Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
107/15.0GTVRL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS
Descritores: DESOBEDIÊNCIA
CONDUTOR
RECUSA DE SUBMISSÃO A PROVAS PARA DETECÇÃO DE ÁLCOOL
Data do Acordão: 04/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (SECÇÃO CRIMINAL DA INSTÂNCIA LOCAL DE LAMEGO - J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 152.º E 156.º DO CE
Sumário: I - É indispensável ao preenchimento do tipo legal de crime de desobediência, por recusa a provas para detecção de álcool, a atualidade da condução no momento da convocação do condutor para realização do exame de alcoolemia.

II - Assim, para a perfectibilização do referido ilícito, a condução não será atual sempre que a fiscalização tenha sido efetuada em circunstâncias que não permitam concluir que a eventual ingestão de álcool foi anterior ou contemporânea da condução ou que a pessoa objeto de fiscalização conduziu efetivamente sob o efeito do álcool.

Decisão Texto Integral:


Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório:

No âmbito do Processo Sumário n.º 107/15.0GTVLR que corre termos na Comarca de Viseu, Lamego – Instância Local – Secção Criminal – J1, foi proferida sentença, em 17 de julho de 2015, cujo Dispositivo é o seguinte:

“VII- DECISÃO

Nestes termos o Tribunal decide:

1. Julgar procedente, por provada, a acusação do Ministério Público, e, em consequência, condenar o arguido A... , como autor material de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º, nº 1, alínea a) do Código Penal e 152º, nº1, al. a) e nº 3, do Código da Estrada, na pena de 4 meses de prisão; substitui-se a pena de prisão de quatro meses, em que foi condenado, por igual tempo de multa (120 dias), à taxa diária de 6,00 euros, num total de 720,00 euros, nos termos do artigo 43º, nº 1 do Código Penal.

2. Condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 9 meses, nos termos do artigo 69º n.º 1 al. a) do Código Penal.

3. Condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.

*

De harmonia com o disposto nos artigos 69º n.º 3 do Código Penal e 500º n.º 2 do Código de Processo Penal, após trânsito, deverá o arguido entregar em 10 dias a respetiva licença de condução, sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática de crime de desobediência.

*

Remeta-se boletins ao registo criminal.

*

Comunique ao IMTT e ASNR.

*

Resultando das declarações do arguido, prestadas em sede de audiência de julgamento, que o mesmo após o acidente, e com a finalidade de abandonar o local, atravessou a pé para a faixa de rodagem contrária da autoestrada –A-24, extraia certidão da presente sentença, da ata da 1ª sessão de julgamento e da gravação das declarações do arguido e remeta à entidade administrativa competente a fim de ser dado inicio ao processo contraordenacional, pela prática da contraordenação prevista no artigo 72º, do Código da Estrada.”

****

Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 1/10/2015, o arguido, defendendo a sua revogação e substituição por outra que o absolva, extraindo da motivação as seguintes conclusões:

1) Os agentes da GNR, entre as 21h30 e as 22h00, bateram à porta da garagem da residência e, posteriormente, a mesma foi aberta pelo arguido A... .

2) O arguido convidou-os a entrar, tendo aqueles, inicialmente, recusado, mas, posteriormente, acabado por entrar.

3) A solicitação para que o arguido efetuasse o teste do álcool aconteceu dentro da respetiva garagem propriedade do arguido.

4) A advertência acerca da possibilidade de incorrer num crime de desobediência se o arguido não efetuasse o teste ao álcool ocorreu dentro da residência/garagem do mesmo.

5) Deveria ser dado como provado que o contacto entre as autoridades e o arguido se efetuou cerca de duas horas após a ocorrência do acidente.

6) Deveria ter sido dado como facto assente que o arguido não foi notificado do auto de notícia (a folhas 3 do processo), do termo de constituição de arguido (a folhas 4), não lhe foram comunicados os seus direitos e deveres, o termo de identidade e residência (a folhas 5), a notificação/libertação (a folhas 6) e a concessão provisória de apoio judiciário (a folhas 7).

