Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1506/07.6TBCTB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: EXECUÇÃO
LETRA DE CÂMBIO
RELAÇÕES IMEDIATAS
PREENCHIMENTO ABUSIVO
EXCEPÇÕES
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 06/25/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ART.56º, Nº1, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1.- A norma do art.10º da Lei Uniforme de Letras e Livranças visa impedir que um terceiro de boa-fé e sem culpa grave que recebe o título já preenchido, por endosso, se veja confrontado com a excepção de preenchimento abusivo.

2.- Os exequentes que receberam a letra por sucessão mortis causa e a acionaram nos termos do art.56º, nº1, do Código de Processo Civil, colocaram-se na mesma posição jurídica do falecido sacador. Se a letra não chegou a entrar no giro comercial cambiário, as relações daqueles com o aceitante são ainda imediatas, podendo este opor àqueles a referida excepção.

3.- Face à mesma norma da Lei Uniforme de Letras e Livranças, o preenchimento abusivo da letra é tido por “motivo de oposição ao portador”. Como tal, a matéria pertinente tem a natureza de excepção peremptória, a ser alegada e provada pelo subscritor, nos termos do art.342º, nº2, do Código Civil.

4.- Não sendo provado o abuso, a letra mantém-se válida como título executivo.

Decisão Texto Integral:             Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

            J (…) deduziu oposição à execução interposta por P (…) e C (…), alegando, em síntese:

            A letra de câmbio dada à execução foi entregue ao sacador, A (…), pai dos exequentes, apenas com as assinaturas do executado no lugar do aceite e na quadrícula do sacado.

            O executado desconhece quem preencheu o restante da letra de câmbio.

            A letra destinava-se a garantir um mútuo celebrado entre sacador e aceitante, no montante de € 2.065,00, sem vencimento de juros, realizado no início de 2006.

            Ficou então acordado que a letra apenas poderia ser preenchida se o executado viesse a falecer ou a incompatibilizar-se e, por via disso, não viesse a pagar a quantia emprestada. Nenhuma das referidas circunstâncias veio a ocorrer.

            Sem qualquer acordo prévio do executado, alguém decidiu preencher a dita letra, apondo-lhe o valor, as datas de emissão e de vencimento que entendeu, sem sequer avisar o executado de tal facto, nem lha apresentando a pagamento.

            A dívida do executado para com o sacador não é do montante feito constar do título.

            Não sabendo do destino da letra mas sabendo da morte do A (…), acedeu em assinar a declaração de reconhecimento de dívida titulada pelo doc. nº5 junta com a execução, que lhe foi apresentada pelo filho daquele, já previamente redigida.

            O executado apenas deve à herança aberta por óbito de A (…) a quantia de € 2.065,00.

            Aos exequentes que receberam a letra por sucessão mortis causa, sendo meros cessionários ou representantes de quem recebeu o título, a excepção de preenchimento abusivo pode ser-lhes oposta.

            Os exequentes contestaram, em síntese:

            A letra foi entregue ao seu pai tal como foi apresentada à execução.

            A letra destinava-se a pagar 10.000€ ao seu pai, por obras contratadas.

            O outro título reporta-se a um empréstimo de 2.065€ feito pelo seu pai para o executado comprar material para obras.

            Realizado o julgamento, a oposição foi julgada procedente e determinou-se que a execução apenas prosseguisse quanto à quantia de € 2.065,00, à qual devia acrescer juros à taxa legal, a partir do trigésimo dia após a citação do executado para a execução, e até efectivo e integral pagamento.


*

            Inconformados, os exequentes recorreram e apresentam as seguintes conclusões:

            1. Os ora Recorrentes vêm recorrer da Sentença proferida no processo nº 1506/07.6TBCTB-A, 1º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, que julgou procedente e provada a oposição formulada pelo Executado J (…) e em consequência determinar que a execução apenas prossiga quanto à quantia de € 2065,00 (dois mil e sessenta e cinco euros), à qual deve acrescer juros à taxa legal, a partir do trigésimo dia após citação do executado para a execução, até efectivo e integral pagamento. E ainda condenar os Recorrentes nas custas da oposição à execução.

