Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
661/12.8TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS COIMBRA
Descritores: DISPENSA DE PENA
DISPENSA DE COIMA
Data do Acordão: 05/15/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 4.º JUÍZO CRIMINAL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 74.º DO CP E ARTIGO 32.º DO RGCO
Sumário: A dispensa de pena prevista no artigo 74.º, n.º 1, do CP, é um instituto do direito penal, inaplicável, por conseguinte, mesmo que adaptado, no âmbito do processo contra-ordenacional.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO: 

Nos presentes autos de Recurso de Contra-Ordenação nº 661/12.8TBCBR, do 4º Juízo Criminal de Coimbra (aos quais tinham sido apensados os processos 479/12.8TBCBR e 496/12.8TBCBR), após realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença na qual se decidiu nos seguintes termos (transcrição):

“Pelo exposto:

1. Mantenho a condenação da recorrente pela prática de oito contra-ordenações, numa admoestação, já aplicada, pelas contra-ordenações previstas no artigo 4º, n.º 1, alínea d) do RJUE, aplicada no âmbito do processo 479/12.8TBCBR.

2. Absolvo a recorrente A... das contra-ordenações por que vinha acusada no processo 479/12.8TBCBR por violação do disposto nos artigos 17º e 19º, n.º 1 do D.L. 309/2002, de 16.12 e do disposto no artigo 15º, n.º 1 e 2 do D.L. 9/2007, de 17 de Janeiro.

3. Declaro prescritas as quatro contra-ordenações pela falta de afixação de mapa de horário de funcionamento pelas quais a recorrente A... – , Lda, foi condenada no âmbito do processo 661/12.8TBCBR.

4. Declaro a nulidade da decisão administrativa recorrida por falta de fundamentação no âmbito do processo 661/12.8TBCBR, tendo-se em consideração que se mantêm a condenação numa admoestação relativamente às contra-ordenações elencadas no ponto 1. de fls. 736 da decisão administrativa e que as contra-ordenações elencadas em I. deste dispositivo estão prescritas.

5. Absolvo a mesma arguida pela prática das três contra-ordenações por violação do disposto no artigo 15º do D.L. 9/2007, de 17.01, actividade ruidosa sem licença especial de ruído.

6. Condeno a arguida A..., Ltª pela prática de quatro contra-ordenações, pp. no artigo 5º, n.º 2 do D.L. n.º 48/96, de 15 de Maio, nas seguintes penas parcelares  2.500,00, € 2.600,00, € 2.700,00 e € 2.800,00.

7. Fazendo o cúmulo das coimas descritas em 5., condeno a recorrente A..., Ltª, na coima única de € 5.000,00 (cinco mil euros).

                                                                       *

Custas pela Recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 3 UC.

(…).”

                                                      *

Inconformada com o decidido nos pontos 6 e 7 (ou seja quanto às coimas parcelares e coima única), a arguida (a fls. 1120 a 1129) interpôs recurso, finalizando a sua motivação com as seguintes (transcritas) conclusões:

CONCLUSÕES

Considerando que:

a) A arguida não aceitou ou confessou os factos que o Tribunal recorrido elevou à categoria de factos provados e que supra se encontram transcritos nos pontos 9) a 15);

b) O auto de notícia apenas faz fé em juízo nos casos especialmente previstos na Lei e também quando o arguido não exerça o seu direito de defesa em sede administrativa (o que não aconteceu no caso vertente);

c) Não tendo a arguida confessado os factos que lhe vinham imputados, tendo apresentado defesa em sede administrativa e não estando em causa uma matéria em que a Lei determine que o auto de notícia faz fé em juízo, mister se tornava que, em sede de audiência de discussão e julgamento, se fizesse prova, quanto mais não seja testemunhal, dos factos vertidos nos autos de contra-ordenação que estiveram na origem do procedimento contra-ordenacional levantado contra a arguida;

d) Nenhuma prova foi feita de que, nos dias 4 de Março, 15 de Abril, 28 de Maio e 3 de Junho de 2011, a arguida mantivesse o estabelecimento aberto e em funcionamento fora do horário autorizado pela Câmara Municipal de Coimbra;

e) Os factos vertidos na sentença sob os nºs. 9) a 15) não poderiam ter sido elevados à categoria de factos dados como provados, impõe-se uma decisão de absolvição da arguida, por inexistência de factos provados que sustentem a condenação

f) Em momento algum foi feita prova do elemento subjetivo do tipo de ilícito, não tendo ficado demonstrado que a arguida tivesse agido com a consciência de que estivesse a cometer um ilícito contra-ordenacional;

g) Provou-se que a arguida requereu a ampliação do horário de funcionamento até às 6.00 e que a Câmara Municipal de Coimbra esteve mais de dois anos sem se pronunciar relativamente a tal requerimento, acabando, quase imediatamente após o levantamento dos autos de contra-ordenação ora em apreço, por aceder nas pretensões da arguida, concedendo-lhe o horário de funcionamento até às 6.00, o que aliado à justeza da pretensão da arguida (conforme se comprovou com a concessão do pretendido horário de funcionamento), sustentam as bases da existência de uma situação de erro sobre a ilicitude, que exclui a culpa da arguida, nos termos do art. 17º do Código Penal, aplicável ao presente caso concreto por força da remissão prevista no art. 32º do Decreto-Lei nº. 433/82 e nos termos do artigo 9º, nº 1, do DL 433/82, de 27 de Outubro;

h) Mais do que a inexistência de culpa da arguida, há que atender à inexistência de factos provados que sustentem o preenchimento do tipo subjetivo de ilícito, o que determinará necessariamente a absolvição da arguida relativamente aos factos em que foi condenada;

l) No que toca à medida da pena, a coima que foi aplicada à arguida por tais factos se revela manifestamente exagerada, estando preenchidos todos os pressupostos legais exigidos ao nível do art. 74º do Código Penal para a Dispensa de Pena, norma legal essa aplicável ao caso sub iudice por força do disposto no art. 32º do DL nº. 433/82, de 27 de Outubro;

