Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
460/10.1TBESP.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
PREJUÍZO
INDEFERIMENTO LIMINAR
Data do Acordão: 06/07/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - AVEIRO - JUÍZO DO COMÉRCIO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART 238 CIRE
Sumário: Do facto de o devedor se atrasar na apresentação à insolvência não se pode concluir imediatamente que daí advieram prejuízos para os credores, designadamente pela simples contagem de juros, nos termos do art. 238º, nº 1, d), do CIRE.
Decisão Texto Integral: I – Relatório

1. M (…) e B (…), casados, deduziram pedido de insolvência e exoneração do passivo restante.

Declarada a insolvência dos mesmos, a administradora da insolvência afirmou, no relatório a que alude o art. 155º do CIRE, não vislumbrar a verificação de qualquer facto impeditivo à admissão liminar do pedido.

Na assembleia de 17.8.2010, os credores (…) manifestaram oposição a tal exoneração, tendo em conta que não foi respeitado o prazo para a apresentação à insolvência previsto na lei, enquanto o credor Segurança Social nada disse.

Foi determinado judicialmente a apresentação da prova documental pertinente, o que os insolventes não satisfizeram.

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Após, foi proferida decisão que indeferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, por se considerar verificada a causa para o efeito prevista no art. 238º, nº 1, al. d), do CIRE.

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2. Os requerentes apresentaram recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões:

1. O indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo, nos termos do art. 238º, nº 1, alínea d) do CIRE pressupõe a verificação cumulativa dos requisitos aí enunciados, sendo, por isso, necessário que: a) o devedor não tenha cumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a tal apresentação, não o tenha feito nos seis meses seguintes à verificação da situação insolvência; b) o atraso na apresentação à insolvência tenha redundado em prejuízo para os credores; c) o devedor sabia, ou não podia ignorar, sem culpa grave, que não existia qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.

2. O mero vencimento de juros moratórios após a verificação da insolvência não é suficiente para integrar o conceito de prejuízo a que alude a norma em questão.

3. O prejuízo para os credores a que alude a citada norma pressupõe a verificação de factos ou circunstâncias que permitam concluir que, no caso concreto, o atraso na apresentação à insolvência determinou uma impossibilidade ou dificuldade acrescida na satisfação dos créditos que existiam à data em que se verificou a insolvência decorrente do aumento do passivo (em virtude de os devedores terem contraído novas dívidas após a verificação da insolvência e o momento em que se deviam apresentar) ou da diminuição do activo (em virtude de os devedores terem praticado actos de dissipação ou delapidação do património entre a verificação da insolvência e o momento em que, tardiamente, a ela se vêm apresentar).

4. Se, à data em que ocorre a situação de insolvência, os devedores não possuem qualquer património que possa responder pelas suas dívidas e não o obtêm entretanto, não será possível concluir pela existência de qualquer prejuízo para os credores em consequência do atraso na apresentação à insolvência.

5. Nessa situação, os credores, porque nunca tiveram, na realidade, qualquer possibilidade de obter a satisfação dos seus créditos, não sofrem, em consequência da apresentação tardia à insolvência, qualquer prejuízo que não existisse já à data em que os devedores incorreram nessa situação.

Por violar as normas e princípios invocados nestas alegações, a sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por uma outra de acordo com as pretensões dos Recorrentes.

Assim se fazendo a costumada e esperada JUSTIÇA!

3. Não houve contra-alegações.

II – Factos Provados

a) Os requerentes apresentaram-se à insolvência a 29/4/2010;

b) A requerente mulher foi executada no âmbito do processo nº484/04.8TBESP;

c) O requerente marido está desempregado, desde data não apurada;

d) Os requerentes deixaram de pagar os seus débitos ao Banco (…)

SA, em 2008, e os seus débitos tributários desde 2003.

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 684º, nº 3 e 685º-A, do CPC).

Nesta conformidade a única questão a decidir é a seguinte.

- O atraso na apresentação à insolvência originou prejuízo para os credores.

2. No preâmbulo do DL 53/04, de 18.3 que aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) o legislador referiu-se à exoneração do passivo 45 - nos seguintes termos:

“ O Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa fé incorridas em situação de insolvência, tão difundido nos Estados Unidos, e recentemente incorporado na legislação alemã da insolvência, é agora também acolhido entre nós, através do regime da «exoneração do passivo restante».

O princípio geral nesta matéria é o de poder ser concedida ao devedor pessoa singular a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste.

