Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
13190/18.7T8LSB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: NOVAÇÃO
EXTINÇÃO DE OBRIGAÇÕES
DECLARAÇÃO EXPRESSA DE VONTADE
Data do Acordão: 09/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JC CÍVEL DE LEIRIA – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 857º A 852º DO C. CIVIL.
Sumário: 1- A novação é uma das causas extintivas das obrigações, diferente do seu cumprimento, ou seja, que não se traduz no seu cumprimento.

2- O instituto da novação consiste na convenção pela qual as partes extinguem uma obrigação mediante a criação de uma nova obrigação em lugar dela.

3- A novação tanto pode ser objetiva, como subjetiva. É objetiva sempre que se substitui a obrigação, mantendo-se os sujeitos, e é subjetiva se a obrigação passar a ser outra, mas por substituição do credor ou do devedor.

4- Quer se trate de uma novação objetiva, quer se trate de uma novação subjetiva, exige a lei que a substituição das obrigações (da antiga pela nova) se exteriorize através de uma manifestação/declaração expressa da vontade das partes nesse sentido, o que impede, assim, que esse animus novandi possa ser presumido ou sequer mesmo extraído tacitamente de outras declarações contratuais.

5- A razão de ser dessa exigência legal radica na perigosidade que é suscetível de envolver a novação, tanto para o credor, como para o devedor, pois que ela priva o primeiro das garantias de que beneficiava, e ao segundo retira-lhe os meios de defesa que podia opor à obrigação antiga.

6- A extinção, por novação, da obrigação antiga, opera, consequentemente, a extinção das obrigações acessórias assumidas para garantia da mesma, e, portanto, das garantias de crédito, pessoais ou reais, que tenham sido prestadas para esse efeito, quer pelo devedor originário, quer por terceiro, salvo declaração expressa por estes em sentido contrário.

Decisão Texto Integral:








Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

1. O autor, P..., instaurou (em 03/07/2018) contra os réus, N..., S.A. (doravante 1º. Réu), e L..., SGPS, S.A. (doravante 2ª. Ré), todos com os demais sinais dos autos, apresente ação declarativa, como forma de processo comum.

Para o efeito, e em síntese, alegou:

O 1º. Réu, constituído, em 03/04/2014, por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, substituiu o Banco E... S.A., tendo passado, além do mais, a administrar os ativos e os passivos do último banco, sendo nessa qualidade que o mesmo foi demandado.

No dia 18/02/2005, o 1º e o 2º RR. celebraram entre si um contrato que designaram de “Contrato de Abertura de Crédito em conta corrente disponibilizado em conta crédito”, tendo, na sequência do mesmo, o A. subscrito e avalizado uma livrança entregue pela 2ª. R. ao 1º. R., a título de garantia do cumprimento das obrigações entre si assumidas (conforme à alínea 1 da Cláusula 7 do referido contrato).

O 1º. R. ficou então autorizado a fazer-se valer dessa livrança subscrita e avalizada pelo A. para garantia do pagamento – em caso de inadimplemento da 2ª. R. – das despesas decorrentes do incumprimento do contrato e, bem assim do reembolso do capital financiado pelo mesmo à R. L..., no montante máximo de €250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros).

Porém, em 15/12/2005 os RR. redigiram um documento que designaram de “Alteração ao Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente disponibilizado em Conta Crédito” acordando alterar, além do mais, o montante inicial de €250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) para lhe acrescentar outros €250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euro), fixando o valor financiado no montante máximo de €500.000,00 (quinhentos mil euros) e estipulando que as garantias prestadas – nomeadamente, o aval prestado pelo A., – seriam modificadas em conformidade com aquele aumento do valor financiado pelo 1º. R. à 2ª. Ré; tendo passado aquelas a abranger tanto aquelas obrigações decorrentes do financiamento inicial como aquelas decorrentes do 2º. aumento de capital realizado, ou seja, o montante total de €500.000,00.

