Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2165/14.5TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
APOIO JUDICIÁRIO
CUSTAS
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
Data do Acordão: 09/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO COMÉRCIO DE VISEU DO TRIBUNAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGO 248.º DO CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESA (DL N.º 53/2004, DE 18 DE MARÇO)
ARTIGO 33.º DO REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS.
Sumário: I) Caso não seja possível a sua satisfação integral através do produto da massa insolvente e do rendimento disponível, as custas da exoneração do passivo restante serão da responsabilidade do devedor insolvente, quer lhe venha a ser concedida a final a exoneração do passivo restante, quer esta lhe venha a ser posteriormente revogada.

II) Se for concedida a exoneração do passivo restante, é automática e oficiosamente aplicável ao pagamento das custas e à obrigação de reembolso ao IGFEG, IP, o regime do pagamento das custas em prestações, sem necessidade de requerimento do devedor.

Decisão Texto Integral:




Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

Nos presentes autos de insolvência respeitantes a A… e B…, declarada que foi a sua insolvência por sentença proferida em 22 de agosto de 2014,

Por despacho de 17-11-2020, foi proferida decisão final a conceder a exoneração do passivo restante.

Foi elaborada conta de custas nos autos a 8-02-2021 e os insolventes notificados para, até 26 de fevereiro de 2021, procederem ao pagamento da quantia de 3.062,00 €, correspondente ao total da conta de custas.

Notificados da conta de custas, os insolventes dela vieram reclamar, concluindo não terem de suportar as custas processuais, por beneficiarem de proteção jurídica na modalidade de dispensa total de pagamento das taxas de justiça e demais encargos com o processo.

 A Ex.ma Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de não haver fundamento para os requerentes não pagarem as custas, por ter sido indeferida a proteção jurídica que requereram.

Notificados do teor da promoção com a ref.ª 87689873 e dos documentos com as ref.as de 227570/3 de 19-12-2014 e, bem assim, para esclarecerem se existia algum lapso na apresentação da reclamação, os requerentes pronunciaram-se no sentido de a decisão do apoio judiciário ser reformada, determinando-se que beneficiam de proteção jurídica, por omissão de pronúncia do ISS, I.P.

Pelo Juiz a quo proferido Despacho a indeferir a reclamação apresentada pelos insolventes.


*

Inconformados com tal decisão, os Insolventes dela interpuseram recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões, que aqui se apresentam por súmula:

(…)
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir seriam as seguintes:
1. Se os Requerentes se encontrariam dispensados de pagar as custas:
1. Se o pedido de apoio judiciário foi tacitamente deferido;
2. Se reúnem as condições para que o mesmo lhe seja deferido e se tal pode ser concedido pelo tribunal;
3. Inconstitucionalidade do disposto no nº4 do artigo 248º CIRE.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

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Vindo os insolventes reclamar da conta de custas, concluindo não terem de suportar as custas processuais por beneficiarem de proteção jurídica na modalidade de dispensa total de pagamento de taxas de justiça e demais encargos com o processo, o Magistrado do Ministério Público, opôs-se ao requerido com fundamento em que lhes teria sido indeferida a proteção jurídica que requereram.

Na decisão que recaiu sobre tal reclamação, o juiz a quo teve em consideração os seguintes factos:

2.1.1. Em 31 de julho de 2014, A… e B… apresentaram-se à insolvência e juntaram à petição inicial o requerimento de proteção jurídica que, no dia 14 desse mês, entregaram na Segurança Social, a solicitar o benefício de proteção jurídica na modalidade de “dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo” (p.i.).

2.1.2. Em 22 de agosto de 2014, foi proferida sentença a declarar a insolvência dos requerentes (ref.ª 8871645).

2.1.3. Em 15 de outubro de 2014 foi admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante e foi encerrado o processo de insolvência, por insuficiência da massa insolvente (ref.ª 71881948).

2.1.4. Na sequência do pedido de informação sobre a decisão que incidiu sobre aqueles requerimentos de proteção jurídica, em 19 de dezembro de 2014, a Segurança Social informou o seguinte:

- “Na sequência do requerimento de proteção jurídica formulado em 14-07-2014, por B…[A…] (…), vem notificar-se V. Ex.a que, por despacho proferido em 27-08-2014, o pedido foi INDEFERIDO.