j) Ainda que assim não se entendesse, ou seja, que se considerasse a Dispensa de Pena como sendo demasiadamente branda (o que só por mera hipótese se equaciona) e se considerasse como mais adequada a punição da arguida com qualquer tipo de sanção, ainda assim, esta sanção não poderá, nunca, ultrapassar a mera admoestação (prevista no art. 51º do DL nº. 433/82, de 27 de Outubro), seja ela verbal ou escrita;

k) Perante a globalidade dos factos apurados donde se destaca o facto da mesma possuir atualmente horário de funcionamento até às 6.00 horas, donde resulta a insusceptibilidade de poder ser condenada futuramente por factos idênticos, bem como o facto de, à data dos factos, ser primária no que a este tipo de contra-ordenações diz respeito, entende a recorrente que a dispensa de pena seria o que mais se adequaria aos factos em apreço, sendo que, tendo este Venerando Tribunal entendimento diferente, a sanção de admoestação ou mesmo de atenuação especial de pena se revelariam bem mais adequadas do que a sanção pecuniária que foi aplicada à arguida;

NESTES TERMOS, e com o douto suprimento desse Venerando Tribunal, revogando a douta Sentença sob recurso, absolvendo a Recorrente da prática ilícitos contraordenacionais pelos quais foi condenada, bem como absolvendo a Recorrente das custas aplicadas, V. Exas. farão, como sempre, a habitual

JUSTIÇA!”

                                                      *

O Ministério Público junto do tribunal recorrido (a fls. 1146 e 1147), respondeu ao recurso concluindo que ao mesmo deve ser negado provimento.

O recurso foi admitido por despacho de fls. 1148.

Nesta Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto (a fls. 1155 e 1156) manifestando o seu entendimento de que os factos estão fixados e a esta Relação apenas caberá decidir de direito, emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá improceder.

No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal, a recorrente não respondeu.

Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Em processo de contra-ordenação, o regime de recurso interposto, para o Tribunal da Relação, de decisões proferidas em primeira instância, deve observar as regras específicas referidas nos artigos 73º a 75º do DL 433/82, de 27-10, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 244/95, de 14-09 e pela Lei n.º 109/2001, de 24-12 (Regime Jurídico das Contra-Ordenações, que doravante será apenas designado pela sigla RGCO), seguindo, em tudo o mais, a tramitação do recurso em processo penal (art. 74º, n.º 4), em função do princípio da subsidiariedade genericamente enunciado no art. 41.º, n.º 1, do RGCO.

Em recursos interpostos de decisões do tribunal de 1.ª instância, no âmbito de processos de contra-ordenação, o Tribunal da Relação apenas conhece, em regra, da matéria de direito, como estatui o nº 1 do artigo 75º do RGCO, sem prejuízo de poder “alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida” ou “anulá-la e devolver o processo ao tribunal recorrido” (cfr. art. 75.º, n.ºs 1 e 2 do RGCO).

Por outro lado, importa também não esquecer, e constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores, que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo da apreciação das questões importe conhecer oficiosamente, por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo Código.

As questões que vêm colocadas pela recorrente são as seguintes:

1. Saber se os factos vertidos na sentença sob os nºs 9) a 15) não deveriam ter sido dados como provados;

2. Saber se não foi feita prova do elemento subjectivo do tipo de ilícito;

3. Saber se ao caso será possível fazer operar a dispensa da pena a que se reporta o artigo 74º do Código Penal;

4. Saber se a coima aplicada é exagerada e, subsidiariamente à questão 3, se a sanção de admoestação se revelava mais adequada do que a sanção pecuniária.

5. Saber se ao caso é possível fazer operar a atenuação especial da pena.

Vejamos a decisão a decisão recorrida, na parte que tem relevância para as questões a apreciar:

 “Com relevância para a discussão da causa, resultam provados os seguintes factos:

Processo 496/12.8TBCBR

1) A arguida A... dedica-se à actividade de prestação de Serviços de restauração e bebidas, mediante a exploração de bares e cafés.

2) Em 18.07.2008, a Câmara Municipal de Coimbra emitiu alvará de autorização de utilização n.º 21/2008, em nome de B..., explorado pela A..., Ltª, a título de utilização do prédio sito no (...), da freguesia da Sé Nova, descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra, sob o n.º (...), que se destina a: Sede do Clube, Bar para sócios (piso 1), Estabelecimento de bebidas com espaço destinado a dança, Bar público (piso 0) e instalações sanitárias (piso -1).

3) Em 18.07.2008, a arguida requereu a aprovação de horário de funcionamento para o estabelecimento denominado “ B...”, com abertura às 12.00 horas e encerramento às 6.00 horas.

4) Por despacho de 24.09.2008, foi autorizado o funcionamento do referido estabelecimento entre as 12.00 e as 4.00 horas, com encerramento semanal ao Domingo.

5) Na mesma data, a Câmara Municipal de Coimbra emitiu o Mapa de Horário de Funcionamento, com abertura às 12.00 e encerramento às 4.00 horas, com encerramento semanal ao Domingo.

6) A recorrente foi notificada, por ofício datado de 25.09.2008, da autorização de funcionamento para o estabelecimento entre as 12.00 e as 4.00 horas, com encerramento semanal ao Domingo e da concessão do prazo de 15 dias, para proceder ao pedido de emissão de mapa de horário de funcionamento e ao pagamento da taxa devida.

7) Em 22.10.2008, a arguida procedeu ao levantamento do mapa de funcionamento n.º 6477, tendo procedido ao pagamento da taxa de € 10,58.

8) Em 23.10.2008, a recorrente solicitou a alteração do horário de funcionamento do estabelecimento “ B...”, com abertura às 12.00 horas e encerramento às 6.00 horas, com encerramento semanal ao Domingo e a classificação do referido estabelecimento no Quarto Grupo do Regulamento de Horário de Funcionamento dos Estabelecimentos Comerciais e Similares, atenta a existência de instalações para dança.

9) Em 4 de Março de 2011, pelas 5.24 horas, no “ B...”, a recorrente não tinha afixado em local visível do exterior, o mapa de horário de funcionamento do estabelecimento emitido pela Câmara Municipal de Coimbra, com horário de funcionamento autorizado entre as 12.00 e as 4.00 horas.

