Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
50/22.6GDGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ROSA PINTO
Descritores: CRIME DE CONDUÇÃO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
ALCOOLÍMETRO
TEOR DE ÁLCOOL NO AR EXPIRADO – TAE
TEOR DE ÁLCOOL NO SANGUE – TAS
ANALISADOR QUANTITATIVO
PENA ACESSÓRIA
Data do Acordão: 02/08/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA – JUÍZO LOCAL CRIMINAL DA GUARDA - JUIZ 1
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Legislação Nacional: ARTIGO 3º DA PORTARIA Nº 1556/2007, DE 10 DE DEZEMBRO, QUE APROVOU O REGULAMENTO DO CONTROLO METROLÓGICO DOS ALCOOLÍMETROS
ARTIGO 1º, Nº 2, DA LEI Nº 18/2007, DE 17 DE MAIO - REGULAMENTO DE FISCALIZAÇÃO DA CONDUÇÃO SOB INFLUÊNCIA DO ÁLCOOL OU DE SUBSTÂNCIAS PSICOTRÓPICAS
ARTIGO 81º, Nº 4, DO CÓDIGO DA ESTRADA
ARTIGOS 1º E 2º DA PORTARIA Nº 902-B/2007, DE 13 DE AGOSTO
ARTIGOS 292º, Nº 2, E 69º, Nº 1, AL. A), DO CÓDIGO PENAL
ARTIGO 71º DO CÓDIGO PENAL
Sumário: I - Dos artigos 3º da Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro (Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros), 1º, nº 2, da Lei nº 18/2007, de 17 de Maio (Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas) e 81º, nº 4, do Código da Estrada resulta que a quantificação de TAS é feita por teste no ar expirado ou por análise de sangue, que a indicação dos alcoolímetros deve ser expressa em miligrama por litro, mg/l, de teor de álcool no ar expirado – TAE, mas que também pode apresentar uma indicação em grama por litro, g/l, de teor de álcool no sangue - TAS, desde que evidencie o respectivo factor de conversão estipulado no art. 81º, nº 4.

II – É isto que também resulta dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 902-B/2007, de 13 de Agosto, quando refere que os analisadores quantitativos medem a concentração da massa de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado (TAE).

III – Do talão emitido pelo alcoolímetro devem constar a taxa de álcool presente e o número sequencial de registo, identificação do aparelho, data e hora da realização do teste.

IV – O factor de conversão TAE/TAS deve constar do próprio alcoolímetro, mas não do talão.

V – Os critérios legais de determinação da pena aplicam-se à determinação da pena acessória, que é, também, uma verdadeira pena criminal.

VI – A pena acessória não tem que ser proporcional à pena principal, porque os seus objectivos são diferentes.

VII – A pena acessória visa a recuperação do comportamento estradal do condutor transviado e na sua determinação assume especial importância a prevenção especial, de molde a que futuramente o agente paute as condutas de acordo com direito.

VIII – A pena acessória de inibição de conduzir apresenta-se como um meio de salvaguarda de outros interesses, legal e constitucionalmente protegidos, quer na perspetiva do arguido, a quem é imposta a pena, quer na perspetiva da sociedade, que se visa proteger e compensar do risco a que os seus membros foram sujeitos com a prática de uma condução sob o efeito do álcool.

IX – Estes interesses legitimam a compressão do direito do agente a poder conduzir, mesmo que o exercício da condução seja essencial para se deslocar para o trabalho.

Decisão Texto Integral:
Relatório

2. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, a 11.10.2022, decidindo-se:

“a) Condenar o arguido P como autor material de um crime um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão.

b) Suspender a execução da pena de prisão referida em a) pelo período de 1 (um) ano.

c) Condenar, também, o arguido P na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria, durante o período de 12 (doze) meses …

3. Inconformado com a douta sentença, veio o arguido interpor recurso da mesma, terminando a motivação com as seguintes conclusões:

“ …

B. O Recorrente não pode concordar com a apreciação da prova realizada, uma vez que o talão produzido pelo alcoolímetro utilizado não revela qual a Taxa de Álcool no Ar Expirado (TAE) apurada, bem como não revela qual o fator de conversão utilizado para produzir o resultado de 2,82g/l de Taxa de Álcool no Sangue.

C. A Portaria 1556/2007, de 10 de Dezembro, que aprovou o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, determina que a sua regulamentação se aplica a alcoolímetros quantitativos ou analisadores quantitativos.

D. Nos termos do n.º 2 do artigo 1.º do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de substâncias psicotrópicas, aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, determina-se que ‘2- A quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue’ …

E. O aparelho em causa nos presentes autos (Alcoolímetro, para todos os efeitos legais) foi utilizado para medir a concentração de álcool no ar expirado pelo Recorrente, ou seja, a Taxa de Ar Expirado (TAE).

F. Os alcoolímetros quantitativos indicam sempre e obrigatoriamente a quantidade de álcool presente no ar expirado (TAE), podendo apresentar uma indicação suplementar em grama por litro – g/l, de teor de álcool no sangue (TAS), desde que evidenciem o respetivo fator de conversão, nos termos do artigo 3.º da Portaria 1556/2007, de 10 de Dezembro.

G. O fator de conversão é de 1 mg de álcool por litro de ar expirado é equivalente a 2,3 g de álcool por litro de sangue, nos termos do n.º 4 do artigo 81.º do Código da Estrada e artigo 4.º da Lei n.º 65/98, de 02 de Setembro.

H. A quantidade de álcool presente no ar expirado (TAE) e o fator de conversão não estão evidenciados no talão produzido pelo alcoolímetro que serviu para fundar a convicção do douto Tribunal a quo.