Acontece que em 12/02/2007 os RR. elaboraram um outro documento, que designaram de “ADITAMENTO AO CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO DE 18/02/2005 NO MONTANTE (EURO) 500.000,00; REF. ... 2000”, lendo-se no seu articulado que o montante máximo de capital disponibilizado pelo, ao tempo, E... passaria então a ser de €1.000.000,00 (um milhão de euros).

Nesse mesmo documento estipularam ainda os ora RR. uma confissão de dívida da Ré L... a favor do Réu N..., a qual incluiria o reembolso daquele capital de €1.000.000,00 (um milhão de euros) bem como todos os montantes de que o 1º. R. viesse a ser credor, independentemente da natureza destes, no âmbito do referido contrato de abertura de crédito.

Mais estipularam ainda nesse documento os RR. em manter inalterados os termos anteriormente determinados relativamente a garantias, tendo constituído titulação adicional de garantias uma livrança entregue neste ato e avalizada pela 2ª. Ré.

Tudo isso foi feito sem que o A. tenha sido informado ou consultado previamente e sem que tenha dado a sua aquiescência ou subscrição do que fosse relativamente a este aditamento, apenas tendo intervindo no referido negócio aquando da celebração do contrato na sua versão inicial e depois para o aumento do capital até ao montante máximo de €500.000,00, vindo, assim a ser surpreendido com o último aditamento, que só dele tomou conhecimento em 04/10/2016.

Ora, o último documento de aditamento configura, dados os seus termos, um novo contrato, uma nova obrigação, operando, desse modo, pelo instituto da novação, a extinção das obrigações decorrentes do 1º. contrato, e consequentemente as garantias nele assumidas, nomeadamente, pelo autor.

Pelo que, com base no referido instituto, terminou o autor por pedir a extinção do aval por si prestado, declarando-se a extinta a sobredita garantia por si prestada (aquando da celebração do 1º. contrato).

2. Embora ambos citados, apenas o 1º. R. (Banco N...), contestou a ação, e fê-lo  alegando, em síntese, que o referido último documento de aditamento a que o autor alude não configura qualquer novação da obrigação decorrente da celebração do contrato inicial, mas tão somente a alteração de alguns termos/elementos do mesmo, que se manteve (com a alteração apenas de alguns desses elementos), e daí que tenha pedido a improcedência da ação.

3. No despacho saneador o sr. juiz a quo - entendendo disporem já os autos dos elementos necessários para conhecer da causa, sem necessidade de produção de mais prova, e depois de permitir às partes o exercício do contraditório – proferiu despacho saneador/sentença, no final da qual decidiu julgar totalmente improcedente a ação e absolver os réus do pedido.

4. Inconformado com tal sentença, o autor dela apelou, tendo concluído as suas alegações de recurso nos seguintes termos:

...

XXII - Deve, assim, proceder a acção, sendo concedido provimento ao presente recurso, devendo ser declarado extinto o aval prestado pelo autor/apelante e as Rés condenadas nos termos peticionados, sendo a sentença revogada, por contrária à lei, e substituída por outra que conceda total vencimento ao Autor/Apelante.. »

5. Contra-alegou o réu Banco N..., pugnando pela improcedência total do recurso e pela manutenção integral do julgado.

6. Cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.


II- Fundamentação

A) De facto

Pelo tribunal da 1ª. instância foram dados como provados os seguintes factos:

...

B) De direito.

1. Do objeto do recurso.

Com sabido, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, 608º, nº. 2, do CPC).

Ora, calcorreando as conclusões das alegações do recurso do autor/apelante as questões nelas colocadas/suscitadas que aqui nos cumpre conhecer/apreciar são as seguintes:

a) Da nulidade da sentença (artº. 615º, nº. 1, al. c) - 1ª parte – do CPC);

b) Do erro do julgamento de direito (extinção da garantia prestada - através de aval de livrança -, pelo A., por novação da obrigação para que foi dada).

2.  Quanto à 1ª questão.

- Da nulidade da sentença.