10) Na mesma data e hora, verificou-se que a arguida mantinha o referido estabelecimento em funcionamento, com clientes no interior que consumiam bebidas, para alem do horário autorizado da Câmara Municipal de Coimbra.

11) Em 15 de Abril de 2011, pelas 5.10 horas, a arguida mantinha em funcionamento o estabelecimento de bebidas “ B...” sem ter afixado em local visível do exterior, o mapa e horário de funcionamento do estabelecimento emitido pela Câmara Municipal de Coimbra, com horário de funcionamento autorizado entre as 12.00 e as 4.00 horas.

12) Na mesma data e hora, verificou-se que a arguida ainda mantinha o referido estabelecimento em funcionamento, com clientes no interior que consumiam bebidas, para alem do horário autorizado da Câmara Municipal de Coimbra.

13) Em 28 de Maio de 2011, pelas 5.05 horas, o mesmo estabelecimento estava aberto ao público, com cerca de 25 pessoas no seu interior, que consumiam bebidas, fora do horário de funcionamento autorizado.

14) No dia 3 de Junho de 2011, pelas 5.25 horas, o mesmo estabelecimento não tinha afixado em local visível do exterior, o mapa de horário de funcionamento do estabelecimento, com o horário de funcionamento autorizado.

15) Na mesma data e hora, a arguida mantinha o referido estabelecimento em funcionamento, para alem do horário autorizado pela Câmara Municipal de Coimbra.

16) O pedido de alteração do horário de funcionamento do estabelecimento “ B...”, entre as 12.00 e as 6.00 horas, com encerramento semanal ao Domingo, foi deferido por despacho de 09.06.2011, exarado pelo vereador, com fundamento na existência de um espaço destinado à dança e a inclusão do estabelecimento no âmbito do Quarto Grupo, como horário máximo de funcionamento entre as 12.00 e as 6.00 horas, tendo sido disso notificada a recorrente, mediante ofício de 21.06.2011.

17) Em 09.06.2011, a Câmara Municipal de Coimbra emitiu o Mapa de Horário Funcionamento, com a abertura às 12.00 horas e encerramento às 6 horas, com encerramento semanal ao Domingo.

18) Em 07.07.2011, a arguida procedeu ao levantamento do Mapa de Horário de Funcionamento, tendo procedido ao pagamento da taxa devida no montante de € 10,82.

19) A arguida tinha conhecimento das obrigações legais inerentes à boa prática dessa exploração de estabelecimentos de restauração e bebidas.

20) Agiu livre e conscientemente, bem sabendo que tinha de ter afixado o mapa de horário e que, não o fazendo, incorria na prática de uma contra-ordenação.

21) A arguida já foi condenada numa admoestação, pela falta de horário.

Processo 479/12.8TBCBR

22) Em 01.09.2006, a C... celebrou com a recorrente um contrato de cessão de exploração do estabelecimento bar /esplanada, situado nos Jardins da C..., com inicio em 01.09.2006 e termo em 31.08.2011.

23) No âmbito deste contrato, a recorrente obrigou-se a colaborar com a C... na realização de quaisquer iniciativas, disponibilizando as suas instalações em condições de pleno funcionamento.

24) A C... reservou o direito de realizar convívios nos jardins da C..., mediante a comunicação prévia à recorrente, com 15 dias de antecedência.

                                                                       *

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa, mormente:

a) No mês de Outubro de 2008, na reunião entre os representantes da arguida e da Câmara Municipal de Coimbra, foi transmitido àquela que a emissão de novo horário de funcionamento para o “ B...” até 6.00 horas seria feito em breve trecho, para a arguida aguardar dois ou três meses, laborando até às 4.00 horas, sendo que depois podia laborar até às 6.00 horas, sem que daí resultasse qualquer problema para a arguida.

b) Foi a partir do momento referido em a) que a recorrente passou, de forma ocasional, a laborar até às 6.00 horas.

c) A arguida estava convencida, perante os factos descritos em a) e por já terem decorrido mais de 90 dias sobre o seu pedido, o que levava a um deferimento tácito, que não estava a violar qualquer norma legal por, esporadicamente, manter a parte de cima do seu estabelecimento aberto a alguns convivas.

d) Foi a recorrente que, no dia 13 de Setembro de 2009, organizou o evento de música gravada que decorria no Jardim da C..., onde se encontravam cerca de 500 pessoas, sem licença especial de ruído.

e) Foi a recorrente que, no dia 11 de Dezembro de 2009, organizou o evento de música gravada que decorria no Jardim da C..., onde se encontravam cerca de 500 pessoas, sem licença especial de ruído.

f) Foi a recorrente que, no dia 13 de Dezembro de 2009, organizou o evento de música que decorria no Jardim da C..., onde se encontravam cerca de 260 pessoas, sem licença especial de ruído.

                                                                       *

Fundamentação de facto

Os factos dados como provados e não provados assentam numa apreciação critica e global de toda a prova produzida no seu conjunto.

Verificamos, então, que os factos descritos nos pontos 1 a 18 e 21 foram admitidos pela recorrente no seu recurso, pelo que não tivemos qualquer dúvida em considera-los provados (sendo certo que os mesmos também resultam dos documentos que instruíram o processo administrativo que deu origem ao processo 496/12.8TBCB).

Veio, no entanto, a recorrente alegar que, ainda, no mês de Outubro de 2009 representantes da recorrente e da Câmara Municipal de Coimbra se reuniram, para discutirem o alargamento do horário de encerramento, tendo sido transmitido à arguida que a emissão de novo horário de funcionamento para o “ B...” até 6.00 horas seria feito em breve trecho, para a arguida aguardar dois ou três meses, laborando até às 4.00 horas, sendo que depois podia laborar até às 6.00 horas, sem que daí resultasse qualquer problema para a mesma. Também alegou a arguida que estava convencida, perante os factos descritos e por já terem decorrido mais de 90 dias sobre o seu pedido, o que levava a um deferimento tácito, que não estava a violar qualquer norma legal por, esporadicamente, manter a parte de cima do seu estabelecimento aberto a alguns convivas.