7) A falta de notificação do expediente elaborado pelos agentes da GNR está convenientemente comprovada pela ausência da sua assinatura por parte do arguido, assim como pelo próprio depoimento das testemunhas.

8) A folhas 6 dos autos, no documento “notificação/libertação”, aparece a menção de que “o arguido foi reposto em liberdade às 22h30 do dia 21.06.2015 (artigo 385.º, do CPP).

9) Sucede que, tal como foi confirmado pelo depoimento das duas testemunhas – agentes da GNR – que se deslocaram à residência do arguido e procederam ao levantamento do auto, os mesmos não tiveram oportunidade de notificar o arguido de qualquer formalidade legal, nomeadamente da sua constituição como arguido e dos direitos e deveres inerentes a tal condição.

10) Mormente, nunca poderia o arguido ser libertado, uma vez que nunca lhe chegou a ser comunicada qualquer detenção.

11) Ambas as testemunhas foram categóricas em afirmar que apenas comunicaram ao arguido que a recusa à submissão do teste de álcool o levaria a incorrer num crime de desobediência e nada mais do que isso.

12) Todo o procedimento das autoridades assentou na violação ou na inobservância das disposições da lei do processo penal, o que determina a nulidade de todos os atos praticados, nomeadamente por violação do disposto nos artigos 126.º, n.º 3, 171.º, n.º 4, 172.º, 174.º, 177.º, do CPP, 32.º, n.º 6, 34.º, n.ºs 1 e 3, da CRP.

13) Concretamente, no artigo 126.º (métodos proibidos de prova), n.º 3, prevê-se que “ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio,…, sem o consentimento do respetivo titular”.

14) Por conseguinte, a pretensão dos agentes de autoridade ao solicitar ao arguido que realizasse o teste de álcool, na sua residência, após as 21h00, consubstancia claramente um caso de obtenção de prova ilegal (método proibido de prova).

15) O tribunal deveria determinar a nulidade de todo o procedimento (artigos 118.º e seguintes, do CPP), o que, em consequência, origina uma nulidade da sentença, nos termos da al. c), do n.º 1, do artigo 379.º, do CPP.

16) Ao arguido não foi comunicada a sua constituição como arguido, a sua submissão à prestação de TIR nem lhe foram comunicados e devidamente explicitados os direitos e deveres que lhe assistiam da sua condição de arguido, entre outros.

17) Existiu uma clara violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, e ao disposto nos artigos 58.º, 60.º e 61.º, do CPP, gerando, assim, uma nulidade da sentença, nos termos da al. c), do n.º 1, do artigo 379.º, do CPP.

18) Compulsados os autos, veio o MP validar os atos praticados pela autoridade policial (a folhas 13 dos autos), os quais deveriam ter sido considerados irregulares por falta da sua notificação ao arguido.

19) Falta de verificação dos elementos do crime previsto no artigo 348.º, n.º 1, al. a), do CP, por referência ao disposto no artigo 152.º, n.º 1, al. a), e n.º 3, do CE.

20) De acordo com a jurisprudência firmada no acórdão do TRP, proferido no âmbito do processo 109/13.0GTAVR.P1, em 13/5/2015, “é indispensável ao preenchimento do tipo legal do crime de recusa a provas para deteção de álcool a atualidade da condução no momento da convocação do condutor para fazer o exame de alcoolemia, como se decidiu já no acórdão do TRL, de 17/12/2002”.

21) O arguido tinha toda a legitimidade de se recusar a realizar o teste de deteção de álcool no sangue, não podendo tal recusa consubstanciar o crime de desobediência previsto no artigo 348.º, n.º 1, al. a), do CP:

22) Também está patente no caso sub judice a violação do disposto no artigo 32.º, n.º 2, da CRP, o princípio da presunção de inocência.

23) A sentença padece de vícios, entre os quais erro na apreciação da prova e na qualificação jurídica sobre a matéria de facto que, aliás, pode ser sindicável por este tribunal da Relação, em razão dos seus poderes de cognição.

