da auto responsabilidade das partes vigentes no nosso ordenamento jurídico e suas traves mestras.

Como regra geral, o artigo 260.º impõe o princípio da estabilidade da instância o que implica que, citado o réu - como expressamente refere Alberto dos Reis “a instância fica iniciada com o ato da propositura da ação; mas só se fixa com o ato da citação do réu. Enquanto este não for citado, a situação é de instabilidade” - Comentário, 3º, pág. 66 -, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir - uma alteração estrutural daqueles pressupostos exige o acordo das partes, o que muito raramente acontece/ a instância é inicialmente conformada pelo autor na petição inicial, nos seus elementos subjectivos (“quanto às pessoas”) e objectivos (pedido fundado numa causa de pedir).. A citação do réu fixa os elementos definidores da instância, que seguidamente só é alterável na medida em que a lei o permita.”

Por isso, a ausência de acordo das partes implica um forte constrangimento para o autor que pretenda, após a citação, alterar a causa de pedir ou ampliar a causa de pedir ou o pedido. A primeira só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor e, quanto ao pedido, apenas se aceita uma ampliação caso seja desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.

Nas palavras de Alberto dos Reis - Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3, Coimbra Editora, 1946, pág. 92 -, estão em causa dois limites: um limite temporal e um limite de qualidade ou nexo. E, quanto a este limite, ensina o mestre - pág. 92 -, que “a ampliação há-de estar contida virtualmente no pedido inicial”.

Mais, “a ampliação do pedido não se destina a suprir eventuais falhas processuais da petição inicial; a ampliação do pedido, prevista no nº 2 do artº 265º do CPC, implica que o pedido ampliado seja um lógico incremento ou corolário do pedido inicial” / - no acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra, de 17-11-2016, proc. 7072/15.1T8VIS-A.C1.

A ampliação do pedido traduz-se numa modificação objetiva da instância e constitui um acrescento, um aumento do pedido primitivo, ou seja, a ampliação do pedido só pode ser efetivada se for o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, importando notar que o preceito concede essa faculdade “em qualquer altura”, ou seja, independentemente de ser antes ou depois de citados os réus e/ou de estes terem apresentado contestação.

A ampliação do pedido deve ser sempre perspectivada como sendo um aumento para mais da pretensão inicial, estando vedada a formulação de quaisquer pedidos alternativos ou subsidiários, por o limite de qualidade ou de nexo impor que a ampliação a realizar esteja contida virtualmente no pedido inicial.

Salvo o devido respeito pela alegação da Autora, não é o que acontece nos presentes autos.

Teremos de concordar – e este é um dos princípios do processo civil moderno - que o poder de iniciativa/gestão processual, por parte do juiz do processo, não deverá ser omitido nos casos em que a prevalência de razões de ordem formal, sobre o conteúdo substancial da petição, ainda que imperfeitamente expresso, acaba por remeter as partes, desnecessariamente, para a propositura de uma nova acção. O mesmo vale dizer quanto ao princípio da verdade material, pois não há dúvida que esta solução está também em perfeita sintonia com o propósito da lei ao estabelecer - no seu artigo 611º, nº 2 - que o conteúdo da sentença deve ser definido de modo a corresponder “à situação existente no momento do encerramento da discussão”, por forma a, como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa - In “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. I, 2ª ed., reimpressão, 2021, Coimbra, Almedina, pág. 732 – “levar o mais longe possível o intuito de assegurar a atualidade da sentença, no sentido da sua adequação à realidade existente na situação submetida a juízo”.

Mas a lei, por vezes, limita estes poderes de gestão do juiz, atirando-lhe com normas imperativas a que o julgador, naturalmente, deve obediência.

Como escreve a 1.ª instância, “como se constata, o pedido formulado ora pela Autora não constitui nem desenvolvimento, nem consequência do pedido inicialmente formulado. Trata-se de novo pedido, com novos factos que não constavam inicialmente da petição inicial (não pagamento das rendas), constituindo mais do que pedido autónomo, também uma nova causa de pedir.

E não argumente a Autora com a falta de meio processual para fazer valer o seu direito. Com efeito, a acção de despejo instaurada em processo declarativo comum não faz qualquer exigência no que respeita à forma escolhida pelas partes para celebrarem o contrato de arrendamento”.

Concordamos.

Está para nós claro que o novo peticionário - seja declarada a resolução do contrato de arrendamento celebrado verbalmente entre Autora e Réu, por falta de pagamento das rendas desde Dezembro de 2020 até ao momento, nos termos do disposto nos art.ºs 1047º, 1048º, e 1083º, nº 1, 3 e 4, todos do Código Civil, devendo, consequentemente, ser o Réu condenado a despejar o locado de imediato, restituindo-o à A., livre, devoluto de pessoas e bens, e no mesmo estado de conservação em que o recebeu;- Seja o R. condenado a pagar à A. as rendas em falta desde Dezembro de 2020, até à efectiva restituição do imóvel à A., quantia essa acrescida de juros de mora à taxa legal a contar desde a sua citação  -  não é consequência dos pedidos primitivos - a) Ser declarado nulo, por vício de omissão da forma, o contrato de arrendamento, celebrado verbalmente entre A. e R.. b) Ser o R. condenado a entregar, ou restituir, o imóvel à A., livre e devoluto de pessoas e bens; c) Ser o R. condenado a pagar à A., pelo uso e fruição do imóvel, a quantia mensal de €200,00, desde o início desse uso e fruição (descontando-se a quantia de €1200,00 efectivamente já paga pelo R.) até à efectiva restituição do imóvel à A., acrescido de juros de mora à taxa legal a contar desde a sua citação.

O fundamento do novo pedido resulta da existência de um contrato de arrendamento verbal válido, que o Réu não cumpriu, pagando a respectiva renda.

Mas esta causa de pedir é diversa da que suporta os pedidos efectivamente formulados na petição inicial, sabendo-se que os mesmos se referiam nuclearmente à existência de um contrato nulo por falta de forma, pedindo-se a restituição do imóvel e o pagamento de uma indemnização pelo uso e fruição do prédio que é propriedade da autora.

E, sendo a causa de pedir o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido, isto é, ao pedido, não nos merecem dúvidas que o pedido formulado no requerimento da autora não é o desenvolvimento do pedido efectuado na petição inicial, pois derivam de diferentes factos concretos. Estamos perante diferentes causas de pedir e de diferentes pedidos.

Assim, com todo o respeito pela Apelante, entendemos que a 1.ª instância decidiu bem.

As conclusões (sumário):

(…).


3.Decisão
Assim, na improcedência do recurso, mantemos a decisão proferida pelo Juízo de Competência Genérica ... - Juiz ....

Custas pela apelante – sem prejuízo do beneficio do apoio judiciário.

 

Coimbra, 10 de Maio de 2022

(José Avelino Gonçalves - Relator)

(Arlindo Oliveira- 1.º adjunto)

(Emidio Francisco Santos – 2.º adjunto)