Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
21/15.9GJCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: CONDUTAS REPETIDAS DE CONDUÇÃO COM ÁLCOOL
PENA DE PRISÃO
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
Data do Acordão: 12/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 40.º E 45.º DO CP
Sumário: I - O critério geral de substituição da pena é o de que o tribunal deve preferir à pena de prisão uma pena de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, portanto, desde que a pena de substituição dê adequada e suficiente realização às finalidades de prevenção, geral – a protecção de bens jurídicos – e especial – a reintegração do agente na sociedade (cfr. art. 40.º, n.º 1, do CP).

II - Quando o arguido revela uma personalidade avessa ao direito, com manifesta propensão para a prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

III - O arguido havia já sofrido seis condenações pela prática do mesmo crime, a primeira por factos de Setembro de 2002 e, no corrente ano de 2015 é já a terceira vez que o arguido é condenado pela prática do crime em referência.

III - Dúvidas não subsistem, portanto, de que as finalidades da punição só obterão adequada e suficiente realização com a aplicação de prisão. Com efeito, impõe-se sujeitar o arguido ao seu primeiro embate com o meio prisional, como forma de lhe fazer sentir a natureza punitiva da pena criminal.

V - Este primeiro contacto do arguido com a instituição prisional e a consequente privação da liberdade, que a prisão por dias livres necessariamente implica [sem esquecer o longo período em que irá decorrer o seu cumprimento], cria a expectativa de um acentuado efeito preventivo especial, com positiva repercussão no seu comportamento futuro, sendo pois de admitir que a pena de substituição decretada ainda logrará assegurar as exigências de prevenção de forma adequada e suficiente.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra


I. RELATÓRIO

No Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco – Castelo Branco – Instância Local – Secção Criminal – J2, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo especial sumário, do arguido A... , com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, a), do C. Penal.

Por sentença de 2 Julho de 2015, foi o arguido condenado, pela prática do imputado crime, na pena de onze meses de prisão, substituída por prisão por dias livres, a cumprir em sessenta e seis períodos sucessivos, correspondentes aos fins-de-semana, cada um com a duração de 36 horas, entre as 8h de sábado e as 20h de Domingo, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de dezoito meses.


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            Inconformada com a decisão, recorreu a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            1 – Com a fundamentação vertida, a opção deveria ter recaído sobre a prisão efectiva e não a aplicação de uma pena de prisão por dias livres, nos moldes em que veio, a final, a suceder.

2 – Não se pode entender que a prisão por dias livres realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, isto porque o arguido já cometeu por sete vezes (incluindo a destes autos), o crime de condução em estado de embriaguez. Sendo que, antes da condenação destes autos tinha sido condenado há menos de quatros meses tendo sido punido com pena de prisão suspensa na sua execução.

3 – Sendo assim é manifesto que não existe nenhuma circunstância que possa levar a que entendamos que a pena de substituição, aqui aplicada, realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

3 – Na verdade, resulta que o Mmo. Juiz a quo não atendeu, na sua determinação, às elevadas necessidades de prevenção geral e especial que se fazem e fizeram sentir aquando do cometimento deste tipo de crime; aos antecedentes criminais do arguido bem como à sua conduta anterior e posterior, que demonstram uma personalidade contrária aos valores sociais vigentes; ao circunstancialismo que rodeou a prática dos factos, bem como à taxa de alcoolemia no sangue: 2,05 gramas por litro no sangue.

                4 – A sentença não deveria ter aplicado o regime de prisão por dias livres, mas já uma prisão efectiva ao arguido, isto porque as circunstâncias do crime, a sua conduta anterior e posterior e as suas condições de vida assim o impunham, assim violando o disposto no artigo 40º, 45º, nº 1, 70º e 71º, nº 1 todos do Código Penal.

                Contudo, V. Exªs farão Justiça.


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            O arguido respondeu ao recurso alegando, singelamente, que a fundamentação da sentença é suficiente para o indeferimento da pretensão do Ministério Público, devendo, por isso, improceder o recurso.

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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando a motivação do recurso, afirmando a inexistência de razões válidas para a decidida substituição da pena de prisão, e concluiu pelo provimento do recurso.

