Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4178/19.1T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: HERANÇA
SUA REPRESENTAÇÃO EM JUÍZO
DA JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO DO CONTRATO PELO TRABALHADOR
Data do Acordão: 11/27/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DO TRABALHO DE VISEU – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 2087º, 2088º, 2089º, 2090º E 2091º DO C. CIVIL; ARTº 398º, Nº 3 DO C. TRABALHO.
Sumário: I – É entendimento corrente que relativamente a conflitos relativos a herança que já haja sido aceite mas permaneça indivisa devem estar em juízo, consoante a natureza dos direitos em litígio, ou o cabeça-de-casal (art.ºs 2087, 2088º, 2089º e 2090º do CC) ou todos os herdeiros (art.º 2091º do CC).

II - Como decorre do disposto no artº 398º, nº 3 do CT só são atendíveis para justificar a justa causa de resolução os factos constantes da respectiva comunicação.

Decisão Texto Integral:





Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

I – P..., residente na Rua ..., intentou a presente acção declarativa com forma de processo comum contra HERANÇA ILÍQUIDA E INDIVISA ABERTA POR ÓBITO DE E..., representada nos autos pelos seus herdeiros, ..., pedindo que a presente acção seja julgada procedente por provada e em consequência seja:

a) Declarada a justa causa de resolução do contrato de trabalho promovida pelo autor, por falta de pagamento pontual das retribuições na forma devida;

b) Os réus condenados a pagar ao autor o montante global de €27.632,59 (vinte e sete mil seiscentos e trinta e dois euros e cinquenta e nove cêntimos), bem como os juros de mora à taxa legal, desde a citação, até integral pagamento.

Alega para tanto, tal como consta da sentença impugnada, que o falecido E... dedicava-se, enquanto empresário em nome individual, à actividade de construção civil.

No exercício da sua actividade admitiu o autor ao seu serviço em Janeiro de 1993, para exercer as funções de pedreiro de 2ª.

Como contrapartida pela prestação do seu trabalho o autor auferia a retribuição base ilíquida mensal de €600 (seiscentos euros).

Acrescenta que o autor trabalhava quarenta horas semanais distribuídas de segunda a sexta-feira, das 8 às 12 horas e das 13 às 17 horas. Em 20 de Janeiro de 2019 E... faleceu e os seus herdeiros prosseguiram a actividade comercial do falecido, designadamente continuando as obras em curso.

Alega ainda que desde o falecimento os réus colocaram o autor numa situação de total inactividade, obstando à sua prestação de trabalho.

O autor todos os dias à hora marcada estava no local combinado, onde sempre o apanhavam para ir trabalhar; todavia os réus deixaram de passar.

Uma vez que tal situação se tornou insustentável, o autor por carta datada de 9 de Abril de 2019, enviada a 18 de Abril, resolveu com justa causa o referido contrato

Acrescenta que não foram pagas as retribuições correspondentes a parte do mês de Janeiro (€420) e aos meses de Fevereiro a Abril de 2019 (€1.800), nem os proporcionais de subsídio de natal, no ano da cessação do contrato (€187,53) subsídio de férias vencido em 01/01/2019 (€600) e férias vencidas na mesma data (€600), proporcionais dos subsídios de férias do ano da cessação (€187,53); proporcionais de férias no ano da cessação (€187,53).

Por último alega que tem ainda direito a indemnização, nos termos do disposto no artigo 396º, n º 1 do Código do Trabalho, a qual deve ser fixada em 45 dias, o que perfaz o montante de €23.670 (vinte e três mil, seiscentos e setenta euros).

Realizada a audiência de partes e frustrada a tentativa de conciliação, foram os réus notificados para contestar, o que fizeram, alegando, tal como também consta da sentença impugnada, que após o falecimento de E... o autor nunca foi impedido de exercer as suas funções.

Concluíram que o autor não tem direito aos salários dos meses de Janeiro a Abril de 2019 nem à indemnização peticionada.

