Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
872/09.3PAMGR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
DETERMINAÇÃO DA PENA
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
Data do Acordão: 12/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MARINHA GRANDE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 410.º DO CPP; ARTS. 43.º, 40.º, 50.º E 70.º, DO CP
Sumário: I - Os vícios da decisão, entre os quais se inclui o erro notório na apreciação do prova, previstos no nº 2, do art. 410º do CPP, são vícios intrínsecos da sentença penal, pois respeitam à sua estrutura interna e, por tal motivo, a lei exige que a sua demonstração resulte do respectivo texto por si só, ou em conjugação com as regras da experiência comum, não sendo admissível a sua demonstração através de elementos alheios à decisão, ainda que constem do processo.

II - Existe erro notório na apreciação da prova quando o tribunal a valoriza contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, por ser grosseiro, ostensivo, evidente (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª, Edição, pág. 341).

III - Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, ob. cit., pág. 74).

IV - São as necessidades de prevenção – geral positiva [tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada] e especial de socialização – que vão justificar e impor a opção pela pena não privativa da liberdade – pena alternativa ou pena de substituição – como resulta dos critérios estabelecidos nos arts. 40º, nº 1 e 70º do C. Penal, não existindo aqui qualquer finalidade de compensação da culpa, uma vez que esta, constituindo o limite da pena (art. 40º, nº 2 do C. Penal), apenas funciona ao nível da determinação da sua medida concreta.

V - A pena de multa de substituição é uma pena de substituição em sentido próprio, significando isto que o seu cumprimento é feito extramuros, e pressupõe a prévia determinação da pena de prisão.

VI - Tendo em conta os antecedentes do arguido e a sua personalidade, e acrescentando agora que, após a prática dos factos objecto dos autos, o arguido praticou já outras seis distintas condutas, pelas quais foi condenado outras tantas vezes, por crimes, entre outros, de dano, desobediência e abuso de confiança, em penas que vão desde a prisão suspensa na respectiva execução, a prisão por dias livres e a prestação de trabalho a favor da comunidade, é um critério de necessidade que impõe a não substituição da pena de prisão decretada pela 1ª instância por pena de multa de substituição.

VII - O juízo de prognose a realizar pelo tribunal parte da análise conjugada das circunstâncias do caso concreto, das condições de vida e conduta anterior e posterior do agente e da sua revelada personalidade, análise da qual resultará como provável, ou não, que o agente irá sentir a condenação como uma solene advertência, ficando a sua eventual reincidência prevenida com a simples ameaça da prisão (com ou sem imposição de deveres, regras de conduta ou regime de prova), para concluir ou não, pela viabilidade da sua socialização em liberdade.

VIII - Sendo a pena de prisão a única capaz de assegurar as finalidades de prevenção geral e especial requeridas in casu, e sendo a sua concreta medida plenamente suportada pela culpa do arguido, não houve violação do princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

 

I. RELATÓRIO

            No 2º Juízo do [já extinto] Tribunal Judicial da comarca da Marinha Grande, o Ministério Público requereu o julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, dos arguidos A..., B..., C..., D... e E..., todos com os demais sinais nos autos, imputando-lhes a prática:

- Ao primeiro arguido, em concurso efectivo, um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nºs 1, a) e 3, dois crimes de burla, p. e p. pelo art. 217º, nº 1, um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art. 205º, nº 1, um crime de furto, p. e p. pelo art. 203º, nº 1, um crime de violação de domicílio, p. e p. pelo art. 190º, nºs 1 e 3, um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º, nº 1, um crime de dano, p. e p. pelo art. 212º, nº 1 e um crime de incêndio, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º e 272º, nº 1, a), todos do C. Penal;

- Ao segundo arguido, em concurso efectivo, um crime de violação de domicílio, p. e p. pelo art. 190º, nºs 1 e 3, um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º, nº 1, um crime de dano, p. e p. pelo art. 212º, nº 1 e um crime de incêndio, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º e 272º, nº 1, a), todos do C. Penal;

- Ao terceiro arguido, em concurso efectivo, um crime de violação de domicílio, p. e p. pelo art. 190º, nºs 1 e 3, um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º, nº 1, um crime de dano, p. e p. pelo art. 212º, nº 1 e um crime de incêndio, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º e 272º, nº 1, a), todos do C. Penal; 

            - Ao quarto arguido, em concurso efectivo, um crime de violação de domicílio, p. e p. pelo art. 190º, nºs 1 e 3, um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º, nº 1, um crime de dano, p. e p. pelo art. 212º, nº 1 e um crime de incêndio, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º e 272º, nº 1, a), todos do C. Penal; e,

            - Ao quinto arguido, em concurso efectivo, um crime de violação de domicílio, p. e p. pelo art. 190º, nºs 1 e 3, um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º, nº 1, um crime de dano, p. e p. pelo art. 212º, nº 1 e um crime de incêndio, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º e 272º, nº 1, a), todos do C. Penal.

            A assistente K..., SA deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido A... com vista à sua condenação no pagamento da quantia de € 3.556 e juros de mora à taxa legal desde a data da notificação do pedido.

            Por acórdão de 2 de Maio de 2014 foi o arguido A... condenado, pela prática do imputado crime de falsificação de documento, na pena de um ano de prisão e absolvido da prática dos demais crimes imputados, foi o arguido B... condenado, pela prática do imputado crime de violação de domicílio, na pena de sete meses de prisão, cuja execução foi suspensa por um ano, e absolvido da prática dos demais crimes imputados, e foram os arguidos C..., D... e E... absolvidos da prática dos crimes a cada um imputados.

            Mais foi o arguido A... absolvido do pedido de indemnização civil.  


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            Inconformado com a decisão recorreu o arguido A..., formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            1ª O Tribunal a quo decidiu condenar o arguido A... pela prática em autoria material de um crime de falsificação agravado, p. e p. pelo artigo 256° n.º 1 al. a) e n.º 3 do C.P., na pena de um ano de prisão – cifra decisão em III.

2ª Quanto ao critério da decisão da escolha da pena foi referido no douto acórdão – cifra § 21, a) – que o arguido A... "tem antecedentes criminais" (1.) e "tem personalidade impulsiva, conotado comunitariamente com a agressividade" (2.).