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            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal, tendo respondido o arguido, pugnando pela improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pela Digna Magistrada recorrente, a questão a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, é a de saber se deve ou não ser substituída a pena de prisão, pela pena de prisão por dias livres.


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            Para a resolução desta questão importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:

           

A) Nela foram considerados provados os seguintes factos:

“ (…).

1) No dia 1 de Julho de 2015, pelas 02h39m, o arguido conduzia o veículo ligeiro de mercadorias, de matrícula TX (...) , junto ao Posto Territorial da GNR de São Vicente da Beira, área desta comarca de Castelo Branco, quando foi interceptado por elementos militares da GNR em acção de fiscalização de trânsito.

2) Ao ser-lhe efectuado o teste de pesquisa de álcool no sangue através do alcoolímetro “DragerAlcotest”, modelo 7110MK IIIP, com nº de serie ARAN-0087, devidamente aprovado e verificado pelas autoridades competentes, o arguido apresentou uma taxa de álcool de 2,32 gramas por litro no sangue, que após a dedução do erro máximo admissível se fixou numa taxa de 2,16 gramas por litro no sangue.

3) Realizada a contraprova, através do alcoolímetro DragerAlcotest, modelo 7110MK IIIP, nº de serie ARAN-0080, devidamente aprovado e verificado pelas autoridades competentes, o arguido apresentou uma taxa de álcool de 2,16 gramas por litro no sangue, que após a dedução do erro máximo admissível se fixou numa taxa de 2,05 gramas por litro no sangue.

4) O arguido tinha plena consciência de que havia ingerido bebidas alcoólicas e que tal ingestão lhe poderia determinar, como determinou, a referida taxa de álcool no sangue, não se abstendo, ainda assim, de conduzir o referido veículo na via pública.

5) Agiu, o arguido, livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.

[Mais se provou que:]

6) O arguido confessou integralmente e sem reservas a prática dos factos.

7) Está desempregado, embora aufira mensalmente o montante de cerca de 300,00 € de biscates que vai fazendo.

8) Reside com os seus pais, idosos e doentes, a quem ajuda, contribuindo para as despesas comuns do agregado familiar com o montante mensal de 150,00 €.

9) Tem, como habilitações literárias, o 9º ano de escolaridade, obtido através da frequência de curso de formação profissional que lhe deu essa equivalência.

10) Por sentença proferida em 3/4/2003, no âmbito do P. Abreviado nº 185/02.1GTCTB, do então 1º Juízo deste Tribunal Judicial, transitada em julgado, o arguido foi condenado pela prática, em 1/9/2002, de 1 crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 5,00 € e, bem assim, na pena a acessória de proibição de condução de veículos com motor, pelo período de 3 meses.

Por despacho datado de 18/3/200, foram tais penas declaradas extintas.

11) Por sentença proferida em 30/3/2006, no âmbito do P. C. Singular nº 307/04.8GTCTB, do então 1º Juízo deste Tribunal Judicial, transitada em julgado, o arguido foi condenado pela prática, em 6/8/2004, de 1 crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de 5,00 € e, bem assim, na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, pelo período de 6 meses.

Por despacho datado de 7/11/2006, foram tais penas declaradas extintas.

12) Por sentença proferida em 30/6/2008, no âmbito do P. Sumário nº 207/08.2GCCTB, do então 2º Juízo deste Tribunal Judicial, transitada em julgado, o arguido foi condenado pela prática, em 22/6/2008, de 1 crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 5,00 € e, bem assim, na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, pelo período de 9 meses.

Por despacho datado de 25/9/2009, foram tais penas declaradas extintas.

13) Por sentença proferida em 15/7/2011, no âmbito do P. Abreviado nº 21/11.8PTCTB, do então 1º Juízo deste Tribunal Judicial, transitada em julgado, o arguido foi condenado pela prática, em 30/1/2011, de 1 crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e, bem assim, na pena a acessória de proibição de condução de veículos com motor, pelo período de 9 meses.

Por despacho datado de 30/11/2012, foram tais penas declaradas extintas.