Em sede de reconvenção peticionam a condenação do autor no pagamento de uma indemnização de €1.200 (mil e duzentos euros) que deverá ser compensada com créditos que lhe são devidos, em virtude do despedimento ilícito.

Em sede de resposta, o autor pugna pela improcedência do pedido reconvencional, na medida em que a causa de resolução é lícita.

II – Admitida a reconvenção, sem fixação de base instrutória/temas de prova, prosseguiu o processo os seus regulares termos, acabando por ser proferida sentença de cujo dispositivo consta o seguinte:

“Por tudo o exposto:

I) Julga-se a presente acção parcialmente procedente por provada e, em consequência, condenam-se os réus a reconhecer que o autor é detentor de um crédito no montante global de € 1.770 (mil setecentos e setenta euros).

II) Julga-se a reconvenção procedente por provada e, em consequência condena-se o autor a pagar aos réus a quantia de €1.200 (mil e duzentos euros), a qual deve ser deduzida ao montante aludido em I), por via da compensação.

III) Operando a compensação, condenam-se os réus a pagar ao autor a quantia de € 570 (quinhentos e setenta euros), sem prejuízo dos descontos legais obrigatórios, acrescida de juros de mora vincendos à taxa legal de 4% a partir da presente decisão.

IV) Absolvem-se os réus do demais peticionado na acção.”

                       III – Não se conformando com esta decisão, dela o autor veio apelar alegando e concluindo:

...

Os apelados não responderam.

O Exmº PGA emitiu fundamentado parecer no sentido da confirmação da sentença impugnada.

IV – A 1ª instância considerou provada a seguinte matéria:

                    ...

V - Conforme decorre das conclusões da alegação do recorrente que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso, as questões a decidir podem equacionar-se do seguinte modo:

1. Ilegitimidade dos contestantes (...) (conclusões 1. a 7.).

2. Inadmissibilidade da reconvenção (conclusões 8. a 10.).

3. Alteração da matéria de facto (conclusões 11. a 25.).

4. Justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador (conclusões 26. a 29.).

Da ilegitimidade dos contestantes (...),

Argumenta o recorrente que “os contestantes não tinham legitimidade para intervir no processo, designadamente porque a mesma decorre da forma como o autor configurou a acção e esta foi intentada contra a herança e não contra a viúva e os demais herdeiros individualmente. Esta situação levanta, pois, duas questões: em primeiro lugar uma questão de ilegitimidade processual dos contestantes, nos termos do artigo 33º do Código de Processo Civil. E em segundo lugar, a da irrelevância e ineficácia da contestação apresentada. Efectivamente é irrelevante a apresentação de uma contestação se o contestante não é parte no processo, como acontece no caso presente.

(…) a única decisão adequada era a de considerar os contestantes partes ilegítimas e a contestação apresentada irrelevante, inadmissível, pelo que deveria ter sido desentranhada e devolvida ao apresentante, com a declaração de confessados todos os factos da petição inicial”.

Como decorre do excerto transcrito, pretende o recorrente que esta Relação julgue a viúva e os filhos do falecido E... partes ilegítimas e, nessa sequência, seja a contestação por eles apresentada mandada desentranhar; e não tendo a herança deste apresentado contestação, sejam dados como confessados os factos articulados na p.i.por falta de impugnação.

Decidindo:

Desde logo o recorrente configura a acção do seguinte modo:

“P..., (…); vem instaurar contra a herança ilíquida e indivisa, aberta por óbito de E..., representada pela cabeça de casal e herdeiros, que são:

 (…)

II - Da legitimidade dos réus

6º Acontece que em 20 de Janeiro de 2019 a sua entidade patronal, E..., faleceu, conforme doc. 3, que se junta e dá por reproduzido.

7º Desde aí, a herança, na pessoa da cabeça de casal e dos seus herdeiros, respectivamente, ... (cfr. doc.3), prosseguiram a actividade comercial do falecido E..., o que atesta a responsabilidade e legitimidade dos mesmos para esta acção.