I. A taxa de alcoolemia é um facto sujeito a prova vinculada, na medida em que o resultado suscetível de ser usado para o preenchimento da previsão normativa carece de ser produzido por determinado tipo de aparelho em determinadas condições …

K. O alcoolímetro em causa nos autos não mediu a TAS do Arguido mas antes a TAE do Arguido e, como qualquer aparelho de medição, ao apresentar como resultado final uma medida que não foi aquela que efetivamente mediu terá de proceder a uma operação automática de conversão.

L. Há dúvida que a TAS do arguido tenha sido apurada pela aplicação do fator de 2.3 previsto no n.º 4 do artigo 81.º do Código da Estrada do C.E. porquanto do talão da máquina não consta nem a TAE nem o fator de conversão que permite apurar a TAS.

M. Nada nos diz nem resulta dos autos que depois de apurada a TAE do Arguido tenha a mesma máquina procedido à determinação da TAS aplicando o fator de conversão constante da Lei e não qualquer outro.

N. A menção à TAS é completamente irrelevante porquanto a mesma é facilmente calculada por qualquer ser humano através da indicação da TAE e aplicação do fator de conversão.

O. É para garantir que a conversão automática da máquina é a realizada através do fator de conversão legal que o Legislador sentiu necessidade de prever EXPRESSAMENTE, que 1) o aparelho indique expressamente a medida de TAE e 2) quando o aparelho proceda à conversão automática para a TAS indique qual o fator de conversão.

P. É que, como qualquer máquina ou aparelho, a taxa de conversão de uma medida efetivamente medida para outra cujo resultado se pretende apurar dependerá da determinação humana de qual a taxa/fator de conversão que irá presidir à efetiva conversão. Ora, nada garante, porque não consta nem a TAE nem o fator de conversão, que o fator de conversão utilizado pela máquina foi o legal.

Q. Nada garante que a máquina não possa ter sido sujeita a qualquer condicionalismos que alterou o fator de conversão, ou que a mesma não se possa, inclusivamente, ter desregulado ou sofrido uma qualquer anomalia desestabilizadora das caraterísticas de que foi programada e que possa ter conduzido a uma alteração do fator de conversão.

R. A própria Lei impõe que: 1. Seja apresentado o resultado da TAE; 2. Caso seja, suplementarmente, apresentado a TAS, seja obrigatoriamente indicado o fator de conversão - sem a TAE e sem o fator de conversão, ou seja apenas com a TAS não podemos determinar se a conversão foi bem efetuada.

S. Pense-se hipoteticamente que basta que o alcoolímetro esteja calibrado ou sofra uma qualquer alteração e que para aplicar uma taxa de conversão faça corresponder 1 miligrama por litro de ar expirado a 5 gramas de álcool por litro de sangue, para que a TAE analisada fosse de 0,51 mg/l de ar e que esse valor de TAE convertido para TAS nos termos do fator de conversão legalmente aplicável correspondesse a apenas 1,173 g/l no sangue – estará calibrado para esse fator de conversão?

T. Por isso, sempre a dúvida teria de ser resolvida a favor do Recorrente, em abono da aplicação do princípio do in dúbio pro reu, plasmado na 1ª parte do n.º 2 do artigo 32.º da CRP, impondo-se a sua absolvição e o consequente arquivamento dos autos.

U. Tudo porque a prova é inválida, por violação conjunta das imposições legais constantes do artigo 3.º da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, do n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio e do n.º 4 do artigo 81º do Código da Estrada, bem como o artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

Subsidiariamente, caso assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se equaciona,

V. Na determinação da pena concretamente aplicada, o douto Tribunal a quo não considerou, nos termos do artigo 71.º do Código Penal, todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do Recorrente, nomeadamente as suas condições pessoais e a sua situação profissional.

W. Foi dado como provado que o Recorrente trabalha em ... e vive na ....

X. Foi relatado pelo Recorrente em sede de julgamento que o mesmo necessita da carta de condução para as suas deslocações laborais – sendo inclusive um dos requisitos para manter o seu posto de trabalho.

Y. Estes factos não foram considerados na determinação da medida concreta das penas (principal e acessória) e o seu reconhecimento implica necessariamente a redução das exigências de prevenção especial e, por conseguinte, a redução medida da pena concretamente aplicada, nos termos das alíneas d) e e) do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal.

Z. o douto Tribunal a quo deveria ter aplicado uma pena não privativa da liberdade, quer aplicando uma pena de multa quer no que respeita à sanção acessória de proibição de condução de veículos a motor.

4. O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela sua improcedência e manutenção integral da sentença recorrida, concluindo que:

4. O recurso do arguido não merece, salvo o devido respeito, provimento …

6. … não se exige que os alcoolímetros quantitativos, destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado, exibam o teor de álcool no ar expirado (TAE) acusado, nem que o talão por eles emitido indique esse teor e o respetivo fator de conversão em teor de álcool no sangue (TAS), bastando a exibição e a indicação do valor deste último, resultante da conversão daquele, automaticamente efetuada pelo aparelho.

7. Por outro lado, na douta sentença recorrida foram devidamente considerados para a determinação do tipo e medida concreta quer da pena principal quer da pena acessória, os factos praticados pelo arguido, as elevadíssimas exigências de prevenção geral, as considerações atinentes ao dolo directo do agente e ao grau elevado da ilicitude da sua conduta, bem como as enormes exigências de prevenção especial que no caso se fazem sentir, atento o facto de o arguido contar com três condenações anteriores pelo mesmo tipo de ilícito.

8. No caso concreto, as exigências de prevenção geral são altas, atento o grande número de pessoas que persiste em conduzir veículos, na via pública, após ingestão de bebidas alcoólicas, e considerando também o elevado número de acidentes rodoviários que tais condutores, frequentemente, provocam, com graves consequências para a vida e o património de terceiros.