14) Por sentença proferida em 11/2/2015, no âmbito do P. Sumário nº 29/15.4GHCTB, desta Instância Local, Secção Criminal, J1, transitada em julgado, o arguido foi condenado pela prática, em 11/2/2015, de 1 crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e subordinada à condição de o arguido frequentar o programa “Taxa Zero” e sujeitar-se a tratamento médico à dependência de bebidas alcoólicas e, bem assim, na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, pelo período de 12 meses.

15) Por sentença proferida em 20/4/2015, no âmbito do P. Sumário nº 50/15.2GHCTB, desta Instância Local, Secção Criminal, J1, transitada em julgado, o arguido foi condenado pela prática, em 20/3/2015, de 1 crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 12 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e subordinada à condição de o arguido frequentar o programa “Stop” da DGRSP e sujeitar-se a tratamento médico à dependência de bebidas alcoólicas, com a supervisão daquela entidade e, bem assim, na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, pelo período de 14 meses.

(…)”.

B) Não existem factos não provados e dela consta a seguinte fundamentação quanto à escolha e medida das penas:

“ (…).

O crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto no artº 292º nº 1 do C. Penal, é punido com prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

Dispõe o artº 40º do C. Penal que a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente (nº 1) e que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº 2).

A culpa, que é sempre a salvaguarda da dignidade humana do agente, não sendo o fundamento último da pena, define, em concreto, o seu limite máximo, absolutamente intransponível, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir.

Sem prejuízo da prevenção especial positiva e sempre com o limite imposto pelo princípio da culpa (nulla poena sine culpa), a função primordial da pena consiste na protecção de bens jurídicos e, também, na prevenção dos comportamentos danosos desses bens jurídicos.

Por imperativo decorrente do disposto no artº 70º do C. Penal, se a um crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade deve o Tribunal privilegiar esta última, sempre que assim se realizem as finalidades da punição.

No caso que nos ocupa, há a considerar o facto de o arguido ter averbado no seu Certificado de Registo Criminal um número relevante de condenações, todas elas por crime de igual natureza, o que demonstra que o mesmo tem vindo a ter dificuldades em interiorizar o desvalor e a censura de condutas penalmente relevantes e em afastar-se da prática periódica de ilícitos criminais desta natureza.

Nessa medida, o Tribunal conclui que a pena de multa não será já suficiente para realizar de forma cabal as finalidades da punição que o presente caso reclama e que só serão alcançadas através da aplicação ao arguido de uma pena privativa da liberdade.

Na fixação da medida concreta da pena é tida em conta a medida da culpa do arguido bem como todas as circunstâncias que, não fazendo parte integrante do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, as necessidades de prevenção e o grau de culpa, tudo de acordo com o princípio regulador do artº 40º nºs 1 e 2 e com os critérios consignados no artº 71º nº 1, ambos do C. Penal.

No caso em apreço, há que ponderar as seguintes circunstâncias:

- Grau de ilicitude do facto: Médio, tendo em conta a natureza do crime e, bem assim, o local e as circunstâncias em que o arguido o praticou;

- Intensidade do dolo: O arguido agiu com dolo eventual, com uma intensidade que se afigura ao Tribunal como alta, pois que, o mesmo tinha sido condenado em Abril de 2015, por crime de igual natureza, o que certamente não ignorava;

- Conduta anterior aos factos: Depõe contra o arguido, o facto de o mesmo ostentar no seu CRC vários antecedentes criminais, sendo que as condenações que dele constam são só por crimes da mesma natureza do que gerou os presentes autos;

- Conduta posterior aos factos: Concorre a favor do arguido a postura que assumiu na audiência de julgamento, mostrando arrependimento e, bem assim, a confissão espontânea, integral e sem reservas dos factos, muito embora a mesma não aponte já para que o Tribunal possa fazer um juízo de prognose favorável no sentido da sua reintegração.

Tendo de ser ponderadas, as necessidades de prevenção geral, elas são seguramente elevadas, atenta a natureza do crime em apreço, a elevada criminalidade registada anualmente a este nível, sendo ainda de salientar que condutas como a do arguido culminam, com frequência, em acidentes de viação rodoviários, dos quais resultam mortos e feridos graves.

Há ainda que ponderar as necessidades de prevenção especial, que se revelam acima da média, face aos antecedentes criminais do arguido.