A efectiva obtenção de tal benefício supõe, portanto, que, após a sujeição a processo de insolvência, o devedor permaneça por um período de cinco anos – designado período da cessão – ainda adstrito ao pagamento dos créditos da insolvência que não hajam sido integralmente satisfeitos. Durante esse período, ele assume, entre várias outras obrigações, a de ceder o seu rendimento disponível (tal como definido no Código) a um fiduciário (entidade designada pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência), que afectará os montantes recebidos ao pagamento dos credores. No termo desse período, tendo o devedor cumprido, para com os credores, todos os deveres que sobre ele impendiam, é proferido despacho de exoneração, que liberta o devedor das eventuais dívidas ainda pendentes de pagamento.

A ponderação dos requisitos exigidos ao devedor e da conduta recta que ele teve necessariamente de adoptar justificará, então, que lhe seja concedido o benefício da exoneração, permitindo a sua reintegração plena na vida económica.

Esclareça-se que a aplicação deste regime é independente da de outros procedimentos extrajudiciais ou afins destinados ao tratamento do sobreendividamento de pessoas singulares, designadamente daqueles que relevem da legislação especial relativa a consumidores”.

Dispõe o art. 238º, nº 1, d) do CIRE, que o pedido de exoneração do passivo será liminarmente indeferido se o devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.

Decompondo o texto legal, será de indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo, ao abrigo da citada norma, se, cumulativamente:

a) O devedor não cumpriu o dever de apresentação à insolvência ou se, não estando obrigado a tal apresentação, não o tiver feito nos seis meses seguintes à verificação da situação insolvência;

b) O atraso na apresentação à insolvência redundou em prejuízo para os credores;

c) O devedor sabia, ou não podia ignorar sem culpa grave, que não existia qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.

Os recorrentes no seu recurso apenas questionam a ocorrência do requisito referido em b).

Na sentença recorrida considerou-se que estavam verificados os três requisitos, assim se indeferindo liminarmente o requerido. E para justificar o decidido escreveu-se que: “Atentos os elementos dos autos, verifica-se que o débito de maior valor que recai sobre os requerentes tem como credor o Banco (…), SA.

Nada coloca em causa que a obrigação de pagamento perante essa instituição bancária tenha cessado em 2008.

Assim, tem de concluir-se que a situação de insolvência (de impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas) constituiu-se nessa data.

Desde a referida data, os requerentes tinham o prazo de seis meses para se apresentarem à insolvência a fim de beneficiarem da exoneração do passivo restante, mercê do disposto no art. 238.º/1, al. d), do CIRE, e não o fizeram atempadamente.

Acresce que contra os requerentes já havia sido intentada uma execução em 2004.

É patente, pois, o prejuízo para os credores, que não obtiveram pagamento dos seus créditos desde a referida data, sem que nada os devedores tivessem feito para amenizar o avolumar das dívidas…...” – fim de citação.

Os recorrentes no seu recurso apenas questionam a ocorrência do requisito referido em b).

Escalpelizando mais em pormenor, vê-se (dos autos da relação de créditos reconhecidos pela administradora de insolvência) que a lista de dívidas dos insolventes é constituída por dívida ao referido BES, no montante de 135,385,88 €, sendo 21.474,94 € de juros, por mútuo com hipoteca, dívida ao Finicrédito de 39, 694,55 €, sendo 4.672,64 € de juros, por livrança, dívida à S. Social de 70.977,37 €, sendo 26.605,65 € de juros de mora vencidos até Julho de 2010, por contribuições, e dívida de 29.983,10 € à Fazenda Nacional, por diversos impostos (é de notar, porém, que estes créditos tributários da segurança social e da fazenda nacional não poderão ser objecto de exoneração, como resulta do art. 245º, nº 2, d), do CIRE).

O avolumar da dívida desde 2008, referido na decisão recorrida, reporta-se pois ao acumular de juros.

Será que do simples facto de o devedor se atrasar na apresentação à insolvência se pode concluir que daí advieram prejuízos para os credores, pelo acréscimo de contagem de juros?

Cremos que não.

Notando-se uma assinalável divisão na jurisprudência, podemos citar o Ac. da Rel. Porto, de 20.4.2010, Proc.1617/09.3TBPVZ, www.dgsi.pt, que entendeu que a contagem dos juros importa um avolumar da dívida, com a inerente conclusão que, nesse caso, se evidencia o prejuízo para os credores referido na lei.

Veja-se a seguinte passagem “…o que importa verdadeiramente resolver é se o indicado avolumar de juros de mora, pelo menos, relativamente aos créditos dos dois referidos bancos credores, preenche o requisito a que temos vindo a aludir.