9. As exigências de prevenção especial de socialização são, por seu turno, elevadas, uma vez que o arguido foi já anteriormente condenado, por três vezes, pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

10. As condenações anteriores de que o arguido foi alvo, pela prática do mesmo tipo de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, não representaram para si um factor de refreio relativamente à prática de novos e idênticos factos ilícitos típicos, nem foram suficientes para o fazer interiorizar o desvalor da sua conduta.

12. No caso dos autos, uma pena de multa não é suficiente para estabilizar as expectativas da comunidade, na validade e vigência da norma violada, e restabelecer a paz jurídica e não constituem para o arguido uma suficiente censura do facto por si praticado, nem representam para o mesmo uma bastante advertência que o iniba da prática de novos crimes no futuro.

13. Pelos mesmos motivos, a duração da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor é inteiramente justa e adequada e, por esse motivo, não merece qualquer alteração”.

5. … o Ex.mo Procurador da República emitiu Parecer no sentido do não provimento …

*

B - Fundamentação

1. …

2. No caso dos autos, face às conclusões da motivação apresentadas pelo arguido, as questões a decidir são as seguintes:

- se não se pode dar como provada a taxa de alcoolémia que o arguido tinha no sangue, uma vez que do talão do alcoolímetro não consta a taxa de álcool no ar expirado (TAE) nem o factor de conversão utilizado para a chegar à TAS;

- se o tribunal a quo violou o princípio in dubio pro reo;

- se as penas, principal e acessória, aplicadas ao arguido são excessivas, devendo ser aplicadas penas mais leves.

3. Para decidir das questões supra enunciadas, vejamos a factualidade e motivação da sentença recorrida.

«Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com relevância para a decisão:

1. No dia 19 de Setembro de 2022, pelas 23:45h, na Rua ..., em ..., o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula …, com uma taxa de álcool no sangue de 1,730g/l (correspondente à TAS de 1,88g/l, após dedução do erro máximo admissível).

2. O arguido bem sabia ter ingerido bebidas alcoólicas, que lhe determinavam uma taxa de álcool no sangue superior a 1,2g/l e, ainda assim, decidiu e quis conduzir nas referidas circunstâncias.

3. O arguido agiu de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.

Mais se provou que:

4. O arguido trabalha como chefe de armazém em ..., auferindo cerca de 900,00€ mensais, paga uma dívida a uma seguradora de 300,00€ mensais.

5. É solteiro.

6. O arguido foi condenado no âmbito do processo … do Tribunal Judicial …, pela prática no dia 27/12/2016 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 6,00 euros, perfazendo um total de 360,00 euros, e ainda na pena acessório de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria, durante o período de 5 (cinco) meses. Tal condenação transitou em julgado a 8/2/2017 e já foi declarada extinta.

7. O arguido foi condenado no âmbito do processo … do Tribunal Judicial da Comarca …, pela prática no dia 9/9/2020 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 6,00 euros, perfazendo um total de 600,00 euros, e ainda na pena acessório de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria, durante o período de 10 (dez) meses. Tal condenação transitou em julgado a 5/5/2021 e já foi declarada extinta.

8. O arguido foi condenado no âmbito do processo … do Tribunal Judicial da Comarca …, pela prática no dia 18/12/2020 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 6,00 euros, perfazendo um total de 600,00 euros, e ainda na pena acessório de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria, durante o período de 6 (seis) meses. Tal condenação transitou em julgado a 12/5/2021 e já foi declarada extinta a pena de multa.

Funda-se a convicção do Tribunal, no conjunto da prova que se produziu em audiência de julgamento e no teor da prova documental junta aos autos, analisada de forma crítica e com o auxílio de juízos de experiência comum, nos termos do art. 127.º e ainda nos termos do art. 163.º, ambos do Código de Processo Penal.

Pelo que foi tomado em consideração, quanto à prova documental, o teor:

● Do auto de notícia, fls. 2 a 3.

● Do talão, junto a folhas 8.

● Da notificação efectuada ao arguido, fls. 9.

● Do certificado de Verificação, junto a folhas 10

● Do C.R.C. do arguido, junto a fls. 29 a 32.

No que concerne à nulidade invocada pelo Il. Mandatário do arguido, pelo facto do talão, junto a folhas 8, não ter o factor de conversão, seguimos aqui de perto o referido no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Proc. 201/12.9GTABF, de 3/6/2014, disponível em www.dgsi.pt

Ou ainda o referido no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Proc. 59/16.9PTVRL, de 8/5/2017, disponível em www.dgsi.pt

Mais alega que, embora o art. 3º, n.º 2, da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de dezembro, preveja a possibilidade de os alcoolímetros apresentarem uma indicação suplementar em gramas por litro do TAS, essa indicação não dispensa a indicação principal ou essencial, obrigatória por lei, em miligramas por litro do teor de álcool no ar expirado (TAE), bem como a indicação do respetivo fator de conversão.

… não constando dos autos o TAE que apresentava nem o fator de conversão utilizado para se chegar ao TAS dado como provado, não é possível saber qual a verdadeira taxa de álcool no sangue que ele apresentava, concretamente se era igual ou superior a 1,2 g/l e, consequentemente, se cometeu o crime em causa, para além de que, de acordo com o art. 8º da referida portaria, o valor do erro máximo admissível que deve ser aplicado é variável em função do TAE e não do TAS, como foi feito.

Vejamos se lhe assiste razão.

Nos termos do art. 2º do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela citada Portaria n.º 1556/2007, os alcoolímetros são instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado.

Dispõe o n.º 1 do art. 3º do mesmo diploma que "a indicação dos alcoolímetros deve ser expressa em miligrama por litro - mg/l, de teor de álcool no ar expirado - TAE".

Porém, o n.º 2 desse artigo prevê que "os alcoolímetros podem apresentar uma indicação suplementar em grama por litro - G/l, de teor de álcool no sangue - TAS, desde que evidenciem o respetivo factor de conversão".