2.1 Invoca o autor/apelante a nulidade da sentena por vioação do artº. 615º, nº. 1 al. c) - 1ª. Parte -  do CPC.

Embora o faça, a nosso ver, de forma algo génerica, a sua sustenção é feita na sumula exarada na conclusão XXI das conclusões das alegações de recurso, onde alega que “As vicissitudes referidas conduziram o douto Tribunal a quo à errónea apreciação jurídica dos factos provados (error facti) e, por sua vez, à errónea aplicação do direito (error juris), de tal modo que tais ilegalidades ditam a necessária revogação da sentença, nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. c), 1.ª parte, dada a errada subsunção jurídica que nos remete para os erros de julgamento supra descritos, atenta ainda a oposição entre os fundamentos de facto e de direito e a decisão proferida.”

Apreciemos.

O artº. 615º do atual CPC (que, na sua essência, corresponde ao artº. 668º do CPC61) configura, nas diversas alíneas do seu nº. 1, várias situações que podem levar à nulidade da sentença (embora no bom rigor jurídico - e como bem salienta o prof. Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora., 2ª vol., pág. 669” – se tratem mais de causas de anulabilidade - da decisão viciada - do que de nulidade da mesma).

Como é sabido, as nulidades da sentença aí taxativamente previstas, reconduzem-se a vícios intrínsecos da mesma, traduzidos em erros de atividade ou de construção e não se confundem com o erro de julgamento (de facto e/ou de direito).

Dispõe-se no invocado artº. 615º, nº. 1, al. c) – 1ª. parte - do CPC, que “é nula a sentença a quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão (…).”

Decorre desse segmento do normativo legal acabado de citar que só ocorrerá essa causa de nulidade quando a construção da sentença é viciosa, isto é, quando «os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão mas a resultado oposto» (cfr. o prof. Alb. dos Reis in “Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 141”). Ou melhor, quando das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma conclusão oposta à que logicamente deveria ter extraído (vide ainda, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.).

Trata-se, pois, como referimos, de um vício estrutural, intrínseco ou interno da própria sentença.

Como decorre da leitura do corpo das alegações do recurso, e bem assim das próprias conclusões das mesmas, o apelante, na realidade, sustenta a invocada nulidade num alegado erro de julgamento de direito do tribunal a quo (ao concluir, ao contrário do que deveria ter feito, não ocorrer no caso em apreço uma novação da primitiva obrigação por uma nova obrigação criada na sequencia da elaboração sobredito documento de aditamento contratual datado de 12/02/2007).

E tal bastaria, na esteira do que supra deixámos exarado sobre a natureza da espécie da nulidade em causa, para só por si julgar improcedente a referida nulidade arguida.

Porém, mesmo assim, sempre dirá:

Calcorreando a decisão/sentença em apreço, afigura-se-nos que todas aquelas suas premissas e dados factuais e jurídicos em que assentou, bem como o discurso lógico-discursivo e decisório correspondente, se encontram clara e inequivocamente enunciados e externos.

Não existem nem contradição nem ilogicidade alguma. A decisão, depois de analisar, indagar e juridicamente balizar o “thema decidendum”, extraiu em conformidade o seu juízo jurídico-subsuntivo. Na elaboração do correspondente silogismo judiciário, não se deteta, pois, a nosso ver, qualquer oposição ou contradição (entre a fundamentação de facto e/ou de direito e a decisão final).

Torna-se patente que o apelante não concorda com o sentido decisório no final extraído pelo tribunal a quo, mas o que não pode, salvo o devido respeito, é apontar qualquer vício ou erro de raciocínio no desenvolvimento daquele silogismo.

Saber se a decisão (de mérito) final está ou não em conformidade com as regras do direito aplicáveis aos factos dados como provados, a ponto da solução final dever ser outra que não aquela que foi tomada, nada tem a ver com o aludido vício de nulidade.

Ou seja, o tribunal a quo disse o que na realidade queria dizer e o que disse expressou-o claramente em termos perfeitamente coerentes e inequívocos, pelo que se terá de concluir que, a esse propósito, não ocorreu qualquer construção viciosa da sentença.

Não enferma, assim, a sentença do apontado vício de nulidade.