O requerente de proteção jurídica acima identificado foi notificado, pelo nosso ofício n.º 071099 [071110] datado de 06-08-2014, para, em 10 dias úteis, se pronunciar, em sede de audiência de interessados sobre a proposta de decisão formulada (…).

Por conseguinte, como o requerente não se pronunciou no prazo que lhe foi concedido para o efeito, o processo foi INDEFERIDO em 27-08-2014, não se tendo procedido à sua notificação, uma vez que a mesma foi advertida que na falta de resposta, a proposta de decisão convertia-se em definitiva, não havendo lugar a nova comunicação” (ref.ª 72513801 de 11-12-2014, 227570 e 227573 de 19-12-2014).

2.1.5. Com aqueles ofícios foram juntas cópias das cartas datadas de 05-08-2014, dirigidas aos requerentes, onde consta, em síntese, o seguinte:

“(…) informa-se que é intenção deste serviço INDEFERIR o pedido de apoio judiciário apresentado em 14-07-2014, com os seguintes fundamentos:

- O rendimento líquido do agregado familiar é de 13.664,00€.

(…)

- A dimensão do agregado familiar é de 3, sendo o número aplicável de elementos do agregado familiar de 2.

- A dedução para efeitos de Proteção Jurídica, incluindo aqui os encargos com necessidades básicas e com habitação, é de 8.813€.

- O rendimento anual para efeitos de Proteção Jurídica é de 4.851,00€.

- O rendimento mensal para efeitos de Proteção Jurídica em múltiplos do indexante de apoios sociais é de 0,83€.

(…) o requerente encontra-se em condições de beneficiar de proteção jurídica nas seguintes modalidades:

X Pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

(…)

Caso V. Ex.a concorde com a modalidade proposta deverá pronunciar-se por escrito, no prazo de 10 dias úteis a partir da data da receção da presente notificação, declarando que aceita a modalidade de pagamento faseados nos termos propostos, declaração que deverá enviar para a morada indicada em rodapé ou ser entregue (…).

Na falta de resposta declarando expressamente aceitar a modalidade proposta de pagamento faseado, a proposta de indeferimento converte-se em decisão definitiva, não havendo lugar a nova notificação”.

2.1.6. No período da cessão só no quinto ano é que foi apurado valor a ceder, no montante de €721,69, que foi depositado pelos requerentes;

2.1.7. Em 17 de novembro de 2020, foi proferida decisão a conceder a exoneração do passivo restante dos requerentes (ref.ª87025713).

O juiz a quo veio a indeferir a reclamação de custas com os seguintes fundamentos:

“Dispõe o artigo 248.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (diploma a que pertencem as demais normas sem indicação de origem) que o devedor que apresente um pedido de exoneração do passivo restante beneficia do diferimento do pagamento das custas até à decisão final desse pedido, na parte em que a massa insolvente e o seu rendimento disponível durante o período da cessão sejam insuficientes para o respetivo pagamento integral, o mesmo se aplicando à obrigação de reembolsar o IGFEJ.

Sendo concedida a exoneração do passivo restante, o disposto no artigo 33.º do Regulamento das Custas Processuais, é aplicável ao pagamento das custas e à obrigação de reembolso referida no número 1 (art. 248.º, n.º 2).

Perante a inexistência de massa insolvente e de rendimento disponível suficiente é o insolvente ou devedor o responsável pelo pagamento dos montantes apurados na conta objeto de reclamação.

Os requerentes alegam que estavam em condições de beneficiar de apoio judiciário na modalidade requerida, por considerarem que estavam em situação de insuficiência económica.

Fundamentam essa sua alegação nos seguintes factos: declaração de insolvência e nos artigos 4.º do RCP, 7.º, 8.º da Lei n.º 34/2004, 3.º e 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

A competência para apreciar os pedidos de concessão de apoio judiciário está reservada à Segurança Social, estando a intervenção do Tribunal limitada aos casos de impugnação judicial dessas decisões (arts. 20º, nº1, 26º, nº2 e 27º da Lei n.º 34/2004 de 29-07 – redação da Lei n.º 47/2007, de 28-08-, diploma a que pertencem as demais normas sem menção de origem), pelo que, não tendo sido impugnadas as decisões mencionadas nos pontos 2.4. e 2.5., não pode o Tribunal apreciar, nesta sede, se estavam ou não reunidos os requisitos para a concessão do requerido apoio judiciário.

Os requerentes invocam o n.º 7 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais.