Tendo o Tribunal optado, pelas razões supra aduzidas, pela aplicação ao arguido de uma pena de prisão, importa, face aos seus antecedentes criminais, referir que a medida concreta de tal pena se há-de situar muito próxima do máximo da moldura penal abstracta fixada para o crime por que o arguido vem acusado, pois somente assim se verão realizadas cabalmente as finalidades da punição que ao presente caso se impõem.

Assim, em face do que exposto se deixou, o Tribunal tem por justa e adequada a condenação do arguido na pena concreta de 11 (onze) meses de prisão.


**

Impõe-se agora, face ao prescrito no artº 69º nº 1, alínea a), do C. Penal, a determinação da medida concreta da pena acessória a aplicar ao arguido.

Estabelecendo o mencionado artº 69º os limites da referida pena acessória entre três meses e três anos e tendo em conta o supra exposto, no que à conduta adoptada pelo arguido respeita, o facto de o mesmo ter antecedentes criminais apenas por crimes desta natureza e, bem assim, a taxa de álcool no sangue que o arguido acusou, que o Tribunal considera como muito elevada, relativamente ao mínimo legal punido como crime (que, já por si, consubstancia uma taxa de álcool no sangue alta), decide-se aplicar-lhe a pena acessória de 18 (dezoito) meses de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria.


***

Perante a aplicação de uma pena de prisão em medida não superior a 1 ano, tendo em conta o disposto no artº 43º nº 1, do C. Penal, impõe-se ponderar a sua substituição.

In casu”, tendo em conta os antecedentes criminais do arguido, entende o Tribunal que a única pena de substituição que realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição que o caso requer, é a pena de prisão por dias livres.

Até porque, conforme resultou das suas declarações, o arguido vive com os seus pais, pessoas idosas e doentes, a quem presta auxílio.

Ainda, porque está já a ser acompanhado, no âmbito de outros processos, pela DGRSP, tendo sido determinada a sua sujeição a tratamento médico à dependência do consumo de bebidas alcoólicas e a frequência de programas específicos relacionados com a condução de veículos em estado de embriaguez, promovidos também pela DGRSP, importando não cercear a possibilidade de o arguido se poder vir a curar e a interiorizar os aspectos negativos da condução de veículos sob a influência do álcool.

Assim, ao abrigo do disposto no artº 45º nºs 2 e 3, do C. Penal, o Tribunal substitui a pena única de 11 meses de prisão aplicada ao arguido pelo cumprimento, por este, de sessenta e seis (66) períodos de 36 horas de prisão, cada um, a cumprir entre as 08h00m de Sábado e as 20h00m do Domingo imediato, sem prejuízo do disposto no artº 45º nº 4, do C. Penal.

(…)”.


*

            Da indevida substituição da pena de prisão pela pena de prisão por dias livres

            1. Alega a Digna Magistrada recorrente – conclusões 2 e 3 – que a decidida substituição da pena de prisão não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, dados os antecedentes criminais do arguido e a circunstância de escassos quatro meses antes da condenação, ter sido punido com prisão suspensa. Oposta é, obviamente, a posição do arguido.

            Vejamos a quem assiste razão.

1.1. O critério geral de substituição da pena é o de que o tribunal deve preferir à pena de prisão uma pena de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, portanto, desde que a pena de substituição dê adequada e suficiente realização às finalidades de prevenção, geral – a protecção de bens jurídicos – e especial – a reintegração do agente na sociedade (cfr. art. 40º, nº 1 do C. Penal).

Por outro lado, só deve ser recusada a aplicação da pena de substituição quando, sob o ponto de vista da prevenção especial de socialização, seja necessária ou mais conveniente a execução da prisão. A prevenção geral apenas assegura o conteúdo mínimo de prevenção de integração, necessário à defesa do ordenamento jurídico, de tal forma que, desde que aconselhada a aplicação da pena de substituição à luz das exigências de socialização, ela só não será aplicada quando a execução da prisão se revele imprescindível à necessária tutela do bem jurídico e estabilização contrafáctica das expectativas da comunidade na validade da norma violada (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequência Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, pág. 333).