2.2 Nas suas conclusões das alegações de recurso (conclusão II), de forma mais uma vez algo genérica/ambígua – sem que daí extrai qualquer consequência jurídica  - exara o autor/apelante que “O douto Tribunal a quo, tendo optado pela prolação de sentença sem realização de audiência de discussão e julgamento, não apreciou na sentença a questão da revelia da Ré/Apelada L... por ausência de contestação, que, nos termos do disposto no art. 567.º, n.º 1, do CPC, determina que se consideram confessados os factos articulados pelo autor.”

Poderia, à primeira vista, criar-se a ideia/a impressão que o apelante estaria com tal estar também a invocar a nulidade da sentença, por enfermar do vício de omissão de pronúncia previsto na al. d) do nº. 1 do citado artº. 615º.

E dizemos “à primeira vista”, porque tal invocação conclusiva é uma decorrência do que, a tal propósito, alegou no corpo das alegações que precedem tais conclusões onde, logo na sua parte inicial, afirma:

« (…) Importa sublinhar que o douto Tribunal a quo, tendo optado pela prolação de sentença sem realização de audiência de discussão e julgamento, não apreciou na sentença a questão da revelia da Ré/Apelada L... por ausência de contestação, que, nos termos do disposto no artº 567.º, n.º 1, do CPC, determina que se consideram confessados os factos articulados pelo autor.

Afigurando-se tal questão relativamente inócua quanto ao que por ora importa, uma vez que a matéria dada por provada é inteiramente favorável o autor e, bem assim, inexistindo matéria de facto dado por não provada, ainda nos termos do disposto no n.º 2 do mesmo preceito, assentes e confessados aqueles factos, deve a sentença a proferir ser julgada conforme for de direito. ». (sublinhado nosso)

E daí que se no afigure que o apelante não suscita à volta de tal questão a nulidade da sentença, ou outra qualquer questão de índole processual.

De qualquer modo sempre se dirá:

Como se deixou exarado no Relatório, embora citada para o efeito, a 2ª. Ré não contestou a ação, apenas o tendo feito o 1º. R..

Porém, e como bem salienta o 1º. R. nas suas contra-alegações e decorre da conjugação do disposto nos artº. 567º, nº. 1 e 568º, al. a), do CPC, tal revelia não é operante (no sentido de se considerarem automaticamente como confessados todos os factos articulados pelo A. no articulado da sua petição inicial) no que concerne aos factos que o 1º. R. tiver impugnado, o que significa que, quanto a tais factos impugnados, a 2ª. R. beneficia/aproveita dessa contestação/impugnação deduzida por aquele 1º. R..

E daí que, implicitamente, o tribunal a quo, na descrição dos factos provados, que considerou relevantes para a decisão, tenha tomado em consideração (e como ressalta do que deixou exarado a esse propósito) tão somente aqueles factos que resultaram do acordo das partes (entre o A. e o R. contestante) e dos documentos juntos aos autos que não foram objeto de impugnação.

Donde a consideração de que a referida questão foi tacitamente conhecida pelo tribunal a quo, o que equivale, como constitui entendimento prevalecente na nossa jurisprudência, ao seu conhecimento expresso.

Improcede, assim, de qualquer modo, - e a considerar-se que o fez – a invocada nulidade por omissão de pronuncia.

3. Quanto à 2ª questão.

- Do erro do julgamento de direito (extinção da garantia prestada - através de aval de livrança -, pelo A., por novação da obrigação para que foi dada).

Essa questão tem a ver com o julgamento do mérito/fundo da causa, e traduz-se em saber se deve ou não decretar-se a extinção, por novação da respetiva obrigação para que foi dada, da garantia (de cumprimento) – prestada através de aval de livrança – que o autor assumiu perante o 1º. R. na sequência do contrato de abertura de crédito em contra corrente que este (na qualidade de creditante) celebrou, em 18/02/2005, com a 2ª. Ré (na qualidade de creditada e subscritora da livrança entregue àquele).

O tribunal a quo entendeu que não (após concluir pela inexistência da novação da obrigação primitiva) - num entendimento que é perfilhado pelo 1º. R. -, do que discorda o autor/apelante (defendendo a ocorrência da novação da obrigação primitiva perante a qual ficou obrigado pelo aval que prestou, na livrança subscrita pela 2ª. R. entregue àquele, garantindo/avalisando o seu cumprimento).