3ª Concluindo que "a substituição por trabalho a favor da comunidade é pena desadequada atento o trabalho que presta. A substituição por multa é desadequada ,tento o rendimento corrente a sua atividade laboral e à crise que alimenta tal setor e do qual se retira estar na pobreza. A prisão por dias livres ou semidetenção revelam-se outrossim desadequadas. E a suspensão da execução da pena? O arguido foi por diversas vezes sujeito a tal pena substitutiva e não atendeu às oportunidades dadas. Assim, inexistindo qualquer juízo de prognose positivo a realizar, impõe-se o cumprimento efetivo" (3.).

4ª E acrescenta que “quanto à falsificação ocorrida importa atender ao grau de ilicitude, consubstanciado na quebra de confiança que o cheque revela, sendo que a quantia aí inscrita é superior ao salário mínimo nacional sendo inferior ao seu dobro, e o dolo é directo” – cifra § 20, a), 1.

5ª Discordamos de tal decisão, pois são vários os juízos de prognose positivos sobre o arguido: tem atividade laboral; nenhuma testemunha referiu sobre o arguido qualquer personalidade impulsiva e muito menos conotado comunitariamente com agressividade; e valor do cheque não é de valor elevado (800,00 €) .

6ª O arguido só foi condenado uma vez por um crime da mesma natureza e os demais crimes são de natureza diversa.

7ª Vários juízos de prognose positivos sobre o arguido denotam-se no relatório social em folhas 537 a 540.

8ª Por um lado, o douto acórdão, salvo o devido respeito, não invadiu o menos possível a esfera da liberdade do indivíduo pondo em causa o princípio da proporcionalidade, antes pelo contrário – cifra Acórdão do STJ de 15/4/2010, processo 134/05.5PBVLG.Sl, cifra em www.dgsi.pt.

9ª E, por outro lado, não considerou como limites as necessidade de prevenção especial de socialização, pois este era o critério decisivo das exigências de prevenção especial para efeito de medida da pena, sempre salvo o devido respeito – cifra Acórdão do STJ de 29/5/2008, processo 08P1001, cifra em www.dgsi.pt .

10ª Pelo que o douto acórdão decidiu mal ao não substituir a pena de prisão por pena de multa, com eventual trabalho a favor da comunidade, ou em não suspender a execução da pena, o que se pretende com o presente recurso.

11ª Desta forma, decidiu de forma errada o Tribunal a quo, sempre salvo o devido respeito, por um manifesto erro notório na apreciação da prova – cifra Acórdão do STJ, processo n.º 048776, de 28/2/1996 (consultar em www.dgsi.pt).

12ª Assim e face ao exposto, deve o douto acórdão ser revogado, devendo a pena de prisão de um ano ser substituída por pena de multa, com eventual trabalho a favor da comunidade a requerer pelo arguido, ou, no mínimo, por mera cautela e sem conceder, na suspensão da execução da pena de prisão de um ano por igual período, face ao vários juízos de prognose positivos que se vêm elencando.

Nestes termos e nos melhores de direito, devo o presente recurso ser julgada procedente por ter provimento, conforme se propugna nas conclusões, tudo com as devidas consequências legais, sendo que assim se fará a costumada JUSTIÇA.


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            Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:

            I As conclusões do relatório social são inequívocas quanto à postura do arguido e recorrente . A..., que:

“... ao nível do trabalho e das relações sociais apresenta algumas fragilidades, mantendo um padrão de comportamento antissocial ligado às suas relações com indivíduos problemáticos.”

II A desvalorização dos prejuízos das vítimas " … em função das suas necessidades." que o mesmo relatório aponta. mostra bem a postura de reiterada falta de respeito pelos valores penalmente protegidos que o caracteriza.

III O CRC do recorrente alarga ainda mais, permitindo estabelecer um quadro de marginalidade , em permanente desafio à acção da justiça.

IV Na verdade . entre os anos de 2000 e 2013 , constam sucessivas condenações não só pela prática do crime de condução sem habilitação legal (dez) mas também em penas de prisão, suspensas na sua execução , pela prática. entre outros , dos crimes de falsificação , roubo e abuso de confiança.

V A crueza dos factos afasta a jurisprudência em que procura arrimo pelo que se conclui que só a prisão efetiva, tal como foi aplicada, satisfaz as necessidades de prevenção quer geral quer especial;

VI Nem a personalidade; nem as condições de vida nem as condutas anteriores e posteriores ao crime cometido e às circunstâncias deste permitem qualquer redução na pena aplicada e muito menos admitir que

“ … a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição.”, tal como impõe o n.º 1. do art.º 50.º do Código Penal.

VII Não se vê qualquer erro; obscuridade ou contradição em toda a matéria de facto dada como provada, tal como inexiste qualquer falta de fundamentação, geradora de nulidades.

VIII Não se mostram violados quaisquer preceitos legais;

IX Assim, perante a gravidade dos factos e a culpa do recorrente, bem andou o tribunal ao condená-lo , como condenou em pena de prisão efectiva;

X Que se mostra bem doseada e equilibrada.

XI Negando provimento ao recurso e confirmando o acórdão recorrido.

V.ªs Ex.ªs farão Justiça!


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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, subscrevendo a contramotivação do Ministério Público, e concluiu pelo não provimento do recurso.

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            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

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Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

- O erro notório na apreciação da prova;

- A substituição da pena de prisão decretada por multa ou suspensa da respectiva execução.


