Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
7490/15.5T8CBR-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: EXECUÇÃO POR DÍVIDA PROVIDA DE GARANTIA REAL SOBRE BENS DE TERCEIRO
DESVIOS À REGRA GERAL DA DETERMINAÇÃO DA LEGITIMIDADE DO EXECUTADO
INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
TRANSMISSÃO DOS BENS HIPOTECADOS APÓS A PENHORA
HABILITAÇÃO
Data do Acordão: 07/12/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGOS 818.º DO CÓDIGO CIVIL E 735.º, N.º 2, E 316.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E ARTIGOS 263.º E 356.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
Sumário: I - Se o terceiro proprietário de bens onerados com hipoteca não tiver sido demandado conjuntamente com o executado, pode sê-lo mais tarde, através do incidente da intervenção principal provocada.

 II - Mas se a transmissão do direito de propriedade sobre os bens onerados com hipoteca ocorrer depois de penhorados esses bens, mormente em consequência de decisão proferida em ação declarativa registada antes da penhora, neste caso o incidente adequado é o da habilitação do adquirente.

Decisão Texto Integral: Recorrente …………………P..., SA. (credora reclamante)

Recorridos………………….Banco 1..., S.A. (exequente)

………………………………..E..., Ld.ª. (executada)

………………………………..C... Unipessoal, Ld.ª., (requerida na qualidade de habilitanda)

………………………………..Outros executados.


*

I. Relatório

a) O presente recurso vem interposto da decisão que desatendeu o pedido da recorrente P..., SA, credora reclamante, a  qual pretende fazer intervir nos autos principias de execução a sociedade C... Unipessoal, Ld.ª., porquanto sendo a Recorrente credora hipotecária em relação a três dos prédios penhorados na presente execução (abaixo identificados) e estando graduada em segundo lugar, logo a seguir ao crédito relativo às custas processuais, verifica-se que no decurso da execução a propriedade dos mencionados três prédios foi transmitida à habilitanda C... Unipessoal, Ld.ª, pelo que esta sociedade deve intervir no presente processo executivo para que a credora ora Recorrente possa satisfazer o seu crédito com a execução desse prédios. 

O tribunal a quo desatendeu o pedido, justificando que «(…) No presente caso, a “P..., SA” não pretende ser substituída pela “C... Unipessoal, Ld.ª”, mas sim que esta intervenha na ação executiva como atual dona dos três prédios penhorados na execução e sobre os quais a referida credora “P..., SA” possui hipoteca registada em definitivo a seu favor e tal como decorre da ação comum n.º 229/13...., conforme os factos acima dados como provados.

Em suma, deve ser através do incidente de intervenção principal provocada que a atual dona dos três prédios hipotecados deverá ser chamada a intervir na ação executiva como executada.»

Considerou-se, pois, que a intervenção da requerida C... Unipessoal, Ld.ª só poderia proceder através do incidente da intervenção provocada, mas não através da habilitação.

b) É desta decisão que vem interposto o presente recurso por parte da credora reclamante P..., SA., cujas conclusões são as seguintes:

« (…) Vejamos,

3. É a aqui recorrente credora reclamante nos autos principais, porquanto detém garantia hipotecária sobre os cinco bens imóveis ora penhorados pela exequente.

4. Citada para o efeito, a recorrente reclamou os competentes créditos, tendo sido os mesmos parcialmente reconhecidos enquanto garantidos em sede de sentença de verificação e graduação, esta já transitada em julgado,

5. com graduação em primeiro lugar após pagamento das custas da execução.

6. Em sede de trâmites executivos, no que concerne a três dos bens imóveis supra referenciados – a saber, os da primitiva propriedade da co-executada E..., Ld.ª. - os correlativos registos de penhora ficaram qualificados enquanto provisórios por natureza, em virtude de registo de acção declarativa pendente,

7. esta intentada por C... Unipessoal, Ld.ª. contra E..., Ld.ª., e peticionado, a título de pedido principal, a resolução de respectivo contrato promessa de compra e venda outorgado inter partes quanto aos bens em questão, o pagamento da importância correspondente a valor pago a título de sinal de sinal em dobro, e o reconhecimento de direito de retenção sobre os supraditos imóveis em apreço.

8. Julgado o pedido principal improcedente, foi sentenciado como procedente o pedido subsidiário de transmissão da propriedade dos imóveis da R. para a A., com a condição de pagamento, da segunda à primeira, do montante de €200.000,00, correspondente ao do remanescente do preço.

