Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
8510/18.7T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS
SOCIEDADE POR QUOTAS
SÓCIO
PESSOA COLECTIVA
REPRESENTAÇÃO
MANDATÁRIO
ASSEMBLEIA GERAL
CEDÊNCIA DE QUOTA
QUOTA NÃO LIBERADA
SÓCIO REMISSO
DELIBERAÇÃO ANULÁVEL
DELIBERAÇÃO NULA
DANO APRECIÁVEL
Data do Acordão: 04/02/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JUÍZO COMÉRCIO - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.369, Nº1, 380, 381 CPC, 56, 58, 203, 204, 205, 206, 212, 242, 248, 249,Nº5, 251, 252, 391, Nº7 CSC
Sumário: 1 - Nas sociedades por quotas, o direito de participar nas deliberações não tem de ser exercido pessoalmente pelos próprios sócios; porém, atenta a vertente personalista deste tipo societário, restringe-se fortemente o leque de possíveis representantes, como resulta do art. 249.º/5 do CSC, segundo o qual, na ausência de expressa previsão do contrato social, a escolha só pode recair sobre o cônjuge, ascendente, descendente ou outro sócio.

2 - Quando o sócio é uma pessoa colectiva, discute-se, na ausência de cláusula contratual, se tal sócio (que é pessoa colectiva) se pode fazer representar através dum terceiro/mandatário ou se se aplica, sem qualquer adaptação, a regra do art. 249.º/5 do CSC (restringindo a representação voluntária a outro sócio).

3 - Não é, porém, discutível/discutido que o contrato de sociedade possa dirimir a questão e que possa dizer que “os sócios podem livremente designar quem os representará nas assembleias gerais”, hipótese em que abre expressamente a representação dos sócios (sejam ou não pessoas colectivas) a pessoas totalmente alheias à sociedade.

4 - Assim como não é discutível, ainda que tal não conste dos respectivos estatutos, que a administração de tal sócio (pessoa colectiva) se possa fazer representar, “sem necessidade de cláusula contratual expressa”, por terceiros na tomada de deliberações (no seio de sociedades participadas), como resulta dos art. 252.º/6 e 391.º/7 do CSC.

5 - Impedir ilicitamente um sócio de participar numa AG constitui, só por si, um vício procedimental relevante e, por isso, causa de anulabilidade (nos termos do art 58.º/1/a) do CSC) das deliberações que em tal AG venham a ser tomadas, ou seja, ainda que se logre provar que as deliberações seriam idênticas (que passariam a chamada “prova de resistência”), nem por isso as mesmas deixariam de ser anuláveis.

6 – Quando é cedida uma quota, é cedida toda a relação entre o titular de tal participação social e a sociedade, pelo que, cedida uma quota não liberada, é o novo titular da quota (o cessionário) quem fica com a obrigação de pagar o valor da entrada em dinheiro ainda em falta.

7 – Sem prejuízo da cessão de quota (não liberada) não eximir o cedente de toda a responsabilidade pela não realização da quota (quando a cedeu), podendo vir a ser responsabilizado pela diferença entre a parte da entrada em dívida e o produto da venda da quota, porém, apenas em tais estritos termos existe tal responsabilidade, a qual, como resulta da economia dos arts. 204.º, 205.º e 206.º do CSC, só surge após a exclusão do sócio remisso e venda da respectiva quota.

8 – Deliberada a exclusão dum sócio com fundamento em ser “sócio remisso”, é tal deliberação de exclusão, caso não estejam reunidos os pressupostos do art. 204.º/1 do CSC, nula (cfr. art. 56.º/1/c) do CSC) por violar os preceitos imperativos do CSC que estabelecem os termos em que um sócio pode ser excluído.

9 – Só podem ser suspensas deliberações ainda não executadas, embora tal deva ser entendido em termos hábeis, ou seja, não se trata de impedir os órgãos sociais da sociedade dum qualquer acto de execução instantânea da deliberação em causa, mas sim de paralisar os efeitos jurídicos – não raras vezes, duradouros, persistentes e prolongados – que a deliberação em causa é susceptível de produzir.

10 – O “dano apreciável” causado pela execução da deliberação – o “periculum in mora” do procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais – tem que ficar em concreto provado, não sendo a sua existência de presumir, porém, tal concreta prova pode/deve resultar da apreciação que o tribunal deve fazer da globalidade dos concretos factos que estão alegados/provados (e não tem necessariamente que ser extraível apenas de factos e comportamentos posteriores à data da deliberação).

11 – Sendo o “dano apreciável” a prevenir um dano futuro, tal acontece, só por si, pelos efeitos duma deliberação de exclusão de sócio, já que, quando alguém é excluído de sócio, não perde apenas e só a sua participação social, mas também tudo que isso significa e representa, em termos de efeitos jurídicos, estando o “dano apreciável” nos direitos sociais que se retiram ao sócio excluído, em ver-se afastado da vida da sociedade, não podendo participar e influir nas decisões (designadamente, não podendo opor-se à entrada de novos sócios), passando os restantes sócios a poder deliberar, da forma como bem entenderem, sobre o destino da sociedade.

12 – Sendo o sócio excluído de modo bastante irregular, deve considerar-se que é muito séria e forte a probabilidade de serem significativos os prejuízos decorrentes da perda de qualidade de sócio, ou seja, que se encontra preenchido o perigo do “dano apreciável”.

Decisão Texto Integral:








Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

F (…), SGPS, S.A., com sede na Rua d (...) , intentou procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, com pedido de inversão de contencioso, contra A (…), Lda., com sede na Rua (...) , tendo em vista a suspensão das deliberações sociais tomadas no dia 31 de Outubro de 2018 e, em termos de inversão de contencioso, o reconhecimento da sua nulidade ou, se assim não se entender, que seja declarada a sua anulabilidade.

Alegou, em síntese, que, em 30 de Abril de 2013, subscreveu uma participação, no valor de € 960.000,00, na requerida; tendo transferido para as contas bancárias da requerida € 400.000,00, ficando por realizar a importância de € 560.00,00, uma vez que foi acordada e efectuada a divisão da quota de € 960.000,00 em duas (uma de € 400.000,00 e outra de € 560.000,00), sendo tal montante/quota, de € 560.000,00, subscrita pela nova sócia, C (…), S.A.

Sucede – estando assim extinta, no entender da requerente, a sua obrigação de entrada em relação a tais € 560.000,00 – que a requerida convocou uma Assembleia Geral de sócios para o dia 31/10/2018, tendo como ordem de trabalhos deliberar sobre a apreciação do comportamento lesivo para o interesse da sociedade da requerente e da C (…) pela não realização integral pela requerente da entrada de € 560.000,00 e pela não realização da C (…) da entrada de € 250.000,00; e deliberar sobre a exclusão de ambas (requerente e C (…)), com perda da quota e dos pagamentos efectuados por conta da obrigação de entrada, e sobre o destino a dar às quotas perdidas.

Assembleia Geral essa em que o sócio-gerente da requerida, J (…), assumiu o cargo de presidente da mesa e propôs que se deliberasse – por considerar que as procurações apresentadas não certificavam que haviam sido emitidas por quem detinha poderes para o acto – a não admissão a participar em tal AG dos 2 advogados que estavam presentes e que pretendiam representar, um a requerente e outro a C (…); proposta essa que foi aprovada com o voto favorável do assumido presidente da mesa e a abstenção do representante da quota pertencente à herança indivisa do sócio C (…) tendo, em consequência, os 2 referidos advogados abandonado o local sem participar na AG.

Após o que, em tal AG, de novo com o voto favorável do sócio-gerente J (…) e a abstenção do representante da quota pertencente à herança indivisa do sócio C (…), foi deliberada/aprovada a proposta de exclusão de sócias da requerente e da C (…), com perda das quotas e reversão das mesmas para a sociedade.

Alegou/invocou ainda:

 - que a ordem do dia de tal AG é ilegal e insusceptível de ser apresentada, uma vez que a obrigação do pagamento do remanescente do valor da quota de € 960.000,00 (ou seja, dos € 560.000,00) se extinguiu por força da deliberação da divisão daquela quota em duas, e que, de todo o modo, sempre a responsabilidade da requerente estaria prescrita por ter decorrido o prazo de cinco anos previsto no art. 174.º/1/a) do CSC;

 - que a ordem do dia mistura os comportamentos de duas entidades distintas, a requerente e a C (…), sendo abusiva porque, como está redigida, impedia a requerente de participar na votação de um assunto societário relativamente ao qual deveria poder votar (a exclusão da sócia C (…), sendo o abuso tão mais flagrante quanto a requerente, ao contrário da C (…), nunca foi interpelada para cumprir a suposta obrigação de entrada;

 - que a própria presidência da AG é anulável, uma vez que a presidência competia à sócia maioritária, ou seja, à C (…), e que as decisões de não admissão dos advogados da requerente e da C (…)na assembleia estão feridas de anulabilidade e enfermam de abuso de direito, visto assentarem num erro e terem-se destinado a irradiar da assembleia os representantes das duas sócias, para que o gerente ficasse acompanhado de uma herança indivisa, minoritária, “a cozinhar as decisões que melhor lhe interessavam”; e

 - que o gerente da requerida imputou à requerente o incumprimento da C (…), produzindo deliberações ilegais.

E, concluindo:

Pediu que se ordene a imediata suspensão das deliberações tomadas na dita AG e se ordene à requerida que se abstenha de, com base na acta da mesma, proceder ao registo das deliberações.

E pediu que, invertendo-se o contencioso, se condene a requerida a reconhecer a nulidade de todas as decisões tomadas em tal AG, ou, se assim se não considerar, se declarem anuladas, por estarem feridas de anulabilidade: as decisões de considerar o comportamento da requerente lesivo dos interesses e da actividade societária ou gravemente perturbadores do funcionamento da sociedade, por não realização integral da entrada de € 560.000,00; a própria convocatória para a assembleia geral; a participação do gerente da sociedade como presidente a assembleia geral; as decisões singulares do mesmo pelas quais desconsiderou e não aceitou os mandatos concedidos aos representantes da requerente e da C (…); e as deliberações pelas quais se considerou que os comportamentos da requerente e da C (…) eram lesivos do interesse da sociedade, se decidiu que as quotas destas fossem declaradas perdidas a favor da sociedade requerida, excluídas as mesmas de sócias e que tais quotas fossem declaradas extintas.

A requerida contestou.

Começou por alegar que a requerente não especifica qualquer facto concreto do qual resulte o prejuízo ou dano que fundamente a necessidade de um procedimento cautelar.

Invocou que quando foi proposto à requerida que a quota da requerente fosse dividida em duas, ficando a C (…) com € 560.000,00 e a requerente com € 400.000,00, estas ficaram de proceder à realização integral das respectivas quotas, assumindo solidariamente a responsabilidade pelo seu pagamento, o que nunca fizeram, e que sempre revelaram muita promiscuidade e conluio na forma como actuavam juntas para com e contra a requerida.