24) No caso concreto, resulta que o Tribunal valorou em sentido desfavorável ao arguido, não deu como provados factos relevante para a sua absolvição, assim como fundamentou a sua decisão num entendimento contrário àquele que se pode retirar do depoimento das testemunhas e das próprias declarações do arguido.

25) Foi errada/valorada indevidamente a prova, prova essa adquirida com o recurso a métodos de obtenção de prova proibidos por lei.

26) Salvo o devido respeito, a pena aplicada ao recorrente é particularmente gravosa e os fundamentos que a suportam estão assentes em erradas interpretações.

27) Perante toda a factualidade apurada, a concreta medida da pena aplicada ao arguido e o modo escolhido para o seu cumprimento (prisão efetiva) violou, designadamente, o disposto nos artigos 71.º, n.º 2, 40.º, do CP, 369.º, n.º 1, 370.º, n.º 1, do CPP, 18.º, da CRP.

28) A livre apreciação da prova não é livre arbítrio ou valoração subjetiva, mas realiza-se de acordo com critérios lógicos e objetivos e não em especulações e incertezas.

29) (…).

30) (…).

31) A sentença aqui recorrida está ferida de erro notório na apreciação da prova, por violação do disposto nos artigo 410.º, n.º 2, a), b) e c), e n.º 3, 412.º, n.ºs 2 e 3, do CPP.

****

O recurso, em 8/10/2015, foi admitido.

****

O Ministério Público, em 12/11/2015, respondeu ao recurso, contra-alegando, em resumo, o seguinte:

1) Não há erro notório na apreciação da prova.

2) O artigo 126.º, do CPP não foi violado.

3) Estão preenchidos os elementos constitutivos do crime pelo qual o arguido foi condenado.

4) Não foi violado o princípio in dubio pro reo.

5) A pena aplicada em concreto revela-se adequada.

****

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, em 13/1/2016, no sentido da improcedência do recurso, tendo realçado o seguinte:

“(…). Sejamos claros e digamos, em jeito de conclusão: o essencial que o recorrente no fundo pretende escamotear é que a ordem dada pelos agentes de autoridade para a realização do teste de alcoolemia aconteceu porque ele foi interveniente num acidente de viação; daí a obrigatoriedade legal de tal pesquisa de álcool no sangue, nos termos do artigo 156.º, n.º 1, do C. da Estrada; abandonou o local na tentativa de fugir às suas responsabilidades e recusou-se a efetuar o dito exame com a ideia de evitar para si males maiores em termos de consequências jurídicas, nomeadamente penais.

Só tal comportamento eivado de pouca civilidade obrigou os agentes de autoridade a, no cumprimento da lei e do seu estrito dever, terem atuado como atuaram.”

Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, tendo o arguido, em 1/2/2016, usado do direito de resposta em que se limitou a reiterar o anteriormente alegado.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar conferência, cumprindo apreciar e decidir.


***

II. Decisão Recorrida:

            “(…).

            II – DA AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO RESULTARAM PROVADOS OS SEGUINTES FACTOS:

1. No dia 21 de Junho de 2015, pelas 20h10, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula (...) HI, foi interveniente em acidente de viação, por despiste, na A24, Km 87,100, tendo abandonado o veículo.

2. Nesta sequência, logo após, entre as 21.30 e as 22.00 horas, os militares da GNR B... e C... , devidamente uniformizados e no exercício de funções, dirigiram-se à residência do mesmo, sita na Rua x(...) , Lamego, e ordenaram ao arguido que procedesse à realização do teste de deteção de álcool no sangue, por ar expirado, tendo o arguido recusado.

3. Ato contínuo e apesar de ter sido advertido de que tal recusa o faria incorrer na prática do crime de desobediência, o arguido persistiu na recusa em proceder à realização de tal teste bem como a exame ao sangue.

4. O arguido sabia que os referidos militares exerciam funções na Guarda Nacional Republicana, com competência para fiscalizar o exercício da condução, nos moldes relatados e que a recusa em submeter-se ao teste de deteção de álcool no sangue constituía crime de desobediência.