9. Tendo tomado a recorrente conhecimento de tal factualidade na pendência dos presentes autos, foi pela mesma requerido, em 12/09/2019 e 23/10/2019, junto do Proc. n.º 229/13...., a prolação de despacho a ordenar o cancelamento do registo da acção sobre os três prédios em questão, tendo em vista a viabilizar os ulteriores desenvolvimentos processuais executivos quanto aos mesmos.

10. Nesta sequência, informou a ali ré E..., Ld.ª. o douto Tribunal de que, em 10/02/2015, a aqui recorrida juntou àquele processo a declaração de quitação que comprova o cumprimento da condição de transferência de propriedade sentenciada, o que foi corroborado pela autora, que assevera, assim, ter adquirido os imóveis em crise.

11. A pretensão da recorrente junto daqueles autos foi, desta feita, indeferida, sem prejuízo da manifesta asserção da efectiva transmissão de propriedade ocorrida entre aquelas sociedades.

Isto dito,

12. Tomado conhecimento dos factos supra descritos, detendo legitimidade para o efeito e por respeito à natureza erga omnes e de sequela inerentes às hipotecas constituídas a seu favor,

13. a recorrente deduziu, contra a proprietária dos três bens imóveis, e aqui recorrida, incidente de habilitação de adquirente, ao arrepio do n.º 2 do art. 54.º e art. 356.º, ambos do C.P.C.

14. Em sede de requerimento inicial foi, desta feita, discorrida a toda factualidade ocorrida.

15. Notificada a recorrente para adequar o pedido formulado, porquanto a reclamação de créditos da aqui recorrida apresentada nos autos havia sido liminarmente indeferida, foi reiterada e aclarada a exposição factual vertida no requerimento de propositura do presente incidente.

16. Citadas as partes do mesmo, a requerida nada disse, tendo a executada E..., Ld.ª oferecido contestação.

17. Em 07/03/2022, foi, então, a recorrente notificada da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, da qual se recorre.

18. Bem andou o douto tribunal ao julgar totalmente improcedentes a falta de notificação, a excepção de ilegitimidade activa da requerente, e bem assim o pretenso abuso de direito.

19. Por outro lado, decidiu o Tribunal recorrido no sentido de procedência do erro na forma do processo, reputando como meio adequado para a pretensão pugnada o incidente de intervenção principal provocada,

20. com o consequente decaimento total da pretensão formulada pela recorrente, com o que esta não pode resignar-se.

21. Para melhor e devida aclaração, tomamos a liberdade de correr a trechos do quanto é discorrido na jurisprudência, a saber: Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05/02/2013, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19/11/2020, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/03/2002, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08/04/2014 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17/06/2014.

22. Da súmula da jurisprudência citada e transposta, retira-se que quer o incidente de habilitação de adquirente, quer o incidente de intervenção principal provocada, têm vindo a ser jurisprudencialmente admitidos como idóneos para admitir na execução o terceiro adquirente os bens onerados com garantia real.

23. Não obstante, têm-se demonstrado amplamente diversificados os teores decisórios no sentido de que o incidente de habilitação de adquirente consubstancia o meio processual adequado para chamar à demanda o terceiro adquirente de bem dado em garantia ao credor/exequente, quando o mesmo não é desde logo demandado ab initio.

24. Efectivamente, não se nos afigura ocorrer qualquer impedimento legal, ou até desadequação, para que a recorrente, ao invés do incidente de intervenção principal provocada, se socorra do expediente ora deduzido por forma a chamar à presente demanda a sociedade adquirente dos bens em apreço,

25. ainda que se tencione que a instância principal prossiga em simultaneidade com os executados primitivos, e não em sua substituição.

26. Assim, salvo devido respeito, não se alcança nem se resigna a recorrente com o total decaimento do sentenciado pelo Tribunal a quo, com fundamento no erro da forma do processo ou do meio processual utilizado pela ora requerente, aqui recorrente,

27. quando o mesmo vem vindo a ser entendido como conveniente, e até o efectivo meio processual mais apropriado, para procedência da pretensão como é a da requerente.

SEM PRESCINDIR, E POR CAUTELA,

28. Ainda que se entenda in casu – o que não se concebe - que o expediente processual conveniente para o efeito pretendido é tão só e unicamente a intervenção principal provocada,

29. salvo distinta opinião, por respeito ao disposto no art. 193.º do C.P.C., a procedência da verificação do erro não deveria culminar na imediata improcedência do incidente.