O artigo 4.º só estabelece a isenção de custas nos casos previstos nos números 1 e 2, onde, em relação às situações de insolvência, só menciona as sociedades civis ou comerciais, as cooperativas e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada (art. 4.º, n.º 1, alínea u)).

O citado n.º 7, apenas estabelece que, “com exceção dos casos de insuficiência económica, nos termos da lei de acesso ao direito e aos tribunais, a isenção de custas não abrange os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte, que, naqueles casos, as suportará”. Em primeiro lugar, a “insuficiência económica” é que está prevista (“nos termos”) na lei de acesso ao direito e aos tribunais, ou seja, na Lei n.º 34/2004, o que pressupõe uma decisão a conceder o benefício de apoio judiciário que, como se referiu, é da competência da segurança social, em segundo lugar, esta disposição limita-se a referir que, salvo os casos de insuficiência económica, a isenção de custas não abrange os reembolsos à parte vencedora a título de custas de partes, sendo certo que, nos casos de insuficiência económica, em que o responsável pelo pagamento das custas beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o reembolso das taxas de justiça pagas pelo vencedor é suportado pelo IGFEJ, nos termos estabelecidos no n.º 6 do artigo 26.º do Regulamento das Custas Processuais.

Resulta, assim, que, por um lado, os requerentes não beneficiam de isenção de custas e, por outro lado, que a apreciação da insuficiência económica é efetuada pelos serviços da Segurança Social nos termos da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais e, no âmbito da impugnação judicial, pelos Tribunais.

Acrescentam os requerentes que “não receberam comunicação de indeferimento dos serviços do ISS, I.P.”, que de nada foram notificados (antes) pelo Tribunal, a respeito dos pedidos de apoio judiciário, que a notificação efetuada não contém qualquer decisão, que é desconhecida, incluindo os seus fundamentos e que, atendendo à data em que formularam o pedido (14-07-2014) e a notificação efetuada há muito que estava ultrapassado o prazo a que aludem os n.ºs 1 e 2 do artigo 25.º, pelo que consideram que está verificado o deferimento tácito.

Nos casos em que é invocado o deferimento tácito o Tribunal “deve confirmar junto dos serviços da segurança social a formação do ato tácito, devendo estes serviços responder no prazo máximo de dois dias úteis” (art. 25.º, n.º 4).

Acontece que, no caso dos autos, não há que confirmar qualquer ato tácito já que, por um lado, a Segurança Social informou em 19 de dezembro de 2014 que os pedidos formulados foram indeferidos, por outro lado, tal alegação tem como pressuposto que a decisão foi proferida aquando da notificação efetuada em 26-03-2021.

Conforme consta da factualidade provada o pedido de apoio judiciário foi apresentado em 14-07-2014.

De acordo com a informação prestada pela Segurança Social, conforme consta do ponto 2.1.5., por cartas datadas de 05-08-2014, os requerentes foram notificados da intenção de indeferir o pedido de apoio judiciário.

Os requerentes acabam por não questionar a receção das cartas referidas no ponto 2.1.5., sendo certo que, se o pretendiam fazer, deveriam ter impugnado judicialmente a decisão proferida nos termos constantes da Lei n.º 34/2004.

Os números 2 e 3 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004 estabelecem o seguinte “(…) Conforme consta da factualidade provada, no âmbito da audiência prévia, os requerentes foram advertidos de que, na falta de resposta, a proposta de indeferimento convertia-se em decisão definitiva, “não havendo lugar a nova notificação”.

Por conseguinte, por força do disposto no artigo 24.º e da falta de resposta, não havia lugar a qualquer outra decisão ou notificação.

Importa ainda referir que, em relação aos requerentes, nos termos previstos no artigo 26.º, a notificação da decisão sobre o pedido de proteção jurídica não é efetuada pelo Tribunal.

Alegam ainda os requerentes a inconstitucionalidade do n.º 4 do artigo 248.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas na parte em que impede a obtenção do apoio judiciário, na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo.

O Tribunal Constitucional, nos Acórdãos n.º 489/2020 e 490/2020, julgou inconstitucional a norma do artigo 248.º, n.º 4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, na parte em que impede a obtenção do apoio judiciário, na modalidade de dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo, aos devedores que tendo obtido a exoneração do passivo restante e cuja massa insolvente e o rendimento disponível foram insuficientes para o pagamento integral das custas e encargos do processo de exoneração, sem consideração pela sua concreta situação económica.