            2. Os Recorrentes encontram-se inconformados com a Sentença que ora se recorre por a mesma não ter efectuado uma adequada ponderação dos factos, e também não fez uma correcta aplicação do Direito aos factos carreados para os autos.

            3. A Douta Sentença não poderia ter considerado procedente a oposição à execução, com os fundamentos nela constantes, tendo aplicado de forma incorrecta o Direito.

            4. O inconformismo dos Recorrentes em relação à Douta Sentença, decorre desde logo no facto de o Opoente J (…), não ter feito prova dos factos impeditivos pelo mesmo invocado na sua Petição Inicial de Oposição à Execução.

            5. Com efeito, o Executado e Opoente J (…), invocou na sua PI, que, a Letra de Câmbio dada à execução, foi entregue pelo Executado ao sacador A (…), falecido pai dos ora Exequentes, apenas com as assinaturas do Executado no lugar do aceite e na quadrícula com a designação (NOME E MORADA DO SACADO) e ainda a sua morada (artigo 1º da PI).

            6. O Executado mais invocou que as referidas assinaturas e moradas foram feitas pelo punho do Executado (artigo 2º da PI).

            7. Que no mais o Executado desconhece quem preencheu o restante da letra de câmbio, sendo certo que a mesma apenas se destinava a garantir um mútuo entre ambos celebrado (sacador/aceitante) no montante de 2.065,00 € (dois mil e sessenta e cinco euros) (artigo 3º da PI).

            8. Mais invocou o Executado que ficou então acordado que tal letra apenas poderia ser preenchida, se o Executado viesse a falecer ou a incompatibilizar-se e, por via disso não lhe viesse a pagar a quantia emprestada (artigo 8º da PI).

            9. Finalmente o Executado invocou que, sem qualquer acordo prévio do Executado, alguém decidiu preencher a dita letra, apondo-lhe o valor, as datas de emissão e de vencimento que entendeu, sem sequer avisar o executado de tal facto, nem lha apresentando a pagamento (artigo 10º da PI).

            10. Tais factos, supra indicados, foram levados a questionário – matéria de facto controvertida da PI, no despacho saneador, com a mesma numeração (Artigos/factos 1º, 2º, 3º, 8º, 10º).

            11. Entendem pois os Exequentes que o Executado não fez prova destes factos impeditivos por si alegados e invocados em sede de Petição Inicial de Oposição à Execução, ou seja, que houve um preenchimento abusivo da letra de câmbio dada à execução.

            12. A Sentença entra em contradição com os factos dados como não provados pelo próprio Tribunal recorrido.

            13. Pois, se o Tribunal “A Quo” entende que houve um preenchimento abusivo da letra de câmbio dada à execução, então entra em contradição com o que foi considerado como não provado, na resposta aos quesitos, efectuada por despacho datado de 18/01/2010, que considerou como não provados os factos 1º, 3º, 8º e 10º (os mesmos artigos da PI do Opoente),

            14. Sendo que no facto 2º ficou provado que, pelo menos as assinaturas do executado apostas no lugar reservado ao aceite e na quadrícula com a designação do nome e morada do sacado e a sua morada foram feitas pelo seu punho.

            15. Assim, pela documentação existente nos próprios autos, o Executado não fez prova dos factos impeditivos por si alegados, nomeadamente não fez prova de que houve um preenchimento abusivo da letra de câmbio dada à execução.

            16. Por outro lado também existe erro quanto à apreciação da prova testemunhal aos pontos de facto (quesitos 8º e 10º) com efeito a testemunha José Augusto Caniço Reguinga, o qual negou que o Executado lhe tenha afirmado que a letra tinha sido abusivamente preenchida, devia pois o Tribunal recorrido valorar o seu depoimento neste sentido.