Porém, nenhum destes factos resultou provado, não tendo a testemunha D..., jurista e chefe de divisão da CMC, com quem a recorrente reuniu, confirmado tais factos. Com efeito, a testemunha confirmou a existências de reuniões mas já não confirmou esta autorização “informal” para abrirem até às 6.00 horas, com o compromisso que não seriam autuados. Aliás, a existência desta autorização “informal” não é minimamente credível, pois quem conceda as licenças e quem fiscalizada são entidades diferentes, não podendo uma solicitar à outra que não cumpra as suas funções. Por estes motivos, os factos constantes das alíneas a) a c) foram consideramos não provados.

Assim, sabendo a recorrente que existem licenças para abrir os estabelecimentos até às 6.00 horas, com a consequente emissão de mapa de horário em conformidade, como havia solicitado, e que não o possuía, demos como provados os factos descritos nos pontos 19 e 20, não podendo esta ignorar que cometia uma contra-ordenação, até por já ter sido condenada por tal facto, como consta do ponto 21.

Os factos descritos nos pontos 22 a 24, resultam do contrato junto aos autos a fls. 206 a 216.

Os factos descritos nos pontos d) a f), foram dados como não provados, fazendo apelo ao princípio “in dubio pro reo”.

Na realidade verificamos que no âmbito do contrato celebrado entre a recorrente e a C..., que se encontra junto aos autos a fls. 206 a 216, a primeira obrigou-se a colaborar com a C... na realização de quaisquer iniciativas, disponibilizando as suas instalações em condições de pleno funcionamento. Deste modo, no bar/esplanada explorado pela recorrente podiam ocorrer festas organizadas pela C..., como aliás foi considerado provado no processo 661/12.8TBCBR, tendo a C... sido condenada por difusão sonora, sem licença especial de ruído, por factos ocorridos nos jardins da C....

A testemunha E..., fiscal municipal da Polícia Municipal de Coimbra, que procedeu às fiscalizações nos dias 13 de Setembro de 2009, 11 de Dezembro de 2009 e 13 de Dezembro de 2009, referiu que se deslocou ao local por causa do excesso barulho e que terá falado com o responsável F... . A testemunha G... , fiscal municipal da polícia municipal, também confirmou os factos ocorridos em 13.09.2009, e a fiscal municipal H..., confirmou a autuação de 11 de Dezembro de 2009.

Não obstante as testemunhas terem levantado os autos contra a recorrente, tivemos sérias dúvidas que o tenham efectuado correctamente. Desde logo, surgiram dúvidas quanto às funções do indicado F... e que este tivesse poderes para prestar declarações em nome da recorrente, pois como foi afirmado pelo director geral da recorrente – a testemunha I... – ele apenas tinha funções de coordenador da segurança e, como tal, não sabia quem estava a organizar os eventos.

Esta mesma testemunha explicou que não realizam eventos nos jardins da C... e quando estes ocorreram são da responsabilidade da C.... As testemunhas J... , estudante, e L... , director financeiro da recorrente, também confirmaram que a C... realizava alguns dos seus eventos nos Jardins da C....

Acresce a tudo que foi dito, que a Câmara Municipal de Coimbra, através do ofício junto aos autos a fls. 1007, afirmou que em nome da C... apenas foi requeria e emitida uma licença de recinto improvisado e especial de ruído para os Jardins da C... quando, na realidade, tal não corresponde à verdade, pois resulta dos documentos juntos em sede de audiência de julgamento (fls. 1035 e seguintes) que a C... pediu diversas licenças para a realização de eventos nos Jardins da C.... Ou seja, a própria Câmara Municipal que condenou a recorrente prestou ao tribunal informações imprecisas.

Em suma, se a única prova existente quanto a estes factos é a dos agentes autuantes, que se limitaram a falar com o responsável pela segurança, constata-se que ela é manifestamente insuficiente para imputar os factos à recorrente, pois demonstrado fica que a C... efectuava eventos nos Jardins da C....

As demais testemunhas ouvidas presenciaram factos que não foram apreciados nos presentes autos, por força das decisões referentes às questões prévias analisadas.

                                                                       *

Fundamentação de Direito

Processo 496/12.8TBCBR

A arguida vem acusada da prática de quatro contra-ordenações pela manutenção do estabelecimento aberto para além do horário permitido (artigos 9º, nº 1, alínea b) e 5º, n.º 2 alínea b) Regulamento de Horário de Funcionamento dos Estabelecimentos Comerciais – Edital nº 199/96).

Dispõe o nº 1 do artigo 7º do Regulamento de Horário de Funcionamento dos Estabelecimentos Comerciais – Edital nº 199/96 –, aplicável por força do disposto no artigo 4º do Decreto-lei nº 48/96 de 15 de Maio que “o mapa de horário de funcionamento referido no artigo 5º do DL nº 48/96 de 15 de Maio, constará obrigatoriamente de impresso próprio a emitir pela CMC, que mencionará o regime próprio de horário”.

Dispõe o artigo 5º, nº 2, alínea b) do D.L. nº 48/96 de 15 de Maio que o funcionamento para além do horário fixado pela Edilidade constitui uma contra-ordenação punida com coima de € 2.493,99 a € 24.939,89, para os casos em que se trate de pessoa colectiva.

No caso sub judice, resulta provado que nos dias 4 de Março de 2011, pelas 5.24 horas, 15 de Abril de 2011, pelas 5.10 horas, 28 de Maio de 2011, pelas 5.05 horas e 3 de Junho de 2011, pelas 5.25 horas, a arguida mantinha em funcionamento o estabelecimento bebidas, denominado “ B...”, quando apenas tinha autorização para abrir até às 4.00 horas.

Com efeito, resulta igualmente provado que a 24.09.2008 a Câmara Municipal autorizou e emitiu o mapa de horário de funcionamento do referido estabelecimento entre as 12.00 horas e as 4.00 horas, com encerramento ao domingo, horário esse que, em 22.10.2008, a arguida levantou.