Embora a resposta não venha sendo unânime [os Acs. desta Relação do Porto de 09/12/2008, de 15/07/2009, ambos já atrás referidos, e de 19/01/2010, proc. 627/09.5TBOAZ-B.P1, disponível in www.dgsi.pt/jtrp, consideraram que o avolumar dos juros integra o requisito em apreço; os Acs. desta Relação de 11/01/2010, proc. 347/08.8TBVCD-D.P1 e de 14/01/2010, proc. 135/09.4TBSJM.P1, ambos também disponíveis no sítio acabado de mencionar], entendemos, pela nossa parte, que o avolumar dos juros pelo atraso na apresentação à insolvência acarreta o prejuízo de que fala a al. d) do nº 1 do art. 238º, não se acompanhando, assim, o argumento daqueles que entendem que “o atraso implica sempre um avolumar do passivo”, bastando, para tal, pensar-se nos casos em que os juros (de mora) só são devidos a partir da citação do devedor na acção (declarativa ou executiva) em que o credor “reclame” o seu crédito, por contraposição às situações em que esses juros são devidos desde a data do vencimento da dívida (como acontece com as dívidas baseadas em títulos de crédito ou em obrigações com prazo certo de vencimento) e independentemente da respectiva acção ser ou não imediatamente instaurada. No primeiro caso, em que apesar de vencidas, as dívidas não estão ainda reclamadas pelos credores e ainda não há juros que se vão vencendo, será evidente que o atraso do devedor à insolvência não acarretará prejuízo para os credores; mas no segundo caso (e a situação dos autos reconduz-se a este, como resulta do que atrás se enunciou, pelo menos relativamente aos créditos do C…………. e do G……….., baseados em livranças que já se encontravam vencidas), parece-nos ser inquestionável que o referido atraso causa prejuízo aos credores (ao menos aos que são titulares desses créditos).

Daí que consideremos que também o segundo requisito exigido pela al. d) do nº 1 do citado art. 238º se mostra verificado…”. Na mesma linha, pode ver-se também o Ac Rel. Guimarães, de 30.4.2009, Proc.2598/08.6TBGMR, no mesmo sítio.

Estamos, contudo, com a corrente jurisprudencial que exige que o aludido prejuízo, previsto na citada d), do nº1, do art. 238º, do CIRE, há-de ser um prejuízo autónomo, que não a simples contagem de juros.

Na verdade, como se raciocina no Ac. Rel. Porto, de 19.5.2010, Proc.1634/09.3TBGDM, indicado sítio, o conceito de prejuízo pressuposto no normativo em causa consiste num prejuízo diverso do simples vencimento dos juros, que são consequência normal do incumprimento gerador da insolvência, tratando-se assim dum prejuízo de outra ordem, projectado na esfera jurídica do credor em consequência da inércia do insolvente (consistindo, por exemplo, no abandono, degradação ou dissipação de bens no período que dispunha para se apresentar à insolvência).

O “atraso implica, sempre, um avolumar do passivo”. O legislador não pode ter querido prever naquela alínea d) como excepção aquilo que é o normal ocorrer, donde se conclui que o conceito de prejuízo aí previsto constitui algo mais do que já resulta do demais previsto nesse dispositivo – esse “prejuízo não pode consistir no aumento da dívida e atraso na cobrança dos créditos por parte dos credores, pois que tal já resultava da demais previsão dessa alínea”.

Não pode o intérprete escamotear que o legislador do CIRE estava consciente que os créditos vencem juros com o simples decorrer do tempo. Representando a insolvência uma situação de impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas (art. 3º, nº 1, do CIRE), inevitável será a constatação de que estas vencem juros (arts. 804º e ss do CC), que assim aumentam (quantitativamente) o passivo do devedor.

“Não pode considerar-se que o conceito normativo de prejuízo previsto na alínea d) do nº 1, do art. 238º, do CIRE, inclua no seu âmbito o típico, normal e necessário aumento do passivo em decorrência do vencimento dos juros incidentes sobre o crédito de capital, sob pena de se esvaziar de sentido útil a referência legal a tal requisito (prejuízo dos credores) – tivesse sido esse o sentido e alcance da lei, bastaria estabelecer o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo quando o devedor se abstivesse de se apresentar à insolvência no semestre posterior à verificação da situação de insolvência”.

Não basta, pois, o simples decurso do tempo (seis meses contados desde a verificação da situação de insolvência) para se poder considerar verificado o requisito em análise (pelo avolumar do passivo face ao vencimento dos juros) – tal representaria valorizar um prejuízo ínsito ao decurso do tempo, comum a todas as situações de insolvência, o que não se afigura compatível com o estabelecimento do prejuízo dos credores enquanto requisito autónomo do indeferimento liminar do incidente. Enquanto requisito autónomo do indeferimento liminar do incidente, o prejuízo dos credores acresce aos demais requisitos – é um pressuposto adicional, que aporta exigências distintas das pressupostas pelos demais requisitos, não podendo por isso considerar-se preenchido com circunstâncias que já estão forçosamente contidas num dos outros requisitos.