Apreciemos.

 Como deflui do que se deixou exarado – sendo aí que se centra o pomo da controvérsia e discordância aludida -, a solução da sobredita questão que foi submetida à apreciação do tribunal passa unicamente pela resposta a dar à (sub)questão (dada a sua exclusiva interdependência e por nela se centrar a causa de pedir do A.) de saber se in casu ocorreu ou não novação da obrigação primitiva (perante a qual o A. ficou obrigado pelo aval que prestou, através da aludida livrança subscrita pela 2ª. R., garantindo/avalisando o seu cumprimento) e a que se reporta o sobredito contrato de abertura de crédito em contra corrente celebrado, em 18/02/2005, entre o 1º. R. e a 2ª. Ré.

Sendo assim, impõe-se, antes de mais - e com vista a obter tal resposta -, analisar, naquilo que lhe é mais relevante e tendo sempre presente o caso em apreço, o instituto da novação.

Como é sabido, a novação é uma das causas extintivas das obrigações, diferentes do seu cumprimento, ou seja, que não se traduz no seu cumprimento (cfr., por todos, o prof. A. Varela, in “Direito das Obrigações em Geral, Vol. II, 6ª. ed., Almedina, pág. 227”).

Instituto esse que entre nós se encontra consagrado e disciplinado nos artºs. 857º a 862º do Código Civil (diploma esse ao qual nos referiremos sempre que doravante mencionarmos somente normativo sem a indicação da sua fonte).

Dispõe-se no artº. 857º que “Dá-se a novação objetiva quando o devedor contrai perante o credor uma nova obrigação em substituição da antiga.” (sublinhado nosso)

Por sua vez, estatui-se no artº. 858º que “A novação por substituição do credor dá-se quando um novo credor é substituído ao antigo, vinculando-se o devedor para com ele por uma nova obrigação; e a novação por substituição do devedor, quando um novo devedor, contraindo nova obrigação, é substituído ao antigo, que é exonerado pelo credor.” (sublinhado nosso).

Preceitua-se no artº. 859º que “A vontade de contrair a nova obrigação em substituição da antiga deve ser expressamente manifestada.” (sublinhado e negrito nossos).

Por último (naquilo que para aqui mais importa), plasma-se no artº. 861º que:

“1. Extinta a obrigação antiga pela novação, ficam igualmente extintas, na falta de reserva expressa, as garantias, que asseguravam o seu cumprimento, mesmo quando resultantes da lei.

2. Dizendo a garantia respeito a terceiro, é necessária também a reserva expressa deste.” (sublinhado nosso)

Da conjugação e confronto de tais normativos legais pode dizer-se:

Que a novação “consiste na convenção pela qual as partes extinguem uma obrigação mediante a criação de uma nova obrigação em lugar dela” (cfr. o prof. A. Varela, in (Ob. cit., pág. 228”), ou que consiste “na extinção da contratual de uma obrigação em virtude da constituição de uma nova obrigação que vem ocupar o lugar da primeira” (cfr. o prof. Mário Júlio Almeida Costa, in “Direito das Obrigações, 10ª ed. revista e reelaborada, Almedina, pág. 1111”).

Que a novação tanto pode ser objetiva, como subjetiva.

A novação diz-se objetiva sempre que se substitui a obrigação, mantendo-se os sujeitos (artº. 857º), ou seja, ela ocorre sempre que através dela se opera a substituição de uma obrigação emergente de um certo contrato, mantendo-se, todavia, os sujeitos.