Se bem que recorrente tenha pedido uma alteração de horário (a 23/10/2008), o mesmo só foi deferido por despacho de 09/06/2011, com horário máximo de funcionamento entre as 12.00 horas e as 6.00 horas.

Deste modo, sendo o horário de funcionamento do estabelecimento em causa em vigor nos dias 4 de Março de 2011, 15 de Abril de 2011, 28 de Maio de 2011, e 3 de Junho de 2011, das 12.00 horas às 4.00 horas, a arguida, sabendo que a hora legalmente permitida de funcionamento desse estabelecimento era até às 4.00 horas, cometeu, indubitavelmente, as contra-ordenações em apreço.

Improcede, portanto, quanto a este ponto o recurso apresentado.

(…)

Da dispensa da coima e da determinação das coimas

Preenchidos que estão todos os elementos da contra-ordenação pelo funcionamento do estabelecimento para além do horário legalmente fixado, há que apreciar agora as coimas aplicadas pela entidade administrativa, em virtude de a arguida colocar em causa as mesmas e respectivos montantes.

De facto, a arguida, ora recorrente, entende que as mesmas se revelam manifestamente exageradas e despropositadas, encontrando-se, além do mais, previstos os pressupostos legais exigidos para a dispensa da pena. Alega, ainda, que, caso assim não se entenda, deve ser aplicada à recorrente um admoestação, por se revelar mais adequada.

Quanto à questão da dispensa de pena cumpre desde logo referir que o Tribunal entende que este instituto jurídico não é aplicável no âmbito das contra-ordenações. Efectivamente, neste ponto seguimos o entendimento propugnado pela jurisprudência , no sentido de que, estabelecendo-se nos artigos 17º a 20º do RGCO o regime sancionatório das contra-ordenações, esse inculca a ideia de esgotamento dos tipos de sanções com que pretende punir aquelas. Nesse sentido, refere-se no Acórdão do TRP 30/03/2011 (proc. nº 469/09.8TBBAO.P1) que “é de todo desajustado pretender aplicar o preceito do nº 1 do artigo 74º do Código Penal, que prevê a dispensa da pena (...). Anote-se, em reforço de tal, que, se o legislador pretendesse incluir aquele tipo de sanção no DL nº 433/82, tê-lo-ia disposto expressamente. Como fez no RGIT, em cujo artigo 22º previu a dispensa da pena mediante a verificação de pressupostos idênticos aos constantes do nº 1 do artigo 74º do Código Penal, não obstante na alínea a) do seu artigo 3º também erigir em direito subsidiário”.

Assim sendo, no âmbito contra-ordenacional rejeita-se a aplicação do instituto da dispensa de pena, sendo, portanto, de rejeitar esta pretensão da Recorrente.

Vejamos, então, as coimas aplicadas em concreto pela autoridade administrativa.

Dispõe o nº 1 do artigo 72º-A do RGCO que “impugnada a decisão da autoridade administrativa ou interposto recurso da decisão judicial somente pelo arguido, ou no seu exclusivo interesse, não pode a sanção aplicada ser modificada em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes”. Trata-se do princípio basilar do Direito Penal e do Direito Contra-Ordenacional da proibição de reformatio in pejus, sendo, neste caso, a coima aplicada o limite absoluto ao poder sancionatório do Tribunal.

Por sua vez, quanto aos factores/elementos a atender na determinação da medida concreta da coima, estatui o nº 1 do artigo 18º que essa determinação “faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação”.

No que diz respeito à gravidade das contra-ordenações em apreço, entende o Tribunal que revestem de mediana gravidade.

Efectivamente, as exigências quanto ao mapa de horário de funcionamento do estabelecimento prendem-se, essencialmente, com a correcção de distorções de concorrência, a uniformidade de horários, a preservação dos hábitos de consumo adquiridos e a satisfação das necessidades de abastecimento dos consumidores (preâmbulo do DL nº 48/96 de 15 de Maio). Ora, a tutela destes interesses inculca, necessariamente, uma gravidade e censurabilidade médias às contra-ordenações em apreço.

Ademais, relativamente à culpa, entende-se que a arguida actuou como dolo, na modalidade de dolo necessário, tendo representado a realização desta infracção como consequência necessária do prolongamento do funcionamento do estabelecimento para além das 4.00 horas, limite máximo autorizado naquela data para aquele estabelecimento.

No que toca à situação económica da arguida nada se apurou quanto à mesma.

Finalmente, relativamente ao benefício económico que a arguida retirou dos factos praticados nada se apurou mas corresponde ao negócio que realizou no período em que já devia ter encerrado.

Ponderados todos estes factores e tendo ainda em consideração que se trata de um estabelecimento comercial que já detinha o horário de funcionamento desde 22/10/2008, considera-se que a mera admoestação resultaria inadequada e insuficiente.          

Pelo exposto, atenta a moldura prevista para pessoas colectivas (€2.493,99 a € 24.939,89), mostra-se adequada e proporcional as seguintes coimas € 2.500,00, € 2.600,00, € 2.700,00 e € 2.800,00, já que a reiteração da condução impõe que as coimas vão aumento.

Estatui o artigo 19º do RGCO que:

 “1. Quem tiver praticado várias contra-ordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infracções em concurso;

2. A coima aplicável não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contra-ordenações em concurso;

3. A coima a aplicar não pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contra-ordenações”.

Deste modo, a moldura do concurso fixa-se, assim, entre € 2.800,00 e € 10.600,00.

Considera-se, por conseguinte, adequado e proporcional aplicar à arguida € 5.000,00, atenta a gravidade das contra-ordenações e o facto da recorrente apenas ter uma condenação anterior pela prática destas contra-ordenações.”

                                                      *

Passemos então a apreciar as questões suscitadas pela recorrente.

1. Em primeiro lugar invoca a recorrente que os factos vertidos na sentença sob os nºs 9) a 15) não deveriam ter sido dados como provados.

A recorrente coloca em causa determinada matéria de facto.