Defendeu que foi perante uma situação de incumprimento insustentável de tais sócias, decorrente da não realização integral do capital social, que decidiu interpelar por escrito a C (…) para a realização do capital social em falta e que, sem qualquer resposta de qualquer delas, convocou a AG de sócios realizada no dia 31-10-2018, com a ordem de trabalhos indicada pela requerente.

Sustentou que a deliberação de exclusão das sócias, com perda das quotas e dos pagamentos efectuados, observou o disposto no CSC; e que não se verifica a invocada prescrição da obrigação de entrada porque se lhe aplica, não o prazo de cinco anos, mas o prazo de prescrição do procedimento criminal relativo ao crime de frustração de créditos, já que a actuação das sócias impossibilitou o pagamento aos trabalhadores da requerente e aos fornecedores.

Refutou as invalidades da ordem do dia e da presidência da assembleia geral, acrescentando que a assunção de PMAG pelo gerente J (…) não foi contestada pelos sócios presentes e que os sócios não se podem fazer representar na AG por advogado, nem pessoas terceiras podem estar presentes na assembleia sem autorização do presidente da mesa.

Alegou ainda que foi a requerente quem, ao incumprir a realização das entradas, dificultou a actividade da requerida e da sua gerência, e que esta bem sabe que os incumprimentos pontuais registados decorrem da suspensão dos trabalhos fruto de negociações internacionais em curso com (...) e à ocupação do estaleiro, quase integralmente, com as construções que estão a ser realizadas para (...) .

Concluiu que o procedimento deve improceder “por manifesta falta de alegação de factos e consequente ineptidão”.

Procedeu-se à realização da audiência final, com observância do legal formalismo, após o que a Exma. Juíza proferiu a seguinte decisão

“ (…) julgo procedente o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, ordenando a suspensão das deliberações tomadas na AG de sócios desta de 31 de Outubro de 2018, e determino a inversão do contencioso, assim dispensando a requerente de propor a respectiva acção de anulação. (…)”

Inconformada com tal decisão, interpõe a requerida recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão que revogue/inverta o decidido, devendo “a sentença em crise que julgou procedente o procedimento cautelar e decretou a suspensão das deliberações socais da AG de 31.10.2018 ser revogada e substituída por outra decisão, que atentas as invocadas nulidades e/ou atentos os elevados prejuízos da requerida (também conforme factos provados 14, 30 a 33 da sentença e as declarações de J (…) em julgamento sobre os prejuízos da requerida inerentes ao decretamento da providencia e à paralisação da sua actividade “sem dinheiro” para suprir os custos com os 40 trabalhadores do quadro e fornecedores, alem da impossibilidade de cumprimento das obrigações e compromissos contratuais com (...) de seis milhões que faltam para concluir a construção do navio e pontões), superiores ao decretamento da providência que foi fixada em 400.000,00 € (valor da quota da requerente), declare o procedimento cautelar improcedente, por não provado, com as legais consequências.”

Terminou a sua alegação com conclusões que, ao arrepio da “forma sintética” imposta pelo art. 639.º/1 do CPC, se espraiam por 23 páginas, razão pela qual aqui não se procede à sua transcrição.

A requerente respondeu, sustentando, em síntese, que não violou a sentença recorrida as normas processuais e substantivas referidas pela requerida, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.

Terminou a sua alegação com conclusões com idêntica extensão, motivo pelo qual aqui também não se transcrevem.

Obtidos os vistos – mantendo-se a regularidade da instância e não se verificando a ineptidão da PI, como a seguir se dirá – cumpre, agora, apreciar e decidir.


*

II – Fundamentação de Facto

II – A – Factos Provados

1. A sociedade A (…), Lda. tem o capital social de € 1.200.000,00, sendo seus sócios as seguintes entidades e pessoas singulares:

C (…), S.A., (…), titular de uma quota no valor nominal de € 560.000,00;

F (…), SGPS, S.A., (…) titular de uma quota no valor nominal de € 400.000,00;

C (…), (…), titular de duas quotas: uma quota no valor nominal de € 57.600,00 e outra quota no valor nominal de € 50.400,00;

J (…), (…), titular de duas quotas: uma quota no valor nominal de € 57.600,00 e outra quota no valor nominal de € 50.400,00;

F (…)– Participações Sociais, SGPS, S.A(…), titular de uma quota no valor nominal de € 42.000,00.

2. O sócio C (…) faleceu em 2016, tendo deixado como seus herdeiros o cônjuge e o filho.

3. O sócio J (…) é actualmente o gerente único, tendo tomado a iniciativa de formular a ordem do dia e convocar a assembleia geral realizada no dia 31 de Outubro de 2018.

4. Os estatutos da sociedade requerida são omissos sobre a forma como se designa o presidente da mesa da assembleia geral.

5. Em Abril de 2013, a requerente chegou a acordo com a requerida, na pessoa do gerente J (…), para a entrada no capital social desta por um valor de € 960.000,00, que representaria 80% do capital social.

6. Na sequência deste acordo e na data de 26 de Abril de 2013, a requerente realizou uma assembleia geral na qual deliberou a aquisição de uma participação social de € 960.000,00 na requerida, através de um aumento de capital.

7. Na data de 30 de Abril de 2013, a assembleia geral da requerida deliberou o aumento de capital, por via da entrada da nova sócia, a aqui requerente, que subscreveu uma participação social de € 960.000,00, tendo sido fixado o prazo de um mês para a realização do capital, ou seja, até 31 de maio de 2013.

8. Entre 13 de maio e 30 de maio de 2013, a requerente transferiu para as contas bancárias da requerida seis prestações que totalizaram € 400.000,00, ficando por realizar, do valor da sua quota, a importância de € 560.000,00.

9. Tendo sido acordado entre a requerida e a requerente que o montante de € 560.000,00 iria passar a integrar uma nova quota, após divisão da quota de € 960.000,00 em duas: uma de € 400.000,00 e outra de € 560.000,00, que iria ser subscrita por uma nova sócia, a sociedade C (…).

10. No dia 26 de Junho de 2013, teve lugar uma assembleia geral da requerida na qual foi deliberada a divisão da quota de € 960.000,00 subscrita pela requerente em duas quotas: uma de € 400.000,00 e outra de € 560.000,00, quota esta que a requerente de imediato vendeu/cedeu à C (…)..

11. Na data de 5 de Junho de 2015, a requerente enviou carta à requerida solicitando a convocação de assembleia geral de sócios «para nomeação dos três gerentes em falta, bem como, consagrar no contrato de sociedade da A (...), Lda. a forma de obrigar a sociedade pela assinatura conjunta de 2 gerentes, sendo obrigatória a assinatura do gerente por nós indicado».

12. Em 30 de Abril de 2013, a requerente e a requerida haviam celebrado um acordo no qual, entre outras coisas, se previa o seguinte:

«Gerência

a. A gerência da sociedade será composta por cinco membros:

i. Dois gerentes não executivos indicados pelo TERCEIRO CONTRAENTE

ii. Um gerente executivo indicado pelo TERCEIRO CONTRAENTE

iii. Um gerente executivo o PRIMEIRO CONTRAENTE

iv. Um gerente executivo o SEGUNDO CONTRAENTE

b. Os pelouros dos gerentes executivos serão:

i. Indicado pelo TERCEIRO CONTRAENTE- Produção e Técnica,

ii. PRIMEIRO CONTRAENTE- Comercial

iii. SEGUNDO CONTRAENTE Administrativo, Financeiro, Informática, Recursos Humanos, S (...)

c. Forma de obrigar a sociedade será pela assinatura conjunta de dois gerentes executivos, sendo obrigatória a assinatura do gerente executivo indicado pelo TERCEIRO CONTRAENTE

i. 0 TERCEIRO CONTRAENTE facilitara a emissão de uma garantia bancaria através de aval ou outra contragarantia que seja exigida pela instituição financeira a favor da Administração do Porto da (...) no montante de cem mil euros de acordo com a minuta anexa ao contrato de concessão das instalações do (...) ate ao próximo dia 8 de Maio;

ii. O TERCEIRO CONTRAENTE facilitara através de aval ou outra contragarantia exigida pelas instituições financeiras a disponibilização de fundos monetários até ao montante de quinhentos mil euros como reforço das necessidades de fundo de maneio de exploração, devidamente fundamentadas pelos gerentes executivos, que serão realizadas no prazo máximo de quinze dias a contar da data do pedido dos mesmos;

iii. 0 TERCEIRO CONTRAENTE facilitará a emissão de garantias bancárias ou cartas de crédito ou financiamentos de suporte a boa execução de encomendas de clientes e de fornecedores ate ao montante de dez milhões de euros através de avales ou outras contragarantias que sejam exigidas pelas instituições financeiras, que serão realizadas no prazo máximo de quinze dias a contar do pedido dos mesmos».

13. Nunca foram dados os passos necessários para que a requerida passasse a ter cinco gerentes, tendo a requerida continuado a ser gerida por J (…)

14. J (…), usando da sua qualidade de gerente da requerida, na data de 14 de Julho de 2015, dirigiu à C (…) uma comunicação do seguinte teor:

“(…) Vimos por este meio notificar V. Ex.ª, de acordo com o estipulado no art. 204.º do CSC, para efectuar a realização, no prazo máximo de 30 dias, do valor em falta da quota que detém na A (…). Lda.

Caso o valor em falta não seja realizado até final do prazo estipulado, será excluído de sócio e perderá a quota a favor da sociedade”

15. O que nunca foi feito relativamente à requerente.

16. Igual carta solicitando a realização do capital social em falta foi enviada pela gerência da requerida à sócia F (…)t.

17. Na data de 20 de Junho de 2018, a requerente dirigiu à requerida uma carta solicitando a convocação de assembleia geral de sócios, sugerindo a ordem do dia e os fundamentos da sua realização.

18. Essa carta não obteve resposta.

19. Na data de 12 de Setembro de 2018, a requerente intentou acção especial para convocação de assembleia geral extraordinária de sócios da requerida na qual, entre outras coisas, referiu o que transcreve:

«10. Constata-se que a atual gerência da sociedade – constituída pelos dois primeiros sócios subscritores do acordo parassocial referido no artigo anterior, sendo o terceiro subscritor a sociedade aqui requerente – se recusa a promover as deliberações plasmadas no acordo parassocial, nomeadamente no que respeita ao número de gerentes e à forma de obrigar da sociedade.

11. Constata-se também que a atual gerência da sociedade Requerida se recusa a prestar qualquer tipo de informação aos sócios da mesma;

12. E que se recusa a convocar assembleias gerais de sócios – a última assembleia geral de sócios ocorreu no dia 24 de Fevereiro de 2015.

13. Desde então, a gerência não mais convocou qualquer assembleia geral de sócios, apesar dos pedidos dos sócios para esse efeito, que pura e simplesmente não são atendidos.