Note-se que este fator está legalmente previsto no art. 81º, n.º 415, do Código da Estrada, segundo o qual "a conversão dos valores do teor de álcool no ar expirado (TAE) em teor de álcool no sangue (TAS) é baseada no princípio de que 1 mg de álcool por litro de ar expirado é equivalente a 2,3 g de álcool por litro de sangue."

Por seu turno, a Portaria n.º 902-B/2007, de 13 de agosto, que fixa os requisitos a que devem obedecer os analisadores quantitativos para deteção dos estados de influenciado por álcool, na Secção I, Capítulo I, dispõe o seguinte:

"1.º Os analisadores quantitativos são instrumentos de medição da concentração da massa de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado (TAE).

2.º Os aparelhos definidos no número anterior devem obedecer às seguintes características:

A - Características técnicas:

B - Características gerais:

C - Características físicas - permitir o seu fácil transporte pelo operador e conter de forma legível e indelével as indicações seguintes:

f) Factor de conversão (TAE/TAS)."

Sendo inquestionável que a leitura feita pelos alcoolímetros é do teor de álcool no ar expirado, pois é isso que os mesmos analisam, e de, consequentemente, a sua indicação dever ser expressa nesses termos (cf. art. 3º, n.º 1, da Portaria n.º 1556/2007), ao invés do que pressupõe o recorrente, do mencionado regime legal não resulta a obrigatoriedade de os alcoolímetros indicarem, no seu afixador alfanumérico e no talão que emitem, o TAE resultante da análise feita.

Com efeito, o n.º 2 daquele artigo prevê a possibilidade de os alcoolímetros apresentarem uma indicação suplementar de TAS, desde que evidenciem o respetivo fator de conversão.

Significa isto que é o próprio aparelho a proceder à conversão do TAE por si diretamente medido em TAS, com base num fator de conversão que está legalmente previsto no art. 81º, n.º 4, do Código da Estada.

Porém, em parte alguma se exige que o alcoolímetro, no afixador alfanumérico e no talão exiba e indique, para além do TAS, também o TAE. Contrariamente ao que faz crer o recorrente, não se pode retirar essa obrigatoriedade da utilização da palavra "suplementar" no texto legal, porquanto esse adjetivo também tem o significado de "que pode suprir ou preencher uma falta".

Sendo a indicação do TAS suplementar e resultando da conversão, automaticamente feita pelo próprio aparelho, de acordo com um fator de conversão que o mesmo terá de evidenciar, não faria sequer sentido a obrigatoriedade da indicação também do TAE, por ser desnecessária.

Nem para aplicação do valor do erro máximo admissível, que é variável em função do TAE, se torna necessária a indicação deste último, conforme sustenta o recorrente, uma vez que, para o efeito, basta proceder à operação inversa, ou seja, converter o TAS exibido pelo alcoolímetro e indicado no talão em TAE, por aplicação do critério de conversão que, como referimos, está legalmente previsto.

Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29-04-2015, o quadro anexo a que faz referência o art. 8º do referido Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros define os valores dos erros máximos admissíveis em função de determinados intervalos de teor de álcool no ar expirado. Assim, a primeira operação a realizar consistirá na conversão da taxa de álcool no sangue medida pelo alcoolímetro em taxa de álcool no ar expirado, a fim de ser determinado o intervalo aplicável, conversão que deve obedecer ao princípio estabelecido no art. 81º, n.º 4, do Código da Estrada.

Assim se compreende que a mencionada Portaria n.º 902-B/2007 apenas exija que os analisadores quantitativos utilizados na medição da concentração de massa de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado (TAE) usem a unidade de leitura em gramas de álcool por litro de sangue (TAS) segundo o facto de conversão fixado no n.º 4 do art. 81º do Código da Estada e que possuam um afixador alfanumérico que exiba a taxa de álcool no sangue do examinando, e já não o teor de álcool no ar expirado.

Por fim, ao invés do que também pressupõe o recorrente, o fator de conversão não tem de constar do talão emitido pelo alcoolímetro nem do auto de notícia, mas sim do próprio aparelho, conforme resulta das características físicas dos analisadores quantitativos, exigidas no transcrito item C, Secção I, Capítulo I, da Portaria n.º 902-B/2007, cuja al. f) se reporta à indicação do fator de conversão de TAE em TAS.

Além disso, o art. 9º, n.º 1, da própria Portaria n.º 1556/2007, refere que "os alcoolímetros devem apresentar, de forma visível e legível, as indicações seguintes, inscritas em local e definir em cada modelo no respetivo despacho de aprovação de modelo: (…) h) Factor de conversão, se aplicável".

Já quanto aos registos da medição, ou seja, ao talão emitido pelo aparelho, o n.º 2 do mesmo artigo apenas exige que contenham, além de outros elementos, "a marca, o modelo e o número de série do alcoolímetro, assim como a data da última verificação", o que se mostra respeitado pelo talão junto a fls. 3, sendo certo que, de acordo com o teor do certificado de verificação de fls. 13, emitido pelo Instituto Português da Qualidade, o alcoolímetro em apreço encontrava-se devidamente certificado, na sequência de aprovação obtida na última verificação metrológica, realizada em 27-07-2015, ou seja, há menos de um ano, conforme imposição do art. 7º, n.º 2, da mesma portaria.

Em suma, o regime legal previsto nas Portarias n.ºs 1556/2007, de 10 de dezembro, e 902-B/2007, de 13 de agosto, não exige que os alcoolímetros quantitativos, destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado, exibam o teor de álcool no ar expirado acusado, nem que o talão por eles emitido indique esse teor e o respetivo fator de conversão em teor de álcool no sangue, bastando a exibição e a indicação do valor deste último, resultante da conversão daquele, automaticamente efetuada pelo aparelho.

Assim, nada obstava a que o tribunal a quo considerasse como demonstrada a taxa de álcool no sangue de 1,224 g/l constante do ponto 1 dos factos provados, pelo que, nesse aspeto, nenhuma censura merece a decisão sobre a matéria de facto.

