Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
20/17.6GCMLG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR DE OLIVEIRA
Descritores: AMEAÇA.
CRIME CONTRA A VIDA
Data do Acordão: 05/08/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE LAMEGO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 153.º DO CP
Sumário: São idóneas ao preenchimento do tipo de crime de ameaça as circunstâncias da acção de mera verbalização de uma hipotética vontade de matar, não acompanhada de qualquer acto demonstrativo do propósito de concretizar de imediato esse mal, indicativas da intenção do agente de causar medo a outra pessoa, que se revela adequada a esse fim, não da iminência de tirar a vida a outrem.
Decisão Texto Integral:






Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório

No processo comum singular 20/17.6GCMLG da Comarca de Viseu, Juízo Local Criminal de Lamego, após realização da audiência de julgamento foi proferida sentença em 24 de Maio de 2018 com o seguinte dispositivo:

Nestes termos o Tribunal decide:

1.- Condenar o arguido A., como autor material, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. p. pelo artigo 143º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de €5,50; em concurso real com um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelo artigo 153º, n.º 1 e 155º n.º 1 al. a) ambos do Código Penal, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de €5,50.

Em cúmulo jurídico condenar o arguido na pena única de 180 dias de multa, à taxa diária de €5,50.

2. Condenar o arguido B., como autor material de um crime de ofensa à integridade física simples, p. p. pelo artigo 143º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 100 dias e multa, à taxa diária de €5,50.

3. Absolver o arguido B. do crime de ameaça agravada, previsto e punido pelo artigo 153º, n.º 1 e 155º n.º 1 al. a) ambos do Código Penal, de que vinha acusado.

4.Condenar os demandados pagarem ao demandante a quantia de 850,00 euros, acrescida de juros.

5. Condenar os demandados a pagarem ao CHTMAD a quantia de €72,00, acrescida de juros.

(…).

Inconformado com esta decisão dela recorreram os arguidos A.  B., rematando a correspondente motivação com as seguintes conclusões:

1º O arguido vem impugnar, de forma alargada, a decisão da matéria de facto, pois, a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento nesse âmbito. Em concreto,

2º Os factos provados sob os pontos 1 a 5. devem ser eliminados dos factos dados como provados, porquanto os arguidos não atingiram a integridade física do assistente, nem o arguido A. proferiu expressões que integram o crime de ameaças agravadas, cfr. declarações dos arguidos).

3º Os factos dos pontos referidos devem ser eliminados, porquanto os arguidos negaram esses factos (…).

4º A testemunha (…) 20180419120238_3396797_2871947, testemunha, isenta e imparcial, não vinha “por lado de ninguém”, estava com a testemunha (…), não ouviu quaisquer expressões ameaçadoras do arguido A., ou outro, e viu a posição o assistente de costas para si, o que vale dizer, para o (…) e para o (…) (?).

5º A testemunha (…) 20180426101739_3396797 _2871947, estava presente e não viu qualquer agressão, nem qualquer ameaça, testemunha não valorizada pelo Tribunal “quo”.

6° O arguido A. nega veementemente que tenha agarrado no pescoço, que o tivesse atingido com qualquer pontapé no peito, tão pouco proferido a expressão que “ou para a cadeia, mas eu mato-te”.

7º Não ficou provado que o arguido B. colocou uma mão no queixo de (…) e empurrou-o para trás;

8º O assistente quando inquirido de modo a concretizar a forma como alegadamente o arguido lhe colocou a mão na cara, este não pormenoriza, não consegue descrever a posição da mão do arguido, se aberta se fechada, em suma não descreve a agressão.

9° Ou seja, é crível e verosímil que não seja o ofendido capaz de descrever a agressão que foi alvo?, não resultou com a certeza que ao Tribunal se exige que os factos tivessem ocorrido da forma como se deu como provados.

10º O Tribunal ao dar como provado os factos identificados da matéria de facto provada, violou o art.º 374° ou pelo menos o artº 127º do CPP e o princípio in dubio pro reo, dado que tais factos, dados como provados, não apresentam o mínimo respaldo no teor das provas produzidas em julgamento, designadamente nas declarações do assistente, e das testemunhas inquiridas.