Nos termos do artigo 75.º, n.º1, do DL n.º 433/82, de 27/10, nos processos de contra-ordenação, a segunda instância apenas conhece, regra geral, da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões. Isto é, este Tribunal funcionará, no caso, como tribunal de revista. Todavia, de harmonia com o disposto no artigo 410º, n.º 1, do CPP, ex vi do artigo 74.º, n.º 4, do mesmo RGCO, “sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida”, razão pela qual poderá este Tribunal conhecer oficiosamente os vícios enumerados nas alíneas do n.º 2 do referido artigo 410º, mas tão só quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum.

De facto, tem-se entendido que neste tipo de processo é admissível a revista alargada (da matéria de facto) decorrente da aplicação do regime do artigo 410.º do CPP. Estabelece o artigo 410.º, n.º 2, do CPP, que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova. Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente. A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito. A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada. Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do nº 2 artigo 410º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes). Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341). Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74). Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.

Ora, lendo e relendo a decisão recorrida, em lado algum da mesma se descortina a existência de um qualquer dos atrás enunciados vícios, sendo ainda certo que também nenhum deles tinha sido, sequer, invocado pela recorrente.

A recorrente põe em causa em causa a matéria de facto através de elementos exteriores ao próprio teor da decisão recorrida, ou seja, está a posicionar-se ao nível já de um erro de julgamento, cuja análise teria que partir de uma apreciação concreta dos elementos da prova, o que está vedado por lei, como já sabemos. Enfatize-se que, a propósito dos poderes de cognição deste Tribunal da Relação, o recurso interposto pelo recorrente está limitado, por imperativo legal, a matéria de direito.

Daí que esteja legalmente vedado a este Tribunal de 2.º instância a sindicância da matéria de facto que o tribunal a quo deu como provada e não provada.

Consequentemente, a matéria de facto fixada tem que considerar-se inalterável, do que, inevitavelmente decorre inalteração dos factos 15) a 19) que haviam sido colocados em crise pela recorrente.

Improcede pois esta primeira pretensão da recorrente.

                                                      *

2. Em segundo lugar, invoca a recorrente que não foi feita prova do elemento subjectivo do tipo de ilícito, não tendo ficado demonstrado que a arguida tivesse agido com a consciência de que estivesse a cometer um ilícito contra-ordenacional.

Quanto a esta questão importa considerar que no ilícito de mera ordenação social a culpa (elemento moral da contra-ordenação e critério da individualização judicial da coima) não radica na formulação de uma censura de tipo ético-pessoal, mas tão-só na imputação do facto à responsabilidade social do agente. Como refere o Prof. Figueiredo Dias  “… não se trata de uma culpa, como a jurídico-penal, baseada numa censura ética, dirigida à pessoa do agente e à sua atitude interna, mas apenas de uma imputação do facto à responsabilidade social do seu autor; dito de outra forma, da adscrição social de uma responsabilidade que se reconhece exercer ainda uma função positiva e adjuvante das finalidades admonitórias da coima.” (in O Movimento da Descriminalização, em Jornadas de Direito Criminal, pag 331).

Pertencendo ao foro interno do agente, o dolo (tal como a negligência) é insusceptível de directa apreensão, apenas sendo possível captar a sua existência através de factos materiais que lhe dêem expressão plástica, segundo as regras da experiência comum.

Não constituindo pura questão de facto nem mera questão de direito, é certo, antes comungando de natureza mista, conforme doutrina e jurisprudência dominantes, a culpa (dolo e negligência) assenta, fundamentalmente, em matéria de facto.

No presente caso, deu o tribunal a quo como provado que “A arguida tinha conhecimento das obrigações legais inerentes à boa prática dessa exploração de estabelecimentos de restauração e bebidas. Agiu livre e conscientemente, bem sabendo que tinha de ter afixado o mapa de horário e que, não o fazendo, incorria na prática de uma contra-ordenação”, o que constitui matéria de facto consubstanciadora do dolo e da consciência da ilicitude da conduta.

Nessa medida, e mais uma vez voltando a relembrar que não havendo norma do RGCO que admita o recurso da matéria de facto (com excepção dos casos de processamento de contra-ordenações conjuntamente com crimes – cfr. artigo 78º do RGCO), prevalece o nº 1 do artigo 75º do citado diploma que, como atrás dissemos, restringe o recurso no domínio das contraordenações a matéria de direito.

Daí que esteja legalmente vedado a este Tribunal ad quem a sindicância da matéria de facto que, também quanto ao elemento subjectivo do ilícito, o tribunal a quo deu como provado.

Naufraga, pois, também esta pretensão da recorrente.

                                                      *

3. Invoca ainda a recorrente dever ser aplicável a dispensa da pena porque, no seu entender, se mostram verificados os pressupostos exigidos pelo artigo 74º do Código Penal, norma esta aplicável ex vi do artigo 32º do RGCO.

Desde já diremos inexistir fundamento legal para a pretendida dispensa de pena, instituto este previsto no artigo 74º do Código Penal.

Convém não esquecer que no âmbito contra-ordenacional não se fala em pena, mas sim em coima e em sanções acessórias (cfr. arts 1º e 21º do RGCO). E quando o artigo 32º do RGCO, estabelece que «em tudo o que não for contrário à presente lei aplicar-se-ão subsidiariamente, no que respeita à fixação do regime substantivo das contra-ordenações, as normas do Código Penal», tal não significa que se apliquem às contra-ordenações todas as disposições deste, mas tão só aquelas que possam colmatar casos omissos.

Sobre esta questão, com qual concordamos e com a devida vénia passaremos a transcrever parte, já se pronunciou o acórdão da Relação do Porto de 18/09/2002 (publicado na CJ, Ano XXVII, Tomo IV, pags 203 a 205) que a dado passo refere “ A dispensa de pena prevista no artigo. 74º do CP , através da exigência de que o crime seja punível com pena de prisão não superior a 6 meses ou só com pena de multa não superior a 120 dias, é um instituto do direito penal que só vale para as penas principais (pena de prisão ou pena de multa), contendo em si mesmo “algo de uma pena de substituição”:

No RGCO o legislador não previu a dispensa de coima.

Trata-se de uma opção legislativa, e não de uma omissão a carecer de integração.