… o regime legal previsto nas Portarias n.ºs 1556/2007, de 10 de dezembro, e 902-B/2007, de 13 de agosto, não exige que os alcoolímetros quantitativos, destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado, exibam o teor de álcool no ar expirado acusado, nem que o talão por eles emitido indique esse teor e o respetivo fator de conversão em teor de álcool no sangue, bastando a exibição e a indicação do valor deste último, resultante da conversão daquele, automaticamente efetuada pelo aparelho, pelo que, improcede deste modo a arguida nulidade, mantendo-se a validade do talão, junto a folhas 8 dos presentes autos, sendo o mesmo considerado válido e assim, analisado como prova válida …».

*

4. Cumpre agora apreciar e decidir.

A primeira questão a apreciar é a de saber se não se pode dar como provada a taxa de alcoolémia que o arguido tinha no sangue, uma vez que do talão do alcoolímetro não consta a taxa de álcool no ar expirado (TAE) nem o factor de conversão utilizado para a chegar à TAS.

Resultou provado que o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-PX-.., com uma taxa de álcool no sangue de 1,730g/l (correspondente à TAS de 1,88g/l, após dedução do erro máximo admissível).

Para formar convicção quanto à TAS, entre outras provas, o julgador considerou o talão junto a fls. 8.

Alega o arguido que não pode concordar com a apreciação da prova realizada, uma vez que o talão produzido pelo alcoolímetro utilizado não revela qual a Taxa de Álcool no Ar Expirado (TAE) apurada, bem como não revela qual o fator de conversão utilizado para chegar à Taxa de Álcool no Sangue … a prova obtida não poderia ter sido valorada, uma vez que o dito talão, utilizado pelo Tribunal a quo para sustentar a sua convicção, não cumpriu os requisitos legais (artigo 3.º da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, do n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio e do n.º 4 do artigo 81º do Código da Estrada).

Estamos, assim, no domínio dos artigos 412º, nº 3, e 431º, ambos do Código de Processo Penal.

Estipula o artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal que “quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas.

No caso sub judice a questão não se prende com a alínea c) mas sim com as alíneas a) e b).

Vejamos então.

A Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro, aprovou o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros.

Dispõe o artigo 3º deste Regulamento que:

1 - A indicação dos alcoolímetros deve ser expressa em miligrama por litro - mg/l, de teor de álcool no ar expirado - TAE.

2 - Os alcoolímetros podem apresentar uma indicação suplementar em grama por litro - g/l, de teor de álcool no sangue - TAS, desde que evidenciem o respectivo factor de conversão.

Por sua vez, a Lei nº 18/2007, de 17 de Maio, aprova o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas.

O artigo 1º, nº 2, deste Regulamento estipula que:

2 - A quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue.

Nos termos do artigo 81º, nº 4, do CE “a conversão dos valores do teor de álcool no ar expirado (TAE) em teor de álcool no sangue (TAS) é baseada no princípio de que 1 mg de álcool por litro de ar expirado é equivalente a 2,3 g de álcool por litro de sangue”.

Ora, da leitura destas normas indicadas pelo arguido como fundamento da sua pretensão, resulta desde logo que nada esclarecem relativamente às menções que devem constar no talão dos alcoolímetros.

Delas podemos retirar que a quantificação de TAS é feita por teste no ar expirado ou por análise de sangue.

A indicação dos alcoolímetros deve ser expressa em miligrama por litro - mg/l, de teor de álcool no ar expirado - TAE.

Mas também podem apresentar uma indicação em grama por litro - g/l, de teor de álcool no sangue - TAS, desde que evidenciem o respectivo factor de conversão.

Isto é, desde que o alcoolímetro evidencie o respectivo factor de conversão, factor este estipulado por lei no artigo 81º, nº 4, do CE.

É precisamente isto que resulta da Portaria nº 902-B/2007, de 13 de Agosto, que fixa os requisitos a que devem obedecer os analisadores quantitativos.

Nos termos dos artigos 1º e 2º desta Portaria, os analisadores quantitativos que, de facto, medem a concentração da massa de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado (TAE), devem apresentar as seguintes características:

A - Características técnicas:

B - Características gerais:

C - Características físicas - permitir o seu fácil transporte pelo operador e conter de forma legível e indelével as indicações seguintes:

f) Factor de conversão (TAE/TAS).

Assim, o factor de conversão TAE/TAS é elemento que deve constar do próprio alcoolímetro e já não do talão. Neste devem constar tão só a taxa de álcool presente e ainda o número sequencial de registo, identificação do aparelho, data e hora da realização do teste.

No que respeita à indicação da taxa de álcool é aqui reforçado que o afixador alfanumérico deve exibir a taxa de álcool no sangue do examinando (TAS).

Aliás, não podemos esquecer que o artigo 292º, nº1, do Código Penal, pune a condução de veículo com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l.

É precisamente a TAS a relevante para se aferir da prática de crime.

No caso concreto, da análise do talão sub judice resulta que este contém todos os elementos exigidos por lei:

Marca – Drager

Modelo – 7110 MKIII P

Nº Série – ARAN-0073

Data Verif – 24.3.21

Nº Cal – 00026

Data – 19.9.22

Hora – 23:45 V

Volume exalado – 2.0

Tempo exalado – 13.7

Resultado – 1.88 g/l TAS.

Assim, não assiste razão ao recorrente quando defende que o talão do alcoolímetro não podia ter sido valorado por não respeitar os requisitos legais.

Das normas legais aplicáveis e supra referidas não resulta qualquer obrigatoriedade dos alcoolímetros indicarem, no seu afixador alfanumérico e no talão que emitem, o TAE resultante da análise feita.

Neste sentido há muito que se vem pronunciando a jurisprudência.