11º O Tribunal “a quo” ao dar como provado o ponto 1 a 5., julgou erradamente a matéria factual, pois, segundo as regras da experiência comum e da normalidade da vida e nas declarações da própria assistente, retira-se que os factos dados como provados não poderiam ter acontecido da forma como ficou assente;

12º O Tribunal não procurou saber isso, e as regras da experiência e da normalidade da vida, contrariam a versão do Tribunal, sendo inverosímil que os factos tenham ocorrido da forma, como foi explicada e que se deu como assente pelo Tribunal (aliás, as regras de experiência comum e normalidade da vida, não permite que se entenda como real a versão dos factos dada como provada);

13° Temos que perceber o conjunto de contradições e incoerências que resultam da matéria de facto que fundamentam a prática dos crimes por que ambos os arguidos foram condenados.

14º O que consta dos depoimentos supratranscritos, cujas incongruências sublinhamos, levanta-nos a questão como três pessoas, presentes no mesmo local, à mesma hora, relatam o sucedido com tantas discrepâncias, e que apesar disso, vieram a ser dadas como provadas.

15º A testemunha (…) sobre o que ouviu o arguido J (...) a dizer, responde “eu mato-o, vou preso, mas eu mato-te” ... , do decorrer do seu depoimento, e referindo-se novamente ao que ouviu do arguido, diz “sim, e a olhar para mim ... porque estava ao pé do grupo e do (…), e desviado a olhar para mim a dizer, “eu mato-o, vou preso, mas eu mato-o”.

16º Já (…), inquirido sobre a ameaça feita pelo arguido J (...) , inicialmente responde “... entretanto, o bombeiro, chama-se B (...) , virou e aí é que reconheci que era o senhor V (...) ... e então depois nisto vem o senhor J (...) , aos saltos, exaltado, e disse "seu filho da puta, vou preso, mas eu mato-te” ...

17º Ainda no decorrer do seu relato dos factos, o A. disse, exaltado, “seu filho da puta, se eu for para a prisão mato-te”.

18º Já a testemunha (…), apresenta ainda uma versão completamente diferentes de qualquer uma das supra mencionadas, pois, disse que o arguido dizia que “se tivesse aqui uma navalha, matava-te, vou preso, mas mato-o” ...

19º Como referência temporal ao momento em que o arguido profere tais ameaças, cumpre dizer, relativamente à (…) que “quando cheguei, já lá estava os bombeiros ...”, declara portanto que, tais ameaças, foram proferidas já o ofendido se encontrava a ser socorrido pelos Bombeiros e que (…) “estava desviada ... onde estava o A. e o B., estava desviada um bocadinho ... estava um grupo ao pé do (…) lá no relvado ...” , grupo esse que não fazia parte nenhum dos arguidos.

20º Na senda dessa procura da verdade material, o Tribunal, em face das dificuldades de sequência dos factos, utilizou, na inquirição feita ao assistente, expressões e formas que o induziram, formas e expressões que, de modo algum, conduziram a uma «espontaneidade provocada»;

21º O assistente/queixoso nunca descreveu os factos ocorridos de forma pormenorizada e emotiva o que não lhe confere uma dimensão de experiências vivenciadas, razão por que o Tribunal teria que concluir que não revela que os mesmos terão ocorrido e pela forma como os descreveu;

22º Por fim, o depoimento prestado pelo assistente, ao contrário do que refere a douta sentença, é inequivocamente depoimento incoerente, inconsistente e claramente induzidos quase na totalidade para respostas dirigidas, sendo que as perguntas efetuadas não tinham, um carácter aberto, nem foram precedidas de uma fase de narração livre.

23º Com testemunho assim tão inconsistente, que lhe retira credibilidade, não pode prevalecer perante o depoimento negatório consistente feito pelo arguido, tanto mais que o arguido foi considerado uma pessoa perfeitamente normal, calmo, muito calmo, que não se exalta e não diz palavrões.

24º E sem nenhum respaldo nos testemunhos das testemunhas de acusação.

25º Em face de todo o exposto, uma conclusão é clara: os ora arguidos foram incorretamente condenados, pois, é inequívoca a insuficiência da prova, que não pode ser colmatada com presunções ou eventuais pressões mediáticas

26º Até por que, impõe a lei que se extraia das provas um convencimento lógico e motivado, não se bastando com uma qualquer prova indiciária, sob pena de cometer erros, razão por que o Tribunal andou mal, não sendo plausível e lógico o raciocínio do Tribunal para compreender e justificar a existência de factos, aliás, querendo infirmar as declarações dos arguidos, que aliás foram confirmadas por quaisquer testemunhas.