No caso dos autos não está em causa a aplicação do n.º 4 do artigo 248.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, nem a situação considerada naquelas decisões.

Por conseguinte, não beneficiando os requerentes / reclamantes de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, por ter sido indeferido pela Segurança Social (no uso das competências previstas nos artigos 10.º e 20.º da Lei n.º 34/2004, de 29-07) e não tendo impugnado a respetiva decisão, improcede a reclamação, com custas do incidente a cargo dos reclamantes, com taxa de justiça que se fixa no mínimo legal, atenta a relativa simplicidade do incidente.

Entendeu o tribunal recorrido que, face ao disposto no artigo 248º do CPC, perante a inexistência de massa insolvente e de rendimento disponível suficiente é o insolvente ou devedor o responsável pelo pagamento dos montantes apurados na conta objeto de reclamação, indeferindo a reclamação com fundamento em que:

- os reclamantes não beneficiam de apoio judiciário por ter sido indeferido pela Segurança Social, não competindo ao tribunal tal apreciação;

- não é aplicável ao caso em apreço o disposto no nº4 do artigo 248º o CIRE.

Por sua vez, os requerentes, não pondo em causa serem eles os responsáveis pelos montantes constantes da conta de custas, insurgem-se contra o indeferimento da reclamação, insistindo:

- que o benefício de apoio judiciário lhes foi deferido tacitamente uma vez que não receberam qualquer notificação pelo tribunal;

- que reúnem as condições que lhes permite beneficiar de apoio judiciário na modalidade requerida, por considerarem que se encontram em situação de insuficiência económica;

- na inconstitucionalidade do disposto no nº4 do artigo 248º CIRE.

Quanto a beneficiarem do apoio judiciário por o mesmo lhes terem sido deferido tacitamente, não se pode dar razão aos apelantes: pelo Instituto de Segurança Social, I.P. (ISS) foi informado nos autos terem os requerentes/reclamados sido notificados através do oficio nº 071099, datado de 06-08-2014, para se pronunciarem, sendo que “na falta de resposta declarando expressamente aceitar a modalidade proposta de pagamento faseado, a proposta de indeferimento converte-se em definitiva, não havendo lugar a nova notificação”.

Ora, os requerentes não negam ter recebido esta notificação, afirmando apenas não terem recebido a subsequente notificação da decisão de indeferimento, decisão esta que, de facto, não existiu e relativamente à qual os Apelantes haviam já sido avisados que não ia ocorrer.

Quanto à pretensão de que reúnem os requisitos para a concessão do benefício de apoio judiciário e que o tribunal lhes deve conceder tal benefício, não tem qualquer fundamento legal, sendo a apreciação de tal benefício da competência exclusiva do ISS, nos termos do artigo 26º da Lei nº 34/2004 de 19 de julho.

Maiores considerações nos suscita a questão da inconstitucionalidade do nº4 artigo 248º do CIRE, que veio a ser declarada pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 480/2020 – e que julgou inconstitucional a norma do artigo 248º, nº4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), na parte em que impede a obtenção do apoio judiciário, na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo, aos devedores que tendo obtido a exoneração do passivo restante e cuja massa insolvente e o rendimento disponível foram insuficientes para o pagamento integral das custas e encargos do processo de exoneração, sem consideração pela sua concreta situação económica, por violação dos arts. 20º, nº1 e 13º, nº2, da Constituição” –, do qual os Apelantes não retiram dela qualquer consequência, sendo que, o tribunal recorrido considera que tal alínea nem sequer tem aplicação ao caso em apreço.

Vejamos, de um modo sintético, o regime da responsabilidade das custas processuais no processo de insolvência relativamente ao devedor pessoa singular.

Embora a al. u) do artigo 4º do Regulamento das Custas Judiciais (RCJ) isente de custas as sociedades civis ou comerciais, as cooperativas e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada que esteja em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa, tal isenção não se aplica ao devedor pessoa singular, quer quando voluntariamente requeira a sua insolvência, quer quando se oponha à insolvência requerida por terceiro[1].

Como tal, sendo caso disso, deverá o devedor pessoa singular formular pedido de apoio judiciário junto do ISS, a fim de obter dispensa de pagamento das custas do processo, nomeadamente para efeitos de não ter de pagar a taxa de justiça inicial (seja enquanto requerente da insolvência, seja para deduzir oposição à insolvência contra si requerida por outrem).