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            Para a resolução desta questão importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:

            A) Nela foram considerados provados os seguintes factos:

            “ (…).

            a) Em data anterior a 29 de setembro de 2009, o arguido A..., portador do cheque n.º (...)referente à conta (...) da Caixa Geral de Depósitos titulada por J..., apôs no lugar reservado à assinatura a assinatura deste último bem como no valor a quantia de 800 euros, quer numérico, quer por extenso, a data de 25.09.2009 e o local de emissão "Marinha Grande".

b) O cheque veio a ser depositado a 29 de setembro de 2009 na conta n.º (...) do Banif de que eram cotitulares G..., H...e I..., sendo o mesmo pago.

c) O arguido A... assim agiu de forma livre e consciente, com intenção de obter o montante inscrito no cheque, e contra o interesse estatal relativo à sua circulação credível como meio de pagamento, consciente que a sua conduta era proibida por lei.

d) No dia 19 de novembro de 2009, o arguido A... deslocou-se à residência sita na R. das Laranjeiras n.º (...) , na localidade de Engenho, concelho de Marinha Grande, pertencente a M..., e aí propôs a este último pelo preço de 650 euros pintar-lhe a casa, recebendo de imediato 450 euros por meio de cheque referente à conta 00000503425 da C.C.A.M.-Leiria, o qual o arguido entregou a L... ao que esta procedeu ao seu desconto na agência de Marinha Grande da C.C.A.M.-Leiria e entregou a quantia ao arguido.

e) O arguido não apareceu na residência de M..., nem pintou a casa como acordado.

f) O arguido agiu de forma livre e conscientemente, querendo receber a quantia de 450 euros antes de realizar o acordado.

g) A 21 de junho de 2010, o arguido A... deslocou-se à residência de N..., sita na Av. José Gregório (...) Marinha Grande, circulando com um jeep e trajando roupa suja de tinta e propôs-lhe pintar a casa, pelo preço de 800 euros, tendo N... entregue 500 euros como acordaram ao que o arguido passou recibo, não tendo arguido pintado a residência como foi acordado, nem atendeu a posteriores chamadas de N....

h) O... e P... vivem na residência sita na R. (...) , concelho de Marinha Grande, e do seu relacionamento nasceram R..., nascido a 17-09-1995, S..., nascido a 28-02-1997, T..., nascida a 22-08-1999, U..., nascido a 27-08-2003 e V..., nascido a 8-04-2009.

i) A 18 de setembro de 2011, pelas 00.20h., os arguidos A..., C..., B..., D..., e E... e outros deslocaram-se àquela residência, tendo alguém arrombado a porta de entrada.

j) Aí, dentro de casa, B... bateu com uma cana da índia no R..., atingindo-o nas pernas e no braço, causando-lhe dores, agindo livre e conscientemente, querendo magoar R... da forma assinalada, bem sabendo ser a sua conduta proibida por lei, e quis entrar dentro de casa de O... e P..., bem sabendo que para tal não estava autorizado, bem sabendo ser a sua conduta proibida por lei.

k) Fora de casa, encontrava-se um garrafão de gasolina e por alguém foi espalhada uma parte no interior da residência.

l) A 24 de fevereiro de 2012 da parte de manhã, o arguido A... dirigiu-se às instalações da sucursal de " K... S.A.", sitas na R. Central da Coucinheira, em Amor, concelho de Leiria, a qual se dedica ao fabrico, comercialização e corte de aço, e propôs a F..., funcionário daquela sociedade, a compra de restos de sucata e limalha resultantes dos cortes de aço.

m) Obtida autorização por parte de X..., responsável da sucursal, F... contactou o arguido A..., tendo ambos acordado no preço, e após este último carregou 2 600 quilos de limalha e 6 400 quilos de sucata, não tendo pago o valor total de 3 556 euros.

n) O arguido sabia que tinha de pagar o preço.

o) A 2 de Maio de 2013, na sede da sociedade “W... Lda.”, o arguido A... acordou com Z..., sócio gerente daquela, em comprar limalha de latão, mediante a entrega de 1600 euros e guias de ambiente e de transporte.

p) À tarde, o arguido regressou à firma assinalada, conduzindo um veículo Alfa Romeo e aí chegado carregou, sem realizar a acordada pesagem nem passado guias nem pago.

[Da determinação da sanção]

q) O arguido A... foi condenado por crime de deserção ocorrido a 26-8-1999 na pena de 2 meses de prisão, substituída por multa, por decisão transitada a 24-11-2000; foi condenado por crime de condução sem habilitação legal ocorrido a 26-05-2001 na pena de 120 dias de multa por decisão transitada a 4-7-2001; foi condenado por crime de condução sem habilitação legal ocorrido a 18-7 -2000 na pena de 200 dias de multa por decisão transitada a 8-3-2002; foi condenado por crime de condução sem habilitação legal ocorrido a 17-8-2001 na pena de 160 dias de multa por decisão transitada a 5-4-2002; foi condenado por crime de resistência e coação sobre funcionário ocorrido em 2002 na pena de 12 meses de prisão suspensa a sua execução por 3 anos por decisão transitada a 104-2003; foi condenado por crime de falsificação ocorrido a 19-1-1999 na pena de 10 meses de prisão, suspensa a sua execução por 2 anos por decisão transitada a 16-6-2003; foi condenado por crime de roubo tentado ocorrido a 4-2-2003 na pena de 2 anos de prisão suspensa a execução por 4 anos e sob regime de prova por decisão transitada a 15-9-2004; foi condenado por crime de condução sem habilitação legal ocorrido a 11-6-2001 na pena de 4 meses de prisão suspensa a sua execução por 1 ano e 6 meses por decisão transitada a 3-11-2004; foi condenado por crime de injúria ocorrido a 20-6-2002 na pena de 40 dias de multa por decisão transitada a 12-11-2004; foi condenado por crime de condução sem habilitação legal ocorrido a 27-7-2004 na pena de 5 meses de prisão por decisão transitada a 9-2-2005; foi condenado por crime de ofensa à integridade física ocorrido a 12-5-2002 em 12 meses de prisão, suspensa a sua execução por 4 anos e sob regime de prova por decisão transitada a 10-2-2005; foi condenado por crime de condução em estado de embriaguez ocorrido a 12-8-2004 na pena de 14 meses de prisão suspensa a execução por 3 anos por decisão transitada a 25-7-2006; foi condenado por crime de condução sem habilitação legal ocorrido a 2-32004 na pena de 12 meses de prisão por decisão transitada a 22-11-2008; foi condenado por crime de condução sem habilitação legal e por crime de condução perigosa de veículo rodoviário ocorridos a 10-4-2004 na pena de 18 meses de prisão por decisão transitada a 1-2-2007; foi condenado por crime de dano ocorrido a 3-1-2010 na pena de 6 meses de prisão suspensa a execução por 1 ano por decisão transitada a 26-4-2011; foi condenado por crime de condução sem habilitação legal ocorrido a 7-9-2012 na pena de 72 períodos de prisão por decisão transitada a 29-10-2012; foi condenado por crime de desobediência ocorrido a 11-1-2012 na pena de 180 dias de prisão substituída por trabalho por decisão transitada a 29-10-2012; foi condenado por crime de condução sem habilitação legal ocorrido a 27-1-2011 na pena de prisão substituída por 54 períodos por decisão transitada a 7-3-2013; foi condenado por crime de condução sem habilitação legal ocorrido a 4-6-2013 na pena de 20 meses de prisão, suspensa a execução por igual período, e sob dever, por decisão transitada a 209-2013; foi condenado por crime de abuso de confiança ocorrido a 9-4-2010 na pena de 18 meses de prisão suspensa a execução por 18 meses e por crime de exploração ilícita de jogo na pena de 95 dias de multa por decisão transitada a 25-9-2013.