14. Por outro lado, constata-se ainda que a sociedade vem sofrendo uma sucessiva e constante degradação a todos os níveis, que se materializa, nomeadamente:

No não pagamento dos vencimentos dos trabalhadores da sociedade, sendo certo que, na presente data, estão em dívida os vencimentos dos trabalhadores referentes aos meses de:

• Dezembro de 2017

• Fevereiro de 2018 até à presente data

Não pagamento das rendas ao Porto da (...) , que é o local onde a sociedade desenvolve a sua atividade, sendo certo que, na presente data, estão em dívida as rendas referentes aos meses de Maio de 2016 até à presente data, isto é, estão mais de dois anos de rendas em falta;

No incumprimento dos contratos celebrados com os clientes, os quais redundarão na necessidade de ter de pagar indemnizações contratuais.

É o que sucede com o principal cliente da sociedade Requerida, o Governo da República Democrática de (...) ;

No incumprimento dos contratos celebrados com fornecedores, que redundarão igualmente em procedimentos de cobrança de dívida contra a sociedade Requerida. É o que sucede, nomeadamente, com os principais fornecedores do estaleiro, tendo alguns deles já recorrido a diversos processos de injunção com a consequente suspensão de contrato;

Na falsificação de atas da sociedade, que são elaboradas por referência a assembleias gerais de sócios que nunca foram convocadas e nunca tiveram lugar, nelas se fazendo aprovar deliberações que nunca foram apreciadas pelos sócios e que estão, por isso mesmo, inquinadas.

20. Perante este quadro de incumprimento generalizado, a gerência da sociedade nada faz e mantém a uma postura incompreensível de recusa de prestação de informações aos sócios e de convocação de uma assembleia geral, bem como de cumprimento do que foi acordado no âmbito do acordo parassocial.

21. Foi no contexto acima descrito e na qualidade de sócia que a sociedade requerente enviou à gerência da sociedade Requerida, no dia 05/06/2015, e numa primeira abordagem mais informal, uma carta solicitando a convocação de assembleia geral de sócios.

22. Esta carta não mereceu qualquer tipo de resposta da gerência da sociedade, nem foi convocada qualquer assembleia geral.

24. Face à postura totalmente omissa da gerência da sociedade Requerida e de recusa de prestação de qualquer informação aos sócios, a sociedade requerente enviou à gerência da sociedade Requerida, no dia 22 de Junho de 2018, uma nova carta solicitando a convocação de assembleia geral de sócios, nos termos previstos nos artigos 248º e 375º do Código das Sociedades Comerciais

ordem do dia:

• Ponto Um – Nomeação dos 3 gerentes em falta nos termos previstos no acordo parassocial celebrado em 30 de Abril de 2013;

• Ponto Dois – Alteração ao artigo 8º, n.º 2 do contrato de sociedade, por forma a consagrar que a sociedade se vincula com a assinatura de dois gerentes, sendo um deles, necessariamente, o gerente designado pela sócia F(…) SGPS, S.A., conforme plasmado no acordo parassocial celebrado em 30 de Abril de 2013;

• Ponto Três – Apreciação das contas da sociedade, e toda a respetiva documentação de suporte, referentes aos últimos três exercícios (2015, 2016 e 2017);

• Ponto Quatro – Apreciação da situação comercial da sociedade, bem como do cumprimento das respetivas obrigações contratuais e legais perante trabalhadores, clientes e fornecedores;

• Ponto Cinco – Propostas de venda das participações dos sócios “C (…) e F (…)” recebidas em 21 de Maio de 2018.

A reunião da assembleia geral de sócios é essencial para que os mesmos tomem as deliberações que entenderem mais convenientes para o futuro da sociedade.

25. Esta carta foi recebida na sede da sociedade Requerida no dia 25 de Junho de 2018, mas não mereceu qualquer tipo de resposta da gerência da sociedade, nem foi convocada qualquer assembleia geral».

20. Na data de 16 de Outubro de 2018, a requerente recebeu a convocatória, datada de 12 de Outubro de 2018, para uma assembleia geral da requerida, a realizar no dia 31 de Outubro de 2018, com o seguinte teor:

«Ao abrigo do disposto no art.º 248.º n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais, e demais normas aplicáveis, convoca-se a Assembleia Geralda da sociedade A (…) Ld., para o próximo dia 31 de Outubro de 2018, pelas 14:30 H, na sede social sita em (...) com a seguinte ordem de trabalhos:

Ponto 1 - Apreciar o comportamento dos sócios F (…) e C (…) para com a sociedade, aferindo se os seus comportamentos foram e são lesivos dos interesses e da actividade societários ou gravemente perturbadores do funcionamento desta sociedade, por não realização integral, pela F (…), SA da entrada de 560.000 Euros, na data da cessão da quota a C (…) SA e por sua vez pela não realização pela C (…) SA da entrada de 250 mil euros até à presente data conforme previsto na lei e disposto no pacto social, em sequência da interpelação que a esta foi realizada pelo gerente J (...) em 14 de Julho de 2015, nos termos do artigo 203.º n.º 3 do Código das Sociedades Comerciais, bem como se os mesmos têm causado ou se antevê vir a causar prejuízos relevantes à sociedade e, consequentemente, deliberar pela exclusão do(s) sócio(s), com perda da quota e dos pagamentos efetuados por conta da obrigação de entrada de acordo como preceituado no artigo 204.º n.º 1 CSC.

Ponto 2- Deliberar sabre o destino a dar à quota nos termos do Código das Sociedades Comercias conquanto seja previamente deliberado pelos sócios havê-la como perdida a favor da sociedade, conforme comunicação de 14 de Julho de 2015.

Ponto 3 - Outros assuntos de interesse para a sociedade.

Nota: Se à hora indicada não houver quórum a Assembleia iniciar-se-á, meia hora depois no mesmo local, em 2.ª convocatória, com os sócios que estiverem presentes e a mesma ordem de trabalhos».

21. No dia 31 de Outubro de 2018, na sede social da requerida compareceram em representação da requerente o advogado (…) e em representação da sociedade C (…) o advogado (…).

22. À hora marcada e no local pré indicado, compareceu J (…), que assumiu a posição de presidente da mesa sem perguntar aos sócios presentes se aceitavam que assumisse a presidência ou se desejavam propor outro nome.

23. Depois de dar início aos trabalhos, o gerente proferiu a seguinte decisão:

«o senhor procurador da sócia F (…) SGPS, S.A. apresentou-se na assembleia geral com um instrumento do qual não resulta, do seu teor expresso, que o mesmo tenha sido emitido e outorgado pela entidade ou pessoa que na F (…), SGPS, S.A. tenha poderes para o ato, designadamente não resultando que os poderes conferidos sejam admitidos nos estatutos da dita sociedade, do contrato de sociedade ou provenham de pessoas com poderes para deliberar a sua admissão nesta sociedade, pelo que ora se propõe seja deliberado não admitir a intervenção e participação da aludida sócia, assim representada e com os poderes nele conferidos, no dito instrumento, ao abrigo do artigo 249.º, n.º 5, do Código das Sociedades Comerciais, tanto mais que a aludida sócia não acompanhou o senhor advogado que indicou para intervir e participar, como se sócio fosse, nesta Assembleia Geral, cujos poderes atribuídos extravasam portanto os da assessoria, assistência jurídica ou acompanhamento”.

24. Da ata da assembleia consta ainda o seguinte:

“O presidente da mesa ditou os motivos e fundamentação, que aqui se dão por reproduzidos, para a mesma deliberação relativamente à intervenção da sócia C (…)S.A., propondo, nos mesmos termos, que se delibere não admitir a sua intervenção e participação. Mais acrescentou o presidente da mesa que as propostas deverão ser votadas em conjunto.

(…)

O senhor presidente da mesa afirmou que os senhores doutores (…), não são representantes das empresas que afirmam representar. Além do mais, entende o senhor presidente da mesa que as sócias F (…), SGPS, S.A. e C (…), S.A. não estão legal e devidamente representadas pelo que exclui os seus mandatários da assembleia, bem como lhes nega o direito a estarem presentes nesta assembleia geral, convocando-os neste momento a abandonar a mesma.

(…)

O presidente da mesa retomou a palavra, para votar favoravelmente as suas propostas de exclusão dos mandatários da F (…) SGPS, S.A. e C (…), S.A. O representante da quota em nome de C (…)absteve-se.

O senhor presidente da mesa considerou as propostas aprovadas com o seu voto. Após, retiraram-se da assembleia ambos os mandatários das sócias F (…), SGPS, S.A. e C (…), S.A.»

25. A procuração outorgada ao advogado N (…) foi subscrita pelo Presidente do conselho de administração da requerente e por outro administrador e dela consta o seguinte:

 «ambos com poderes para o ato, e na qualidade de sócia titular de uma quota representativa do capital social da A (…), Lda. no valor nominal de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros), vem comunicar a V. Exa. que, noa termos do artigo 9.º) do Contrato de Sociedade e do Artigo 249.º, n.º 4, do Código das Sociedades Comerciais, constitui seu bastante procurador e se faz representar na Assembleia Geral da realizar no dia 31 de Outubro de 2018, às 14:30 horas, na sede social sita em Estrada (...) , pelo Senhor Dr. N (…) Advogado (…)».

26. Nos estatutos da requerente existe um artigo 12.º, que foi lido na assembleia geral, em cujo n.º 4 se poder ler que:

 «A sociedade pode, nos termos do n.º 5 do artigo 252.º do Código das Sociedades Comerciais, constituir mandatário para prática de actos determinados».

27. Nos termos do artigo 9.º) do pacto social da requerida, «Os sócios podem livremente designar quem os representara nas assembleias gerais».

28. A assembleia prosseguiu com a presença do sócio J (…) e de B (…), em representação da herança de C (…)  e de M (…), igualmente herdeira de C (…).

29. Seguidamente, a ata indica:

«O presidente da mesa deu assim início à ordem de trabalhos, entrando no ponto 1, que reproduziu:

(…)

Prosseguiu o senhor presidente a mesa afirmando que os motivos vertidos no ponto 1 da ordem de trabalhos, e em face da aludida comunicação de 14 de julho de 2015, da sociedade A (…), Lda., da qual não resulta qualquer ratificação ou pagamento do remanescente das quotas em dívida das aludidas sociedades até à presente data, mantendo-se estas sem terem realizado as suas quotas integralmente, com danos à A (…), Lda. que resultaram na não disponibilização de meios e liquidez para esta fazer face aos compromissos e obrigações legais e contratais à data, total ou parcialmente, designadamente com os trabalhadores, bancos, finanças, segurança social, prestadores de serviço, entre outros.

Após esta exposição, o presidente colocou à votação a exclusão das sócias com perda de quota e os pagamentos efetuados por conta da obrigação de entradas, de acordo com o preceituado no artigo 204.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais. O sócio J (…) votou favoravelmente. O representante da quota em nome de C (…)absteve-se.

O presidente da mesa deu a proposta por aprovada, passando de imediato ao ponto 3 da ordem de trabalhos, considerando que não existem, neste momento, quaisquer outros assuntos de interesse, pelo que, nada mais havendo a tratar, foi encerrada a sessão pelas 17 horas».