1.2. A prisão por dias livres, regulada no art. 45º do C. Penal, é uma pena de substituição da pena de prisão mas, de entre estas, uma pena de substituição detentiva. Com efeito, e tal como resulta do nº 2 do artigo citado, ela consiste numa privação da liberdade por períodos, pelo que, o respectivo cumprimento é feito em instituição prisional e, nesta medida, pode considerar-se uma forma especial de cumprimento ou de execução da pena de prisão. Tal não significa, porém, que, dogmaticamente, a prisão por dias livres perca a natureza de pena de substituição, pois que a sua aplicação pressupõe a prévia determinação de uma pena de prisão contínua que depois é substituída e, numa perspectiva de política criminal, comunga do fim visado pelas demais penas de substituição, a luta contra as penas curtas de prisão (cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 336).

Posto isto.

2. In casu, o arguido conduzia um veículo automóvel com uma TAS de 2,05 g/l, ciente de que havia ingerido bebidas alcoólicas susceptíveis de lhe determinarem a mencionada taxa de álcool no sangue e de que tal conduta era proibida e punida por lei, e como tal, foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

O arguido havia já sofrido seis condenações pela prática do mesmo crime, a primeira por factos de Setembro de 2002, a segunda por factos de Agosto de 2004, a terceira por factos de Junho de 2008, a quarta por factos de Janeiro de 2011 e a quinta e sexta por factos de Fevereiro e Março de 2015, a que corresponderam penas de, multa e proibição de conduzir, multa e proibição de conduzir, multa e proibição de conduzir, prisão suspensa e proibição de conduzir, prisão suspensa condicionada a tratamento e proibição de conduzir e prisão suspensa e proibição de conduzir, prisão suspensa condicionada a tratamento e proibição de conduzir, respectivamente.

Temos pois que o arguido revela uma personalidade avessa ao direito, com manifesta propensão para a prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez. Sucede que, nas primeiras três condenações o sacrifício sofrido, para além das penas acessórias de proibição de condução, traduziu-se no pagamento das penas de multa, enquanto nas três últimas condenações impostas, o sacrifício sofrido, para além das penas acessórias de proibição de condução, traduziu-se na ‘mera’ condenação em pena de prisão suspensa, embora duas, sujeitas a condição, não tendo tido qualquer efeito dissuasor e/ou, motivador, no arguido, mostrando-se ineficazes na prevenção da sua ‘reincidência’. Pois bem.

No corrente ano de 2015 é já a terceira vez que o arguido é condenado pela prática do crime em referência. Dúvidas não subsistem, portanto, de que as finalidades da punição só obterão adequada e suficiente realização com a aplicação de prisão. Com efeito, impõe-se sujeitar o arguido ao seu primeiro embate com o meio prisional, como forma de lhe fazer sentir a natureza punitiva da pena criminal.

Mas, como vimos, a prisão por dias livres é uma pena detentiva, uma pena privativa da liberdade, que apenas se distingue da pena principal de prisão que substitui, porque é cumprida de forma descontínua, por períodos determinados. Esta sua característica assegura a sujeição do arguido àquele primeiro contacto, ao mesmo tempo que permite a manutenção dos laços sócio-familiares [como vem provado, vive com os pais, idosos e doentes, a quem ajuda] e a sua algo incipiente inserção laboral do arguido [como se provou, embora desempregado, faz biscates de onde retira cerca de € 300 mensais].

Em conclusão, este primeiro contacto do arguido com a instituição prisional e a consequente privação da liberdade, que a prisão por dias livres necessariamente implica [sem esquecer o longo período em que irá decorrer o seu cumprimento], cria a expectativa de um acentuado efeito preventivo especial, com positiva repercussão no seu comportamento futuro, sendo pois de admitir que a pena de substituição decretada ainda logrará assegurar as exigências de prevenção de forma adequada e suficiente.  

Deve pois manter-se a pena de prisão por dias livres, nada havendo a censurar à decisão em crise.


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III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.


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Recurso sem tributação (art. 4º, nº 1, a) do R. Custas Processuais).

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Coimbra, 2 de Dezembro de 2015

(Heitor Vasques Osório – relator)



(Fernando Chaves – adjunto)