r) O arguido C... foi condenado por crime de ofensa à integridade física ocorrido a 17-12-2000 na pena de 120 dias de multa por decisão transitada a 17-6-2004; foi condenado por crime de tráfico de estupefacientes ocorrido a 25-9-2003 na pena de 3 anos de prisão suspensa a execução por 5 anos por decisão transitada a 9-12-2004.

s) O arguido B... foi condenado por um crime de condução sem habilitação legal ocorrido a 22-8-2000 na pena de 45 dias de multa por decisão transitada a 19-3-2002; foi condenado por crime de desobediência e condução sem habilitação legal ocorridos a 18-9-2000 na pena única de 155 dias de multa por decisão transitada a 29-4-2002; foi condenado por crime de condução sem habilitação legal ocorrido a 13-5-2001 na pena de 45 dias de multa por decisão transitada a 11-6-2002. foi condenado por crime de condução sem habilitação legal ocorrido a 18-9-2000 na pena de 180 dias de multa por decisão transitada a 12-5-2003; foi condenado por crime de desobediência e por condução sem habilitação legal ocorridos a 18-122002 na pena de 9 meses de prisão suspensa a sua execução por dois aos por decisão transitada a 29-1-2004; foi condenado por crime de condução sem habilitação legal ocorrido a 10-10-2004 na pena de 9 meses e 30 dias de prisão, suspensa a execução por 3 anos, por decisão transitada a 11-11-2004; foi condenado por crime de furto qualificado ocorrido a 26-11-2003 na pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa a execução por 3 anos por decisão transitada a 4-4-2005; foi condenado por crime de condução sem habilitação legal ocorrido a 16-4-2008 em prisão por dias livres por 6 períodos por decisão transitada a 27-52008; foi condenado por crime de condução sem habilitação legal ocorrido a 10-42007 na pena de 4 meses de prisão substituída por 120 horas de trabalho por decisão transitada a 4-5-2009; foi condenado por crime de furto ocorrido a 15-32012 na pena de 180 dias de multa por decisão transitada a 24-5-2012; foi condenado por crime de condução sem habilitação legal ocorrido a 30-6-2013 na pena de prisão por dias livres em 36 períodos por decisão transitada a 7-10-2013; e foi condenado por crime de condução sem habilitação legal ocorrido a 26-8-2013 em pena de prisão por dias livres em 42 períodos por decisão transitada a 7-10-2013.

t) Os arguidos D... e E... não têm antecedentes criminais.

u) o arguido C... vive em casa arrendada, tendo apoio pessoal e patrimonial da sua mãe, auxilia na atividade pesqueira, tendo imagem de pessoa ligada ao tráfico de estupefacientes, não sendo considerado agressivo.

v) O arguido B... vive com companheira, desempregada, exercendo trabalhos ocasionais, tendo denotado instabilidade psíquica tendo estado internado, tendo recentemente mudado de residência.

w) O arguido D... tem o 5º ano de escolaridade, é pedreiro auferindo cerca de 600 euros, e tem 3 filhos que vivem consigo.

x) O arguido E... é reconhecido como trabalhador exemplar na indústria do vidro, vive com a esposa, desempregada, e tem imagem comunitária positiva.

y) O arguido A... vive com companheira, desempregada, e filha de 18 meses, sendo a sua atividade profissional ligada à construção civil, como pedreiro e pintor, sendo conotado no meio como pessoa dotada de agressividade.

(…)”.

            B) Nela foram considerados não provados os seguintes factos:

“ (…).

a) A 25 de setembro de 2009 o arguido A... tivesse retirado do interior da residência de J... o cheque n.º (...) referente à conta (...) da Caixa Geral de Depósitos titulada por este último.

b) Para alcançar os seus intentos, o arguido aproveitou uma distração de J..., que o havia convidado momentos antes a entrar na sua residência, a fim de ver o local onde pretendia que fosse efetuado um trabalho de pedreiro, proposto nessa mesma data pelo arguido, após o que, sem que J... se apercebesse, abandonou a residência levando consigo o cheque.

c) O arguido A... dirigiu-se a estabelecimento comercial onde pediu a G... que lhe pagasse o valor constante do cheque, o que este aceitou por ter ficado convencido que o arguido o detinha legitimamente.

d) O arguido disse a M... que iniciava os trabalhos no dia seguinte com recurso a materiais que possuía e de uma promoção numa loja de tintas e que se comprasse as tintas naquele dia conseguia um bom desconto.

e) O arguido a 19 de novembro de 2009 já sabia que não iria proceder à pintura da casa do ofendido, nem à aquisição das tintas necessárias para tanto.

f) O arguido referiu a N... que iniciaria o trabalho na segunda-feira seguinte com recurso aos materiais necessários que possuía acrescentando que sabia de uma boa promoção numa loja de tintas mas, para da mesma beneficiar, teriam de ser compradas nesse mesmo dia.

g) O arguido a 21 de junho de 2010 já sabia que não iria proceder à pintura da casa do ofendido, nem à aquisição das tintas necessárias para tanto.

h) O arguido quisesse desde o início do contacto com M... e N... enganá-los, bem sabendo ser as suas condutas proibidas por lei.

i) Os arguidos A..., E..., D..., e C... e dois outros indivíduos cuja identidade não foi possível apurar decidiram em conjunto introduzir-se, se necessário pela força, no interior da residência dos ofendidos, molestá-los fisicamente, causar estragos na residência e veículo daqueles, no que se incluía atear fogo à residência.