30. O gerente da sociedade não pagou os vencimentos dos trabalhadores da sociedade, estando em setembro de 2018 em dívida os vencimentos dos trabalhadores referentes aos meses de:

• Dezembro de 2017 – totalidade dos vencimentos em falta;

• Janeiro de 2018 – totalidade dos vencimentos em falta;

• Fevereiro de 2018 até, pelo menos, Setembro de 2018 – vencimentos em falta de forma parcial, porquanto alguns trabalhadores solicitaram suspensão contratual recorrendo ao fundo de desemprego.

31. Não tem pago as rendas ao Porto da (...) , que é o local onde a sociedade desenvolve a sua actividade, estando em dívida as rendas referentes aos meses de Maio de 2016 até à presente data.

32. E incumprido com os principais fornecedores do estaleiro.

33. A requerente e a C (…) sabiam da necessidade que as entradas fossem realizadas para disponibilizar fundos para pagamentos aos trabalhadores e fornecedores.

34. Em 2018 a requerente e a C (…) informaram a requerida que queriam vender parte das participações que detinham a uma outra empresa.

35. Quando, em 22 de Junho de 2018, a requerente solicitou a convocação de uma assembleia, a requerida estava a negociar com esta a compra das suas quotas, bem como das quotas da C (…).

36. O sócio gerente J (…) pretende, após exclusão da requerente e da C (…) da sociedade, financiar a sociedade através do aumento do capital social e cedência das quotas criadas em virtude desta operação a novos sócios.


*

II – B – Factos não Provados

Não se provou que:

a) A exclusão dos mandatários da F(…), SGPS, S.A. e C (…), S.A. foi antecipadamente preparada, constando de um texto escrito que foi lido na assembleia.

b) Os mandatários das sócias disseram que os sócios da requerida podiam livremente designar quem os representa nas assembleias gerais desta e que o gerente não estava investido da faculdade de controlar ou sindicar os estatutos das duas sócias, o que determinava que a sua exigência de consideração dos estatutos das mesmas não fosse legal nem oponível aos mandatários.

c) A sociedade tem incumprido os contratos celebrados com o seu principal cliente, o Governo da República Democrática de (...) .

d) E incumprido com os principais fornecedores do estaleiro, tendo alguns deles já recorrido a diversos processos de injunção com a consequente suspensão de contrato.

e) O gerente falsificou actas da sociedade, que são elaboradas por referência a assembleias gerais de sócios que nunca foram convocadas e nunca tiveram lugar, nelas se fazendo aprovar deliberações que nunca foram apreciadas pelos sócios.

f) A gerência da sociedade recusa-se a prestar qualquer tipo de informação aos sócios.

g) Nos anos de 2013 e 2014 a requerida efectuou trabalhos de reparação nos navios de cruzeiro pertencentes a outras empresas do sócio maioritário de C (…), S.A.

h) Desses trabalhos a requerida viu-se obrigada a fazer um perdão de quase € 800.000,00.

i) A empresa a quem requerente e a C (…) queriam vender parte das participações que detinham é uma empresa portuguesa hostil aos interesses da requerida.

j) A requerente nunca quis indicar o seu gerente.

k) A requerente sempre teve a informação requerida, assim como os balanços, balancetes e documentos de prestação de contas, que lhe são facultados pelos meios pretendidos e à sua solicitação.

l) Porque as entradas não foram realizadas a requerida não pode prestar as garantias bancárias aos contratos de construção do ferry e pontões com (...) .

m) Em outros concursos, em que foi concorrendo, foi excluída por ausência de garantias.

n) Os incumprimentos registados decorrem da suspensão dos trabalhos fruto de negociações internacionais em curso com as autoridades de (...) e à ocupação do estaleiro, quase integralmente, com as construções que estão a ser realizadas para esta.


*


III – Fundamentação de Direito

Discorda a requerida/apelante de tudo[1] o que foi decidido na sentença recorrida, porém, é claramente no requisito do “periculum in mora” que está a ênfase da sua divergência recursiva; o que até é bastante compreensível, na medida em que são evidentes, a nosso ver e com o devido respeito por opinião diversa, as invalidades que inquinam o deliberado.

Reapreciemos pois tudo o que esteve sob discussão.

São requisitos da providência cautelar de suspensão de deliberação social, de acordo com os art. 380.º/1 e 381.º/2 do CPC:

a) Ser o requerente detentor da qualidade de sócio;

b) A existência de uma deliberação inválida, por contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato, e

c) A probabilidade da ocorrência de dano apreciável decorrente da execução da deliberação inválida, que deverá ser igual ou superior ao que decorrerá da suspensão da deliberação.

Sendo a requerente sócia da requerida, nenhuma questão se colocava, naturalmente, quanto ao 1.º requisito.

Passando ao 2.º requisito:

A requerente reputa/ou de inválida a deliberação tomada na AG da requerida, de 31/10/2018, através da qual foi deliberada a exclusão da requerente e da C (…) de sócias da sociedade requerida, com perda das quotas e dos pagamentos efectuados por conta das obrigações de entrada[2].

A sentença recorrida, apreciando os vários vícios invalidantes invocados pela requerente, concluiu que o deliberado padecia de vício de procedimento, gerador de anulabilidade, e de vício de conteúdo, gerador de nulidade.

Quanto ao vício de procedimento:

Resulta dos factos que a requerente/sócia F (…) e a sócia C (…) foram impedidas de participar na AG da requerida de 31/10/2018.

Como detalhadamente consta da acta de tal AG, à hora marcada para a realização da AG, compareceram todos os sócios; tendo o sócio J (…) assumido, de imediato, o cargo de Presidente da Mesa, após o que propôs – e fez aprovar apenas com os votos das suas duas quotas – a não intervenção/participação da requerente/sócia e da sócia C (…) por considerar que “os mandatos conferidos pelas duas empresas são na sua perspectiva desconformes com o que prevê o art. 249.º/5 do CSC quanto à representação de pessoas colectivas em Assembleias Gerais”; por considerar que “um Administrador não pode delegar os seus poderes num advogado, afirmando que desconhece os estatutos das empresas mandantes, pelo que não reconhece os mandatos, mais reiterando que a Administração das empresas F (…) e C (…) deveria estar presente (…)”; por considerar que, “no seu entender, quem pode estar presente nas assembleias gerais são os sócios, os gerentes e os titulares dos órgãos sociais (…)”; por considerar que “o senhor procurador da sócia F (…) apresentou-se na presente AG com um instrumento do qual não resulta, do seu teor expresso, que o mesmo tenha sido emitido e outorgado pela entidade ou pessoa que na F (…) tenha poderes para o acto, designadamente não resultando que os poderes conferidos sejam admitidos nos estatutos da dia sociedade, do contrato de sociedade ou provenham de pessoa com poderes para deliberar a sua admissão nesta sociedade, pelo que ora se propõe seja deliberado não admitir a intervenção e participação da aludida sócia, assim representada e com os poderes nele conferidos, no dito instrumento, ao abrigo do disposto no art. 249.º/5 do CSC, tanto mais que a aludida sócia não acompanha o senhor advogado que indicou para intervir e participar, como se fosse sócio, nesta AG, cujos poderes atribuídos extravasam portanto os de assessoria, assistência jurídica ou acompanhamento”.

Temos pois, em função do direito aplicável/convocável, que o sócio J (…) assumiu, indevidamente, a presidência da mesa da assembleia geral e que, nessa qualidade indevidamente assumida, impediu, ainda indevidamente, a requerente/sócia F (…) e a sócia C (…) de participar na AG.

Sendo os estatutos da sociedade requerida omissos sobre a forma como se designa o presidente da mesa da assembleia geral (conforme ponto 4 dos factos), havia que observar o que se dispõe o art. 248.º/4 do CSC, segundo o qual, “salvo disposição diversa do contrato de sociedade, a presidência de cada assembleia geral pertence ao sócio nela presente que possuir ou representar maior fracção de capital, preferindo-se, em igualdade de circunstâncias, o mais velho”, ou seja, a presidência da AG de 31/10/2018 da requerida, estando presentes (como era o caso) todos os sócios, pertencia à sócia C (…), por ser a sócia (presente) com maior fracção de capital.

Vício procedimental este de pouca monta (comparado com o a seguir analisado) e que, só por si, não seria susceptível de provocar a invalidade/anulabilidade do deliberado, uma vez que, decorrendo a AG sem qualquer outra mácula, nenhuma consequência relevante decorreria da ofensa ao referido art. 248.º/4 do CSC[3].

Só que, logo a seguir, na direcção dos trabalhos que assumiu, o sócio J (…), suscitou uma questão/deliberação prévia que impediu a requerente e a C (…) de participar na AG e que, em consequência, determinou um apuramento irregular e inexacto do resultado da votação sobre os assuntos da ordem do dia.

Considerou que dos instrumentos de representação apresentados pelos advogados que representavam a requerente e a C (…) não resultava que os poderes conferidos eram admitidos nos estatutos de tais sociedades e considerou também que os mandatos conferidos pelas duas empresas são desconformes com o que prevê o art. 249.º/5 do CSC quanto à representação de pessoas colectivas em Assembleias Gerais; logrando, com tais fundamentos, que fosse deliberado (unicamente com os seus votos favoráveis) que os advogados que representavam a requerente e a C (…) fossem impedidos de participar na AG.

Embora o assumido PMAG misture os fundamentos (como resulta da transcrição supra efectuada) e nem se perceba se, a seu ver, está a invocar mesmo dois fundamentos ou tão só a querer dizer uma única e a mesma coisa por diferentes palavras, a verdade é que, manifestamente, não lhe assistia razão em qualquer um dos fundamentos.

Nas sociedades por quotas, como resulta da economia do art. 249.º do CSC, o direito de participar nas deliberações não tem de ser exercido pessoalmente pelos próprios sócios[4]; sem prejuízo de, atenta a vertente personalista deste tipo societário (do interesse da intimidade da sociedade, em limitar a interferência de pessoas totalmente alheias à sociedade), se restringir fortemente o leque de possíveis representantes, como resulta do art. 249.º/5 do CSC, segundo o qual, na ausência de expressa previsão do contrato social, a escolha só pode recair sobre o cônjuge, ascendente, descendente ou outro sócio.

O que, quando o sócio é uma pessoa colectiva (como é o caso da requerente e da C (…)), coloca a questão de saber em que termos pode tal sócio (que é uma pessoa colectiva) designar um representante voluntário para, através dele, exercer o direito de participar nas deliberações da sociedade por quotas de que é sócia.

Questão de resposta controversa na ausência de cláusula contratual que alargue o elenco do art. 249.º/5 do CSC, controvérsia que, porém, não tem cabimento no caso sub-judice, uma vez que no art. 9.º do pacto da requerida (cfr. ponto 27 dos factos) se diz que “os sócios podem livremente designar quem os representará nas assembleias gerais”, ou seja, em que há uma cláusula contratual a possibilitar uma abertura total da representação voluntária em deliberações.