(…)

Nestes termos, e nos melhores de Direito, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada e, em consequência:

a) Declarar-se a justa causa da resolução do contrato de trabalho promovida pelo autor, por falta de pagamento pontual das retribuições na forma devida;

b) Serem os réus condenados a pagar ao autor o montante global de €27.632,59 (…)”

Em primeiro lugar verificamos desde logo que o autor pede a condenação de todos os réus e não apenas da ré herança. E essa condenação foi obtida conforme consta do dispositivo da sentença.

Em segundo lugar, não faz qualquer sentido demandar determinados réus sabendo serem estes partes legítimas, conforme expressamente é alegado na p.i., arguindo depois a sua ilegitimidade numa espécie de “venire contra factum proprium”, ou seja, exercendo uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo próprio autor.

Em terceiro lugar, conforme dá conta o Exmº PGA, através da Habilitação de herdeiros nº ..., lavrada, em 25.1.2019, na Conservatória do Registo Civil/Predial e Comercial de ..., foram declarados herdeiros da herança aberta por óbito de E..., ocorrida 20.1.2019, o cônjuge sobrevivo A... e os dois filhos J... e A...

A herança manter-se-á ilíquida e indivisa.

Ora, como se afirma no ac. da Rel. de Coimbra de 24.9.2019, no proc. nº 348/18.8T8FND-A.C1, citado pelo Exmº PGA, com a adequada adaptação ao presente caso, “resulta inequívoco da alínea a) do art.º 12º do CPC que apenas a herança jacente é dotada de personalidade judiciária, isto é, apenas a herança aberta que ainda não haja sido aceite nem declarada vaga para o Estado (art.º 2046º do CC) goza de tal atributo.

E é entendimento corrente que relativamente a conflitos relativos a herança que já haja sido aceite mas permaneça indivisa devem estar em juízo, consoante a natureza dos direitos em litígio, ou o cabeça-de-casal (art.ºs 2087, 2088º, 2089º e 2090º do CC) ou todos os herdeiros (art.º 2091º do CC). A filosofia subjacente ao Código de Processo Civil visa assegurar, sempre que possível, a prevalência do fundo sobre a forma, visando que o processo e a respectiva tramitação tenham a maleabilidade necessária para funcionar como um instrumento (e não como um obstáculo) para alcançar a verdade material e a concretização dos direitos das partes, como claramente se evidencia no preâmbulo do DL n.º 329-A/95 de 12/12[17] e vemos reafirmado e até reforçado no CPC vigente.

Bem como no Ac. da Rel. do Porto de 19.10.2015, no proc. nº 443/14.2T8PVZ-A.P1, igualmente citado pelo Exmº PGA, “a herança indivisa ou não partilhada apenas goza de personalidade judiciária enquanto se mantiver na situação de jacente. A partir da cessação daquela situação, operada mediante a sua aceitação por parte dos sucessíveis chamados, passa a não dispor de tal prerrogativa processual pelo que não poderá, em seu próprio nome, desempenhar o papel de parte processual em lide forense, demandar e ser demandada. Enquanto a herança permanecer na situação de indivisão, os seus herdeiros não têm qualquer direito próprio a qualquer dos bens que a integram, pelo que, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros, nos termos prescritos no artigo 2091.º, n.º 1, do Código Civil. Ou seja, fora dos casos excepcionais em que se poderá verificar a intervenção do cabeça de casal, ou de qualquer herdeiro ou mesmo terceiro, casos esses previstos nos artigos 2075.º, 2078.º e 2087.º a 2089.º do mesmo diploma (e que no caso se não aplicam), as acções com interesses respeitantes ao acervo hereditário ainda por partilhar terão de ser intentadas por ou contra a totalidade dos herdeiros, actuando estes em litisconsórcio necessário, activo ou passivo–(artigo 33.º, nº 1 do C.Civil). Trata-se, portanto, de legitimidade imposta por lei, decorrente da falta de personalidade judiciária por parte da herança ilíquida e indivisa. Tais herdeiros funcionam como se, representantes de tal massa, fossem reunindo no conjunto deles, na respectiva colectividade, não só o requisito da personalidade judiciária, mas também, “ex vi legis”, o da legitimidade processual activa ou passiva.”