5. Contudo, a conduta descrita foi praticada pelo arguido com o propósito deliberado de se eximir ao cumprimento de tal obrigação, enquanto condutor e bem assim de evitar a fiscalização da sua condução.

6. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, não se coibindo, porém, de assim atuar.

7. O arguido já foi anteriormente condenado:

- em 12.06.2008, no processo nº 34/08.7GBLMG, do então 2º Juízo do Tribunal Judicial de Lamego, pela prática do crime de detenção de arma proibida, numa pena de 70 dias de multa à taxa diária de €5,00;

- em 21.06.2013, no processo nº 343/13.3TALMG do então 1º Juízo do Tribunal Judicial de Lamego, pela prática do crime de detenção de arma proibida, numa pena de 140 dias de multa à taxa diária de €7,00;

8. O arguido trabalha numa quinta onde aufere um vencimento de cerca de €600,00; vive em casa dos pais; a filha menor vive consigo; a mãe da menor paga a prestação de alimentos à menor no valor de €100,00.

*

III- INEXISTEM FACTOS NÃO PROVADOS:

*

IV – MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:

A convicção do Tribunal, quanto à matéria de facto provada assentou na análise de toda a prova examinada em audiência, em concreto, o Tribunal teve em consideração:

- das declarações do arguido que admitiu ter sido interveniente no acidente de viação, na autoestrada A24, por volta das 20.10 horas, que abandonou o local, tendo para tanto atravessado para a faixa de rodagem contrária da auto estrada onde “apanhou boleia” da ex-mulher.

Quanto ao veículo, afirmou que um senhor cuja identidade desconhece e que parou no local após o acidente, lhe chamou o reboque.

Que por volta das 23/23.30 horas quando se encontra na garagem, com a porta aberta surgiu a GNR, que após confirmarem que tinha sido ele o condutor lhe pediram os documentos, tendo entregue a carta de condução e o bilhete de identidade; perguntaram-lhe se podia fazer o teste ao álcool no sangue, afirmou que não porque tinha a filha menor a dormir e não se ia deslocar. Que de seguida os militares foram para o carro.

Negou que lhe tenham feito a advertência de que incorria no crime de desobediência se se recusasse a efetuar o teste; nem se recusou a assinar nada.

Por fim esclareceu as suas condições pessoais, familiares e económicas que não foram infirmadas por qualquer meio de prova.

Conjugado com o depoimento das testemunhas:

- B... , militar da GNR, a prestar serviço no Destacamento de Transito de Vila Real, pessoa que esclareceu que se encontrava de serviço e após ter recebido a comunicação da existência de acidente de viação na A-24, se dirigiram ao local; que uma vez chegados ao local viu um carro atravessado na 3ª via da faixa de rodagem da autoestrada, no sentido Régua- Vila Real, estavam lá uma ambulância e a carrinha da Operscut.

O condutor do veículo não se encontrava no local.

Que encetaram diligências no sentido de apurarem quem era o proprietário do veículo, junto da central e encontraram os documentos da viatura no seu interior.

Providenciaram pela remoção do veículo da via, tendo para tal chamado um reboque.

E após, foram tentar encontrar o condutor do veículo na localidade de Valdigem, onde chegaram por volta das 21.30 horas.

Afirmou que o encontraram numa garagem, que tinha a porta aberta, e que mesmo após o arguido os ter convidado a entrar que não entraram.

Que o arguido confirmou que tinha sido o condutor da viatura que se tinha despistado que não tinha ingerido bebidas alcoólicas após o acidente; após solicitou-lhe que efetuasse o teste ao álcool, mas que o arguido disse que não fazia; confirmou que lhe fez a advertência de que senão realizasse o teste incorreria no crime de desobediência, sendo que o arguido voltou a responder que não fazia.

Confirmou que de seguida comunicou, verbalmente, ao arguido que estava detido e que teria de comparecer no Tribunal no dia seguinte às 10.00 horas; que de seguida se dirigiu à viatura da GNR para elaborar o expediente, tendo o arguido permanecido na garagem; quando terminaram o expediente o arguido já não estava no local, tinha fechado a porta da garagem e mesmo após terem batido, o mesmo não a voltou a abrir.