j) Na execução do referido plano, fizeram-se transportar por um veículo BMW, conduzido por A..., e num outro veículo de marca e modelo Opel Astra, conduzido por E..., tendo levado paus, rolo da massa em madeira e um garrafão contendo gasolina.

k) Todos os arguidos e dois indivíduos não identificados lançaram várias pedras às janelas da residência, partindo duas delas, e também ao vidro da frente do veículo automóvel de marca Peugeot 205 de O... que aí se encontrava estacionado, partindo-o.

l) Como P... não lhes abriu a porta, os arguidos C..., E... e D..., munidos de paus e o último levando consigo o rolo da massa e o garrafão com gasolina, partiram a fechadura da porta da residência e precipitaram-se para o seu interior.

m) Aí, perguntaram onde estava o O....

n) O arguido D... lançou na direção de R... o rolo da massa, com o propósito de o atingir, mas aquele conseguiu desviar-se.

o) Por seu turno, o arguido C... ia derrubando algumas cadeiras que aí se encontravam, e de seguida o arguido B... pediu ao arguido D... que lhe passasse o garrafão com gasolina, o que este fez.

p) Ato contínuo, o arguido B..., ao mesmo tempo que, em tom de voz elevado, dizia que ia incendiar a casa com a P... e filhos aí dentro, inclinou o garrafão na direção do chão da residência e começou a derramar gasolina que se espalhou pelo mesmo.

q) Entretanto O... chega ao local e com uma forquilha brandiu em direção aos arguidos e os mesmos fugiram.

r) Em consequência da conduta de B..., R... ficou com o pulso inchado e com hematomas nas costas e pernas.

s) Ao partirem as janelas e o vidro do veículo de O... causaram estragos.

t) Os arguidos A..., C..., D... e E... agiram com o propósito concretizado de, aproveitando-se da sua superioridade numérica, entrarem na residência dos ofendidos, sem o acordo de O... e P..., molestarem o corpo e saúde de R... e de lhe produzir lesões, e ainda causarem estragos na porta e janelas da residência e no vidro do veículo de O....

u) Os arguidos agiram de forma livre, consciente, em comunhão de esforços com os dois indivíduos não identificados, com o propósito de provocarem incêndio na referida residência e assim provocarem direta e potencialmente um perigo muito elevado para a vida e integridade física de P..., R..., S..., T..., U... e V..., e ainda um risco muito elevado de estrago na residência dos ofendidos, o que não se verificou por motivos alheios à sua vontade, bem sabendo serem as suas condutas proibidas por lei.

v) O arguido solicitou previamente carregar o material para o levar a um armazém de sucata onde seria feita a pesagem, asseverando que regressaria após, para efetuar o preço, tendo dirigido o veículo à sucateira sita na R. da Olaria 47 Trutas concelho de Marinha Grande, de Q..., e aí após pesagem por este, o arguido vendeu-lhos, recebendo o preço.

w) O arguido agiu de forma livre e consciente, com o propósito de fazer seus os referidos objetos, resultado esse que representou, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam, querendo causar um prejuízo no valor acordado, bem sabendo ser a sua conduta proibida por lei.

x) O arguido agiu de forma livre e consciente com intenção de fazer seus os 400 quilos de limalha, apesar de saber que não lhe pertenciam e que estava a agir contra a vontade do dono, bem sabendo ser a sua conduta proibida por lei.

(…)”.

C) E dela consta a seguinte fundamentação quanto à escolha e determinação da pena, relativamente ao recorrente:

“ (…).

§18. É no artigo 70 do C.P. que se encontra o critério de decisão de escolha da pena.

§19. Aí apela-se tão somente a critérios de prevenção. Neste âmbito, importa assinalar que a prevenção se mostra elevada, uma vez que vivemos num espaço em que a patrimonialidade assume uma importância crucial, sendo que os factos revelam gravidade, tanto ainda mais quanto estão em causa documentos que titulam mobilidade económica e assim carência de confiança de tais documentos. Acresce o facto de o arguido A... ter sido por diversas vezes censurado pela prática de ilícitos, reiterado na sua prática, pelo que se impõe a escolha pela prisão Por outro lado, quanto à violação de domicílio e ofensa à integridade física, não se pode dizer que haja uma necessidade de prevenção elevada, porém o facto de o arguido ter antecedentes criminais, isto é, ter sido por diversas vezes censurado pela prática de ilícitos, reiterado na sua prática, impõe a escolha pela prisão.

§20. No que diz respeito à determinação concreta da medida da pena nos termos do artigo 71 do C.P., em que os segmentos de prevenção e de culpa entram em diálogo permanente até à decisão da medida da pena fixada, sendo que os fatores do n.º 2 são exemplificativos, arrumando-se os aí descritos em fatores relativos à execução do facto (alíneas a), b), c) e e)), fatores relativos à personalidade do agente (alíneas d) e f)) e fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto (alínea e)), é de dizer que:

a) Em relação ao arguido A...:

1. Quanto à falsificação ocorrida importa atender ao grau de ilicitude, consubstanciado na quebra de confiança que o cheque revela, sendo certo que a quantia aí inscrita é superior ao salário mínimo nacional sendo inferior ao seu dobro, e ao dolo direto. Assim é adequada a pena de 1 ano de prisão.

(…).