“Ao estabelecer, como pressuposto do indeferimento liminar do pedido de exoneração, que a apresentação extemporânea do devedor à insolvência haja causado prejuízo aos credores, a lei não visa mais do que os comportamentos que façam diminuir o acervo patrimonial do devedor, que onerem o seu património ou mesmo aqueles comportamentos geradores de novos débitos (a acrescer àqueles que integravam o passivo que estava já impossibilitado de satisfazer). São estes comportamentos desconformes ao proceder, honesto, lícito, transparente e de boa fé cuja observância por parte do devedor é impeditiva de lhe ser reconhecida possibilidade (verificados os demais requisitos do preceito) de se libertar de algumas das suas dívidas, e assim, conseguir a sua reabilitação económica. O que se sanciona são os comportamentos que impossibilitem (ou diminuam a possibilidade de) os credores obterem a satisfação dos seus créditos, nos termos em que essa satisfação seria conseguida caso tais comportamentos não ocorressem”.

Face ao exposto, concluímos que não integra o conceito normativo de prejuízo pressuposto pelo art. 238º, nº 1, do CIRE o simples aumento global dos débitos do devedor causado pelo simples acumular dos juros.

Pode ver-se, adicionalmente, no mesmo sítio, os Ac. da Rel. Coimbra, de 23.2.2010, Proc.1793/09.5TBFIG (de que foi relator o 1º adjunto deste acórdão) Ac. Rel. Lisboa, de 14.5.2009, Proc.2538/07.0TBBRR, e os indicados acórdãos da Rel. Porto, de 11.1.2010 e 14.1.2010, e ainda de 12.5.2009, Proc.250/08.1TBVCD, e Luís M. Martins, Recuperação de Pessoas Singulares, 2011, pág. 42/45.

No Ac. do STJ, de 21.10.10, Proc.3850/09.9TBVLG, mesmo sítio, desmontou-se aquele ponto de vista - que atribui aos juros contados um valor determinante para se concluir que a dívida se avoluma e o prejuízo emerge.

Neste acórdão do nosso mais alto tribunal chegou-se a conclusão contrária, cremos que muito acertadamente, pelo que é de acolher o seu entendimento.

“Por duas razões fundamentais.

A primeira, resulta do princípio, ínsito nº 3 do art. 9º do Código Civil, de que “na fixação do sentido e alcance da lei, o interprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

Ora, se se entende que pelo facto de o devedor se atrasar a apresentar-se à insolvência resultavam automaticamente prejuízos para os credores, então não se compreendia por que razão o legislador autonomizou o requisito de prejuízo.

Só se compreende esta autonomização se este prejuízo não resultar automaticamente do atraso, mas sim de factos de onde se possa concluir que o devedor teve uma conduta ilícita, desonesta, pouco transparente e de má fé e que dessa conduta resultaram prejuízos para os credores.

Assim o exige o pressuposto ético que está imanente na medida em causa.

Mas - e esta é a segunda razão – de qualquer forma, o atraso na apresentação à insolvência não pode causar prejuízo aos credores com a invocação de que os juros se avolumam na medida em que continuam a ser contados até àquela apresentação.

Na verdade, o regime estabelecido na primeira parte do nº 2 do artigo 151º no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, que estabelecia a cessação da contagem dos juros “na data da declaração de falência” deixou de existir com o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, passando os juros a ser considerados créditos subordinados, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 48º deste Código (…)

Quer dizer, actualmente e em face do regime estabelecido no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, os créditos continuam a vencer juros após a apresentação à insolvência, pelo que o atraso desta apresentação nunca ocasionaria qualquer prejuízo aos credores.

Dito doutro modo: se no regime anterior, estabelecido no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência se podia pôr a hipótese de quanto mais tarde o devedor se apresentasse à insolvência, mais tarde cessaria a contagem de juros, com o consequente aumento do volume da dívida, no regime actual, que se aplica ao presente processo, tal hipótese não tem cabimento, uma vez que os credores continuam a ter direito ao juros, com a consequente irrelevância do atraso da apresentação à insolvência para o avolumar da divida”.

Procede, pois, a apelação.

3. Sumariando (art. 713º, nº 7, do CPC):

i) Do facto de o devedor se atrasar na apresentação à insolvência não se pode concluir imediatamente que daí advieram prejuízos para os credores, designadamente pela simples contagem de juros, nos termos do art. 238º, nº 1, d), do CIRE.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, assim se revogando a decisão recorrida, prosseguindo os autos para que seja proferido o despacho inicial previsto no art. 239º do CIRE.

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Sem custas.

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Na 1ª instância dê-se cumprimento ao disposto no art. 247º, do CIRE.

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João Moreira do Carmo ( Relator )

Alberto Ruço

Judite Pires