Por isso, não tem qualquer sentido convocar o artigo 32º do RGCO com vista à aplicação subsidiária do Código Penal.

Tanto mais que á aplicação subsidiária do artigo 74º do Código Penal se levantam obstáculos intransponíveis – a impossibilidade de verificação dos seus pressupostos formais no âmbito do direito de ordenação social”.

Também no sentido da inaplicabilidade da dispensa de pena previsto no artigo 74º no âmbito do RGCO posteriormente se pronunciaram os acórdãos da Relação do Porto de 22/09/2010 (Proc nº 2789/09.2TBVCD.P1) e de 30/03/2011 (proc. nº 469/09.8TBBAO.P1), ambos acessíveis através do site www.dgsi.pt, sendo que este último (também citado na decisão recorrida) a dado passo é bem explícito quando refere: “… é de todo desajustado pretender aplicar o preceito do nº 1 do artigo 74º do Código Penal, que prevê a dispensa da pena. (…)

Anote-se, em reforço de tal, que, se o legislador pretendesse incluir aquele tipo de sanção no DL nº 433/82, tê-lo-ia disposto expressamente. Como fez no RGIT, em cujo artigo 22º previu a dispensa da pena mediante a verificação de pressupostos idênticos aos constantes do nº 1 do artigo 74º do Código Penal, não obstante na alínea a) do seu artigo 3º também erigir em direito subsidiário “quanto aos crimes e seu processamento, as disposições do Código Penal”.

Concordando com os argumentos expostos nos acórdãos supra citados, e nada mais de relevante nos merecendo ser acrescentado, entendemos também inexistir fundamento legal para a pretendida aplicação do instituto da dispensa de pena no âmbito do presente processo de mera ordenação social.

Por tal razão, improcede também esta pretensão da recorrente.

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4. Insurgindo-se contra exagero da coima aplicada, invoca também a recorrente que a sanção de admoestação se revelava bem mais adequada do que a sanção pecuniária.

Na perspectiva da recorrente ou quem se coloque no seu lugar, acreditamos que sim. Economicamente a aplicação de uma coima (como sanção pecuniária que se trata) terá directas implicações negativas ao nível do património do sujeito alvo de uma condenação. Essa afectação patrimonial, pelo menos de modo directo, inexiste com a aplicação de uma admoestação.

Esta, a admoestação, apenas se traduz numa solene censura (expressa oralmente ou por escrito) sobre o infractor que, na sequência de uma acção ou de uma omissão de acção, atinge, total ou parcialmente, um bem jurídico protegido.

No âmbito do RGCO a sanção da admoestação está prevista no seu artigo 51º, o qual estabelece que quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.

Daqui resulta serem requisitos cumulativos da aplicação da sanção de admoestação a reduzida gravidade da contra-ordenação e a reduzida gravidade da culpa do agente.

Todavia, quanto a esta questão, consideramos relevante transcrever parte do acórdão desta Relação de Coimbra de 24/3/2004 (rel. Oliveira Mendes, disponível em www.dgsi.pt/jtrc) no qual é dito: “Passando ao conhecimento da segunda questão, seja a da medida da coima, começar-se-á por assinalar que as condutas ou comportamentos contra-ordenacionais, em si mesmos, isto é, independentemente da sua proibição legal, são axiologicamente neutros e, daí que, a coima represente um mal que de nenhum modo se liga à personalidade do agente, antes servindo como mera «admonição», como especial advertência ou reprimenda conducente à observância de certas proibições ou imposições legais, pelo que não é conatural a uma tal sanção uma dimensão de retribuição ou expiação de uma culpa ética, como a não será a da ressocialização do agente (Cfr. Figueiredo Dias, «O movimento de descriminalização e o ilícito de mera ordenação social», estudo publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, Jornadas de Direito Criminal: O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar, I (1983), 317/336 e republicado em Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários (Coimbra Editora – 1998), 19/33).

Em todo o caso, como sanção que é, ela só é explicável enquanto resposta a um facto censurável, violador da ordem jurídica, cuja imputação se dirige à responsabilidade social do seu autor por não haver respeitado o dever que decorre das imposições legais, justificando-se a partir da necessidade de protecção dos bens jurídicos e de conservação e reforço da norma jurídica violada (Cfr. o recente trabalho do relator e do Exm.º Desembargador Santos Cabral, Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (2003), 58.), pelo que a determinação da medida da coima deve ser feita, fundamentalmente, em função de considerações de natureza preventiva geral (- Como refere Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 5º Tema – Do Direito Penal Administrativo ao Direito de Mera Ordenação Social (2001), 150/151, relativamente à culpa, tal como na pena criminal, também na coima o pensamento da retribuição não joga qualquer papel, pelo que as finalidades da coima são (apenas) preventivas, às quais são em larga medida estranhas sentidos positivos de prevenção especial ou de (re)socialização), sendo que a culpa constituirá o limite inultrapassável da sua medida.

Tal como decorre do texto legal – art.18º, n.º 1, do RGCC –, na determinação da medida da coima, haverá também que considerar a gravidade da contra-ordenação

Assim, de acordo com o preceituado no artigo 18.º do RGCO, a determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e dos benefícios obtidos com a prática do facto, sendo ainda tomadas em conta a conduta anterior e posterior do agente e as exigências de prevenção.

No caso dos autos, o tribunal recorrido teve em atenção todos os elementos disponíveis no processo que interessavam em sede de graduação da coima, sendo avaliada cada uma das condutas da arguida em função dos parâmetros legais, que foram respeitados, nada havendo a acrescentar relativamente aos argumentos aduzidos na fundamentação utilizada para a determinação da medida concreta de cada coima, que justifique a respectiva alteração, sendo ainda certo que cada um delas foi fixada muito próxima do mínimo respectivo mínimo legal (repare-se que de acordo com o normativo sancionador de cada uma das apuradas condutas da arguida – artigo 5º nº 2 b) do Decreto-Lei nº 48/96, de 15 de Maio - a moldura abstracta de cada uma das infracções se situa entre €2.493,99 e €24.939,89).