30. Isto é, o erro na forma de processo configura-se como insusceptível de sanação apenas quando se verifique uma diminuição das garantias do réu na tramitação processual,

31. o que no caso sub judice não ocorre.

32. As partes processuais foram devidamente citadas do incidente deduzido e, ou nada fizeram, ou ofereceram o correlativo contraditório nos termos da al.a) do n.º1 do art. 356.º do C.P.C.,

33. possibilidade que seria igualmente concedida ao abrigo do vertido no 319.º do C.P.C., sem previsibilidade de garantias adicionais de defesa que tenham sido coarctadas.

34. Já considerando verificar-se o erro na qualificação do meio processual, face ao mesmo decorre o dever de correcção oficiosa e aproveitamento do processado para prossecução da instância.

35. Nesta senda, aludimos ao clarificado em passagens do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/09/2021, do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22/02/2007 e do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 07/02/2013.

36. Portanto, em consonância com os princípios basilares da economia processual e da adequação formal (art. 6.º, n.ºs 2 e 3 do art. 278.º, art. 547.º e al.a) do n.º2 do art. 590.º, todos do C.P.C.), o regime regra o da sanação ou suprimento, e não o da necessária anulação de todo o processo (ou incidente) e consequente  decaimento.

37. Em suma, e salvo respeito por distinta opinião, perante o entendimento discorrido na sentença recorrida, mal andou o Tribunal a quo, naquele que se configura como um poder-dever que lhe assiste, ao não ter oficiosamente corrigido e convolado o incidente deduzido, por forma a que seguisse nos termos em conformidade com o instituto processual que entende, afinal, ser o adequado.

Pelo exposto,

38. Salvo devido respeito, a sentença ora recorrida incorre em violação dos normativos previstos no arts. 54.º e 356.º, ambos do C.P.C., e art. 818.º do C.C., 39. ou, subsidiariamente, do n.º 1 do art. 193.º, n.ºs 2 e 3 do art. 278.º e art. 547.º, todos do C.P.C.,

40. motivo pelo qual deve ser dado provimento ao presente recurso, com a consequente revogação da sentença proferida pelo Tribunal a quo que julga totalmente improcedente o incidente de habilitação de cessionário, com a consequente prolação que julgue o incidente deduzido procedente, por provado,

41. ou a convolação em incidente de intervenção principal provocada, com o aproveitamento dos actos praticados e prossecução dos ulteriores trâmites processuais.

Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser dado inteiro provimento ao presente recurso, acolhendo-se as razões invocadas pela recorrente, revogando-se, em consequência, a douta sentença que julgou o incidente de habilitação de adquirente improcedente, com o que se fará sã e costumeira justiça.»

c) A executada E..., Ld.ª., contra-alegou e concluiu assim:

«A. A douta sentença da qual a Requerente recorre, não merece qualquer censura, devendo ser confirmada.

B. O meio processual utilizado pela Requerente P..., SA. não é o legalmente adequado à sua pretensão.

C. O incidente de habilitação destina-se à substituição de partes em caso de transmissão da coisa ou direito litigioso,

D. Com o presente incidente de habilitação de adquirente não se verifica qualquer transmissão da dívida para o terceiro adquirente dos bens que a garantem.

E. O incidente de habilitação de cessionário visa tão-somente a modificação dos sujeitos na lide.

F. No presente caso, a “P..., SA” não pretende ser substituída pela “C... Unipessoal, Ld.ª”,

G. Conclui-se, pois, que o incidente não constitui o meio processualmente idóneo para fazer intervir em sede executivo o terceiro que adquiriu o bem hipotecado antes de instaurada a ação executiva.

H. Acresce que, o erro na forma de processo é uma nulidade processual.

I. O artigo referente ao erro na forma do processo – artigo 193.º do Código de Processo Civil - insere-se no Código de Processo Civil – Capítulo I – Atos em geral – Secção VII Nulidade dos Atos.

J. Ao deduzir incidente de habilitação de cessionário a Recorrente incorreu em erro na forma de processo que constitui nulidade processual.

K. Não se pode aproveitar qualquer ato praticado sob pena de daí resultar supressão dos direitos que a lei concede para um eventual incidente de intervenção principal provocada.