No sentido de precisarem o conceito modalidade de novação objetiva, escrevem os profs. Pires de Lima e A. Varela (in “Código Civil, Anotado, Vol. II, 2ª. ed. revisa e actualizada, Coimbra Editora, págs. 129/130”) para que haja novação objetiva (ou mesma subjetiva) “é necessário que uma obrigação venha substituir a antiga, e só é nova a obrigação quando haja uma alteração substancial nos seus elementos constitutivos. Não basta, para isso, que se altere, por ex., as datas do cumprimento, se aumente ou reduza a taxa e juros, se majore ou reduza o preço ou se dê por finda uma garantia, etc. É preciso que seja outra obrigação e não seja apenas modificada ou alterada a obrigação existente (cfr. Vaz Serra, Novação, nº. 3; Bol. nº. 72) (…)

Exemplo clássico da novação objetiva é do da substituição da causa debendi, embora se mantenha a mesma prestação. (…)

A diferença entre a novação e simples alteração tem muito de subjetivo, não podendo deixar de depender em larga medida da vontade das partes, que podem querer ou não querer extinguir a obrigação constituída em casos objetivamente iguais. «O que importa saber, comenta Antunes Varela, (Obrigações em geral, 3ª. ed., II, pág. 199”, a propósito dos critérios subsidiários de Larenz e de Vaz Serra, é se as partes quiseram ou não, com a modificação operada, extinguir a obrigação, designadamente as suas garantias ou acessórios. (…)

A interpretação do regime jurídico não oferece, em regra, grandes dificuldades práticas, dada a necessidade de uma manifestação expressa de vontade para que haja novação (artº. 859º). »

Na verdade, o prof. A. Varela (in “Ob. cit., pág. 232”), num esforço de tentar estabelecer um critério de distinção entre o conceito de novação e o de modificação ou alteração da obrigação discorre a dado passo que (…) “mais firme e certeiro é o critério que procura directamente o aliquid novi da vontade dos contraentes, como elemento decisivo da qualificação. O que importa é saber se as partes quiseram ou não, com a modificação operada, extinguir a obrigação, designadamente as suas garantias ou acessórios. É para esse alvo prático (animus novandi) que o julgador deve apontar diretamente, com os instrumentos facultados pela interpretação e integração da declaração negocial. (…).”

Por sua vez, a novação dir-se-á subjetiva se a obrigação passar a ser outra, por substituição do credor ou do devedor (artº. 858º).

Efetivamente, assim deve ser, pois que, como ressalta do plasmado no acima transcrito artº. 859º, quer se trate de uma novação objetiva, quer se trate de uma novação subjetiva, exige a lei que a substituição das obrigações (da antiga pela nova) se exteriorize através de uma manifestação expressa das partes nesse sentido.

Na verdade, e como resulta do estatuído em tal normativo, o “animus novandi” tem de ser exteriorizado pelas partes de forma expressa, não podendo ser presumido e nem extraído, tacitamente, de outras declarações contratuais (cfr, entre outros, os profs. Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações, Vol. II, 10ª ed., pág. 199-200” e Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil, vol. IX, 3ª ed., pág. 1122”).

A razão de ser dessa exigência legal radica (como explica o último Mestre, in “Ob. cit., pág. 1122) na perigosidade que é suscetível de envolver a novação, tanto para o credor, como para o devedor.

É que, salvo estipulação em contrário, a novação priva o primeiro, nos termos do artº. 861º, das garantias de que beneficiava, e ao segundo retira-lhe, de acordo com o artº. 862º, os meios de defesa que podia opor à obrigação antiga. “Com a novação, tudo recomeça sem passado. A exigência do animus expresso protege ambas as partes.

E é expressa a declaração de vontade no sentido da novação, ou seja, da extinção da obrigação antiga, através da constituição de uma nova obrigação quando (como escrevem os profs. Pires de Lima e A. Varela, in “Ob. cit., pág. 131”) é “feita por palavas, escrito ou outro meio directo de manifestação de vontade.” E não se verificando, em qualquer das aludidas modalidades, essa declaração ou manifestação expressa de vontade de que se pretende novar (animus novandi), como concluem aquele últimos Mestres (in “Ob. e pág. cits.”), a obrigação primitiva não se extingue, sendo apenas modificado ou transmitido o crédito ou a dívida para terceiro.”

Donde resulta, pois, que a novação – que tanto pode se objetiva, como subjetiva - pressupõe a vontade das partes de extinguirem a uma obrigação primitiva, através da criação de uma nova obrigação, o que deve ser feito através de uma expressa manifestação/declaração de vontade das partes nesse sentido (animus novandi).