Contudo, como sustenta José António Coelho Carreira[2], caso a insolvência seja requerida pelo próprio devedor e não efetue o pagamento da taxa de justiça aquando do impulso processual, não existirá qualquer consequência, processual ou tributária – não faria sentido que, não sendo paga a taxa de justiça quando é o próprio devedor a requerer a insolvência se pudesse recusar ou inferir liminarmente a taxa de justiça devida pelo impulso inicial do devedor.

Quanto ao devedor das custas a final, dispõe o artigo 304º do CIRE que são encargo da massa insolvente ou do requerente, consoante a insolvência seja ou não decretada por decisão com transito em julgado.

Por outro lado, para efeitos de tributação, o processo de insolvência abrange o processo principal, a apreensão de bens, os embargos do insolvente ou do seu cônjuge, a verificação do passivo, o pagamento aos credores, a exoneração do passivo restante, de qualificação da insolvência e quaisquer outros incidentes cujas custas hajam de ficar a cargo da massa, ainda que processados em separado (artigo 303º do CIRE).

Qual, então, o significado do disposto no artigo 248º, CIRE, sob a epigrafe, “Apoio Judiciário”?:

1 – O devedor que apresente um pedido de exoneração do passivo restante beneficia do diferimento do pagamento das custas até decisão final desse pedido, na parte em que a massa insolvente e o seu rendimento disponível durante o período da cessão sejam insuficientes para o respetivo pagamento integral, o mesmo se aplicando à obrigação de reembolsar o Cofre Geral dos Tribunais das remunerações e despesas do administrador de insolvência e do fiduciário que o Cofre tenha suportado.

2. Sendo concedida a exoneração do passivo restante, o disposto no artigo 33º do Regulamento das Custas Processuais é aplicável ao pagamento das custas e à obrigação de reembolso referida no número anterior.

3. Se a exoneração for posteriormente revogada, caduca a autorização do pagamento em prestações, e aos montantes em divida acrescem juros de mora calculados como se o benefício previsto no nº1não tivesse sido concedido, à taxa prevista no nº1 do artigo 33º do Regulamento das custas processuais.

4. O beneficio prevista no nº1 afasta a concessão de qualquer outra forma de apoio judiciário ao devedor, salvo quanto à nomeação e pagamento de honorários de patrono.

Do nº1 resulta, antes de mais, uma espécie atípica de apoio judiciário, de diferimento do pagamento das custas até à decisão final daquele pedido, incluindo, naturalmente, a taxa de justiça[3], embora apenas na parte em que quer a massa insolvente, quer o rendimento disponível, sejam insuficientes para o seu pagamento integral.

Se lhe for indeferido o pedido de proteção jurídica e uma vez concedida a exoneração, o devedor beneficiará do pagamento em prestações de tais montantes, embora sem a subordinação ao valor mínimo da divida e ao agravamento previstos no nº1 do art. 33º RCJ.

Se o pedido de apoio judiciário lhe for negado e a exoneração for posteriormente revogada, a autorização para pagamento em prestações caduca, acrescendo aos montantes em dívida juros de mora como se o beneficio previsto no nº1 não tivesse sido concedido, à taxa prevista no nº1 do art. 33º do RCP[4].

O benefício concedido ao devedor insolvente que deduz pedido de exoneração do passivo restante é apenas temporário, projetando a exigibilidade e o cumprimento de tais obrigações de cariz pecuniário para momento posterior da decisão final da decisão sobre a concessão (ou revogação do apoio judiciário), e fazendo-o sem margem para aferição da situação económica do devedor nessa fase da sua vida patrimonial para fazer face ao remanescente das custas judiciais[5].

E a nota mais marcante da previsão do artigo 248º, consiste em que dele resulta uma alteração à regra contida no artigo 304º do CIRE, de que a responsabilidade pelas custas do processo de insolvência e do procedimento de exoneração do passivo restante constituem um encargo da massa, uma vez que, caso não seja possível a sua satisfação integral através do produto da massa insolvente e do rendimento disponível, passarão a ser responsabilidade do devedor insolvente, quer lhe venha a ser concedida a final a exoneração do passivo restante, quer esta lhe venha a ser posteriormente revogada.

E aqui partilhamos o entendimento expresso na decisão que deu origem ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 490/2020, de que “A primeira perplexidade que a conjugação das normas citadas nos suscita consiste no facto da responsabilidade pelo pagamento das custas do processo de insolvência, no caso de insuficiência da massa e do rendimento disponível, acabar por final reverter da massa para o próprio devedor, sem qualquer norma que expressamente o consagre[6]”.