Improcede, pois, a arguida ilegitimidade, não havendo que mandar desentranhar a contestação que, aliás, aproveita à ré não contestante (alínea a) do artº 568º do CPC)[1], não operando também o efeito a que alude o nº 2 do artº 574º do CPC (admissão dos factos por acordo).

Da inadmissibilidade da reconvenção.

Alega o recorrente que dispõe o artigo 583º, n.º 1 que a reconvenção deve ser identificada, deduzida separadamente com invocação dos seus fundamentos e pedido.

Os contestantes não alegam factos para sustentar o pedido reconvencional e este é ininteligível pelo que não podia sequer ter sido admitido.

Ao recorrente não assiste qualquer razão.

Vejamos:

Na contestação lê-se o seguinte:

RECONVENÇÃO

11º- Como os factos que o autor chamou à colação para resolver o seu contrato de trabalho não são verdadeiros, a resolução é ilícita, pelo que o autor se encontra obrigado a pagar uma indemnização de 1.200,00 euros, que deverá ser compensada com créditos que lhe são devidos, o que se invoca, com as legais consequências.

Termos em que, deve a presente contestação ser atendida em toda a sua extensão, com as legais consequências.

Mais deverá ser atendido o pedido reconvencional, com as legais consequências”.

Verifica-se, deste modo, que a reconvenção foi expressamente identificada e deduzida separadamente na contestação e nela foi exposto o seu fundamento. qual seja a ilicitude da resolução que dá direito ao empregador ser indemnizado nos termos do disposto no artº 399º do CT.

A reconvenção foi, assim, deduzida com observância das formalidades previstas na lei e é admissível na medida em que emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção (artº 30º nº1 do CPT), aliás conforme despacho de admissibilidade proferido nos autos (fls. 360 do processo electrónico).

Da alteração da matéria de facto.

Nos termos do art. 639º, nº 1 do CPC, “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.”.

Prescreve o art. 640º, nº 1 do CPC “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”.

No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;” – art. 640º nº  2 al. a) do CPC.

Resulta daquele primeiro normativo a imposição ao recorrente de dois ónus, a saber: 1º) o de alegar; 2º) o de formular conclusões.

Assim, com vista à satisfação daquele primeiro ónus, o recorrente deve apresentar a alegação onde: a) expõe os motivos e argumentos da sua impugnação, explicitando as razões pelas quais considera que a decisão está errada ou é injusta, seja do ponto de vista da apreciação da prova produzida e do julgamento da matéria de facto levada a efeito com base nela, seja do ponto de vista da interpretação e da aplicação do direito aos factos que devem considerar-se provados; b) enuncia o objectivo que visa alcançar com o recurso.

Por seu turno, para satisfação do segundo dos enunciados ónus, o recorrente deve terminar a sua minuta com a formulação de conclusões, por via das quais deve indicar resumidamente, através de proposições sintéticas, os fundamentos, de facto e/ou de direito, com base nos quais pede a alteração ou anulação da decisão – as conclusões são, assim, proposições onde se sumaria a exposição analítica do corpo das alegações.

Assim, em caso de recurso com impugnação da decisão sobre a matéria de facto e uma vez que também nesse domínio são as conclusões que delimitam o seu âmbito, delas têm de constar proposições que delimitem o seu objecto, fixando, pelo menos: i) o âmbito fáctico do recurso, por indicação dos concretos pontos de facto incorretamente julgados (arts. 639º, nº1 e 640º, nº 1, al. a) do CPC); ii) o objectivo recursório visado, por indicação da decisão que deve ser proferida em substituição da impugnada e quanto a cada ponto de facto que se considere incorrectamente julgado (arts. 639º/1 e 640º/1/a do NCPC) – no sentido de que o âmbito fáctico do recurso e o seu objectivo recursório devem ser delimitados nas conclusões, sob pena de imediata rejeição do recurso, podem consultar-se, entre outros, os acórdãos do STJ de 7/7/2016, proferido no processo 220/13.8TTBCL.G1.S1, de 13/10/2016, proferido no processo 98/12.9TTGMR.G1.S1, 3/11/2016, proferido no processo 342/14.8TTLSB.L1.S1, acórdão da Relação de Lisboa de 27/10/2016, proferido no processo 7596-12.2TBALM-A.L1-6, acórdão da Relação de Évora de 20/10/2016, proferido no processo 125/15.8T8FTR.E1, acórdão da Relação de Coimbra de 27/10/2016, proferido no processo 136/10.0TTCBR.C1, acórdãos da Relação do Porto de 2/3/2017, proferido no processo 2184/15.4T8MAI.P1, e de 5/4/2017, proferido no processo 1512/16.0T8AVR.P1.