Na ausência de cláusula contratual – o que, repete-se, não é o caso – que alargue o elenco do art. 249.º/5 do CSC, a questão dum sócio (que é pessoa colectiva) se fazer representar voluntária e não organicamente na tomada de deliberações, é discutível/discutida: há quem defenda que o sócio (que é pessoa colectiva) se pode fazer representar através dum terceiro/mandatário, para o que se argumenta que, seja orgânica ou voluntária, sempre a “presença” na assembleia de tal sócio (pessoa colectiva) terá que ser feita por meio de um representante (sendo que a orgânica até pode mudar com frequência); assim como há quem, apoiado no interesse jurídico que está em causa (a intimidade da sociedade), aplique, sem qualquer adaptação, a regra do art. 249.º/5 do CSC (restringindo a representação voluntária a outro sócio).

Seja como for – e é o que aqui releva – não é discutível/discutido que o contrato de sociedade possa/deva dirimir a questão e que, como é o caso, possa dizer que “os sócios podem livremente designar quem os representará nas assembleias gerais”, hipótese em que abre expressamente a representação dos sócios (sejam ou não pessoas colectivas) a pessoas totalmente alheias à sociedade, ou seja, em que dá a possibilidade dos sócios que sejam pessoas colectivas se fazerem representar através de um terceiro mandatário em vez de ser por intermédio dos membros do seu órgão de administração.

Enfim, concluindo este passo do raciocínio, em face do citado artigo 9.º do pacto social da requerida, é bastante incompreensível que o assumido PMAG (o sócio J (…)) haja considerado que “os mandatos conferidos pelas duas empresas são na sua perspectiva desconformes com o que prevê o art. 249.º/5 do CSC quanto à representação de pessoas colectivas em Assembleias Gerais”, que “um Administrador não pode delegar os seus poderes num advogado” e que, “no seu entender, quem pode estar presente nas assembleias gerais são os sócios, os gerentes e os titulares dos órgãos sociais”.

Sendo identicamente incompreensível que haja considerado que dos instrumentos de representação apresentados pelos advogados não resultava que os poderes conferidos eram admitidos nos estatutos das sociedades representadas (a requerente e a C (…)).

Como acabámos de explicar, a requerente e a C (…) podiam fazer-se representar em AG da sociedade requerida através de representante voluntário.

Neste contexto, fizeram-se representar por advogados, que compareceram na AG e apresentaram, no caso da requerente, procuração subscrita pelo presidente do seu conselho de administração e por um outro administrador/vogal, procuração da qual constam as suas identificações, a menção de terem poderes para o acto e de conferirem ao advogado apresentante todos os poderes representativos para a AG da requerida de 31/10/2018; encontrando-se as assinaturas da procuração reconhecidas presencialmente e mencionando-se, no reconhecimento, o código da certidão permanente da requerente.

Estávamos pois, como se refere na sentença recorrida, perante o tradicional instrumento de representação em assembleia societária; perante a chamada carta-mandadeira (referida no art. 249.º/4 do CSC), dirigida ao presidente da assembleia, através da qual o sócio se pretende fazer representar; tendo o advogado, representante da requerente, comprovado oportunamente os poderes de representação, ou seja, no início da reunião, no decurso da operação preliminar de constituição da assembleia, fez prova dos seus poderes, apresentando o respectivo instrumento de modo a que o presidente da assembleia pudesse verificar a sua identidade e os poderes que se arrogava, admitindo em consonância a sua participação na assembleia na qualidade de representante da requerente.

Assim, o que aconteceu a seguir, recusando-se/impedindo-se a sua participação na AG, foi, como se refere na sentença recorrida, “de todo descabido”[5].

É de facto o mínimo que se pode dizer do comportamento do assumido PMAG (o sócio J (…)), tanto mais que, como consta da acta da AG, o advogado/representante da requerente chegou mesmo a aceder, através do código da certidão permanente, aos estatutos da requerente e procedeu-se à leitura do art. 12.º dos mesmos, em cujo n.º 4 (como consta do ponto 26 dos factos) se diz que “a sociedade pode, nos termos do n.º 5 do artigo 252.º do Código das Sociedades Comerciais, constituir mandatário para prática de actos determinados”.

Como é evidente não era preciso tanto, nem sequer que os estatutos da requerente tivessem um artigo com tal conteúdo[6], uma vez que, como resulta do art. 391.º/7 do CSC[7], a administração da requerente, “sem necessidade de cláusula contratual expressa”, pode fazer-se representar por terceiros na tomada de deliberações (no seio de sociedades participadas[8]).

Enfim, inexistia um qualquer fundamento para que o PMAG considerasse que a requerente não se encontrava devidamente representada, tendo o seu representante sido ilicitamente impedido de participar na AG e de exercer o seu direito de voto sobre a proposta de exclusão da sócia C (…) – já que apenas quanto à sua própria exclusão e já não quanto à exclusão desta, se encontrava impedida de votar, nos termos do art. 251.º/1/d) do CSC.

Assim, o facto da presidência da AG ter sido assumida por quem não detinha competência conduziu a que a requerente e a C (…) não fossem admitidas a participar na AG e que, consequentemente, fossem impossibilitadas de votar as propostas de deliberação em causa.

E impedir ilicitamente um sócio de participar numa AG. constitui, só por si, um vício procedimental relevante e, por isso, causa de anulabilidade (nos termos do art 58.º/1/a) do CSC) das deliberações que em tal AG venham a ser tomadas[9], ou seja, ainda que se lograsse provar que as deliberações seriam idênticas, nem por isso as mesmas deixariam de ser anuláveis.

O que – a prova de que as deliberações seriam idênticas – desde logo e à partida até estaria prejudicado; na medida em que os votos dos sócios minoritários admitidos a participar na AG não permitiam que qualquer deliberação que fosse tomada (por tais sócios minoritários) fosse susceptível de passar a chamada “prova de resistência”.

Enfim, o deliberado padece do vício procedimental relevante, o que faz com que o deliberado em tal AG da requerida, de 31/10/2018, seja, como o requerente sustentou e pediu, anulável.

Quanto ao vício de conteúdo:

Recusada a permanência/participação da requerente e da sócia C (…) na AG da requerida, de 31/10/2018, foi depois, em tal AG, deliberada, como já se referiu, “a exclusão da requerente e da sócia C (…), S.A., com perda das quotas e dos pagamentos efectuados por conta das obrigações de entrada, de acordo com o previsto no art. 204.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais.”

 A exclusão de sócios encontra-se, em termos de cláusula geral, prevista no art. 242.º/1 do CSC (com fundamento em certos comportamento do sócio que causem ou possam vir a causar prejuízos relevantes à sociedade) e tem concretizações esparsas no art. 204.º do CSC (que prevê a exclusão do sócio remisso), no art. 212.º/1 do CSC (que manda aplicar idêntico regime ao incumprimento da obrigação de efectuar prestações suplementares) e no art. 214.º/6 do CSC (que prevê a exclusão baseada na utilização de informações); consistindo no exercício do direito potestativo extintivo, de que é titular a sociedade, e determinando a perda da qualidade de sócio, ou seja, a extinção da relação jurídica que permanentemente liga o sócio à sociedade.

No caso, para a exclusão deliberada, foi invocado que se estava perante a situação prevista no art. 204.º/1 do CSC, preceito que prescreve que a falta de cumprimento pontual da obrigação de entrada em dinheiro cujo vencimento haja sido diferido para momento posterior ao da escritura pública ou ao do acto de aumento de capital (art. 203.º/1) é susceptível de conduzir à exclusão do sócio remisso, o que poderá acontecer após este haver sido interpelado pela sociedade para efectuar o pagamento e por ela avisado da possibilidade de exclusão e de concomitante perda da quota (nos termos dos arts. 203.º/3 e 204.º/1 in fine) e de, ainda assim, não efectuar o pagamento.

Mais exactamente, o sócio, ainda que já esteja em falta na realização da sua obrigação de entrada em dinheiro, é interpelado (sendo-lhe fixado prazo entre 30 e 60 dias) para a efectuar, após o que, não a efectuando, entrará em mora, podendo/devendo ser avisado de que, a partir do 30.º dia seguinte a tal aviso, fica, nos termos do art. 204.º/1 do CSC, sujeito à exclusão e à perda total da quota (isto é, fica sujeito a que a AG da sociedade delibere a sua exclusão do sócio).

Temos pois que na base da “pena capital” – a exclusão de sócio – prevista no art. 204.º/1 do CSC está:

1 – a falta no cumprimento da obrigação de entrega do valor da respectiva entrada;

2 – a mora em tal falta de cumprimento; e

3 – o ter sido avisado que tem um último prazo de 30 dias para efectuar a entrada, após o que ficará sujeito a exclusão e a perda total ou parcial da quota.

O que, em face dos factos, não se verifica de todo em relação à requerente, assim como não se verifica na íntegra em relação à sócia C (…).

Vejamos os factos:

Subscreveu a requerente, em 30/04/2013, uma participação social de € 960.000,00, tendo sido fixado o prazo de um mês para a realização de tal capital, porém, apenas realizou (entre 13/05/2013 e 30/05/2013) entradas em dinheiro no montante de € 400.000,00.

Estando em falta com a entrada de € 560.000,00, foi a sua quota de € 960.000,00, em 26/06/2013, dividida em duas quotas, sendo a quota de € 560.000,00, do valor ainda não realizado, cedida, nessa mesma data (como consta da acta de 26/06/2013, cfr. fls. 41 verso,), à C (…)

Em 14/07/2015, a requerida notificou a C (…) para, “(…) de acordo com o estipulado no art. 204.º do CSC, efectuar a realização, no prazo máximo de 30 dias, do valor em falta da quota que detém”; acrescentado que “caso o valor em falta não seja realizado até final do prazo estipulado, será excluído de sócio e perderá a quota a favor da sociedade”

Nunca tendo enviado qualquer (idêntica ou não) notificação à requerente.

No dia 12/10/2018, foi convocada a AG sub-judice, tendo como assunto a exclusão, sob apreciação, da requerente e da C (…).

Até ao momento, nunca os referidos € 560.000,00 deram entrada na requerida[10].

Perante tais factos importa observar:

Resulta inequivocamente do que se dispõe nos art. 204.º/4 e 206.º do CSC (sobre a responsabilidade dos anteriores titulares de quota perdida a favor da sociedade) que quotas cujas entradas não tenham ainda sido realizadas podem ser cedidas, pelo que o que aconteceu em 26/06/2013 – ou seja, a divisão de quotas e a cedência da quota de € 560.000,00, não liberada, à C(…)[11] – e que a respectiva acta documenta, não merece ou suscita qualquer censura jurídica.

E, quando é cedida uma quota, é cedida toda a relação entre o titular de tal participação social e a sociedade, é cedido o conjunto de direitos e obrigações de tal titular perante a sociedade, aqui se incluindo, claro está, a obrigação de pagar a entrada, pelo que, cedida uma quota não liberada, é o novo titular da quota (o cessionário) quem fica com a obrigação de pagar o valor da entrada em dinheiro ainda em falta.