§21. Atentas as penas de prisão em causa (§19), importa ponderar a afirmação ou negação da substituição das mesmas. Neste âmbito importa dizer que até 5 anos de prisão, o legislador mostra a sua preferência por penas não privativas da liberdade, ou por penas em que a privação de liberdade é parcial. Ao nível positivo, constata-se que quanto menor é a pena de prisão maior é o leque de penas de substituição. Não vemos uma hierarquização das mesmas. A tal opõe-se o princípio da legalidade na veste da determinidade. Antes, sendo aplicação de direito (como é a determinação da pena em sentido amplo), importa estabelecer factos concretos que numa perspetiva da segunda questão penal (a da determinação da pena) coloque a tónica na bidimensionalidade preventiva (especial, geral), olhando ao sujeito concreto no concreto do facto praticado (o homem que é no que fez aqui em causa). Essa tónica é obviamente a preventiva, entrecruzando a prevenção especial ou a prevenção geral no leque de opções disponíveis. De outra forma, perante o diagnóstico feito (na primeira tarefa de escolha e após, na fixação da medida), importa estabelecer o prognóstico penal em sede de determinação de sanção, tomando como referências normológicas a doutrina plasmada nos artigos 70 e 40 do C.P. e como referências factuais o acima narrado quanto à sua vivência, discorrendo uma valoração com apelo àqueles normativos. Assim importa dizer:

a) Quanto ao arguido A...:

1. Tem antecedentes criminais por idêntica ilicitude.

2. Tem personalidade impulsiva, conotado comunitariamente com a agressividade.

3. Assim, a substituição por trabalho a favor da comunidade é pena desadequada atento o trabalho que presta. A substituição por multa é desadequada atento o rendimento corrente à sua atividade laboral e à crise que alimenta tal setor e do qual se retira estar na pobreza. A prisão por dias livres ou a semidetenção revelam-se outrossim desadequadas. E a suspensão da execução da pena? O arguido foi por diversas vezes sujeito a tal pena substitutiva e não atendeu às oportunidades dadas. Assim, inexistindo qualquer juízo de prognose positivo a realizar, impõe-se o cumprimento efetivo.

(…)”.


*

*


            Do erro notório na apreciação da prova

1. O recorrente, condenado pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nºs 1, a) e 3 do C. Penal, na pena de um ano de prisão, entende que o tribunal a quo decidiu de forma errada e com manifesto erro notório na apreciação da prova – conclusão 11ª – ao não ter ponderado os vários juízos de prognose positivos existentes e a circunstância de só uma vez ter sido anteriormente condenado pela prática do mesmo crime objecto dos autos e ao ter desconsiderado o decisivo critério da prevenção especial, mal decidindo, em consequência, a não substituição da pena de prisão decretada – conclusões 5ª a 10ª.

A referência feita pelo arguido à existência de um ‘manifesto erro notório’ na apreciação da prova, não obstante o respectivo contexto, impõe uma referência, breve ao vício invocado.

Os vícios da decisão, entre os quais se inclui o erro notório na apreciação do prova, previstos no nº 2, do art. 410º do C. Processo Penal, são vícios intrínsecos da sentença penal, pois respeitam à sua estrutura interna e por tal motivo, a lei exige que a sua demonstração resulte do respectivo texto por si só, ou em conjugação com as regras da experiência comum, não sendo admissível a sua demonstração através de elementos alheios à decisão, ainda que constem do processo.

Aqui, na designada revista alargada, o tribunal ad quem não conhece da matéria de facto – no sentido da reapreciação da prova, nos termos regulados no art. 412º do C. Processo Penal –, apenas detecta os vícios que a sentença, nos termos supra definidos, evidencia e, não podendo saná-los, reenvia o processo para novo julgamento. 

            Existe erro notório na apreciação da prova quando o tribunal a valoriza contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, por ser grosseiro, ostensivo, evidente (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª, Edição, pág. 341). Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, ob. cit., pág. 74).

2. Assim balizado o vício invocado, cumpre dizer que a sentença recorrida dele não enferma. 

Com efeito, o arguido sustenta a sua afirmação, não na violação do critério de valoração de uma qualquer prova tarifada, e não na violação de regras da experiência comum, entendidas como definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso sub judice, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade (Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, II, pág. 30), mas numa errada decisão de direito que, na ponderação da substituição da pena privativa da liberdade decretada, não entrou em linha de conta com determinados elementos, ou não os considerou na medida que tem por adequada.

A admitir-se, por mera hipótese de raciocínio, uma incorrecta decisão de direito, ela sempre estará fora do campo de aplicação do vício do erro notório na apreciação da prova.

Não enferma pois a sentença recorrida do invocado vício e nela também não se evidencia qualquer outros dos restantes vícios da decisão, previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo em referência.


*

            Da substituição da pena de prisão por multa ou suspensão da respectiva execução

            3. Alega o recorrente, como já referimos – conclusões 5ª a 10ª e 12ª – que pena que lhe foi aplicada, de um ano de prisão, pela prática de um crime de falsificação de documento, deveria ter sido substituída por multa ou suspensa na respectiva execução, face aos vários juízos de prognose positivos existentes e à circunstância de só uma vez ter sido anteriormente condenado pela prática do mesmo crime, não tendo sido devidamente ponderados o critério da prevenção geral e o princípio da proporcionalidade.

            Vejamos se lhe assiste ou não razão.

            A partir da entrada em vigor das alterações introduzidas ao C. Penal pelo Dec. Lei nº 48/95, de 15 de Março, pode definir-se o critério geral de escolha da pena da seguinte forma: o tribunal deve dar preferência à pena não privativa da liberdade, verificados que estejam os pressupostos formais da sua aplicação, sempre que ela realize, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, 1ª Edição, 2013, pág. 70).

            São pois as necessidades de prevenção – geral positiva [tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada] e especial de socialização – que vão justificar e impor a opção pela pena não privativa da liberdade – pena alternativa ou pena de substituição – como resulta dos critérios estabelecidos nos arts. 40º, nº 1 e 70º do C. Penal, não existindo aqui qualquer finalidade de compensação da culpa, uma vez que esta, constituindo o limite da pena (art. 40º, nº 2 do C. Penal), apenas funciona ao nível da determinação da sua medida concreta. 

            4. O crime pelo qual foi o arguido condenado é punível, em alternativa, com pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias (art. 256º, nº 3 do C. Penal).

            O tribunal recorrido optou pela aplicação de pena privativa da liberdade, fundando a opção tomada nas elevadas exigências de prevenção, devido à inserção ‘num espaço em que a patrimonialidade assume uma importância crucial, sendo que os factos revelam gravidade, tanto ainda mais quando estão em causa documentos que titulam mobilidade económica’, e à prática anterior de ilícitos, de forma reiterada.