Extinta, por novação, a obrigação antiga, tal opera consequentemente, salvo declaração de reserva expressa em sentido contrário (quer pelo devedor originário, quer pelo terceiro que haja prestado garantia àquela), também a extinção das garantias que asseguravam o cumprimento daquela obrigação (artº. 861º nºs. 1 e 2).

Na verdade, a extinta a obrigação antiga, extintas devem ficar também as obrigações acessórias e, portanto, as garantias de crédito, pessoais ou reais, quer tenham sido prestadas pelo devedor originário, quer por terceiro, salvo declaração expressa em sentido contrário por estes.

No sentido da essência daquilo que se deixou expendido, vide ainda, entre outros, os Acs. do STJ de 28/06/2018, proc. 2198/12.6TBPBL-C1.S1; de 11/05/1995, proc. 086410; de 26/05/1993, proc. 083333, e de 19/12/1989, proc. 079379, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

Feita esta teórica abordagem ao instituto da novação, e tendo presentes as considerações de cariz teórico-técnicas que se deixaram expendidas, é altura de responder, à luz dos factos apurados, à questão e à subquestão acima colocadas, e assim encontrar a solução para o caso em apreço que nos foi submetido a apreciação.

É o que passaremos a fazer.

Da matéria de facto apurada, e naquilo que para aqui mais releva, resulta que em 18//02/2005, entre os ora aqui 1º. R. e a 2ª. Ré foi celebrado contrato de abertura de crédito em contra corrente, através do qual o primeiro (creditante) passou a disponibilizar à segunda (creditada) um financiamento até ao montante máximo de € 250.000,00, e nas demais condições aí estipuladas, dentre as quais ressalta a entrega ao ora 1º. R., para garantia do bom pagamento das responsabilidades daí advenientes, de uma livrança, em branco, subscrita pela ora 2ª. R., e avalizada pelo ora autor, que autorizava aquele a preenchê-la, nas condições ali descritas, em caso de incumprimento daquelas responsabilidades e até ao montante de € 250.000,00 (cfr. doc. nº. 2 junto pelo autor com a sua p.i.).

Mais tarde, em 15/12/2005, os ora RR. elaboraram um documento que designaram de “Alteração ao Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente disponibilizado em Conta Crédito”, no qual acordaram alterar, entre outros, o montante inicial de €250.000,00 de financiamento, para lhe acrescentar outros €250.000,00, fixando, assim, o valor financiado no montante máximo de €500.000,00, e estipulando que as garantias prestadas – nomeadamente, o aval prestado pelo A., conforme acima descrito – seriam modificadas em conformidade com esse aumento do valor financiado. (cfr. doc. nº. 3 junto pelo autor com a sua p.i.).

Mais tarde ainda, em 12/02/2007, os ora RR. elaboraram um outro documento, que designaram de “ADITAMENTO AO CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO DE 18/02/2005 NO MONTANTE (EURO) 500.000,00; REF. ... 2000”. (cfr. doc. nº. 4 junto pelo autor com a sua p.i.).

Nesse documento fizeram, além do mais, constar que “o montante máximo de capital disponibilizado pelo E... (agora BANCO N...), nos termos e de acordo com o “Contrato”, passaria doravante a ser de €1.000.000,00 (cl. nº. 1 a)).

Nesse mesmo documento a ora 2ª. Ré confessou-se devedora ao E... (ora 1º. R.) da quantia do capital de €1.000.000,00 (um milhão de euros, e bem como de todos os montantes de que aquele viesse a ser credor, independentemente da natureza destes, no âmbito do referido contrato de abertura de crédito. (cl. 2.)

Mais estipularam os aludidos outorgantes, ora RR., manter inalterados os termos anteriormente determinados relativamente a garantias, tendo constituído titulação adicional de garantias uma livrança subscrita e entregue neste ato, e por si avalizada, pela ora 2ª. Ré. (dispondo expressamente “Contrato anterior e Garantias: em tudo o mais, o Contrato continua a regular-se pelos termos e condições fixados em vigor” e que “a livrança hoje entregue constitui titulação adicional das obrigações de pagamento, não implicando novação da divida.”, cl. nº. 3).