De tal regime especial, igualmente resulta que, sendo concedida a exoneração do passivo restante, é automática e oficiosamente aplicável ao pagamento das custas e à obrigação de reembolso ao IGFEG, IP, o disposto no artigo 33º do Regulamento das Custas Processuais – o devedor está desobrigado de requerer o pagamento das custas em prestações, visto que o pagamento resulta de imposição legal, devendo ser determinado oficiosamente pelo juiz[7].

Como tal, no caso em apreço, se não competia ao juiz apreciar o pedido de apoio judiciário formulado pelos requerentes, na modalidade de dispensa do pagamento de custas – pedido este que será admissível caso se opte pela inconstitucionalidade do nº4 do artigo 284º do CPC, nos termos em que se mostra declarada pelo citado Acórdão TC nº 490/2020 –, competia-lhe determinar, mesmo oficiosamente, e face à reclamação dos requerentes, que o pagamento das custas em dívida fosse efetuado nos termos do artigo 33º do RCP, com as adaptações resultantes do disposto nos ns. 2 e 3, do artigo 248º CIRE.

Isto, claro, sem prejuízo da possibilidade de os Apelantes virem a formular novo pedido de apoio judiciário junto do ISS[8], caso tenha ocorrido alteração da sua situação económica desde a formulação do anterior pedido que veio a ser objeto de indeferimento.

A apelação é de proceder parcialmente.


*

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordando os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente, revoga-se o despacho recorrido, a substituir por outro que determine o pagamento das custas nos termos previstos no nº2 do artigo 248º do CIRE.

Sem custas.

Notifique.       

                                                                Coimbra, 07 de setembro de 2020

(…)


[1] Sendo pacífica na jurisprudência e doutrina que tal isenção de custas não abrange as pessoas singulares, cfr., entre outros, Salvador da Costa, “Regulamento das Custas Processuais, Anotado e Comentado”, 3ª ed.-2011, Almedina, p.71, José António Coelho Carreira, Regulamento das Custas Processuais”, Almedina, p.83., e mais recentemente, Letícia Marques Costa, “A Insolvência de Pessoas Singulares”, Coleção Teses, Almedina, p.114.
[2] “Regulamento das Custas Processuais”, Almedina, pp.83 e 84.
[3] Salvador da Costa, “Regulamento das Custas Judiciais Processuais, Anotado e Comentado”, 2011, 3º ed., Almedina, p. 171.
[4] Não se compreende a alusão à “caducidade” da autorização do pagamento em prestações, no caso de revogação do benefício (ou de não concessão da exoneração), uma vez que, desde que apresenta tal pedido e até à decisão final do pedido de exoneração do passivo restante, o devedor beneficia do diferimento do pagamento das custas, e só após esta decisão, se for de concessão do beneficio, deverá proceder ao pagamento das custas ainda em dívida em prestações, e, se for de revogação, terá de pagar as custas ainda em dívida, na integra e sem qualquer beneficio – ou seja, em tal caso, pura e simplesmente não lhe será concedida a possibilidade de pagamento em prestações prevista no nº2 do art. 248.
[5] Cfr., Acórdão do Tribuna Constitucional nº490/2020, relatado por Fernando Ventura.
[6] Excerto reproduzido no citado Acórdão do Tribunal Constitucional.
[7] Neste sentido, José António Coelho Carreira, obra citada, p.96.
[8] No sentido de que o regime do artigo 248º não pode afastar, sem mais, o regime de apoio judiciário, nada obstando a que o devedor possa beneficiar do regime geral do apoio judiciário relativo à dispensa de custas, caso o mesmo lhe tenha sido concedido e se mantenha atuante, uma vez proferida a decisão final de concessão/revogação da exoneração do passivo restante, cfr., Acórdão do TRP de 11-09-2018, relatado por José Igreja de Matos, disponível in www.dgsi.pt. Também no sentido de que a ratio do regime contido no artigo 248º só exclui o apoio judiciário durante o período da cessão do rendimento disponível, não havendo impedimento a que o devedor possa beneficiar do regime geral do apoio judiciário depois daquela decisão final, Acórdão TRP de 25-09-2018, relatado por Maria Cecília Agante, disponível in www.dgsi.pt.