L. Pelo que, impõe-se a manutenção da decisão proferida pelo tribunal a quo, nos seus exatos termos.

M. Consequentemente deve improceder a pretensão do requerente, tudo com as devidas consequências legais.

Nestes termos e nos melhores de direito, que V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão, deverá o recurso a que se responde improceder, mantendo-se a sentença recorrida, com todas as legais consequências.»

II. Objeto do recurso.

O recurso coloca duas questões:

1 - A primeira consiste em saber qual é o mecanismo processual adequado a fazer intervir nos autos de execução o atual proprietário de três dos prédios que se encontram penhorados e que, no decurso do processo executivo, deixaram de ser propriedade da executada, devido ao facto de ter procedido uma ação declarativa instaurada e registada antes da penhora, na qual se discutia a titularidade dos prédios, mas em relação aos quais existe hipoteca anterior ao registo dessa ação, cujo credor hipotecário reclamou o seu crédito, com êxito, no âmbito da presente execução.

Cumpre saber se o incidente adequado para fazer intervir o atual proprietário é o incidente da habilitação ou o da intervenção principal provocada.

2 -  A segunda questão respeita ao erro na forma de processo.

Consiste em saber se tendo o tribunal a quo concluído pelo erro na forma de processo, por entender que devia ter sido instaurado o incidente da intervenção principal provocada e não a habilitação, não deveria o tribunal ter convertido o incidente da habilitação em incidente de intervenção provocada.

III. Fundamentação

a) 1. Matéria de facto – Factos provados

1. Em 6 de setembro de 2015, o “Banco 1..., S.A.”, instaurou a ação executiva principal, a seguir a forma ordinária, contra os executados “CPC..., Ld.ª”, “E..., Ld.ª.”, AA, BB e CC, tendo sido apresentada como título executivo uma livrança e uma escritura pública, para pagamento da quantia exequenda de € 14.061,90 euros.

2. Por auto de penhora de 10 de Abril de 2017, foi penhorado, à ordem dos referidos autos de execução, os seguintes imóveis:

- Prédio Urbano descrito na CRPredial ... sob o n.º ...44, freguesia ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...72;

 - Prédio Urbano descrito na CRPredial ... sob o n.º ...97, freguesia ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...73;

- Prédio Rústico descrito na CRPredial ... sob o n.º ...25, freguesia ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...19;

- Fração Autónoma designada pela letra ... do prédio Urbano descrito na CRPredial ... sob o n.º ...00, freguesia ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...59;

- Fração Autónoma designada pela letra ... do prédio Urbano descrito na CRPredial ... sob o n.º ...00, freguesia ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...59.

3. A “P..., SA.”, instaurou reclamação de créditos contra as executadas “E..., Ld.ª.”, e e AA, alegando possuir um crédito no valor total de € 1.018.062,03 euros, garantido por uma hipoteca relativamente a cada um dos CINCO Imóveis, penhorados em 10-04-2017, no processo principal e acima referidos em 2.

4. A exequente beneficia de penhora registada em 29-03-2017 sobre os CINCO imóveis acima referidos em 2., tendo sido registadas como provisórias por natureza as penhoras sobre três dos cinco imóveis penhorados, a saber:

- Prédio Urbano descrito na CRPredial ... sob o n.º ...44, freguesia ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...72;

- Prédio Urbano descrito na CRPredial ... sob o n.º ...97, freguesia ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...73;

- Prédio Rústico descrito na CRPredial ... sob o n.º ...25, freguesia ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...19.

5. A credor a “P..., SA.”, possui uma hipoteca relativamente a cada um dos cinco Imóveis penhorados, registada a seu favor em 14-12-2006.

6. Pela Ap. ...15 de 2015/01/30 foi registada uma ação, registo esse que ficou como provisório por natureza – art.º 92.º, n.º 1, al. a), e abrangendo os três prédios acima referidos em 4., sendo sujeito ativo “C... Unipessoal, Ld.ª” e sujeito passivo “E..., Ld.ª”.

7. Nessa ação, de acordo com esse registo, foi feito o seguinte pedido:

“a) considerar resolvido o contrato promessa celebrado em 27 de abril de 2012 sobre este prédio;

b) reconhecer a Ré o direito legal de retenção da Autora sobre este imóvel;

c) para o caso de assim não se entender, proferir decisão judicial que, substituindo-se à declaração de vontade da contraente faltosa, ora Ré, decrete a transferência da titularidade deste imóvel a favor da Autora, livre de quaisquer ónus e encargos.” – documentos 2, 3 e 4, juntos com a p.i..