            17. A Sentença que ora se recorre, por outro lado, faz uma incorrecta interpretação e aplicação do Direito, com efeito, o Tribunal recorrido ao apreciar a prova produzida nos autos, faz uma incorrecta interpretação e aplicação das normas constantes no artigo 655º do Código de Processo Civil (CPC), que apesar de no seu nº 1, consagrar o princípio da liberdade de julgamento das provas, segundo a sua prudente convicção, o seu nº 2 limita, excepciona o nº 1, e o Tribunal recorrido não aplicou correctamente o artigo 655º nº 2 do CPC, pois,

            18. Como era e é o caso dos autos (oposição à execução), o Tribunal recorrido, tinha que respeitar os critérios para a existência de prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, a qual não pode ser dispensada, e a lei,

            19. No seu artigo 342º nº 2 do Código Civil, determina que o Executado e Opoente ao alegar e invocar que houve um preenchimento abusivo da letra de câmbio

dada à execução, tem o ónus de provar o preenchimento abusivo da letra de câmbio (facto impeditivo do direito invocado pelos Exequentes), o que não fez,

            20. E não pode o Executado fazer prova do preenchimento abusivo da letra de câmbio pela simples apreciação visual da letra de câmbio pelo Tribunal recorrido, o princípio da livre liberdade de julgamento das provas é limitado pela lei quando esta exige, como é o presente caso, para a existência ou prova de facto impeditivo (preenchimento abusivo da letra de câmbio dada à execução), uma formalidade especial, que é o caso do artigo 342º n. 2 do Código Civil, esta exigência não pode ser dispensada, cfr. artigo 655º nº 2 do CPC e artigo 342º nº 2 do CC.

            21. Por outro lado o Opoente ao desistir da perícia, ao exame de reconhecimento de letra inserta na letra de câmbio dada à execução, que tinha por objecto: Os dizeres manuscritos na letra de câmbio, à excepção da assinatura feita no lugar do aceite e do nome e morada constante na quadrícula (NOME E MORADA DO SACADO) foi feita pelo punho do J (…)? ; A assinatura feita no lugar do aceite e o nome e morada constante na quadrícula (NOME E MORADA DO SACADO) foi feita pelo punho do J (…)?

            22. Ao desistir de tal perícia, o Opoente não fez prova de que houve preenchimento abusivo da letra de câmbio.

            23. O Tribunal recorrido também não teve em consideração o suscitado pelos Exequentes em sede de Contestação da Oposição à Execução, e daí entenderem os Exequentes que o Tribunal “A Quo” efectuou também uma incorrecta interpretação e aplicação do artigo 10º da LULL (Lei Uniforme das Letras e Livranças, pois,

            24. A ser verdade o invocado pelo Opoente, que não é, mesmo uma alegada violação do preenchimento da dita Letra de Câmbio, não pode a alegada violação, i.e., o preenchimento abusivo da letra de câmbio dada à execução, não pode a alegada violação de preenchimento da letra ser motivo de oposição ao portador da letra (os Exequentes),

            25. Salvo, como invoca a própria norma, se provar que os portadores da letra tenham adquirido a letra de câmbio em causa de má fé, ou adquirindo-a tenham cometido uma falta grave, que estes tenham preenchido abusivamente.

            26. O que não sucedeu, pois os Exequentes receberam a letra de câmbio por sucessão mortis causa como herdeiros legitimários de A (…), falecido a 16/07/2007, o qual era sacador da letra de câmbio.

            27. Muito menos os Exequentes cometeram qualquer falta grave, aliás ninguém invocou tal.

            28. Entendem os Exequentes, a ser verdade a versão do Opoente J (…), que, repete-se, tal versão é total e redondamente falsa, o Tribunal recorrido, mesmo que ficasse provado tal abusivo preenchimento (que não ficou provado), mesmo nesse caso hipotético, fez uma incorrecta interpretação da norma prevista no artigo 10º da LULL, já que esta consagra a inoponibilidade, mesmo que tenha sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode pois a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador (aos Exequentes ora Apelantes), já que estes sempre actuaram de boa-fé, repete-se, sempre.