27º Tendo por base as suas declarações, a do assistente apenas, nas quais assentou a formação da convicção do Tribunal “quo”, sobre os factos de 1 a 5., o ora Recorrente considera que deverão ser eliminados da matéria dada como provada.

28º Ora, o princípio in dubio pro reo, enquanto expressão, ao nível da apreciação da prova do princípio político-jurídico da presunção de inocência, traduz-se, precisamente, na imposição de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido - a dúvida resolve-se a favor do arguido.

29º Assim, na reapreciação dos específicos fundamentos em que se estruturou o julgamento da 1ª instância, há que afirmar a violação do principio in dubio pro reo e em consequência, nos termos do disposto no artigo 431º alínea b) CPP, há que modificar o julgamento ali efetuado, nos segmentos reportados aos pontos supra identificados.

30º Quanto aos crimes de ofensa a integridade física de ambos os arguidos e quanto ao crime de ameaças agravadas do arguido A., reapreciada a prova, dele devem ser absolvidos, por insuficiência da matéria de facto;

Sem prescindir,

Mesmo assentes os factos provados,

31º Perante o ouvido em audiência julgamento, estaremos perante comportamentos sem relevância social, logo, não suficientes para justificar materialmente a censura jurídico-penal.

32º O ato de colocar a mão no queixo do assistente por parte do arguido B., não pode ter dignidade penal.

33º Pelo que, forçoso se tomará concluir que o seu comportamento não preenche o tipo de crime previsto e punido pele art. 143º n.º 1, do CP, dado o seu carácter de ofensa atípica e desprovida de dignidade penal.

34º E, assim considerado, o Tribunal “a quo” violou o disposto no art. 143.º n. 1 do CP, devendo a sua decisão ser revogada com a consequente absolvição do Arguido da prática do crime de ofensa à integridade física simples.

35° No que concerne aos factos que incriminaram o arguido A. pelo crime de ofensas à integridade física, foram valorizados em excesso.

36º Por um lado, não resultou provado que o arguido A. tivesse agarrado no pescoço o assistente e o tivesse atirado ao chão.

37º Ou, colocando a questão de outro modo, o comportamento dado como provado resulta das declarações prestadas pelas testemunhas? É que perante as suas declarações na audiência estaremos perante comportamento sem relevância social bastante para justificar materialmente a censura jurídico­-penal.

38° Todas as testemunhas viram o arguido pegar no assistente pela roupa (ninguém refere o pescoço, com exceção do assistente) e colocou-o na relva, não atirando para o chão!

39º Também o arguido A. deveria ser absolvido deste crime, por não se encontrarem preenchido o tipo legal de crime.

40º Por fim, o arguido A. não cometeu o crime de ameaças, primeiro por que não as proferiu, mas ainda o que tivesse feito, não teriam sido dirigidas, com certeza ao assistente, aliás, que nem sequer de conta delas.

41º É também este o entendimento da doutrina e da jurisprudência em geral, o que se pode aferir, por exemplo dos seguintes acórdãos -Acórdão da Relação de Coimbra de 12/12/2001, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28/05/2008, de 28/11/2007, de 25/01/2006.

42º Entende-se em geral que expressões, como por exemplo “eu mato-te” (vide Ac. TRP de 25/01/2006), "eu dou-lhe na cara, ponho-o lá fora à bofetada" (vide Ac. TRP de 22/11/2006), “anda cá para baixo, que te quero matar” (vide Ac. TRP de 20/12/2006), “vou atirá-los ao rio” (vide Ac, TRP de 28.01.2007) não constituem crime de ameaça pelo facto de não constituírem uma ameaça de mal futuro.

 43º Do exposto, e in casu, verdadeiramente o que temos não é salvo douta e melhor opinião, comportamentos e ações que, em si mesmo, se enquadrem nos tipos legais de um crime de ofensa a integridade física e de ameaças, ainda que se considerassem todos os factos provados, e ora impugnados, o que só se admite por mera hipótese.

44º Do exposto, não existe nos alegados contactos físicos por parte dos arguidos, tocar no queixo, ou pegar e colocar na relva o assistente, uma intensidade de tal maneira forte que ofenda consideravelmente a integridade física ou a saúde do identificado ofendido de um modo especialmente desvalioso, particularmente censurável, ou sequer uma ofensa à saúde psíquica, física e emocional que tivesse sido intenso ao ponto de pôr em causa a própria dignidade da sua pessoa.