Assim, observados que foram os critérios legais no que respeita aos factores relevantes para a determinação da coima correspondente a cada contra-ordenação, não se estando perante uma desproporção da quantificação efectuada, nem face a violação das regras da experiência comum, dir-se-á que as coimas aplicadas apenas poderão pecar pela sua benevolência posto que, como acabamos de referir e não obstante uma reiteração de comportamentos, ainda por cima de carácter doloso, foram fixadas praticamente no limite mínimo da respectiva moldura.

Por outro lado, no cúmulo jurídico das coimas parcelares aplicadas, pelo tribunal recorrido foram observados os critérios previstos no artigo 19º do RGCO, sendo que a coima única fixada mostra-se criteriosa, equilibrada, adequada e proporcional à gravidade do ilícito global.

Sendo assim, afastada está a aplicação, no caso, da medida de admoestação, a qual, de acordo com o disposto no artigo 51.º do RGCO, decorre da constatação da reduzida gravidade da infracção (ilicitude) e da diminuição da culpa do agente, o que não pode, de todo, numa perspectiva objectiva, considerar que se verifica em relação a cada uma das infracções, face à matéria de facto provada, tanto mais que a recorrente agiu com dolo, na modalidade de necessário, não se mostrando um qualquer circunstancialismo mitigador da culpa com que agiu. Por outro lado, importa ter presente que a arguida já tinha sido alvo de uma condenação em admoestação pela falta de horário (cfr. facto 21).

Em suma, os factos provados, para além de não determinarem uma diminuição dos montantes de cada uma das coimas parcelares nem da coima única, também não sustentam um juízo de diminuição da gravidade das contra-ordenações nem de diminuição de culpa fundamentadores da medida de admoestação.

Por tal razão, improcede a pretensão da recorrente quer quanto à pretendida aplicação da medida de admoestação quer quanto à diminuição de cada uma das coimas parcelares e/ou da coima única.

5. Quanto à invocada possibilidade de fazer operar a atenuação especial da pena.

Na sua peça recursória, mencionado que entretanto, e na sequência do requerimento que havia apresentado em 18/07/2008, a entidade administrativa lhe veio a conceder a ampliação do horário de funcionamento para as 6 horas, invoca a recorrente que deveria beneficiar da atenuação especial da pena por forma a que a sanção fosse mais adequada.

Pelo que atrás dissemos relativamente à justeza das coimas parcelares e coima única aplicadas pelo tribunal recorrido, mostra-se prejudicada a apreciação desta questão.

Todavia, e para não sermos acusados de omissão de pronúncia, importa referir que o RGCO expressamente prevê a atenuação especial da punição nas situações de erro censurável sobre a ilicitude (artigo 9°, n°2), de tentativa (artigo 13º n° 2) e de cumplicidade (artigo 16º nº 3).

E quando há lugar à atenuação especial da punição por contra-ordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade (cfr. artigo 18º nº 3 do RGCO).

Para quem entenda poder ser aplicável às contra-ordenações a atenuação especial decorrente da aplicação do artigo 72º do Código Penal (aplicável por força do artigo 32 do RGCO), aquele preceito do Código Penal, e de acordo com a exigência contida no seu nº 1, tem sempre como pressuposto essencial para essa mesma atenuação especial que existam circunstâncias de diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.

Conforme refere Figueiredo Dias (in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1993, pág. 305), princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências da prevenção, o que traduz consagração de circunstâncias excepcionais, que funcionam como “válvula de segurança” perante a multiplicidade e a diversidade de situações que a vida real revela e a que o legislador, apesar da preocupação de abarcá-las quanto possível, não consegue dar resposta suficientemente justa mediante a previsão abstracta das medidas das penas.

Visa, então, casos que revestem uma fisionomia particularmente pouco acentuada em termos de gravidade da infracção, seja por via da culpa/ilicitude, seja por via da necessidade da pena e, como se lê no acórdão do STJ de 29.04.1998, respectivo sumário, in CJ Acs. STJ, ano VI, tomo II, a pág. 191, A atenuação especial da pena deverá ter lugar quando, na imagem global do facto e de todas as circunstâncias envolventes, a culpa do arguido e a necessidade da pena se apresentam especialmente diminuídos. Ou, por outras palavras, quando o caso não é o “caso normal” suposto pelo legislador, quando estatuiu os limites da moldura correspondente ao tipo de facto descrito na lei e antes, reclama, manifestamente, uma pena inferior, o que se impõe em nome dos valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade.

Por isso, o carácter eminentemente excepcional da atenuação especial não pode nunca ser esquecido.

Ora, voltando ao caso dos autos, não é pelo facto da entidade administrativa ter demorado na concessão do alargamento para o horário pretendido pela arguida que justifica ou atenua de forma acentuada o carácter ilícito da sua conduta em ter aberto ao público estabelecimento além do horário até então pré-estabelecido. Ao invés de manter aberto o estabelecimento para além do horário autorizado em total afronta à autorização que detinha à data dos factos (autorização essa até às 4 horas), deveria a recorrente, sim, ter insistido junto da entidade administrativa para que, com a maior celeridade possível, tomasse posição e decidisse acerca do pedido de alargamento de horário que havia apresentado.

Por outro lado, e como ficou apurado, a conduta da arguida/recorrente revelou-se na sua forma dolosa e com reiteração de comportamentos ilícitos – situação esta que, para além de colidir frontalmente com a legalmente exigida diminuição da culpa, até vai no sentido de uma maior premência na aplicação da coima dentro da normal moldura aplicável à contra-ordenação cometida. Ou seja, apesar de posteriormente a recorrente ter visto satisfeita a sua pretensão de alargamento do horário (e na sequência do que já havíamos dito quando afastamos a possibilidade da diminuição das coimas ou a aplicação da medida de admoestação), não vislumbramos minimamente que essa situação seja merecedora da atenuação especial da punição.

Daí que, quanto a esta questão, também falece a pretensão da recorrente.

Assim, e em síntese conclusiva, improcedem todas as questões suscitadas pela recorrente, pelo que a decisão recorrida é de confirmar.

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III – DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC’s.

                                                      *
 (Luís Coimbra - Relator)
 (Cacilda Sena)