            29. Em face de tudo o acima exposto, o Tribunal recorrido deveria ter julgado a oposição à execução deduzida pelo Executado J (…), por não provada e, em consequência determinar que a execução nos autos principais prosseguisse os trâmites normais quanto à quantia de 10.000,00 € (dez mil euros) e à quantia de 2065,00 € (dois mil e sessenta e cinco euros), às quais devem acrescer juros à taxa legal, a partir do trigésimo dia após citação do Executado para a execução, até efectivo e integral pagamento.

            30. Bem como condenar o Executado às custas da oposição.

            Normas Jurídicas Violadas:

            Artigo: 655º nº 1 e nº 2 do Código de Processo Civil;

            Artigo: 342º nº 2 do Código Civil;

            Artigos: 10º da Lei Uniforme das Letras e Livranças.


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            O executado não alegou.

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            As questões que importa resolver são:

A) Pode a alegada violação do acordo de preenchimento da letra ser motivo de oposição aos Exequentes, seus actuais portadores?

B) O ónus da prova do abuso do preenchimento onera o executado? E que consequências acarreta no caso concreto?


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            Quanto à referida reapreciação da matéria de facto, importa dizer que o tribunal pode “abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum na solução do caso.” (A. Geraldes, Recursos, 3ª edição, 2010, Almedina, página 337.)

            Como veremos, pelas respostas jurídicas às questões suscitadas, os factos provados, confrontados ainda com aqueles não provados, são fundamento suficiente para dar razão aos Recorrentes, não havendo necessidade de conhecer da pretensa impugnação da decisão da matéria de facto.

            Assim, os factos provados são os seguintes:

            1. No dia 16 de Julho de 2007, o Sr. A (…) faleceu.

            2. P (…) e C (…), na qualidade de únicos e universais herdeiros do falecido A (…), divorciado, residente que foi na (...), na cidade de Castelo Branco, contribuinte fiscal nº (...), intentaram contra J (…) e A (…) acção executiva para pagamento de quantia certa, com vista a haver deles a quantia a título de capital de 12.065,00 €, e 527,55 € de juros.

            3. Os exequentes intentaram os autos de execução apensos com base, além do mais, numa letra de câmbio junta a fls. 16 dos referidos autos, com data de emissão de 19/02/2007, e data de vencimento de 19/05/2007, no valor de € 10.000,00, que se dá por integralmente reproduzida.

            4. O executado J (…) pediu ao falecido A (…) que lhe emprestasse a quantia de 2,065,00 Euros, que este lhe emprestou efectivamente.

            5. O executado J (…) admite dever à herança aberta por morte de A (…)a quantia de 2,065,00 Euros.

            6. O executado J (…) assinou ainda o documento n.º 5 junto com o requerimento de execução.

            7. Na letra, as assinaturas do executado no lugar reservado ao aceite e na quadrícula com a designação do nome e morada do sacado foram feitas pelo seu punho.

            8. O executado, em finais de 2005, teve um acidente de viação com um veículo automóvel e necessitou de proceder à sua reparação, por se tratar de um instrumento de trabalho.

            9. O executado J (…) entregou ao Sr. A (…) a letra de câmbio dada à execução.

            10. O Sr. A (…) trabalhou para o executado numa obra que decorreu no Hotel Colina do Castelo.

            11. O executado J (…) exerce a actividade profissional de construtor civil, bem assim como o falecido A (…), que também exercia tal actividade de construtor civil.

            12. No âmbito da sua actividade profissional o executado J (…) contratou o A (…) para trabalhar numa obra que decorreu no Hotel Colina do Castelo.


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            Pode a alegada violação do acordo de preenchimento da letra ser motivo de oposição aos Exequentes, seus actuais portadores?

            Invocam os exequentes a favor dessa impossibilidade o art.10º da Lei Uniforme de Letras e Livranças (LULL), que nos diz:

            “Se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave.”

            Esta norma visa impedir que um terceiro de boa-fé e sem culpa grave que recebe o título já preenchido, por endosso, se veja confrontado com a excepção de preenchimento abusivo.

            A norma não se aplica quando o título ainda está nas relações imediatas, ou seja, enquanto ele não é detido por alguém estranho às relações extra-cartulares.