45º Conforme afirma Cristina Líbano Monteiro in “Perigosidade de inimputáveis e «in dubio pro reo», Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1997, p. 11.” o principio in dubio pro reo “pretende garantir a não aplicação de qualquer pena sem prova suficiente dos elementos do facto típico e ilícito que a suporta, assim como do dolo ou da negligência do seu autor”.

46° Ainda que com os factos considerados provados, não consideramos e reputamos por suficientes, tendo em conta a prova em que a condenação é amparada, salvo douta e melhor opinião, para o preenchimento dos elementos do crime em que os arguidos foram condenados.

47º Aliás, toda a fundamentação da sentença, ora objeto de recurso, realidade e rigor acaba por não permitir uma construção lógico dedutiva.

48º Assim, salvo douta e melhor opinião, entendem os Recorrentes, ora arguidos, que o Tribunal a quo decidiu tendo por base factos, que não foram provados, nem sequer foram alegados testemunhalmente, prejudicando o silogismo judiciário.

49º É evidente a insuficiência da prova realizada para aquela que foi a decisão da matéria provada, motivo pela qual estamos, sem dúvida, perante a violação do principio do “in dubio pro reo”.

50º É, ainda, de destacar que a condenação em apreço parte, erroneamente, do pressuposto de que os arguidos, terão sido os autores materiais de agressões e ameaças dadas como provadas que, por manifesta inexatidão, não se logrou fazer prova em sede de audiência de julgamento.

51 º Não se poderá aceitar tal condenação.

52º Acontece que, no momento da decisão, o juiz, sem partis pris ou prejuízo, deve basear-se apenas em provas para estabelecer a culpabilidade, não devendo partir da convicção ou da suposição de que o arguido é culpado, sendo certo que o recurso à presunção não pode ser a via aberta para suprir a falta de prova dos factos.

53º Em suma, nos presentes autos, não só ficou cabalmente provado que os recorrentes não praticaram os crimes em que foram condenados, como foi criada uma claríssima dúvida razoável quanto aos factos pelos quais vêm acusados e quanto à sua culpa, pelo que devem ser absolvidos dos crimes em que foram condenados.

54º Por outro lado, e sem prescindir, existir errónea qualificação jurídica, pois, mesmo com os factos integrantes da Sentença, não podiam os arguidos ser condenados por aqueles crimes de ofensa à integridade física e ameaças.

55º Do exposto, e in casu, verdadeiramente o que temo1s não é, salvo douta e melhor opinião, comportamentos e ações que, em si mesmo, ainda que se tivesse provados todos os factos, se enquadrem nos tipos legais de um crime de ofensas à integridade física e de um crime de ameaças, dos quais devem ser os arguidos absolvidos.

Sem prescindir, e ainda que assim se não entenda,

56º Ao contrário, no cenário trazido à presença do Tribunal recorrido, condenar os arguidos em penas muito superior ao limite mínimo foi severo e, ainda que a lei permita, é manifestamente excessiva e por via disso, extremamente injusta.

57º Deve pois, por violação do disposto no artº 152º do C.P, e 127º do CPP, a douta sentença ser revogada e substituída por outra nos termos sobreditos quanto à matéria de facto, que absolva os arguidos quanto aos crimes por que vêm acusados na pessoa do assistente (…), em função da impugnação dos factos assentes, ou, em qualquer circunstância, considerar erróneo enquadramento dos factos na tipificação dos crimes de ofensas à integridade

Nestes termos, deverão vossa excelências decidir revogar a decisão recorrida nos termos sobreditos.

E assim se fará justiça.

O recurso foi objecto de despacho de admissão.

O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo que deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a douta decisão recorrida.

Nesta Relação o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal não ocorreu resposta.

Corridos os vistos legais e realizada conferência, cumpre apreciar e decidir. 


***

            II. Fundamentos da Decisão Recorrida

            A decisão recorrida contém os seguintes fundamentos de facto:

II – DA AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO RESULTARAM PROVADOS OS SEGUINTES FACTOS:

1. No dia 24 de Fevereiro de 2017, frente ao estabelecimento comercial (…), sito na Av. (…), em (…), no seguimento de uma discussão, o arguido B. colocou uma mão no queixo de (…) e empurrou-o para trás.