Desse documento (do seu conteúdo) o A. não foi informado ou consultado previamente e não deu a sua aquiescência ou subscrição do mesmo.

E só perante este último documento, e ao nele estipulado, que o autor defende que através dele se constituiu um novo contrato, criando uma nova obrigação que substituiu/extinguiu, pelo instituto da novação, aquela outra primitiva, que havia nascido do sobredito contrato de abertura de crédito em contra corrente celebrado, 18/02/2005, entre o ora 1º. R. e a ora 2ª. Ré (que fora posteriormente, em 15/02/2005, alterado).

Porém, e salvo do devido respeito, é para nós patente, à luz da matéria factual descrita e das considerações de cariz técnico que acima se deixaram expendidas, que não estamos perante uma novação de obrigações na sequência da elaboração do último documento que demos conta.

Desde logo porque resulta, claramente para nós, de tal materialidade que com tal documento o ora 1º. R. e a ora 2ª. Ré, não visaram criar uma obrigação nova que substituísse aquela outra que nasceu da celebração daquele contrato celebrado em 18/02/2005 (extinguindo-o e consequentemente a obrigação primitiva dele nascida) mas tão só alterar alguns dos termos desse contrato e que, na sua essência substancial, se traduziu no aumento do capital financiado/disponibilizado com o consequente reforço das garantias já antes prestadas.

E depois ainda porque, ostensivamente, essa vontade de novação (que a existir seria objetiva) não foi exteriorizada, como a lei exige, por qualquer manifestação/declaração expressa das partes nesse sentido, faltando, assim, o animus novandi.

Donde a conclusão, de não ter ocorrido (por falta dos respetivos prossupostos legais), através da elaboração do último documento, a novação (substituição/extinção) daquela primitiva obrigação contraída pela ora 2ª. R. perante o ora o 1ª. R. (apenas tendo ocorrido uma alteração/modificação da mesma).

E sendo assim, e à luz do citado artº. 861º, também não se extinguiu a garantia prestada (por meio de aval da livrança então entregue pela 2ª. R.), a tal primitiva obrigação, pelo autor.

E nesses termos, terá de improceder o recurso, confirmando-se a sentença da 1ª. instância.


III- Decisão

Assim, em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença da 1ª. instância.

Custas pelo autor/apelante (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do CPC).


***

Sumário:

1- A novação é uma das causas extintivas das obrigações, diferente do seu cumprimento, ou seja, que não se traduz no seu cumprimento.

2- O instituto da novação consiste na convenção pela qual as partes extinguem uma obrigação mediante a criação de uma nova obrigação em lugar dela.

3- A novação tanto pode ser objetiva, como subjetiva. É objetiva sempre que se substitui a obrigação, mantendo-se os sujeitos, e é subjetiva se a obrigação passar a ser outra, mas por substituição do credor ou do devedor.

4- Quer se trate de uma novação objetiva, quer se trate de uma novação subjetiva, exige a lei que a substituição das obrigações (da antiga pela nova) se exteriorize através de uma manifestação/declaração expressa da vontade das partes nesse sentido, o que impede, assim, que esse animus novandi possa ser presumido ou sequer mesmo extraído tacitamente de outras declarações contratuais.

5- A razão de ser dessa exigência legal radica na perigosidade que é suscetível de envolver a novação, tanto para o credor, como para o devedor, pois que ela priva o primeiro das garantias de que beneficiava, e ao segundo retira-lhe os meios de defesa que podia opor à obrigação antiga.

6- A extinção, por novação, da obrigação antiga, opera consequentemente a extinção das obrigações acessórias assumidas para garantia da mesma, e, portanto, das garantias de crédito, pessoais ou reais, que tenham sido prestadas para esse efeito, quer pelo devedor originário, quer por terceiro, salvo declaração expressa por estes em sentido contrário.

Coimbra, 2020/09/14.