Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
531/09.7GBAND.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: CONVERSÃO DA MULTA EM PRISÃO
Data do Acordão: 04/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 48.º E 49.º DO CP; ARTS. 489.º E 490.º DO CPP
Sumário: I - Se a pena de multa aplicada nos autos foi já convertida na prisão subsidiária, por decisão fundamentada, transitada em julgado, não pode ser substituída por prestação de trabalho.

II - A substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos previstos no artigo 48.º do Código Penal, depende de requerimento nesse sentido apresentado dentro do prazo de pagamento voluntário da pena de multa.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

Nos autos, por sentença de 26.10.2010, foi o arguido A..., melhor identificado nos autos, condenado, pela prática, em concurso efectivo, de três crimes de difamação agravados p e p pelas disposições conjugadas dos artigos 180º, nº1; 182º e 184º do C. Penal, nas penas de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de € 8,00 e, em cúmulo jurídico, na pena única de 450 dias de multa à mesma taxa diária de € 8,00.

Em recurso interposto daquela decisão, este Tribunal da Relação de Coimbra, por Acórdão de 12 de Abril de 2011, mantendo a condenação pelos três crimes, reduziu as penas parcelares aplicadas a cada crime para 160 dias de multa e a pena única aplicada em cúmulo jurídico para 300 dias de multa, à taxa diária de 8,00 euros.

Posteriormente, após a baixa dos autos à 1ª instância, em 29 de Novembro de 2011, foi proferida decisão que converteu a pena de multa aplicada, e não paga, em 200 dias de prisão subsidiária.

O arguido interpôs recurso dessa decisão - de conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária - o qual foi rejeitado pelo Tribunal da Relação de Coimbra, por decisão de 05 de Dezembro de 2012.

O arguido interpôs recurso da decisão do Tribunal da Relação de Coimbra para o Tribunal Constitucional, em 13 de Dezembro de 2013, recurso esse que não foi admitido.

O arguido apresentou reclamação da não admissão do recurso para o Tribunal Constitucional, reclamação essa indeferida pelo Tribunal Constitucional por decisão de 12 de Junho de 2014.

Notificado da decisão proferida pelo Tribunal Constitucional veio o arguido, em 06.12.2014, “requerer a prestação de trabalho a favor da comunidade, em substituição da pena de multa em que foi condenado, nos termos do art. 48º nº1 do C.P”.

Tal requerimento foi indeferido, por extemporâneo.

É desse despacho de indeferimento que vem interposto o presente recurso. 

*

Na motivação do recurso são formuladas as seguintes CONCLUSÕES:

1- O douto despacho de que ora se recorre veio indeferir a requerida substituição da pena de multa por prestação de trabalho, por extemporaneidade. Uma vez que tal substituição deveria ser requerida, antes, ou seja, nos termos do art. 489º e 490º do C. Processo Penal nos 15 dias a contar da notificação para o pagamento da pena de multa. E que tal prazo é um prazo peremptório, pelo que não o poderá fazer mais tarde.

2- Com o presente recurso impugna-se tal decisão, uma vez que o arguido não se pode conformar com a mesma na medida em que entende que o pedido de substituição da pena de multa por dias de trabalho pode ser realizado para além do prazo para o pagamento voluntário da multa.

3- Uma vez que não se pode apenas interpretar tal prazo segundo um elemento literal dos art. 48º nº 1 do Código Penal, 489º e 490º do Código de Processo Penal.

4- O que caberá descortinar é qual foi a intenção do legislador, sob pena de uma interpretação literal violadora de princípios fundamentais do direito penal e processual penal.

5- Em primeiro há que ter em atenção que a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade é uma pena substitutiva da pena de multa, deixando se ser uma sanção, para passar a ser uma forma de cumprimento da pena de multa, a requerimento do condenado quando for de concluir que realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, desde a alteração legislativa levada a efeito pelo DL nº 48/95, de 15 de Março, que reviu o Código Penal, nomeadamente no art. 48º

6- A par deste entendimento, importa ter em conta as finalidades das penas, segundo o artigo 40º do C.P, que são a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Assim, quando o condenado cumpre uma pena de multa, satisfaz estas finalidades plenamente. Se no momento da determinação da pena, o Tribunal considerou adequada uma pena de multa, foi por ter entendido que, com o esforço e constrangimento financeiro daí resultantes, o arguido sentia a efectividade da sanção penal e se afastaria da prática de ilícitos penais. O regime material da pena de multa e processual da respectiva execução exige, assim, como necessário pressuposto do retomo final à pena de prisão substituída e à execução desta, a exaustação de todos os meios de execução da multa, desde a notificação específica, até à possibilidade de, a todo o tempo o condenado pagar a multa cessando, então, a execução da pena de prisão que eventualmente tenha sido iniciada.

7- Tal se impõe pelo Principio da proporcionalidade ou da necessidade das penas e ainda pelo Princípio da Preferência pelas reacções não detentivas, consagrado no art. 182 da CRP. Tais princípios impõem que a limitação da gravidade da sanção á gravidade do mal causado pelo crime, na base da adequação da pena ao fim que esta deve cumprir.