A título de exemplo, cita-se o Ac. da RG de 8.5.2017, in www.dgsi.pt, onde se refere que “o regime legal previsto nas Portarias nºs 1556/2007, de 10 de Dezembro, e 902-8/2007, de 13 de Agosto, não exige que os alcoolímetros quantitativos, destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise de ar alveolar expirado, exibam o teor de álcool no ar expirado acusado, nem que o talão por eles emitido indique esse teor e o respetivo fator de conversão em teor em álcool no sangue, bastando a exibição e a indicação do valor deste último, resultante da conversão daquele, automaticamente efetuada pelo aparelho” .…

O que fica dito é bastante para se concluir que bem andou o julgador ao motivar a sua convicção no que respeita à TAS com o talão do alcoolímetro junto aos autos, devendo manter-se o ponto 1 da factualidade provada.

Improcede, assim, esta questão suscitada pelo recorrente.

*

*

A próxima questão é a de saber se as penas, principal e acessória, aplicadas ao arguido são excessivas, devendo ser aplicadas penas mais leves.

Defende o recorrente que as penas aplicadas revelam-se excessivamente lesivas dos seus Direitos Fundamentais, quando analisadas à luz das concretas exigências de prevenção especial invocadas pelo caso concreto. Em face dos factos dados como provados, não foram atendidas as circunstâncias modificativas atenuantes impostas pelas condições pessoais, familiares e socioeconómicas do Recorrente que deveriam ter relevado na determinação da medida da pena, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal. Seria de esperar que o tribunal atendesse à situação do Recorrente, em especial à sua situação laboral, uma vez que o Arguido trabalha em ... mas reside na cidade ... e, como tal, necessita do seu automóvel para se deslocar diariamente para o seu trabalho. Necessita da carta de condução para as suas deslocações laborais – sendo inclusive um dos requisitos para manter o seu posto de trabalho. Além disso, atentas as circunstâncias da conjuntura económica atual, é certo que em caso de desemprego provocado por longo período sem poder conduzir, o Recorrente terá dificuldade em encontrar trabalho. Ora, estes factos, embora dados como provados, não foram considerados na determinação da medida concreta das penas (principal e acessória); o seu reconhecimento implica necessariamente a redução das exigências de prevenção especial e, por conseguinte, a redução da medida da pena concretamente aplicada, nos termos das alíneas d) e e) do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal.

Pois bem.

O crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto no artigo 292º, nº 1, do Código Penal, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.

O arguido foi condenado na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 (um) ano.

No que respeita à determinação da medida concreta da pena, há que ter em conta, desde logo, o que dispõe o artigo 40º, nºs 1 e 2, do Código Penal.

Nos termos do nº 1 deste artigo, a aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Por um lado, visa-se a confirmação da validade e actualidade da norma incriminadora, e da consequente tutela da confiança da comunidade na sua vigência, restabelecendo-se a paz jurídica que fora abalada pelo crime. Fala-se a este respeito de prevenção geral positiva ou prevenção geral de integração.

Por outro lado, visa-se a socialização do condenado, que se cumpre, naturalmente, na fase de execução da pena. Fala-se então de prevenção especial positiva.

Assim, a escolha da pena e a determinação da respectiva medida concreta são questões que devem ser resolvidas à luz das referidas finalidades.

No entanto, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, nos termos do nº 2 do artigo 40º do mesmo diploma legal.

A culpa surge, assim, como um limite inultrapassável da actuação punitiva do Estado, em nome da dignidade do indivíduo.

Necessidade, proporcionalidade e adequação são os princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental.

Como ensina Figueiredo Dias (Direito Penal – Questões fundamentais – A doutrina geral do crime - Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, p. 121) e é citado no Ac. do STJ de 14.10.2015, in www.dgsi.pt: “1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais”.

Por outro lado, como ensina igualmente Figueiredo Dias, “a pena também tem uma função de prevenção geral negativa ou de intimidação, como forma estadualmente acolhida de intimidação das outras pessoas pelo mal que com ela se faz sofrer ao delinquente e que, ao fim, as conduzirá a não cometerem factos criminais” – cfr. obra supra citada, 118.

Mas, em termos jurídico-constitucionais, é a ideia de prevenção geral positiva ou de integração que dá corpo ao princípio da necessidade de pena.

Ensina o mesmo Ilustre Professor, in As Consequências Jurídicas do Crime, §55, que “Só finalidades relativas de prevenção geral e especial, e não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma ‘infringida’” – cfr. aresto supra citado.

Porém, “em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa (ultrapassar a medida da culpa), pois que o princípio da culpa, como salienta o mesmo Insigne Professor – ob. cit. § 56 -, “não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização” – cfr. Ac. do STJ de 14.10.2015, in www.dgsi.pt.

Também o artigo 71º, nº 1, do Código Penal estabelece que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

Por sua vez, dispõe o nº 2 do mesmo artigo que, na determinação concreta da pena, o Tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele …

“As circunstâncias e critérios do artigo 71º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente” – cfr. aresto supra citado.

A lei, ao referir que se deve atender nomeadamente àquelas circunstâncias, por serem as mais comuns, quer com isto dizer que o tribunal deve atender a outras ali não especificadas, isto é, a todas as circunstâncias susceptíveis de influenciarem a determinação da pena concreta – cfr. neste sentido Ac. da RC de 18.3.2015, in www.dgsi.pt.

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No que respeita à escolha da pena, estipula o artigo 70º do Código Penal que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

“O que vale por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação. Bem se compreende que assim seja: sendo a função exercida pela culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie de pena” – cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 331-332.

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Revertendo ao caso sub judice, vejamos se existem razões de prevenção que imponham a escolha da pena de prisão.

Neste particular consta da sentença recorrida que «no caso vertente, as exigências de prevenção geral são elevadas no que concerne ao crime de condução em estado de embriaguez atendendo, principalmente, ao elevado número de crimes deste tipo que são diariamente cometidos neste país e em particular nesta comarca, aos quais urge por cobro.