Confirmou o expediente de fls. 3 a 8.

- C... , militar da GNR, a prestar serviço no Destacamento de Transito de Vila Real, pessoa que esclareceu que se encontrava de serviço e após ter recebido a comunicação da existência de acidente de viação na A-24, se dirigiram ao local; que uma vez chegados ao local viu um carro atravessado na 3ª via da faixa de rodagem da autoestrada, no sentido Régua - Vila Real, estavam lá uma ambulância e a carrinha da Operscut.

O condutor do veículo não se encontrava no local.

Que encetaram diligências no sentido de apurarem quem era o proprietário do veículo, junto da central e encontraram os documentos da viatura no seu interior.

Providenciaram pela remoção do veículo da via, tendo para tal chamado um reboque.

E após, foram tentar encontrar o condutor do veículo na localidade de Valdigem.

Afirmou que o encontraram numa garagem, que tinha a porta aberta, e que mesmo após o arguido os ter convidado a entrar que não entraram.

Que o arguido confirmou que tinha sido o condutor da viatura que se tinha despistado; após solicitaram-lhe que efetuasse o teste ao álcool, mas que o arguido disse que não fazia; confirmou que lhe foi feita a advertência de que senão realizasse o teste incorreria no crime de desobediência, sendo que o arguido voltou a responder que não fazia.

Que de seguida se dirigiram à viatura da GNR para elaborar o expediente, tendo o arguido permanecido na garagem; quando terminaram o expediente o arguido já não estava no local, tinha fechado a porta da garagem e mesmo após terem batido, o mesmo não a voltou a abrir.

Atendeu-se aos elementos documentais juntos a fls. 3. a 8 e 40.

Quanto aos antecedentes criminais atendeu-se ao certificado de registo criminal junto aos autos.

Vejamos a conjugação da prova.

Temos duas versões dos acontecimentos.

A do arguido que em suma admite ser o condutor do veículo, mas nega que lhe tenha sido feita a advertência do crime de desobediência.

E a das testemunhas que confirmaram a acusação.

Ora, do depoimento das testemunhas B... e C... , não foi percetível nada, nenhuma hesitação, nenhuma imprecisão, ou contradição que pudesse colocar em causa a veracidade do que afirmaram. Afiguraram-se os seus relatos serenos, detalhados, imparciais e por isso merecedores de credibilidade, tendo dessa forma logrado convencer firmemente o Tribunal.

Veio o arguido em sede de alegações invocar a violação do domicílio do arguido, a existência de métodos proibidos de prova.

Dispõe o n.º 3 do art.º 126.º do CPP que “Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respetivo titular”.

Por seu turno, a Constituição da República Portuguesa prescreve que «são nulas todas as provas obtidas mediante abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência e nas telecomunicações», conformando desta forma a concreta regulamentação do conflito latente entre as finalidades, muitas vezes antagónicas ou conflituantes, do moderno processo penal: a realização da justiça, a descoberta da verdade material, a proteção dos direitos fundamentais das pessoas e o restabelecimento da paz jurídica.

Neste sentido, o da conformação constitucional do interesse prevalecente, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Lições coligidas por Maria João Antunes, Secção de Textos da Universidade de Coimbra (1988-89), página 43.

A prova obtida através de um método proibido não pode ser valorada pelo tribunal.

É o que resulta do disposto no n.º 1 do artigo n.º 126, que também é aplicável aos casos previstos no n.º 3 do mesmo artigo («são igualmente nulas»). O legislador processual penal de 1987 recorreu, portanto, a um esquema que se aproxima do da inutilizzabilità adoptado pelo art. 198.º do Codice di Procedura Penale. Daí que o regime da nulidade cominada para a prova obtida através de métodos proibidos se afaste do regime regra consagrado no art. 121.º e se aproxime do regime das nulidades absolutas. Só assim se consegue alcançar o escopo do legislador que é o de «prevenir sentenças condenatórias assentes na valoração de meios proibidos de prova» (Costa Andrade, ob. cit., Coimbra, 1992, p. 63).

