Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
161/03.7GAMIR.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: AUDIÊNCIA NA AUSÊNCIA DO ARGUIDO
RECURSO
PRAZO
ADMISSÃO DO RECURSO
Data do Acordão: 02/08/2012
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: COMARCA DE MIRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: NÃO SE TOMOU CONHECIMENTO DO RECURSO
Legislação Nacional: ART.ºS 113º, N.º 9 E 333º, N.ºS 2 E 5, DO C. PROC. PENAL
Sumário: Tendo decorrido a audiência na ausência do arguido, nos termos do art.º 333º, n.º 2º, do C. Proc. Penal, na eventualidade de o defensor/mandatário interpor recurso da sentença condenatória proferida contra o arguido, antes de este se mostrar notificado da mesma, aquele não deve ser objecto de despacho de admissão e de apreciação pelo tribunal superior.
A admissão do recurso e a apreciação do mesmo, nessas circunstâncias, são prematuras, ocorrendo circunstância que obsta ao conhecimento do mesmo, no tribunal de recurso, qual seja a de o arguido julgado na ausência não se mostrar notificado da sentença em causa contra si proferida.
Decisão Texto Integral: 1. No âmbito do processo n.º 161/03.7GAMIR do Tribunal Judicial de Mira, na sequência do acórdão, de 23.11.2010, proferido por esta Relação, no qual foi determinado que na 1.ª Instância se proceda à repetição do julgamento apenas quanto à actuação do arguido A... e sua actividade profissional e se profira acórdão em conformidade, com apreciação crítica da prova, remetidos os autos à 1.ª instância foi designada data para audiência de julgamento.

2. Realizado o julgamento - o qual nos termos do artigo 333º, nºs 2 e 3 do CPP teve lugar na ausência do referido arguido [A...] - pelo Tribunal Colectivo do Círculo Judicial da Figueira da Foz foi proferido o acórdão de 24.05.2011, que, além do mais, o condenou pela prática em concurso real de dois crimes de homicídio por negligência e de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. respectivamente nos artigos 137º, nº 1 e 148º, n.º 3 do Código Penal, na pena única de 3 [três] anos de prisão, suspensa, por idêntico período de tempo, na sua execução, sob condição de o mesmo, no aludido prazo, indemnizar os lesados/demandantes no processo.

3. Do acórdão, do qual o arguido, ainda, não se mostra notificado, foi interposto recurso subscrito pelo seu advogado.

4. Na 1.ª instância o Ministério Público respondeu ao recurso, defendendo a respectiva improcedência.

5. Admitido o recurso, fixado o regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a este tribunal.

6. O Ilustre Procurador – Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.

7. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do CPP não foi apresentada resposta.

II.

Conforme se adiantou supra não resulta dos autos que o arguido haja sido notificado do acórdão condenatório, antes decorrendo que a carta registada, para o efeito, remetida para Angola, foi devolvida, sem que a notificação se haja realizado – [cf. fls. 1483].
Ora, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 113º, n.º 9 e 333.º, n.º 5 do CPP, nos casos previstos nos n.ºs 2 e 3 do último preceito legal, o arguido julgado na ausência tem de ser notificado da sentença, não se iniciando o prazo para a interposição do recurso [pelo arguido] antes da sua notificação.
Por outro lado, parece incontroverso que a notificação da sentença a que alude o n.º 5 do artigo 333.º do CPP é a notificação pessoal ao arguido julgado na ausência – [cf., a título exemplificativo, os acórdãos do TC n.ºs 312/05 e 422/05, disponíveis in www.tribunalconstitucional, acórdão do TRP de 21.02.07 [proc. n.º 0646069], acórdão do TRC de 26.09.07 [proc. n.º 255/01.1PBTMR – A.C1] e o acórdão do TRG de 10.03.2003, a que adiante, com maior detalhe, se fará referência].

O que se pode questionar é se na eventualidade de o defensor/mandatário interpor recurso da sentença condenatória proferida contra arguido, ausente, antes deste, da mesma, se mostrar notificado, deve aquele ser objecto de despacho de admissão e, sendo o caso, de apreciação pelo tribunal superior.
Com o devido respeito por opinião contrária [cf. Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, Universidade Católica Editora, pág. 838], entendemos que não!
Como bem realça o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10.03.2003 “Torna-se clara a ligação, ou imediação, que a lei faz entre a notificação do arguido e a possibilidade daí decorrente de interposição de recurso, dessa forma reagindo a uma decisão condenatória. Aquela define o momento a partir do qual o direito pode ser exercido.
E bem se compreende que assim seja, pois que, se fosse possível ao defensor do arguido logo dela recorrer, então a decisão condenatória poderia ser objecto de duas apreciações pelo Tribunal da Relação: uma por acção (…) do defensor do arguido, outra na decorrência da notificação que ao arguido fosse feita da decisão condenatória” – [cf. CJ, Ano XXVIII, T. II, pág. 289, vd., ainda, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05.07.2005, CJ., Ano XXX, T. IV, págs. 220/221].
No mesmo sentido se pronunciam os Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, quando referem “O termo inicial do prazo do trânsito em julgado da sentença resultante de audiência, incluindo a leitura, que decorreu sem a presença do arguido só começa a correr com a sua notificação ao próprio, o que significa que o recurso que tenha sido interposto pelo seu defensor não pode ser admitido, por manifesta intempestividade” – [cf. “Código de Processo Penal, Comentários e notas práticas”, Coimbra Editora, págs. 832/833].
Também a propósito, foi decidido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07.07.2010 “… No caso de julgamento na ausência do arguido … (art. 333.º, do CPP), o prazo para a interposição do recurso conta-se a partir da notificação da sentença ao arguido. Este prazo é peremptório …, estabelece o período de tempo dentro do qual o acto pode ser praticado (terminus intra quem) … é extemporânea a interposição do recurso pelo defensor antes de realizada a notificação da sentença ao arguido …”[cf. proc. n.º 1349/06.4TBLSD.P1].

Donde se conclui que apesar de o recurso ter sido [prematuramente] admitido no tribunal a quo, ocorre circunstância que obsta ao conhecimento do mesmo, qual seja a de o arguido julgado na ausência, nos sobreditos termos, não se mostrar notificado do acórdão condenatório contra si proferida, sendo certo que o despacho que o admitiu não vincula este tribunal [artigo 414º, n.º 3 do CPP].

III.

Nos termos expostos, decide-se não tomar conhecimento do recurso por ser prematura a sua apreciação em consequência de o arguido não se mostrar notificado do acórdão condenatório contra si proferido.

Sem tributação.



Maria José Nogueira (Relatora)