Quanto às exigências de prevenção especial no que concerne ao crime de condução em estado de embriaguez, as mesmas se mostram igualmente elevadíssimas, dado que, antes destes factos, já o arguido tinha sido condenado, três vezes pela prática de crimes que consubstanciam ilícitos de idêntica natureza (condução em estado de embriaguez), sendo que as duas últimas foram bem próximas uma da outra e transitaram há pouco mais de um ano, ou seja, muito recentemente.

Tal circunstancialismo permite concluir que as penas de multa decretadas, não levaram o arguido a reflectir na gravidade dos seus actos e a arrepiar caminho, deixando de conduzir em estado de embriaguez. Por isso, considera-se que as necessidades de prevenção especial do caso em análise são elevadíssimas, impondo a aplicação de uma pena que obrigue o arguido a reflectir e, consequentemente, a afastar-se da prática de condução de veículos em estado de embriaguez e pautar, assim e dessa forma, o seu comportamento com os ditames e normas do direito.

Assim, afigura-se-nos que a aplicação de uma pena não privativa da liberdade, já não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Consideramos, pois, que, apenas a aplicação de uma pena de prisão poderá surtir efeito na sua ressocialização fazendo com que deixe de delinquir e viva conforme ao direito».

De facto, o arguido tem no seu certificado de registo criminal três condenações por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, sendo as duas últimas praticadas a 9.9.2020 e 18.12.2020. Foi condenado em todas elas em pena de multa.

Apesar de todas essas condenações e respectivas advertências do tribunal, o arguido persiste na actividade delituosa com a prática de crime da mesma natureza, demonstrando uma séria dificuldade em manter uma conduta de acordo com o direito e uma grave propensão para a prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

São, de facto, muito elevadas as necessidades de prevenção especial.

As exigências de prevenção geral são, igualmente, muito elevadas face à excessiva frequência da prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, senão mesmo a sua banalização, sendo a causa de muitos sinistros rodoviários com a perda de inúmeras vidas.

Na verdade, a condução em estado de embriaguez é consensualmente tida como um factor de agravamento dos riscos inerentes à atividade da condução e como um dos mais determinantes agentes de produção de acidentes de trânsito, na medida em que a ingestão excessiva de álcool determina o entorpecimento dos sentidos, a perda dos reflexos indispensáveis para uma adequada condução automóvel e a diminuição da acuidade visual e da capacidade de concentração – cfr. Ac. RE de 21.3.2017, in dgsi.pt.

Face ao exposto, uma pena não detentiva revela-se manifestamente insuficiente para fazer face às concretas necessidades de prevenção geral e especial.

No que respeita ao quantum desta pena que o tribunal fixou em 4 meses de prisão, na apreciação dos critérios do artigo 71º, nº 2, do Código Penal, consta da sentença recorrida que: «considera-se em desfavor do arguido o dolo com que agiu (directo) e os seus antecedentes criminais, todos relativamente ao crime de condução em estado de embriaguez …

Não pode deixar-se de considerar que, apesar de ter sido detido em flagrante delito e com prova sumária e por si presenciada, o mesmo não confessou os factos integralmente, fazendo crer que o talão tinha sido manipulado ou alterado pelo OPC.

Não podemos ainda olvidar a taxa de álcool com que o arguido se apresentava no momento da condução, mais 0,5 gramas acima da taxa crime, evidenciando uma elevada ilicitude».

Concorda-se inteiramente com esta apreciação dos critérios do artigo 71º, nº 2, do Código Penal, tendo o julgador procedido a uma correcta individualização e ponderação dos factores que relevam para a determinação da medida concreta da pena.

O grau de culpa é elevado, face ao dolo directo e, por isso, intenso.

Face à TAS de, pelo menos, 1,730 g/l a ilicitude é elevada.

As exigências de prevenção geral e especial são, de facto, muito elevadas pelos motivos supra apontados.

Face à violação da norma jurídica, impõe-se o reforço da consciência jurídica comunitária, a necessidade de restabelecer a confiança na validade da norma violada; isto é, a estabilização das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida. Há que criar nos cidadãos a convicção que comportamentos desta natureza, para além de serem punidos, visam diminuir o índice de sinistralidade rodoviária, que é elevadíssimo e preocupante.

Ponderando todos estes factores, conclui-se que a pena principal aplicada de 4 meses de prisão (suspensa na sua execução por um ano), não ultrapassa o limite da culpa do arguido, revelando-se justa, adequada e necessária. Uma pena inferior à aplicada, como pretendido pelo arguido, revelar-se-ia manifestamente insuficiente face às necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.

*

Cumpre agora apreciar se é excessiva a pena acessória de 12 meses de inibição de conduzir.

Nos termos do artigo 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal, é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido, entre outros, por crime previsto no artigo 292º do Código Penal.

Acresce que os critérios legais previstos para as penas principais … são integralmente aplicáveis às penas acessórias, apesar da lei ser especificamente omissa. E não há razão para assim não ser, pois as penas acessórias, embora pressuponham a condenação do arguido numa pena principal (prisão ou multa), são verdadeiras penas criminais, também elas ligadas à culpa do agente e justificadas pelas exigências de prevenção (cfr. Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 1ª edição, 2013, pág. 34).

A pena acessória “corresponde a uma necessidade de política criminal por motivos óbvios e consabidos que se prendem também com a elevada sinistralidade rodoviária. … Porque se trata de uma pena, a determinação da medida concreta da sanção inibitória, há-de efectuar-se segundo os critérios orientadores gerais contidos no artigo 71.º do Código Penal, não olvidando que a sua finalidade (diferentemente da pena principal que tem em vista a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade) reside na censura da perigosidade, embora a ela não seja estranha a finalidade de prevenção geral (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, pág.165). Trata-se de uma censura adicional pelo facto que ele praticou (cfr. acta n.º 8 da Comissão de Revisão do Código Penal).