Ora, salvo o devido respeito, entendemos que não estamos perante a existência de qualquer prova obtida de forma ilegal, pois por um lado, as testemunhas foram perentórias em afirmar que não entraram na garagem onde o arguido se encontrava com a porta aberta, e por outro lado, é o próprio arguido que afirma que os convidou a entrar, manifestando dessa forma o seu consentimento.

Ou seja, o diálogo entre as testemunhas e o arguido, no qual se passaram os factos dados como provados não ocorrem dentro do domicilio do arguido, mas mesmo que tivesse ocorrido o arguido tinha para tal dado o seu consentimento.

Assim, entendemos não existir qualquer meio proibido de prova.

*

V- ENQUADRAMENTO JURÍDICO – PENAL

Vem o arguido acusado pela indiciada prática do crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348º, nº 1, alínea a) e 69, nº 1, al. c) do Código Penal e 152º, nº1, al. a) e nº 3, do Código da Estrada.

Estabelece este artigo que comete o crime de desobediência: “quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias, se uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples”.

Neste tipo de crime o bem jurídico que se visa proteger é a autonomia intencional do Estado.

De uma forma particular, a não colocação de entraves à atividade administrativa por parte dos destinatários dos seus atos. - neste sentido Cristina Líbano Monteiro, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo III, pág. 350.

É o interesse administrativo do Estado em garantir a obediência aos mandados legítimos da autoridade em matéria de serviço e ordem pública.

São elementos constitutivos do crime de desobediência, a ordem formal e substancialmente legal ou legítima, que esta dimane de autoridade ou funcionário competente, haja falta à sua obediência e intenção de desobedecer, e ainda que exista disposição legal que comine, no caso a punição da desobediência simples ou na ausência de tal disposição legal, a autoridade fazer a correspondente cominação.

Uma ordem formalmente legal ou legítima é aquela que é emitida com as formalidades que a lei estipula para a sua emissão; se não houver na lei forma pautada para a fazer, usa-se qualquer uma admitida em direito.

A noção de funcionário é-nos dada pelo artigo 386º do Código Penal e a noção de autoridade supõe um poder autónomo de decidir e de ordenar.

O arguido recusou-se a efetuar o exame de pesquisa de álcool no sangue, apesar de a autoridade policial a informar de que incorria num crime de desobediência.

Vejamos o que a lei diz sobre esta recusa.

Dispõe o artigo 152º, do Código da Estrada que “devem submeter-se às provas estabelecidas para a deteção dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas:

a) os condutores;

b) os peões, sempre que sejam intervenientes em acidentes de trânsito;

c) as pessoas que se propuserem iniciar a condução.

(…)

3-As pessoas referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 que recusem submeter-se às provas estabelecidas para a deteção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas são punidas por crime de desobediência.

Ou seja, a lei prevê a punição como desobediência quem recusar a submeter-se às provas previstas na lei para a detenção de álcool no sangue, seja qual for a prova a que o agente se recuse.

Como refere Cristina Líbano Monteiro, os elementos objetivos do ilícito em causa, são a existência de uma ordem ou mandado, substancial e formalmente legítima, que provenha da autoridade ou funcionário competente, e que a mesma seja regularmente comunicada ao destinatário,

A nível subjetivo, exige-se o dolo em qualquer uma das suas modalidades: direto, necessário ou eventual, não se exigindo pois um dolo específico.

Como escreve Tolda Pinto [in, Comentário das Leis Penais Extravagantes, coord. de Pinto de Albuquerque, José Branco, volume I, pág. 395 Universidade Católica Editora, pág.394] “Agentes do crime de desobediência são (a) Os condutores; b) os peões, sempre que sejam intervenientes em acidente de trânsito (nº1); e o médico ou paramédico (nº5).”