2. Neste seguimento, o arguido B. agarrou o pescoço de (…) e atirou-o ao chão.

3. O arguido A. dirigiu-se ainda a (…) e disse “vou para a cadeia, mas eu mato-te”.

4. Os arguidos actuaram de forma voluntária, deliberada e consciente com intenção conseguida de molestar fisicamente, a vítima (…), causando-lhes dores e ferimentos, com as condutas acima descritas.

5. Ao actuar da forma descrita, dirigindo-se à vítima (…) nos termos supra citados, o arguido A. tinha o intuito de o atemorizar, causando-lhe receio pela sua integridade física e vida.

6. O arguido estava consciente de que o procedimento que adoptava era apropriado a criar em (…) um sentimento de insegurança e inquietação que coibia a sua liberdade de determinação.

7. Agiram os arguidos, deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as condutas que adoptavam eram proibidas e punidas pela lei.

8. Como consequência directa e necessária da conduta dos arguidos o ofendido foi admitido no Serviço de Urgência da Demandante, no dia 24.02.2017.

9. A assistência que lhe foi prestada, episódio de urgência, orçou a quantia de €72,00.

10. O demandante sentiu dores, inquietação, angustia e vexado.

11. O arguido B. padece de doença que não lhe permite trabalhar;

12. Os arguidos são respeitadores e respeitados por quem os conhece.

13. Os arguidos não têm antecedentes criminais.

14. O arguido B. está aposentado, recebe uma pensão de reforma no valor de cerca de €150,00; vive com a esposa, em caso da filha; tem vários problemas de saúde.

15. O arguido A. trabalha em França, na construção civil; tem como rendimentos mensais, cerca de €585,00; vive com uma companheira e 2 filhos menores; vivem em casa arrendada pela qual pagam €180,00 de renda.

III- FACTOS NÃO PROVADOS:

Da audiência de julgamento com relevância para a decisão da causa não se provou que:

- Em data não concretamente apurada, nas no início do mês de Setembro de 2016, na esplanada do estabelecimento comercial (…), sito na Av. (…), em (…), o arguido B. dirigiu-se a (…) e disse-lhe “se voltares a dizer alguma coisa à minha mãe, para a próxima corto-te o pescoço”.

- que o arguido A. desferiu um pontapé no peito do ofendido.

- Ao actuar da forma descrita, dirigindo-se à vítima (…) nos termos supra citados, o arguido B. tinha o intuito de a atemorizar, causando-lhe receio pela sua integridade física e vida.

- O arguido B. estava consciente de que o procedimento que adoptava era apropriado a criar em (…) um sentimento de insegurança e inquietação que coibia a sua liberdade de determinação.

IV – MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:

(…).


***

III. Apreciação do Recurso

A documentação em acta das declarações e depoimentos prestados oralmente na audiência de julgamento determina que este Tribunal, em princípio, conheça de facto e de direito (artigos 363° e 428° nº 1 do Código de Processo Penal).

Não obstante, o concreto objecto do recurso é sempre delimitado pelas conclusões extraídas da correspondente motivação (artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal) sem embargo das questões do conhecimento oficioso.

Vistas as conclusões do recurso as questões a apreciar são as seguintes:

- Se ocorre erro de julgamento da matéria de facto, devendo ser alterada no sentido indicado pelos recorrentes;

- Se os factos provados não integram a prática dos crimes que são imputados aos recorrentes.

- Se as penas aplicadas são excessivas, devendo ser reduzidas. 

Apreciando:

Da impugnação da matéria de facto – Erro de julgamento

(…).

 

Da qualificação jurídica

Entendem os recorrentes que os factos provados não integram a prática dos crimes por que foram condenados.

No que respeita ao recorrente B. “colocação da mão no queixo empurrando ofendido para trás” é alegado que tal comportamento não tem dignidade penal, não integrando o crime de ofensa à integridade física do artigo 143º do Código Penal.

No que respeita ao recorrente A., embora a alegação seja a exposta, no sentido de negar a existência de crime apenas é alegada a falta de prova da actuação em causa, pressuposto que, como resulta do antes exposto se não verifica, não oferecendo dúvida que a provada actuação integra a prática do crime de ofensa à integridade física por que foi condenado, importando manter a sua condenação.