            O arguido, se bem entendemos a sua argumentação, não discorda da escolha da pena – o que pretende é a substituição da pena escolhida – e ela, efectivamente, não merece censura. Com efeito, face ao critério estabelecido no art. 70º do C. Penal, a circunstância de o arguido ter sofrido já vinte condenações, sendo catorze delas anteriores à prática dos factos objecto dos autos, pela prática de crimes tão diversos como condução sem habilitação legal [dez condenações, sendo sete anteriores à prática dos factos objecto dos autos], roubo tentado, resistência e coacção sobre funcionário, ofensa à integridade física ou falsificação de documento [todas estas em datas anteriores à prática dos factos objecto dos autos], entre outros, em penas de multa, prisão suspensa na respectiva execução, prisão suspensa na respectiva execução com regime de prova e prisão, e a personalidade mal formada que este passado avesso ao direito revela, tornaram necessária a pena privativa da liberdade, como forma de assegurar a confiança comunitária na validade das normas violadas.

            5. Atentemos na pretendida substituição da pena de prisão por pena de multa.

A pena de multa de substituição é uma pena de substituição em sentido próprio, significando isto que o seu cumprimento é feito extramuros, e pressupõe a prévia determinação da pena de prisão.

            Quanto a ela dispõe o art. 43º, nº 1 do C. Penal que, a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes.   

            In casu, mostra-se verificado o pressuposto formal da pena de multa de substituição, uma vez que a pena de prisão decretada foi fixada em um ano.

            Por outro lado, ainda que a norma, ao referir a necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes pareça apontar apenas para um critério de prevenção especial, deve entender-se que o critério da substituição há-de ser o fixado no art. 70º do C. Penal, relevando, portanto, quer as necessidades de prevenção geral, quer as necessidades de prevenção especial (cfr. Maria João Antunes, ob. e loc., cit.).

            Aqui chegados, tendo em conta o que supra se deixou dito quanto aos antecedentes do arguido e à sua personalidade, e acrescentando agora que, após a prática dos factos objecto dos autos, o arguido praticou já outras seis distintas condutas, pelas quais foi condenado outras tantas vezes, por crimes, entre outros, de dano, desobediência e abuso de confiança, em penas que vão desde a prisão suspensa na respectiva execução, a prisão por dias livres e a prestação de trabalho a favor da comunidade, é um critério de necessidade que impõe a não substituição da pena de prisão decretada pela 1ª instância por pena de multa de substituição.

            Não pode pois, proceder, esta pretensão do arguido.

            6. Vejamos agora a substituição da pena de prisão pela suspensão da respectiva execução.

A suspensão da execução da pena de prisão é também uma pena de substituição em sentido próprio.

Tem como pressuposto formal da sua aplicação que a medida da pena aplicada ao agente não seja superior a cinco anos de prisão (art. 50º, nº 1, do C. Penal).

Tem como pressuposto material da sua aplicação, a possibilidade de o tribunal concluir pela formulação de um juízo de prognose favorável ao agente, no sentido de que, atenta a sua personalidade, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça da prisão, realizarão de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição (art. 50º, nºs 1 e 2, do C. Penal).

O objectivo de política criminal do instituto é “ (…) o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos – «metanóia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. (…). Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, pág. 343). 

            Como já tivemos oportunidade de referir, são razões de prevenção, geral e especial [a protecção dos bens jurídicos e, na medida do possível, a reintegração do agente na comunidade (art. 40º, nº 1 do C. Penal)], e não considerações relativas à culpa – aspecto comum a todas as operações de escolha das penas de substituição – que fundam a opção pela aplicação da suspensão da execução da pena de prisão. Porém, os objectivos de prevenção especial, de reinserção social do agente, têm sempre como limite o conteúdo mínimo da prevenção geral de integração. A prevenção geral “ deve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz das exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.” (Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 333).

O juízo de prognose a realizar pelo tribunal parte da análise conjugada das circunstâncias do caso concreto, das condições de vida e conduta anterior e posterior do agente e da sua revelada personalidade, análise da qual resultará como provável, ou não, que o agente irá sentir a condenação como uma solene advertência, ficando a sua eventual reincidência prevenida com a simples ameaça da prisão (com ou sem imposição de deveres, regras de conduta ou regime de prova), para concluir ou não, pela viabilidade da sua socialização em liberdade.

Na formulação do juízo o tribunal deve correr um risco prudente pois que a prognose é apenas uma previsão, uma conjectura, e não uma certeza. Quando tenha dúvidas sérias e fundadas sobre a capacidade do agente para entender a oportunidade de ressocialização que a suspensão significa, a prognose deve ser negativa e a suspensão negada (cfr. Leal Henriques e Simas Santos, C. Penal Anotado, I Vol., 2ª Edição, pág. 444 e Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 344).

Note-se, para terminar, já que se trata de aspecto frequentemente esquecido, que não basta a formulação de um juízo de prognose favorável para que seja decretada a suspensão da execução da prisão. A prognose favorável radica exclusivamente em considerações de prevenção especial de socialização e a lei, para além dela, exige ainda que à suspensão se não oponham as necessidades de prevenção e reprovação do crime.

Posto isto.

As circunstâncias do crime objecto dos autos traduzem-se numa vulgar falsificação de um cheque no montante de € 800, não resultando provado que o arguido tenha obtido este valor.

No que à conduta anterior aos factos respeita [foram praticados em data não apurada do segundo semestre de 2009] temos que o arguido, ao longo de dez anos [o primeiro crime praticado foi-o em Agosto de 1999] sofreu catorze distintas condenações, sendo quatro em penas de multa, uma em pena de prisão substituída por multa, seis em pena de prisão suspensa na respectiva execução sendo que duas acompanhadas de regime de prova, e três em pena de prisão, pelo cometimento de crimes tão diversos como, deserção [1], condução de veículo sem habilitação legal [7], condução de veículo em estado de embriaguez [1], condução perigosa de veículo [1, em concurso com um crime de condução sem habilitação legal], resistência e coacção sobre funcionário [1], falsificação [1], roubo tentado [1], injúria [1] e ofensa à integridade física [1]. Posteriormente aos factos objecto dos autos o arguido, ao longo de quatro anos [Janeiro de 2010 a Junho de 2013] sofreu seis distintas condenações, sendo duas em prisão por dias livres, uma em prestação de trabalho a favor da comunidade, e três em pena de prisão suspensa na respectiva execução e multa, por crimes de condução de veículo sem habilitação legal [3], desobediência [1], dano [1], abuso de confiança [1] e jogo ilícito [1].