8. Por sentença de 26 de janeiro de 2015, nessa referida ação registada sob o n.º 229/13...., do Juízo Central Cível ..., J..., foi decidido julgar improcedente o pedido principal (als. a) a c) do petitório), dele se absolvendo a Ré; e julgar procedente o pedido subsidiário, transferindo-se para a A. Habilitação do adquirente ou cessionário “C... Unipessoal, Ld.ª.” a propriedade dos imóveis supra identificados em 4., em substituição da declaração de venda da Ré “E..., Ld.ª.”, o que fica dependente da condição suspensiva de a A. proceder, em 90 dias após trânsito, ao depósito do remanescente do preço, no montante de € 200.000, 00. E as custas ficaram pela Ré – documento 5, junto com a p.i..

9. Por despacho de 13 de janeiro de 2020, proferido na citada ação n.º 229/13...., foi consignado que «… resulta da apreciação critica das posições tidas pela Autora e Ré nos requerimentos aludidos atrás que é consensual entre elas que a Autora procedeu ao depósito do remanescente do preço, em obediência ao decidido, por sentença já transitada em julgado, constando inclusive no processo a declaração de quitação comprovativa de tal pagamento, e de cuja transferência da propriedade para a Autora ficaria dependente do preenchimento da condição suspensiva de proceder a tal pagamento nos termos do decidido em tal sentença, e portanto, que é consensual entre elas que a Autora preencheu tal condição suspensiva, e por conseguinte, se operou a transferência da propriedade da Ré para a Autora, e por força disso, não obtém acolhimento “in casu” a pretensão ora deduzida pela Interveniente Acidental, impondo-se, assim, necessariamente que, por ora, se mantenha o registo da presente ação.» – documento 11, junto com a p.i..

10. [Sem interesse]; 11. [Sem interesse]; 12. [Sem interesse]; 13. [Sem interesse]; 14. [Sem interesse]; 15. [Sem interesse];

16. Por sentença de 15/6/2018, no Apenso A de reclamação de créditos, foi reconhecido o crédito reclamado pela “P..., SA” nos seguintes termos:

a) julgar procedente, por provada, a impugnação apresentada pela executada “E..., Ld.ª.”,

b) pelo que julgo parcialmente Reconhecido o crédito reclamado pela “P..., SA.”, até ao montante máximo € 691.050,00 euros, abrangendo unicamente os juros relativos a três anos, garantido pela hipoteca registada a seu favor,

c) e GRADUO os créditos em concurso, em relação aos CINCO bens imóveis penhorados nos autos principais, da seguinte forma:

- tendo-se em conta que as custas da execução sairão precípuas do produto do bem penhorado, conforme determina o art. 541.º, do Novo Código de Processo Civil;

Da parte sobrante, pagar-se-á:

1º - o crédito reclamado pela “P..., SA.”, garantido por hipoteca, registada em 14-12-2006, até ao montante máximo assegurado por essa hipoteca, ou seja, 691.050,00 euros, abrangendo unicamente os juros relativos a três anos, improcedendo no restante peticionado pela referida credora;

2º - e o crédito exequendo.

b) Apreciação das questões objeto do recurso

1 – Recapitulando o já dito, verifica-se que em 2006 a Recorrente obteve hipoteca sobre cinco prédios que pertenciam nessa data à executada E..., Ld.ª.

Mais tarde, em 2015, a empresa E..., Ld.ª foi executada na presente execução e foram penhorados esses prédios, em 29 de março de 2017.

A recorrente P..., SA reclamou créditos tendo sido graduada em segundo lugar por virtude da aludida hipoteca sobre três desses prédios.

Sucede que a requerida C... Unipessoal, Ld.ª tinha instaurado uma ação declarativa, com o número 229/13...., através da qual, por sentença de 26 de janeiro de 2017, obteve a transmissão da propriedade de três desses prédios para si, no confronto com a antiga proprietária E..., Ld.ª.

Além disso, a requerida C... Unipessoal, Ld.ª registou essa ação declarativa em 30 de janeiro de 2015, em data anterior à da mencionada penhora, feita em 29 de março de 2017.