            Se o interessado compõe a relação extra-cartular, ele pode opor a excepção de incumprimento do pacto de preenchimento.

            No nosso caso, os exequentes não podem ser considerados estranhos à relação extra-cartular, que tenham recebido o título no seu giro comercial cambiário.

            Os exequentes receberam a letra por sucessão mortis causa.

            Eles acionaram-na nos termos do art.56º, nº1, do Código de Processo Civil.

            Sendo assim, os exequentes colocam-se na mesma posição jurídica do falecido.

            E a letra não chegou a entrar no giro comercial cambiário.

            Por tudo isto, aquela norma não os beneficia e a excepção de preenchimento abusivo pode ser-lhes oposta.


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            O ónus da prova do abuso do preenchimento onera o executado?

           

E que consequências acarreta no caso concreto?

            A jurisprudência é uniforme na resposta positiva à primeira questão. (Ver, entre muitos outros, os acórdãos do S.T.J., de 14.12.2006, no processo 06A2589, e desta Relação, de 21.3.2006, no processo 395/06, em www.dgsi.pt.)

            Face à mesma norma do art.10º da Lei Uniforme de Letras e Livranças, o preenchimento abusivo da letra é tido por “motivo de oposição ao portador”.

            Como tal, a matéria pertinente tem a natureza de excepção peremptória – art.493º, nº3, do Código de Processo Civil – a ser alegada e provada pelo subscritor, nos termos do art.342º, nº2, do Código Civil.

            (Ver ainda acórdão do Pleno das Secções Cíveis de 14.5.1996, DR nº159/96, série II, de 11.7.1996, também na C.J., Acórdãos Uniformizadores STJ, página 163, relativo ao cheque mas ajustável à norma idêntica das letras.)

            No caso, perante a apresentação de dois títulos executivos (letra e declaração de reconhecimento de dívida), o executado veio defender-se com a invalidade da letra, alegando que a mesma foi preenchida abusivamente.

            Cabendo-lhe então o ónus da prova deste abuso, verificamos que toda a matéria pertinente por si alegada foi considerada não provada.

            Esta falta de prova acarreta a validade da letra apresentada.

            É certo que a versão dos exequentes também não se provou mas eles não estavam especialmente onerados com tal prova, beneficiando da posse do título.

            A questão colocada pela oposição à execução foi apenas a do pretenso preenchimento abusivo da letra.

            A Sra. Juíza da sentença recorrida concluiu mal que “houve um preenchimento abusivo”, quando toda a matéria pertinente alegada pelo executado tinha sido julgada não provada pelo julgador. E concluiu mal quando afirma que a letra “deveria ter sido preenchida com o valor de 2.065€ e não de 10.000€.”

            Ora, não se provou o pacto de preenchimento que fundamenta esta conclusão.

            A posse da letra não é questionada. O executado entregou-a, pelo menos com a assinatura dele como aceitante, ao Sr. A (…).

            Provou-se ainda que o executado e aquele tiveram relações fundadoras de compromissos financeiros.

           

Cabia ao executado demonstrar que a letra tinha subjacente o pacto que invocou e que foi preenchida abusivamente. Não o tendo feito, devemos retirar as conclusões decorrentes da titulação.

            Mercê da força probatória especial de que estão munidos, não destruída, os títulos constituem meio legal de demonstração da existência dos direitos.


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            Decisão.

            Julga-se o recurso procedente, revoga-se parcialmente a decisão recorrida e, julgando-se a oposição à execução infundada, ordena-se o prosseguimento da mesma execução quanto à quantia de 10.000,00 € (dez mil euros) e à quantia de 2065,00 € (dois mil e sessenta e cinco euros), às quais devem acrescer juros à taxa legal, a partir do trigésimo dia após citação do Executado para a execução, até efectivo e integral pagamento.

            Custas pelo executado em ambas as instâncias.

          


 Fernando de Jesus Fonseca Monteiro ( Relator )

 Maria Inês Carvalho Brasil de Moura

Luís Filipe Dias Cravo