Na determinação da pena acessória é necessário observar os critérios estabelecidos no artigo 71º do Código Penal (vide Ac. Relação de Évora de 14.05.1996, CJ, ano de 1996, pág., 286), dando especial importância à prevenção especial, que visa a consciencialização e a socialização do arguido, de molde a que futuramente paute as condutas de acordo com o prescrito pela lei. Por outro lado, a aplicação da pena acessória não tem de ser proporcional à pena principal, uma vez que os objectivos de política criminal são, também eles, distintos. O fim da pena acessória dirige-se especificamente à recuperação do comportamento estradal do condutor transviado, pelo que não tem de existir uma correspondência matemática e proporcional entre as penas, consideradas as respectivas molduras abstractas (vide Ac Relação do Porto de 20.05.1995, CJ, T4, pág. 229)” – cfr. Ac. da RG de 2.11.2015, in www.dgsi.pt.

Também no Ac. da RC de 20.2.2019, in www.dgsi.pt., se defende que “a pena acessória tem uma função preventiva adjuvante da pena principal, sendo a sua finalidade a intimidação da generalidade dirigindo-se, ainda, à perigosidade do agente, razão pela qual dentro da moldura penal abstrata de três meses a três anos, há que atender à culpa do arguido e às exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo depuserem a favor ou contra ele. Muito embora distintas nos seus pressupostos, quer a pena principal, quer a acessória, assentam num juízo de censura global pelo crime praticado e daí que para a determinação da medida concreta de uma e outra se imponha o recurso aos critérios estabelecidos no artigo 71.º do Código Penal” …

O mesmo se defendendo no Ac. da RP de 17.1.2018, in www.dgsi.pt…

Jurisprudência que se acompanha.

Revertendo ao caso concreto e ponderando os factores supra referidos a propósito da fixação da pena principal, entende-se que a pena acessória de 12 meses de inibição de conduzir não ultrapassa os limites da culpa do arguido e revela-se necessária e adequada, face às exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.

Na sua fixação não se verifica qualquer desproporção, relembrando que o limite mínimo é de 3 meses e, no caso sub judice, a concretização punitiva não pode aproximar-se desse limite mínimo, atendendo desde logo à TAS apresentada pelo arguido e ao seu registo criminal.

Uma pena inferior revelar-se-ia insuficiente face a todos os parâmetros supra aludidos e às necessidades de prevenção geral e especial.

Em relação à necessidade da carta de condução para se deslocar para o seu local de trabalho, sempre se diz que, com a inibição de conduzir, a facilidade de deslocação do arguido ficará necessariamente afectada.

Porém, não é uma realidade que não possa ser restringida ou sacrificada, face a outros direitos ou interesses também relevantes e mesmo constitucionalmente protegidos.

De facto, a pena acessória de inibição de conduzir apresenta-se como um meio de salvaguarda de outros interesses, legal e constitucionalmente protegidos, quer, por um lado, na perspetiva do arguido, a quem é imposta a pena aplicada, quer, por outro lado, na perspetiva da sociedade, posto que se visa proteger essa sociedade e, simultaneamente, compensá-la do risco a que os seus membros foram sujeitos com a prática de uma condução sob o efeito do álcool.

A ponderação que resulta, no caso concreto, do direito ao trabalho e da protecção de outros bens, que possam limitar o primeiro, não redunda na aniquilação ou, sequer, na violação desproporcionada do direito fundamental ao trabalho.

Assim é já que se visa proteger, também, bens e interesses constitucionalmente protegidos, como a segurança e a vida das pessoas, atendendo ao risco que para esses valores a condução sob o efeito do álcool comporta, pondo em causa a vida de todos os que circulam nas estradas.

Os incómodos originados com a inibição de conduzir não podem impedir a prossecução dos fins visados com a aplicação da dita pena acessória e são próprios desta. As penas têm que representar para o condenado um verdadeiro e justo sacrífico com vista a encontrarem integral realização as finalidades gerais das sanções criminais.

Aliás, a necessidade de conduzir para efectuar deslocações não é uma necessidade específica do arguido, sendo comum à generalidade das pessoas que conduzem.

Além disso, o arguido sempre poderá arranjar forma alternativa de se deslocar.

Acresce que “o tribunal de recurso deve intervir na alteração da pena concreta, apenas quando se justifique uma alteração minimamente substancial, isto é, quando se torne evidente que foi aplicada sem fundamento, com desvios aos citérios legalmente apontados” – cfr. Ac. da RC de 18.3.2015, in www.dgsi.pt.

Como se pode ler também no Ac. da RG de 5.3.2018, in www.dgsi.pt, “quanto aos limites de controlabilidade da determinação da pena em sede de recurso - entendemos ser de seguir o entendimento da doutrina e da jurisprudência no sentido de que é suscetível de revista a correção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de fatores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação, mas a determinação do quantum exato de pena só pode ser objeto de alteração perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efetuada”.

Posição jurisprudencial que se acompanha.

Pelo que fica dito e em jeito de conclusão, a pena acessória de inibição de conduzir fixada em 12 meses, é uma pena que não ultrapassa os limites da culpa do arguido, como se disse, revelando-se necessária face às referidas exigências de prevenção geral e especial. Na sua fixação não se verifica qualquer desproporção.

A ser assim, não deve ser alterada.

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Improcedendo, assim, todas as questões suscitadas pelo arguido, deve ser negado provimento ao recurso.

Coimbra, 8 de Fevereiro de 2023.

(Elaborado pela relatora, revisto e assinado electronicamente por todos os signatários – artigo 94º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal).

Rosa Pinto – Relatora

Alice Santos – 1ª Adjunta

Luís Ramos – 2º Adjunto