A Recorrente pretende que a nova proprietária desses três prédios intervenha na presente ação executiva e, para esse efeito, deduziu incidente de habilitação, pretensão que não foi acolhida pelo tribunal.

Coloca-se a questão de saber, como se disse, se é este o incidente apropriado ou se não será antes o da intervenção principal provocada.

Vejamos então.

O artigo 263.º do Código de Processo Civil dispõe que «No caso de transmissão, por ato entre vivos, da coisa ou direito litigioso, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo.»
[A coisa ou direito litigioso adquirem a natureza de «litigiosos» a partir do momento em que são objeto de um pedido formulado numa acção judicial – DD. Um Desafio à Teoria Geral do Processo. Repensando a Transmissão da Coisa ou Direito em Litígio, Ainda um Contributo para o Estudo da Substituição Processual. Coimbra Editora, 2009, pág. 82]

No caso dos autos, ocorreu uma transmissão do direito de propriedade sobre três dos prédios penhorados, sendo a transmitente a executada E..., Ld.ª e a adquirente a empresa C... Unipessoal, Ld.ª, estranha ao presente processo executivo.

Parece, pois, que o disposto no referido n.º 1, do artigo 263.º, do Código de Processo Civil, dá enquadramento a esta hipótese factual, isto é, a «coisa litigiosa», que consiste nos prédios penhorados, foi transmitida, pelo que o adquirente pode e deve ser chamado aos autos «por meio de habilitação» para substituir o transmitente.

O artigo 356.º (Habilitação do adquirente ou cessionário) do Código de Processo Civil regula este tipo de habilitação.

Na decisão sob recurso considerou-se que este incidente não era o adequado porque não alcançava a finalidade para o qual está traçado, que é substituir uma pessoa por outra e neste caso isso não ocorreria porque a executada E..., Ld.ª continuaria no processo como executada apesar do sucesso da habilitação.

Não se afigura procedente este argumento porque o que fica dito não corresponde com exatidão à realidade processual dos autos.

Com efeito, a executada E..., Ld.ª é efetivamente substituída no que diz respeito à execução daqueles três prédios, embora continue na execução porque não é substituída quanto ao crédito exequendo e restantes bens penhorados.

Mas ocorre, na verdade, uma substituição parcial em relação a esses três prédios.

Afigura-se, por conseguinte, que o incidente da habilitação produz o efeito desejado que é fazer intervir o novo proprietário no processo executivo para que possa defender os seus interesses quanto a esses três prédios.

Vejamos agora a hipótese da intervenção provocada.

Este incidente está pensado e previsto para as situações em que se torna necessário garantir a legitimidade processual, quando a mesma não se encontra assegurada ou quando se pretende garantir a efetivação do direito de regresso (artigo 317.º do CPC).

O n.º 1 do artigo 316.º do Código de Processo Civil dispõem, com efeito, que «Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.»

Não repugna que um terceiro possa ser chamado em processo executivo, através do incidente de intervenção provocada, porquanto o n.º 2 do artigo 54.º do Código de Processo Civil determina que «A execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro segue diretamente contra este se o exequente pretender fazer valer a garantia…».

Por conseguinte, se o terceiro não foi inicialmente demandado pode sê-lo posteriormente, provocando-se a sua intervenção.

Neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de janeiro de 2014, no processo n.º 1626/11.2TBFAF-A.G1 (Abrantes Geraldes): « O facto de o credor ter instaurado acção executiva apenas contra o devedor não constitui obstáculo a que seja requerida a intervenção principal provocada do titular do bem hipotecado, se o credor pretender exercitar nessa mesma execução a garantia real do seu crédito» - Sumário, in www.dgsi.pt.

[No mesmo sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17-06-2014, no processo 41/09.7TBACB-A.C1 (Catarina Gonçalves): «Pretendendo o exequente fazer valer, no processo de execução que instaurou contra o devedor, a garantia real do seu crédito e constatando-se que o bem sobre o qual incide essa garantia havia sido transferido para terceiro em momento anterior à propositura da execução, pode o exequente recorrer ao incidente de intervenção principal provocada para fazer intervir o aludido terceiro (que poderia ter demandado inicialmente) tendo em vista o prosseguimento da execução contra o devedor e contra o titular do bem onerado com a garantia real - Sumário, em www.dgsi.pt

Bem como o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21-05-2020, no processo n.º 1778/14.0TBBCL-D.G1 (Maria João Matos): «Tendo o credor instaurado acção executiva apenas contra o devedor, e não simultaneamente contra o terceiro proprietário do bem dado em garantia, pode depois fazer intervir este por meio de incidente de intervenção principal provocada, quando pretenda exercitar nessa mesma execução a garantia real do seu crédito» - Sumário, em www.dgsi.pt]

Porém, o caso dos autos difere deste tipo de situações. No presente caso não existiu preterição de demanda do proprietário do bem dado em garantia, pois esse proprietário era a executada E..., Lda.