É assim evidente que o arguido tem uma personalidade mal formada, com manifesta propensão para a prática de comportamentos desviantes. E que a tal personalidade não repugna o uso de violência contra pessoas, evidencia-o o cometimento dos crimes de roubo, resistência e coacção e ofensa à integridade física. Por isso, mal se compreende a crítica feita no corpo da motivação ao ponto y) dos factos provados no segmento «(…) sendo conotado no meio como pessoa dotada de agressividade.», tanto mais que é precisamente isto o que se conclui do ponto II do Relatório Social.   

É também evidente a indiferença com que o arguido encara a preservação dos bens que as normas violadas tutelam e a ameaça das respectivas sanções.

Como é ainda evidente que o arguido não compreendeu o sentido pedagógico e as verdadeiras oportunidades de ressocialização que constituíram as sucessivas penas de prisão suspensas na respectiva execução que lhe foram aplicadas, antes de ter praticado os factos em apreço [seis penas] posto que, não só os praticou, como outros crimes veio a cometer.

A tudo isto acresce que o arguido não assumiu uma qualquer conduta processual demonstrativa de ter interiorizado o desvalor da sua conduta e a necessidade da respectiva censura.

Finalmente, quanto às condições da vida do arguido, temos o que consta do ponto y) dos factos provados ou seja, que vive com a companheira e a filha de ambos de 18 meses de idade, e exerce a actividade de pedreiro e pintor da construção civil. 

Diz no entanto o arguido que vários juízos de prognose positivos foram dados como provados no Relatório Social de fls. 537 a 540. Ainda que apenas seja relevante o que o tribunal colectivo considerou provado no acórdão recorrido, que o arguido não sindicou pela via do recurso, e não também as considerações que constam daquele relatório, sempre diremos o que segue.

Em primeiro lugar, e ressalvado sempre o devido respeito por diferente opinião, não nos parece curial que nesta sede se possa falar em múltiplos juízos de prognose positivos. Na verdade, o que o arguido fez foi invocar uma série de circunstâncias ali relatadas que, em seu entender, o beneficiam mas, mesmo que assim seja, é a apreciação global de tais circunstâncias que poderá, eventualmente, conduzir à formulação de um e um só, juízo de prognose favorável. 

A circunstância de o arguido viver com a companheira e a filha menor de ambos, que aliás, consta do ponto y) dos factos provados do acórdão recorrido, apenas permite concluir pela existência de uma relativa inserção familiar.

A circunstância de ter efectuado um tratamento no Núcleo de Alcoologia de Leiria, no âmbito da suspensão da execução de uma pena, estando desde então abstémio, e a concomitante conclusão de que tem assumido uma atitude mais sóbria e responsável não pode ser dissociada do período que, a este propósito, consta do Relatório Social, que é o período entre 2006 e 2008. Ora, tendo os factos objecto dos autos sido praticados em 2009, e tendo o arguido, após estes, praticado mais sete crimes a que corresponderam seis condenações, não se vê como possa ter passado a assumir uma ‘atitude mais responsável’.

A circunstância de o arguido exercer uma actividade por conta própria, consta também do ponto y) dos factos provados do acórdão. Já a incerteza da retribuição é referida no próprio Relatório, até porque a fonte de informação, como dele consta, foi o próprio arguido, pelo que apenas pode admitir-se a existência de uma incipiente inserção profissional.

A invocação da circunstância de não terem sido sinalizados indicadores de rejeição social não é acompanhada do que no Relatório se lhe segue isto é, a referenciação do arguido como indivíduo impulsivo que tem manifesta dificuldade em conter a agressividade, seja física, seja verbal. Devendo reconhecer-se a relativa contradição do Relatório, pois esta referenciação não pode deixar de constituir, de alguma forma, uma reserva da comunidade quanto ao arguido, certo é que esta matéria se prende com o segmento final do ponto y) dos factos provados do acórdão.

A invocação da atitude de colaboração se a medida penal viesse a ser executada em comunidade é, salvo o devido respeito, irrelevante, quer porque indemonstrável, quer porque em oposição à assumida conduta processual de não assunção da culpa.

Por último, a conclusão do Relatório quanto a reunir o arguido condições para o cumprimento de uma medida penal de execução na comunidade, não ultrapassa o seu plano próprio isto é, o de que estão reunidas tais condições, se o tribunal entender como sanção adequada a execução da pena em comunidade [sendo certo que na mesma conclusão é feita menção às ‘fragilidades’ comportamentais do arguido].  

Assim e em síntese conclusiva, a revelada personalidade do arguido e o deficit de socialização que a acompanha frustraria a «prevenção da reincidência» que constitui o objectivo de política criminal visado por esta pena de substituição, tornando a sua aplicação inadequada ao caso concreto pelo que se torna impossível, sem margem para dúvidas, a formulação de um juízo de prognose favorável, no sentido de que o seu sancionamento com uma pena de prisão suspensa na respectiva execução, bastaria para o afastar da prática de novos crimes e portanto, realizaria adequada e suficientemente as finalidades da punição.

 

Por outro lado, são as características da mesma personalidade que impedem a substituição da pena de prisão pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade ou pela de prisão por dias livres, agora com especial enfoque na circunstância de, já condenado em penas desta natureza, nem assim o arguido deixou de cometer novo crime, em Junho de 2013 [condução sem habilitação legal]. 

Finalmente, sendo a pena de prisão a única capaz de assegurar as finalidades de prevenção geral e especial requeridas in casu, e sendo a sua concreta medida plenamente suportada pela culpa do arguido, não vemos, ressalvado sempre o devido respeito, como possa ter sido violado o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso.

Não merece pois censura a decisão da 1ª instância ao não substituir a prisão pela suspensão da respectiva execução.


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III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam o acórdão recorrido.


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Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs. (arts. 513º, nº 1 do C. Processo Penal e 8º, nº 9 e tabela III do R. das Custas Processuais).

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Coimbra, 17 de Dezembro de 2014


(Heitor Vasques Osório - relator)


(Fernando Chaves - adjunto)