Sem prejuízo, como resulta dos referidos art. 204.º/4 e 206.º do CSC, dos anteriores titulares da quota (ou seja, o cedente) poderem vir a responder caso o produto da venda da quota não cubra o montante da entrada em dívida; ou seja, a cessão de quota (não liberada) não exime o cedente de toda a responsabilidade pela não realização da quota (quando a cedeu), podendo vir a ser responsabilizado pela diferença entre a parte da entrada em dívida e o produto da venda da quota (nos termos do referido art. 206.º/1 do CSC); porém, é nesta (e apenas nesta) responsabilidade – pela diferença entre a parte da entrada em dívida e o produto da venda da quota – que, como claramente resulta do art. 206.º/1 do CSC, existe responsabilidade, a qual, como também resulta da economia dos preceitos (art. 204.º, 205.º e 206.º do CSC), só surge após a exclusão do sócio remisso e após a venda da quota.

Efectivamente, permitindo a lei a transmissão de quotas não liberadas, a respectiva aquisição, independentemente do título por que se opere, importa, igualmente, a aquisição da dívida de entrada não satisfeita. Passa a ser o novo titular da quota quem “tem que pagar o valor da entrada em dinheiro eventualmente ainda não pago. Mas a cessão de quota não elimina, só por si, a eventual responsabilidade do cedente. (…) Se o titular da quota não efectua no tempo devido o pagamento do valor em dívida da entrada, fica sujeito a exclusão e a perda total ou parcial da quota (204.º/1 do CSC). Supondo que tem lugar essa exclusão e a perda da quota a favor da sociedade, segue-se a venda da quota, a realizar nos termos do art. 205.º. Vendida a quota do sócio, os anteriores titulares da mesma (e, portanto, também o cedente) serão responsáveis perante a sociedade pela diferença entre o produto da venda e a parte da entrada em dívida. Mas, naturalmente, só existirá a responsabilidade referida se a diferença entre o produto da venda e a parte da entrada em dívida for para menos: isto é, se o produto da venda não atingir a parte da entrada em dívida. Deste modo se procura conciliar o interesse do titular da quota não liberada em poder transmiti-la antes de realizar a entrada a que se obrigou com o interesse da sociedade em receber o valor da entrada[12]

Em síntese, a lei não impede a transmissão de quota não liberada, porém, embora a transmissão da quota opere a transmissão da dívida de entrada não realizada, a lei estabelece regras que não libertam totalmente de tal dívida antigos titulares da quota, embora modifique o regime da respectiva obrigação[13],[14].

Significa tudo isto que transmitida/cedida a quota de € 560.000,00 à C (…) foi a esta transmitida a obrigação de efectuar a entrada dos € 560.000,00 em falta[15]; e que a responsabilidade da requerente/cedente só é/será exercitável se, na sequência da exclusão de sócia da C (…), da perda da sua quota e da venda de tal quota, o produto desta venda não cobrir o montante da entrada em dívida.

Enfim, a requerente não é responsável pela obrigação de pagamento dos € 560.000,00 em falta e por isso não lhe é aplicável o procedimento e a exclusão previstos no art. 204.º/1 do CSC[16].

Pode, é certo, nos termos que referimos, vir a responder perante a sociedade[17] (pela diferença entre a parte da entrada em dívida e o produto da venda da quota), porém, após um percurso em que não se inclui a sua exclusão e a perda da sua quota[18].

É assim evidente que a requerente não podia ser excluída da sociedade requerida através do procedimento previsto no art. 204.º/1 do CSC, posto que não se encontrava nem “remissa”, nem em mora, nem sequer em dívida perante a sociedade, quanto à obrigação de entrada dos € 560.000,00[19].

Ademais, nem sequer a requerida cumpriu o procedimento previsto nos art. 203.º/3 e 204.º/1 do CSC contra a requerente, antes se limitando a, sem qualquer aviso, exonerá-la, razão pela qual começámos por referir que a previsão do art. 204.º/1 do CSC não se verifica de todo em relação à requerente.

Procedimento que, quanto à C (…) (sócia em falta na realização da entrada e que, por isso, estava/á sujeita ao procedimento “expulsivo” previsto no art. 203.º/3 e 204.º/1 do CSC), também não efectuou, devida e integralmente, uma vez que aglutinou numa única notificação a interpelação imposta pelo art. 203.º/3 do CSC e o posterior aviso previsto pelo art. 204.º/1 do CSC.

Aliás, lendo-se a comunicação de 14 de Julho de 2015, dirigida à C (…), nem se consegue perceber se se está a querer fazer a interpelação imposta pelo art. 203.º/3 do CSC ou o aviso do art. 204.º/1 do CSC[20], porém, uma coisa é certa, o procedimento correcto exige uma primeira interpelação para pagamento (a partir da qual se inicia a mora[21]), após o que, não sendo efectuado o pagamento, há um novo e segundo aviso para pagamento, após o qual, caso o sócio continue remisso, fica então sujeito a exclusão e a perda total ou parcial da quota[22].

Enfim, o deliberado padece de vício de conteúdo – não estavam reunidos, em relação à requerente, os pressupostos do art. 204.º/1 do CSC, não tendo assim a requerida o direito de a excluir (com fundamento na causa de exclusão prevista em tal art. 204.º/1 do CSC) da qualidade de sócia – o que faz com que a deliberação de exclusão da requerente seja nula (cfr. art. 56.º/1/c) do CSC) por violar os preceitos imperativos do CSC que estabelecem os termos em que um sócio pode ser excluído.

Passando ao requisito do “periculum in mora”:

Uma providência cautelar é por definição uma decisão provisória destinada a antecipar, em atenção ao periculum in mora, o efeito jurídico da decisão definitiva, ou seja, destinada a evitar o dano jurídico que pode vir a ocorrer no lapso de tempo que sempre leva a tomada duma decisão definitiva.

Daí que repetidamente se refira que na providência cautelar se efectuam dois tipos de juízos: um juízo de simples/mera probabilidade quanto à verificação do direito invocado pelo requerente; e um juízo de certeza ou, pelo menos, de probabilidade muito séria quanto ao “periculum in mora”.

É o caso que da presente providência cautelar de suspensão de deliberação social, em que o direito invocado é a invalidade, supra apreciada, da deliberação em causa, traduzindo-se o requisito do “periculum in mora” na demonstração de que, se tal deliberação for executada, daí resultará dano apreciável (cfr. art. 380.º/1/in fine do CPC).

Temos pois que uma providência de suspensão, como é o caso, só faz sentido com a alegação/prova dos prejuízos que possam decorrer da execução da deliberação; uma vez que, mais do que restaurar provisoriamente a legalidade, interessa prevenir danos futuros.

É justamente também por isto que só podem ser suspensas deliberações ainda não executadas, embora tal deva ser entendido em termos hábeis, ou seja, não se trata de impedir os órgãos sociais da sociedade dum qualquer acto de execução instantânea da deliberação em causa[23], mas sim de paralisar os efeitos jurídicos – não raras vezes, duradouros, persistentes e prolongados – que a deliberação em causa é susceptível de produzir.

Periculum in mora” que, na presente providência, corresponde à verificação, em termos de probabilidade, do perigo de ocorrência dum “dano apreciável”.

Efectivamente, ao contrário do que ocorre com o procedimento cautelar comum – em cujo art. 362.º/1 do CPC se fala “em lesão grave e dificilmente reparável” – considera-se desnecessário que se evidenciem danos irreparáveis ou de difícil reparação, “apenas” se impondo ao requerente o ónus de demonstrar que a suspensão da deliberação é essencial para impedir a verificação de um “dano apreciável”.

Expressão esta que “integra um conceito indeterminado, carecido de densificação através da alegação e prova de factos dos quais possa extrair-se que a execução do deliberado no seio da pessoa colectiva acarretará um prejuízo significativo, de importância relevante, muito longe dos danos irrisórios ou insignificantes, embora sem se confundir com as situações de irrecuperabilidade ou de grave danosidade[24]

Acrescentando-se ainda, no art. 381.º/2 do CPC, que o tribunal pode deixar de suspender a deliberação contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato se entender que o prejuízo resultante da suspensão é superior ao que poderá derivar da execução[25].

Isto dito, revertendo às concretas questões colocadas:

A requerida/apelante diz, sintetizando, que não se provou – ou sequer alegou – o “dano apreciável” causado ou a causar pela execução da deliberação; e que, ao invés, até se provou ser superior o prejuízo resultante da suspensão.

Não tem, a nosso ver, razão.

Quanto à ineptidão da PI – por, segundo a requerida, não terem sido alegados factos concretos (mas meras “alegações vagas, genéricas, conclusivas e não concretizadas”) que consubstanciem o “dano apreciável” – basta dizer, sem sair do campo processual, que estamos perante uma causa de pedir complexa – que é integrada pela alegação da qualidade de sócio, pela alegação das razões da invalidade da deliberação e pela alegação dos factos de onde resulte o perigo de ocorrência de dano apreciável provavelmente decorrente da futura execução da deliberação – pelo que, se por hipótese de raciocínio nada tivesse sido alegado quando ao “dano apreciável” (o que não é o caso[26]), estaríamos tão só perante uma alegação insuficiente e não perante o vício processual da ineptidão da PI.

Enfim, não se verifica a ineptidão da PI, repetidamente invocada, sendo até muito evidente o equívoco conceitual em que a requerida incorre[27], ao referir-se e ao invocar tal vício, uma vez que o que está verdadeiramente (e sempre) a suscitar é a questão de “fundo”, ou seja, a sustentar que o que foi alegado e o que está alinhado nos factos não preenche o requisito do “dano apreciável” e/ou que o prejuízo resultante da suspensão é superior.

Concentremo-nos pois sobre o “dano apreciável”.

A requerida bate incontáveis vezes na mesma “tecla”; diz, repetidamente, que:

Não foram alegados e provados factos concretos que permitam aferir da existência dos prejuízos e da correspondente gravidade;

Não foi alegada qualquer conduta da requerente, subsequente a 21/10/2018, de que resulte a eminência de qualquer perigo ou danos e prejuízos hipotéticos;

Nenhum facto concreto é invocado no que concerne ao dano apreciável;

O requerente tem o ónus de alegação e prova de que a suspensão da deliberação constitui o único meio para obstar à verificação do dano apreciável;

Têm de ser alegados e provados factos concretos que permitam aferir da existência dos prejuízos e da correspondente gravidade;

Não anunciou, nem procedeu à venda das quotas dos sócios excluídos;

Se limitou a proceder ao registo da deliberação de exclusão, como era sua obrigação legal;

A requerente pode ressarcir-se dos eventuais prejuízos – limitados pela requerente ao valor da quota – por via dos meios comuns.

Que dizer?

Inquestionavelmente, o “dano apreciável” – o requisito do “periculum in mora” – tem que ficar em concreto provado, não sendo a sua existência de presumir, porém, tal concreta prova – tal questão de facto (como a requerida refere na sua conclusão 29) – pode/deve resultar da apreciação que o tribunal deve fazer da globalidade dos concretos factos que estão alegados/provados.