Dada a finalidade deste incidente, que é, na generalidade dos casos, a de assegurar a legitimidade decorrente de uma situação de litisconsórcio, parece que este incidente não se adequará ao caso dos autos, porquanto, tendo ocorrido sucessão no direito de propriedade sobre alguns dos bens penhorados, não estamos perante um caso de litisconsórcio, mas de mera sucessão temporal nos direitos, no caso, dos direitos de propriedade em relação a três imóveis penhorados.

Cimo se vem referindo, o que ocorreu foi a transmissão do direito de propriedade do bem hipotecado no decurso do processo executivo.

Para estes casos o incidente adequado é o da habilitação.

Neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 21 de março de 2003, no processo identificado com o n.º 02B2897 (EE):

I - O incidente de habilitação de adquirente previsto nos art. 271, al. a) e 376, do CPC, sendo o meio adequado para realizar a substituição de alguma das partes em acção declarativa, à luz do princípio de economia processual pode e deve aplicar-se por analogia no âmbito da acção executiva para, embora em desvio às regras normais da legitimidade neste domínio, de um modo mais fácil e rápido possibilitar a intervenção do adquirente do bem hipotecado.

II - Importará, contudo, salvaguardar o direito de defesa do habilitado, designadamente dando-lhe a possibilidade de, se o desejar, vir opor-se à execução, o que impõe a sua notificação para tal efeito» - Sumário, in www.dgsi.pt.

Independentemente do tipo de incidente utilizado, cumpre referir que deve proporcionar-se a intervenção da sociedade C..., Lda., face ao disposto nos artigos 3.º, n.º 1. al. a) e 5.º, n.º 1, ambos do Código de Registo Predial, e ao facto da ação declarativa n.º 229/13.... ter sido registada em data anterior à da penhora efetuada na presente execução.

Conclui-se, por conseguinte, que tendo a transmissão do direito de propriedade dos bens onerados com hipoteca ocorrido depois de penhorados esses bens, mormente em consequência de ação declarativa registada antes da penhora, neste caso o incidente adequado é o da habilitação do adquirente.

2 – Considerando que o incidente da habilitação foi julgado improcedente e se acabou de concluir que é este o incidente adequado, cumpre revogar a decisão recorrida e conhecer do mérito do incidente.

O artigo 263.º do Código de Processo Civil dispõe que «No caso de transmissão, por ato entre vivos, da coisa ou direito litigioso, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo.»

Nos termos da al. b), do n.º 1 do artigo 356.º do Código de Processo Civil, «Se houver contestação, o requerente pode responder-lhe e em seguida, produzidas as provas necessárias, é proferida decisão; na falta de contestação, verifica-se se o documento prova a aquisição ou a cessão e, no caso afirmativo, declara-se habilitado o adquirente ou cessionário.»
Não foi deduzida contestação.
Mostra-se provado que ocorreu uma transmissão do direito de propriedade sobre três dos prédios penhorados, sendo a transmitente a executada E..., Ld.ª e a aquirente a empresa C..., Lda., estranha ao presente processo executivo.

Cumpre declarar habilitada a empresa C..., Lda., nos termos requeridos.

3 – A segunda questão respeitava ao erro na forma de processo, questão que ficou prejudicada quanto à sua análise e decisão pela solução dada à questão anterior.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso procedente, revoga-se a decisão recorrida e declara-se habilitada a adquirente C... Unipessoal, Ld.ª., passando a ocupar o lugar da executada E..., Ld.ª., relativamente aos seguintes imóveis penhorados:

 - Prédio Urbano descrito na CRPredial ... sob o n.º ...44, freguesia ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...72;

 - Prédio Urbano descrito na CRPredial ... sob o n.º ...97, freguesia ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...73;

- Prédio Rústico descrito na CRPredial ... sob o n.º ...25, freguesia ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...19.


*

Custas pela executada E..., Ld.ª.

*

Coimbra, …