Da conjugação das exigências legais referentes ao ónus de alegar e formular conclusões com as exigências enunciadas no art. 640º, nºs 1 e 2 do CPC relativamente ao recurso incidindo sobre a matéria de facto, nas conclusões do recurso o recorrente tem de identificar, ainda que de modo sumário, os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, bem como indicar o sentido alternativo em que o julgamento da matéria impugnada deveria ter sido efectuado.

Neste sentido se pronuncia, na doutrina, Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, p. 126), ao sustentar que “Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;”, acrescentando que “A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:

(…)

b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados”  – p. 128.

No mesmo sentido se têm pronunciado os nossos tribunais superiores, como são exemplo as seguintes decisões: acórdãos do STJ de 19/2/2015, proferido no âmbito da revista 299/05.6TBMGD.P2.S1, e de 4/3/2015, proferido no âmbito da revista 2180/09.0TTLSB.L1.S2; acórdão da Relação do Porto de 15/9/2014, proferido no âmbito da apelação 11/10.8TBGDM.P1; acórdão da Relação de Guimarães de 13/10/2014, proferido no âmbito da apelação 2149/12.8TBVCT.G1; acórdão da Relação de Lisboa de 12.02.2004, proferido no âmbito da apelação 26/10.6TTBRR.L1-4; acórdão da Relação de Évora de 7/12/2012, proferido no âmbito da apelação 614/11.3TTPTM.E1;

Esta secção social também vem decidindo reiteradamente no mesmo sentido de que são exemplo os acórdãos de 15/9/2017, proferido na apelação 5478/16.8T8CBR.C1, de 29/9/2017, proferido na apelação 3066/16.8T8LRA.C1 e de 19.02.208 proferido na apelação 1629/16.6T8GRD.C1.

No caso em apreciação verificamos que nas conclusões do recurso o recorrente não procede à concreta especificação dos pontos de facto que considera mal julgados (cfr. concls. 11º a 25º).

Da leitura das alegações que precederam as respectivas conclusões parece inferir-se que o recorrente terá querido impugnar o facto provado 18º e infere-se que pretende também impugnar os factos não provados descritos sob as alíneas a), b) e d).

Todavia, se assim era a vontade da recorrente, impunha-se-lhe, pelas razões que acima se deixaram consignadas, que de forma específica e concreta fizesse constar essa sua vontade nas conclusões recursórias, o que não fez.

É certo que na conclª 21ª lê-se que “Estes factos alegados pelo trabalhador deveriam, deste modo, considerar-se provados, (…).”

Mas que factos, perguntar-se-á?

Os narrados nos documentos junto com a p.i?

Se assim é, há a considerar que os documentos não são factos mas meios probatórios tendentes a provar factos que a parte deverá ter alegado, salvo no caso em esses sejam de conhecimento oficioso.

Ora lendo a petição (particularmente os artigos 9 a 18), não se vislumbra onde o tribunal tenha deixado de se pronunciar sobre os factos aí alegados no sentido de os considerar provados ou não provados.

Por todo o exposto, decide-se não conhecer da impugnação da matéria de facto, a qual se manterá tal qual como foi decidida em 1ª instância.

Da justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador.

Como decorre do disposto no artº 398º, nº 3 do CT só são atendíveis para justificar a justa causa de resolução os factos constantes da respectiva comunicação.