Mais, tal concreta prova não tem única e necessariamente que ser extraível de factos e comportamentos (da requerida) praticados em data posterior à deliberação sob escrutínio.

Se assim fosse, fácil seria obstar ao sucesso da generalidade dos procedimentos de suspensão de deliberação: bastaria para tal que, no curto prazo (10 dias) de proposição da providência, nenhuma execução ou efeito fossem extraídos da deliberação em causa.

São pois as próprias consequências e efeitos práticos de tal entendimento – segundo o qual teriam que estar alegados/provados concretos factos e comportamentos ocorridos em data posterior à deliberação sob escrutínio – que o desautorizam[28].

Escreveu-se atrás que o “dano apreciável” a prevenir é um dano futuro, porém, acrescentou-se que não raras vezes as deliberações produzem efeitos duradouros, persistentes e prolongados.

É bem o caso dos efeitos da deliberação de exclusão de sócias imposta à requerente e à C (…); já que tal deliberação tem como consequência a perda da qualidade de sócias, sendo-lhes retirada a titularidade da participação social, enquanto conjunto unitário de direitos e deveres da socialidade.

O que, só por si, mantendo-se tal perda durante o lapso de tempo que leva a ser tomada uma decisão definitiva, evidencia um prejuízo significativo, de importância relevante, longe dos danos irrisórios ou insignificantes.

Não divergimos pois da requerida, quando a mesma sustenta que “o dano que serve de fundamento à medida cautelar tem de transcender e destacar-se do valor da quota”, porém, é essa “transcendência” que em boa verdade sempre ocorre quando se exclui alguém de sócio, ou seja, quando alguém é excluído de sócio, não perde apenas e só a quota.

Do ponto de vista cautelar, isto é, circunscrevendo-nos apenas ao dano que decorre da natural demora da decisão definitiva, a perda da quota e do valor da quota até será o dano menos “significante”, na medida em que a decisão definitiva poderá reconstituir a titularidade da quota.

A questão – o “dano apreciável” que cautelarmente merece tutela – está no que significa e representa, em termos de efeitos jurídicos, o simples facto de alguém deixar de ser proprietário duma participação social; o “dano apreciável” está nos direitos sociais que se retiram ao sócio excluído (está na extinção da relação jurídica que liga permanentemente o sócio à sociedade).

Está, concretizando, na perda da qualidade de sócia da requerente, em ver-se afastada da vida da sociedade, não podendo participar e influir nas decisões (designadamente, não podendo opor-se à entrada de novos sócios), passando os restantes sócios da requerida a poder deliberar, da forma como bem entenderem, sobre o destino da sociedade.

E não é pouca e insignificante coisa, principalmente se não perdermos de vista a globalidade dos factos e o modo, já apreciado, bastante irregular que rodeou a deliberação de exclusão da requerente e da C (…).

O “dano apreciável”, repete-se, é um dano futuro e sobre o futuro é sempre difícil fazer previsões (quanto mais ter certezas), porém, pelo modo como a AG decorreu e como a requerente e a C (…) foram excluídas de sócias – não as deixando sequer participar, por razões descabidas, na AG que visava excluí-las de sócias e invocando-se, em relação à requerente, uma causa de exclusão que claramente não se verifica – pode/deve extrair-se que é muito séria e forte a probabilidade de serem significativos os prejuízos decorrentes da perda de qualidade de sócia da requerente, ou seja, o modo atrabiliário como a requerente e a C (…) foram, na AG sub-judice, afastadas da participação na vida da sociedade, não augura nada de bom e faz legitimamente temer (preenchendo o perigo do “dano apreciável”) que, quem assim procedeu, visou ter campo livre para, no entretanto (até à decisão definitiva), poder deliberar, da forma como bem entender, sobre o destino e gestão da sociedade/requerida.

E é em grande medida isto mesmo – e não exactamente a superioridade do prejuízo para a requerida resultante da suspensão da deliberação (cfr. art. 381.º/2 do CPC) – que se extrai do invocado pela requerida nas conclusões 75.º e ss.

Diz a requerida, em síntese, que está numa situação financeira frágil, que corre o risco de paralisar por falta de meios financeiros, que precisa das entradas dos sócios e que “se a F (…) não tem dinheiro então que deixe entrar um sócio que tenha dinheiro”.

Em face do que consta dos factos dados como provados, nada disto – designadamente, a ingente necessidade de capital por parte da requerida, para desenvolver a sua actividade operacional, e os prejuízos decorrentes da não realização dos € 560.000,00 em falta – é questionável, porém, não se está a ver que seja a suspensão da deliberação de exclusão que irá impedir o financiamento da requerida e/ou causar-lhe prejuízos[29].

Com ou sem suspensão da deliberação, pode a requerida – que mantém como único gerente o sócio J (...) – procurar financiar-se quer através de capitais alheios quer do reforço dos capitais próprios.

O que, depreende-se do invocado pela requerida, a suspensão da deliberação impedirá é, coisa bem diversa, que seja apenas o sócio-gerente J (...) a escolher, como bem entender, a estratégia de capitalização da requerida e, designadamente, novos sócios (ou seja, o referido no ponto 36 dos factos provados).

Mas isto, em vez de revelar um prejuízo superior (para a requerida) resultante da suspensão da deliberação, exprime, isso sim, o “dano apreciável” que a presente providência pode/deve evitar, ou seja, que a requerente pode ter sido afastada da vida da sociedade para que não pudesse participar e influir nas decisões societárias (designadamente, sobre a entrada de novos sócios) e para o que os restantes e minoritários sócios da requerida possam deliberar, como bem entendam, sobre o destino da sociedade requerida.

Bem andou pois a sentença recorrida – uma vez que o alegado na contestação e repetido no recurso não configura o facto impeditivo constante do art. 381.º/2/2.ª parte do CPC – ao considerar “que nada foi alegado no sentido da superioridade do prejuízo decorrente da suspensão relativamente ao dano que com ela o requerente pretende evitar”.

Verificam-se assim todos os requisitos da providência cautelar de suspensão de deliberação social no início referidos, acrescentando-se, sem embargo do que está exposto prejudicar as demais questões e argumentos suscitados na apelação, ainda:

A propósito dos ponto da matéria de facto colocados em crise, que se trata de factos sem relevo jurídico, ou seja, quer sejam considerados provados quer sejam não provados, não alteram a solução jurídica dos autos; porém, além da sua irrelevância jurídica, não há razão para efectuar as alterações factuais pedidas pela requerida/apelante.

No ponto 11 dos factos, está dado como provado o envio duma carta em 5 de Junho de 2015 e não que a mesma haja sido recebida pela requerida e só isto é verdadeiramente contestado pela requerida.

No ponto 13 dos factos, está o facto objectivo, e não discutido pela requerida, da mesma continuar a ser gerida por um único gerente (J (…)).

No ponto 18 dos factos, está o facto negativo – da requerida não ter dado resposta à carta da requerente, de 20 de Junho de 2018, solicitando a convocação duma assembleia geral de sócios – o que é atestado por não estar junta qualquer resposta, por não ter sido convocada a AG e pela disputa que sobreveio.

No ponto 15 dos factos, está o facto negativo da requerida não ter notificado a requerente para “de acordo com o estipulado no art. 204.º do CSC, realizar, no prazo máximo de 30 dias, o valor em falta da quota que detém na A (…) Lda.”, com a cominação de “ser excluído de sócio e perder a quota a favor da sociedade”

Aqui, como a propósito das alíneas l), m) e n) dos factos não provados, invoca-se, repetidamente, as declarações “idóneas, claras e coerentes” do gerente J (...) [30].

Mas, representando o gerente J (…) a requerida e nada tendo confessado nos trechos do seu depoimento a que se faz apelo, as suas declarações valem tão só como “prova por declarações de parte”, apreciando-as o tribunal livremente (cfr. 486.º/3 do CPC).

E nesta apreciação “livre” – que significa que o tribunal não está vinculado, na sua apreciação, a quaisquer regras legais estritas, sendo antes recorrendo a todas as circunstâncias envolventes, a todos os detalhes, munindo-se de todo o seu sentido crítico e analítico, fazendo uso de toda a sua perspicácia, argúcia e experiência – o tribunal só “valida” o que lhe possa/deva merecer valor e crédito, o que, com todo o respeito, não se aplica às declarações do gerente J (…) em causa, que é, fora de qualquer dúvida, a verdadeira e efectiva contraparte e que, compreensivelmente, está fortemente comprometido e interessado no desfecho da presente disputa, razão pela qual o que declarou, sem documentos coevos a suportar o que declarou, não pode ser dado como provado.

É certo que as dificuldades financeiras da requerida estão bem evidenciadas nos pontos 30 e ss. dos factos (embora isto não releve para o que aqui se discute), porém, tal não implica que, por o sócio J (…) o ter referido, se deva, sem mais, também dar como provado o que foi dado como não provado nas alíneas l), m) e n).

O mesmo se devendo dizer em relação a dever dar-se como provada, segundo a requerida sustenta repetidamente, “a promiscuidade e a solidariedade entre as sócias F (…) e C (…)” (cfr., v. g., conclusão 59), ou seja, não é por o sócio J (...) o referir que se deve dar tal como provado.

Face ao que se pede/visa com os presentes autos, o recorte factual (ou seja, a premissa menor do silogismo judiciário) exigido pelo direito aplicável/convocável consta todo ele dos documentos juntos – máxime, das actas da requerida – e dos mesmos não resulta a referida “promiscuidade” e “solidariedade”.

Resulta, é verdade, que há relações próximas entre a requerente e a C (…) e que, directa ou indirectamente, têm accionistas comuns, assim como resulta que entre ambas existe harmonia e concordância de actuação, porém, nada resulta que configure a consecução de vantagens especiais e abusivas; mais, tudo o que agora resulta era já patente no dia da entrada de ambas no capital da requerida, chamando-se agora “promiscuidade” aquilo que todos (incluindo o sócio J (…)) conheciam, sem qualquer “repugnância”, desde Abril e Junho de 2013.

A favor da “solidariedade” é que nada resulta mesmo dos documentos, sendo naturalmente insuficientes, para se dar como acordada tal “solidariedade”, as declarações fortemente interessadas do sócio J (…).

Enfim, repetindo e sintetizando, o que o direito aplicável/convocável reputa como factualmente relevante consta dos documentos/actas juntos, ou seja, a prova relevante produzida é/foi documental.

Sendo também justamente por isto que foi, e bem, decretada a inversão do contencioso.

Efectivamente, de acordo com o disposto no art. 369.º/1 do CPC, o juiz, mediante requerimento, na decisão que decrete a providência, pode dispensar o requerente do ónus de propositura da acção principal se a matéria adquirida no procedimento lhe permitir formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado e se a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do litígio.