No que respeita à ofensa à integridade física imputada ao recorrente B., importa referir que o tipo legal de crime de ofensa à integridade física supõe apenas a existência de qualquer tipo de ofensa no corpo, independentemente da existência de lesões ou até de dor ou sofrimento, como acentua Paula Ribeiro de Faria, no Cometário Conimbricense do Código Penal, em anotação ao artigo 143º do Código Penal. Está em causa um empurrão que supõe o exercício de força contra o corpo do visado, tanto bastando para o preenchimento da tipicidade objectiva do crime que é questionada.

Por consequência, importa também quanto a este recorrente manter a sua condenação por crime de ofensa à integridade física.

No que concerne à ameaça entende o recorrente A. que não está em causa um mal futuro pelo que a sua conduta não integra a prática do crime imputado, segundo se deduz do alegado por ter sido usada uma forma verbal do presente.

Vejamos.

A distinção entre mal actual e mal futuro não assenta no texto legal que é do seguinte teor:

“Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação é punido …”.

Quando o tipo legal se refere a ameaça não exige expressa ou implicitamente que o mal anunciado seja expresso numa forma verbal futura. E tendo presente o outro elemento típico de adequação do mal anunciado a causar medo ou inquietação, tanto uma forma verbal presente, como uma forma verbal futura é adequada a causar medo. Tanto causa medo ao visado dizer-se vou-te matar ou irei matar-te e nem as expressões proferidas indicam a realização de uma acção imediata, podendo também significar acção a realizar num futuro próximo.

E se é verdade que a doutrina e a jurisprudência referem que o mal anunciado tem de ser futuro (porque ameaçar significa anunciar um mal que não se quer concretizar no momento do anúncio) essa referência apenas é feita para afastar as situações de ocorrência de um mal iminente ou imediato que se quer efectivamente causar, porque o crime de ameaça não supõe sequer que o agente queira, ainda que no futuro, causar o mal anunciado. Nas palavras de Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, pág. 343 "isto significa apenas que o mal, objecto da ameaça, não pode ser iminente, pois que, nesse caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respectivo acto violento, isto é, do respectivo mal."

Assim, a confusão que poderá estabelecer-se a esse propósito diz respeito a outra realidade, a distinção que há que fazer entre o crime correspondente ao mal anunciado e o crime de ameaça e haverá situações em que a distinção é difícil. Assim, cometerá crime de homicídio na forma consumada ou tentada quem diz eu mato-te e dispara de imediato uma arma, já cometerá o crime de ameaça quem o mesmo diz e apenas exibe uma arma.

Ou seja, o que distingue a ameaça do cometimento de um crime, tomando como exemplo o crime de ofensa à integridade física, e o cometimento deste crime são as próprias circunstâncias da acção que revelam a intenção que lhe preside.

              E também no caso em análise são as circunstâncias da acção de mera verbalização de uma hipotética vontade de matar, não acompanhada de qualquer acto demonstrativo da vontade de concretizar de imediato esse mal, que indicam a intenção que presidiu ao agente, qual seja a de causar medo, não a iminência de matar, sendo certo que essa actuação é idónea a causar medo e, efectivamente causou-o, como vem provado. 

              Estando, pois, presentes na factualidade provada quer os elementos objectivos, quer os subjectivos do crime de ameaça e não ocorrendo causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, constituiu-se efectivamente o recorrente como autor de um crime dessa natureza, como foi considerado na decisão recorrida, importando manter a sua condenação.

              Da medida das penas

(…).


***

IV. Decisão

Nestes termos e com tais fundamentos, acordam em conceder provimento parcial ao recurso interposto pelos arguidos e, em consequência, revogar a decisão recorrida no que respeita às penas aplicadas por crimes de ofensa à integridade física e em cúmulo jurídico, nos seguintes termos:

- Condenar o arguido A., como autor de um crime de ofensa à integridade física p. e p. pelo artigo 143º, nº 1 do Código Penal, na pena de 90 dias à taxa diária conste da decisão recorrida;

- Em cúmulo jurídico, condenar o mesmo arguido na pena única de 120 dias de multa, à mesma taxa diária;

- Condenar o arguido B., pela prática de um crime de ofensa à integridade física p. e p. pelo artigo 143º, nº 1 do Código Penal, na pena de 60 dias de multa à taxa diária constante da decisão recorrida.

Não há lugar a tributação em razão do recurso (cfr. artigo 513º, nº 1 do Código de Processo Penal).


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Coimbra, 8 de Maio de 2019

Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora.

Maria Pilar de Oliveira (relatora)

Maria José Nogueira (adjunta)