O autor resolveu o seu contrato de trabalho nos termos da carta que a seguir se reproduz:

“De: P...

Viseu 09/04/2019

(…)

Para: A...

Cabeça de casal na herança aberta por óbito de E...

(…)

Registada com A/R

Assunto: Justa causa de resolução do contrato de trabalho celebrado em 1993

Ex.mos Senhores:

Desde 1993 fui trabalhador do Sr. E..., com a categoria profissional de Pedreiro.

A partir da data do falecimento deste, 20/01/2019, verificaram-se por parte de V. Ex. os seguintes comportamentos:

a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;

b) Violação culposa de garantias legais, designadamente, o dever de ocupação efectiva do trabalhador.

De facto, desde o falecimento do Sr. E... não me foram pagos os vencimentos a que tenho direito, designadamente, parte do mês de Janeiro, mês de Fevereiro e Março, o que tem colocado perante graves dificuldades de subsistência de todo o meu agregado familiar.

Igualmente, desde essa data colocaram-me numa situação de total inactividade, obstando injustificadamente à prestação do meu trabalho, apesar das inúmeras vezes em que tentei saber em que obras se encontravam a trabalhar, para aí me dirigir e poder trabalhar.

A conduta de V.Exas é violadora dos meus direitos e garantias, agravada pelo facto de ser trabalhador desta empresa há mais de 25 anos.

Assim, venho ao abrigo e para os efeitos do disposto no artigo 395°, n° 1 do Código do Trabalho resolver com justa causa e com efeitos imediatos, o contrato de trabalho sem termo celebrado com o pai de V. as Ex. as em 1993, com os fundamentos supra expostos.

(.….)”.

A 1ª instância decidiu não se verificar justa causa de resolução, porquanto “o autor deixou de prestar trabalho, não se integrando a conduta dos réus em nenhuma das situações elencadas no nº 1 do artigo 394º do CT. Assim sendo, (…) inexiste justa causa de resolução do contrato pelo autor/trabalhador, sendo a sua resolução ilícita nos termos do disposto no artigo 399º do CT”

Decidindo:

O contrato de trabalho entre autor e réus manteve-se em vigor até 09/04/2019, data em que o trabalhador o resolveu alegando justa causa.

O autor não logrou provar, como lhe competia, que os réus tivessem obstado injustificadamente à prestação do trabalho, ou seja, que tivessem violado o denominado dever de ocupação efectiva.

Conforme decorre do facto 18), foi o autor que se recusou a prestar trabalho não mais comparecendo nas obras que os réus traziam em curso.

Consequentemente, improcede a justa causa com base neste fundamento de resolução

No que respeita aos demais factos consubstanciadores da alegada justa causa – falta de pagamento de parte da retribuição do mês de Janeiro de 2019 e salários de Fevereiro e Março desse ano -, sabemos que parte daquela retribuição de Janeiro foi paga pelos réus (facto 14) e, relativamente aos salários de Fevereiro e Março, temos que o autor esteve ausente do trabalho durante esses meses por facto que lhe é, em face da factualidade provada, inteiramente imputável, pois recusou-se a trabalhar deixando de comparecer nos locais de trabalho.

Ou seja, incorreu em faltas injustificadas (artº 249º do CT), as quais determinam a perda da retribuição correspondente ao período de ausência (artº 256º, nº 1 do CT).

Assim, não estavam os réus obrigados a pagar ao autor os salários dos meses de Fevereiro e Março de 2019, improcedendo esta causa de resolução.

Falece, pois, também nesta parte a apelação.

IV - Termos em que se decide julgar a apelação totalmente improcedente com integral confirmação da sentença impugnada.

Custas a cargo da apelante.


Coimbra, 27 de Novembro de 2020

 (Joaquim José Felizardo Paiva)

(Jorge Manuel da Silva Loureiro)

(Paula Maria Mendes Ferreira Roberto)



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[1] Situação que contempla todos os casos de pluralidade de réus, seja ela de litisconsórcio necessário, seja de litisconsórcio voluntário ou coligação.