Quanto à “convicção segura” acerca do direito, são a nosso ver evidentes, como fomos referindo, as invalidades que inquinam o deliberado, estando assim em muito ultrapassado o juízo de simples/mera probabilidade (quanto à verificação do direito invocado) que é exigido pela tutela cautelar; mais, sendo documental toda a prova relevante, o nível de segurança da convicção sobre tais invalidades (na medida em que estiveram sob apreciação/julgamento fundamentalmente questões de direito) é, pode dizer-se, o mesmo que existiria para a apreciação e reconhecimento das invalidades em causa na acção principal, caso esta tivesse que ser instaurada.

Quanto à aptidão da presente providência suspensiva para se consolidar como composição definitiva do litígio, sem necessidade de confirmação por decisão ulterior, quer-nos também parecer que o decretamento da suspensão da deliberação social – suspendendo a eficácia integral da deliberação, através da proibição da sua execução – tem a virtualidade de realizar a composição definitiva do litígio, conferindo um efeito equivalente à procedência da acção de nulidade ou de anulação da deliberação social[31].


*

Sendo assim, em conclusão final, improcede “in totum” tudo o que a requerida/apelante invocou e concluiu na sua alegação recursiva[32], o que determina o naufrágio da apelação e a confirmação do sentenciado na 1ª instância, que não merece os reparos que se lhe apontam, nem viola qualquer uma das disposições indicadas.
*

IV - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar totalmente improcedente a apelação e, consequentemente, confirma-se a sentença recorrida.

Custas, em ambas as instâncias[33], pela requerida/apelante.


Coimbra, 02/04/2019

Barateiro Martins ( Relator )

Arlindo Oliveira

Emídio Santos



[1] Ou quase tudo, uma vez que sobre a inversão do contencioso, também decretada, não é muito explícita a sua discordância.

[2] Tratou-se efectivamente duma única deliberação, não acrescentando nada (a tal deliberação) o a seguir deliberado (em repetição) sobre as quotas reverterem para a sociedade, uma vez que a “perda” já significava a reversão para a sociedade.
[3] De tal maneira que os representantes da requerida e da C (…)  não suscitaram tal questão no momento em que se iniciou a assunção, indevida, da presidência da mesa da assembleia geral por parte do sócio J (…).

[4] Com excepção das deliberações por voto escrito, em que, segundo o art. 249.º/1 do CSC, não é admitida a possibilidade de representação voluntária.

[5] Não se percebe como é que a requerida insiste em dizer (cfr. conclusão 106) que “o advogado não acompanhava a requerente, antes se pretendia fazer passar por ela”; é que, não sendo a requerente uma pessoa física, não se vê como é que alguém se pode “fazer passar por ela”. Quando muito, podia o advogado pretender fazer-se passar por um representante orgânico da sociedade/requerente, porém, um tal entendimento é liminarmente contrariado pelo conteúdo da procuração que apresentou; da qual também resulta, fora de qualquer dúvida, que estamos perante uma representação voluntária da sociedade/requerente, isto é, o advogado representa a sociedade e não os administradores que o nomearam.
[6] Se é que efectivamente têm, uma vez que não vemos que os seus estatutos se encontrem juntos.
[7] Que, sendo a requerente uma sociedade anónima, será (e não o art. 252.º/6 do CSC) o preceito convocável.
[8] Ponto é que as sociedades participadas o permitam, mas essa é a questão que analisámos primeiro.
[9] Efectivamente, a “finalidade das normas violadas (assegurar a colegialidade, garantir o exercício do direito fundamental da socialidade) reclama a anulabilidade. De outro modo, possibilitar-se-ia que alguns sócios (especialmente, os minoritários) ficassem sem qualquer direito de participação nas deliberações” - Coutinho de Almeida, Curso de Direito Comercial, Vol. II, pág. 503.

[10] O fulcro da exclusão está no comportamento do sócio causar ou poder vir a causar prejuízos relevantes à sociedade, o que está explícito na cláusula geral do art. 242.º/1 do CSC e é implícito às restantes causas de exclusão, ou seja, embora o art. 204.º/1 não aluda ao caracter prejudicial do comportamento do sócio remisso, é seguro que o legislador autonomizou tal fundamento de exclusão por o considerar “iuris et de iure” prejudicial à sociedade, pelo que é um pouco redundante insistir-se no prejuízo para a requerida pela não realização da entrada dos € 560.000,00: tal prejuízo é dado como adquirido/existente pela própria lei.

[11] É sabido que a participação social do sócio pode ser cedida, o que constitui a chamada cessão de quota; sendo que o sócio que seja titular de uma única quota pode também efectuar uma cessão de quota permanecendo sócio, desde que, antes, se proceda à divisão da única quota de que era titular (como resulta expressamente do art. 221.º do CSC).
[12] Alexandre Soveral Martins, Cessão de Quotas, pág. 145.

[13] Como refere Raúl Ventura, Sociedades por Quotas, vol. I, 1.ª edição, pág. 176.
[14] Como refere Carlina Cunha, in Comentário ao CSC, Vol. III, pág. 254, “(…) cada novo titular tornou-se devedor da sociedade pelo montante da entrada ainda não paga e a posterior transmissão da quota não bastou para o exonerar dessa especial vinculação em face do credor-sociedade, embora, naturalmente, a correspondente responsabilidade só se venha a torna exigível no estreito quadro traçado pelo art. 206.º/1 do CSC.

[15] Há que ter presente que, nas sociedades por quotas, a cessão está em regra (cfr. art. 228.º/2 do CSC) dependente do consentimento da sociedade; e que, não havendo consentimento, a cessão é ineficaz, ineficácia que se mantém enquanto o consentimento não tiver sido dado (expressa ou tacitamente) ou se for recusado; o que como é bom de ver significa que a sociedade pode/deve ponderar, para consentir na cessão duma quota não liberada, sobre a robustez financeira do cessionário (e novo sócio) para realizar a entrada em falta.

[16] Houve cedência de quota por, como é evidente, a requerente e a C (…) serem pessoas colectivas juridicamente diferentes; nada sendo alegado, sequer ao de leve, no sentido da desconsideração da personalidade jurídica de alguma delas, não se compreendendo assim, com todo o respeito, a “amalgama jurídica” em que a requerida configura e perspectiva o relacionamento com tais sócias.
[17] Assim como podem, nos termos do art. 207.º do CSC, ser responsabilizados, em 2.ª linha, os demais sócios.
[18] Aliás, o mais normal é os cedentes, quando são obrigados a responder em tais termos, já não serem sequer sócios.

[19] E se não se encontrava em dívida quanto à obrigação de entrada dos € 560.000,00, não se coloca sequer, a nosso ver, a questão da prescrição de tal obrigação de entrada. Até à data da divisão e cessão de quota, ocorrida em 26/06/2013, a requerente estava em dívida, mas não tendo sido interpelada, nos termos do art. 203.º/3 do CSC, não havia ainda sequer entrado em mora (pelo que o início da prescrição ainda não se tinha sequer iniciado – cfr. art. 174.º/1/a) do CSC). Com a cessão da quota, foi transmitida a obrigação de entrada dos € 560.000,00, ficando a requerente tão só responsável, como se referiu, nos termos do art. 206.º do CSC, sendo em relação a tal obrigação/responsabilidade que se há-de colocar a questão da prescrição (sendo-lhe aplicável, a nosso ver, o art. 174.º/1/c) do CSC, ou seja, o prazo de 5 anos contados da data em que a cessão se tornou eficaz para com a requerida).

[20] Só se invoca o art. 204.º do CSC e dá-se um prazo que cabe em ambos os preceitos; e se se foi directamente para o art. 204.º não se fez, antes, a sócia entrar em mora.
[21] O art. 203.º/3 do CSC diz que, “não obstante a fixação de prazos no contrato de sociedade, o sócio só entra em mora depois de interpelado pela sociedade para efectuar o pagamento”
[22] Como refere Raúl Ventura, Sociedades por Quotas, vol. I, 1.ª edição, pág. 150/1.
[23] Como, v. g., o seu registo.

[24] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV volume, Almedina, 3.ª edição, pág. 96.

[25] Ou seja, este facto impeditivo da suspensão da deliberação social não exige, ao contrário do que sucede no procedimento cautelar comum (cfr. art. 368.º/2 do CPC), um excesso considerável entre o prejuízo decorrente da procedência da providência e aquele a que se pretende obviar, bastando que o prejuízo resultante da suspensão seja superior.
[26] Como resulta dos artigos 110.º a 112.º da PI e do requerimento subsequente ao convite que lhe foi feito.
[27] De tal maneira que, na conclusão 32, até diz, não que falta a causa de pedir, mas que a mesma não está concretizada de modo cabal e suficiente.

[28] Importa nunca perder de vista que a ponderação das consequências constitui um momento de argumentação jurídica, pelo menos para todos aqueles que entendem – e são hoje muitos – que a inferência jurídica não pode ficar alheia dos efeitos práticos da solução inferida.
[29] Não é a não suspensão da deliberação que fará a C (…) realizar a entrada em falta.

[30] Para além de se invocar um mail de 09/01/2014 (junto a fls. 148 verso), que não é enviado pela gerência da requerida, que é muito pouco explícito – em relação ao que se pretende extrair dele – e que é até anterior à notificação constante do ponto 14 dos factos.

[31] Ou seja, com todo o respeito por opinião diversa, não vemos razão para restringir a possibilidade de inversão do contencioso à suspensão de deliberações nulas e já não às meramente anuláveis; divergência que no caso não tem qualquer relevo, uma vez que também se concluiu que a deliberação é nula por vício de conteúdo.

[32] Como está implícito em tudo o que se expôs, não se verificam quaisquer nulidades na sentença recorrida, designadamente as invocadas omissão de pronúncia e contradição entre os fundamentos e a decisão. Efectivamente, segundo a alínea c) do art. 615.º/1, constitui causa de nulidade da sentença os fundamentos estarem em oposição com a decisão, porém, quando se fala, a tal propósito, em “oposição entre os fundamentos e a decisão”, está-se a aludir à contradição real entre os fundamentos e a decisão, está-se a aludir à hipótese de a fundamentação apontar num sentido e a decisão seguir caminho oposto; e segundo a alínea d) do mesmo art. 615.º/1, constitui causa de nulidade da sentença o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, porém, quando se fala, a tal propósito, em “omissão de conhecimento” ou de “conhecimento indevido”, está-se a aludir e remeter para as questões a resolver a que alude o art. 608.º do CPC. Assim, explicado o sentido de tais causas de nulidade de sentença, é de todo evidente que só por lapso sobre o recorte conceitual das nulidades de sentença se podem invocar vícios de nulidade em relação a uma sentença em que os fundamentos, de facto e de direito, se encontram expostos, em que se conclui em perfeita harmonia com o exposto e em que se conheceu, sem excesso ou omissão, de todas as questões devidas. São pois totalmente improcedentes as nulidades de sentença invocadas.
[33] Havendo oposição e sendo e o procedimento julgado procedente, as custas ficam integralmente a cargo do requerido (é este o sentido do art. 539.º/1 do CPC).