8- Tais princípios não podem deixar de permitir, a par das politicas criminais expressas nas várias reformas do Código Penal, em que se se visa restringir a aplicação das penas privativas da liberdade, que diante do previsto no art. 49º do Código Penal, nomeadamente no seu número 2 que existe a possibilidade de requerer a prestação de trabalho a favor da comunidade depois do prazo previsto no art. 489º nº 2 e 490º do CPC.

9- Se nos termos do nº 2 do art. 49º O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.

10- De acordo com tudo o aqui exposto não restaram dúvidas que o intuito do legislador não é a que aquele prazo de 15 dias seja um prazo peremptório, mas que o arguido possa vir a requerer a substituição da multa por prestação a favor da comunidade em prazo mais dilatado, ou seja, no mesmo prazo em que possa vir a poder pagar a pena de multa.

11- Pelo que o douto despacho viola os princípios atrás expostos que impõem que o requerimento do arguido não possa considerar-se extemporâneo.

Nestes termos e nos melhores de direito que não deixarão de ser proficientemente supridos, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e consequentemente ser revogada a douta decisão recorrida e ser o Arguido, ora Recorrente admitido a prestar trabalho a favor da comunidade em substituição da pena de multa.

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Respondeu o digno magistrado do MºPº junto do tribunal recorrido sustentando que a substituição da multa por trabalho não tem aplicação quando, como é o caso, a multa foi já substituída pela prisão subsidiária, por decisão transitada em julgado.

Neste Tribunal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual sufraga a resposta apresentada em 1ª instância.

Corridos vistos, cumpre decidir.


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II.

Conforme resulta do enunciado dos anteriores termos do processo - supra efectuado com essa finalidade - a pena de multa aplicada nos autos foi convertida em prisão subsidiária, nos termos do disposto no art. 49º do CP, por decisão de 29 de Novembro de 2011, transitada em julgado.

Sobre o regime da conversão da multa na prisão subsidiária, estabelece o art. 49º, nº1 do C.P.: “Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária (…)”.

Nos termos da lei – de acordo com a natureza da substituição, sucessiva, por medidas menos gravosas – a substituição por trabalho é lógica e necessariamente anterior à conversão em prisão.

Aliás, se o iter processual já chegou à fase da conversão da multa em prisão – porque não se conseguiu o pagamento voluntário ou coercivo ou o arguido não requereu o pagamento em prestações, não requereu a substituição por prestação de trabalho ou esse requerimento foi indeferido - não faz sentido voltar atrás e recomeçar tudo de novo, permitindo múltiplos e sucessivos recomeços, ad eternum.

Assim, se a pena de multa aplicada nos autos foi já convertida na prisão subsidiária, por decisão fundamentada, transitada em julgado, não pode ser substituída por prestação de trabalho.

Por outro lado, a substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos previstos no artigo 48.º do Código Penal, depende de requerimento nesse sentido apresentado dentro do prazo de pagamento voluntário da pena de multa.

Com efeito, sobre o regime processual daquela substituição, estabelece o nº 1 do artigo 49º do Código de Processo Penal “O requerimento para substituição da multa por dias de trabalho é apresentado no prazo previsto nos nºs 2 e 3 do artigo anterior, devendo o condenado indicar as habilitações profissionais e literárias, a situação profissional e familiar e o tempo disponível, bem como, se possível, mencionar alguma instituição em que pretenda prestar trabalho.”.

Por sua vez o artigo 489º do Código de Processo Penal:

1 - A multa é paga após o trânsito em julgado da decisão que a impôs e pelo quantitativo nesta fixado, não podendo ser acrescida de quaisquer adicionais.

2 - O prazo de pagamento é de 15 dias a contar da notificação para o efeito.

3 - O disposto no número anterior não se aplica no caso de o pagamento da multa ter sido diferido ou autorizado pelo sistema de prestações

A letra dos citados artigos 489º e 490º do Código de Processo Penal, aponta decisivamente no sentido de que a pena de multa deve ser paga no prazo de 15 dias, a contar da notificação para o efeito, sendo também de 15 dias o prazo para o arguido requerer a substituição da multa por dias de trabalho (como resulta do teor, inequívoco, do nº1 do art. 49º) ou o pagamento em prestações.

Ou seja, o arguido pode requerer a substituição da pena de multa pela de trabalho a favor da comunidade ou o pagamento em prestações, durante o prazo de recurso da sentença, ou, após o trânsito em julgado da mesma, ainda no prazo de 15 dias após a notificação efectuada para o pagamento.

Se o condenado não requerer a substituição da pena de multa por prestação de trabalho dentro do prazo de pagamento voluntário desta, fica precludido o direito de o fazer, estando em causa um prazo peremptório.

Neste sentido cfr. Ac. TRC de 18-09-2013, Recurso 68/11.3GBLSA-A.C1, acessível em www.dgsi.pt; Ac. TRC de 18-09-2013, recurso 145/11.1TALSA-A.C1, também acessível em www.dgsi.pt; Ac. de 11.02.2015, Recurso nº 12/12.1 gectb-A.C1

Assim, em conclusão:

- o requerimento para substituição da multa aplicada a título principal está sujeito ao prazo peremptório previsto no art. 489º, nº2 por remissão do art. 490, nº1;

- a substituição não se aplica quando a multa foi já substituída pela prisão subsidiária por decisão transitada em julgado.

III.

Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso. ----

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

Coimbra, 15 de Abril de 2014

  

(Belmiro Andrade - relator)

(Abílio Ramalho - adjunto)