Mais uma vez citando Tolda Pinto (pág. 392) “O exercício da condução automóvel, como atividade perigosa que é, postula o acatamento e observância de um conjunto de regras, algumas das quais, para além de meras finalidades de ordenamento do trânsito automóvel e da circulação rodoviária, visam garantir a segurança da vida, da integridade física e do património do condutor e de terceiros, utentes das vias de circulação rodoviária. Avultam entre estas, as normas relativas ao exercício da condução sob o efeito do álcool. A obrigatoriedade de submissão dos condutores ao teste de pesquisa de álcool no ar expirado, quando interpelados para o efeito pelas autoridades competentes é plenamente justificada pelo fenómeno da sinistralidade estradal associado ao consumo de bebidas alcoólicas, atingindo proporções tais e consequências sociais de tal modo graves que de há muito vem reclamando uma intervenção eficaz tanto no âmbito da fiscalização como no da repressão. Daí que o legislador tenha entendido como censurável e punível não só a condução na via pública das pessoas que apresentem taxas de álcool no sangue superiores a determinado limite mínimo, mas também a conduta daqueles que, tripulando um veículo, se recusem a submeter-se à ação fiscalizadora das entidades competentes, através da submissão a provas de deteção de álcool ou de substâncias psicotrópicas.”

Decorre do nº 1 do art. 156º (exames em caso de acidente) do Código da Estrada (CE) que o arguido, enquanto condutor de veículo interveniente em acidente de viação, tinha o dever (até por o seu estado de saúde o permitir) de ser submetido a exame de pesquisa de álcool no ar expirado, nos termos do art. 153º do mesmo código.

Por seu turno, dispõe o artigo 153º (fiscalização da condução sob influência de álcool), nº 1, do CE, que “o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.”

Dessas normas decorre claramente que, neste caso concreto, o exame de álcool era obrigatório e tinha de ser realizado por autoridade ou agente de autoridade, não dependendo de qualquer consentimento ou anuência do arguido.

Resultou provado, que no dia 21 de Junho de 2015, pelas 20h10, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula (...) HI, foi interveniente em acidente de viação, por despiste, na A24, Km 87,100, tendo abandonado o veículo.

Nesta sequência, logo após, entre as 21.30 e as 22.00 horas, os militares da GNR B... e C... , devidamente uniformizados e no exercício de funções, dirigiram-se à residência do mesmo sita na Rua x(...) , Lamego, e ordenaram ao arguido que procedesse à realização do teste de deteção de álcool no sangue, por ar expirado, tendo o arguido recusado.

Ato contínuo e apesar de ter sido advertido de que tal recusa o faria incorrer na prática do crime de desobediência, o arguido persistiu na recusa em proceder à realização de tal teste bem como a exame ao sangue.

O arguido sabia que os referidos militares exerciam funções na Guarda Nacional Republicana, com competência para fiscalizar o exercício da condução, nos moldes relatados e que a recusa em submeter-se ao teste de deteção de álcool no sangue constituía crime de desobediência.

Contudo, a conduta descrita foi praticada pelo arguido com o propósito deliberado de se eximir ao cumprimento de tal obrigação, enquanto condutor e bem assim de evitar a fiscalização da sua condução.

O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, não se coibindo, porém, de assim atuar

Pelo exposto, o arguido incorreu no crime de desobediência de que está acusado, pois a ordem é legítima e emanada de autoridade com competência para o efeito. Não lhe assistindo qualquer causa de justificação ou de exclusão da culpa.

Dispõe o art. 69º n.º 1 al. c) do Código Penal que “é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para deteção de condução de veículo sob o efeito de álcool”.

Tendo o arguido incorrido na prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º, nº 1, alínea a), do Código Penal, por referência ao art. 152º, do Código da Estrada não pode o arguido deixar se ser sancionado.

*

VI- DA ESCOLHA E MEDIDA CONCRETA DA PENA

Feito pela forma supra descrito o enquadramento jurídico – penal da conduta da arguida importa agora determinar a natureza e a medida da sanção a aplicar.

Como se referiu supra o crime de desobediência é punido com pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias e ainda com a sanção acessória de proibição de conduzir de 3 meses a 3 anos.

Dispõe o artigo 70º do código penal que, “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência fundamentada à segunda, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Necessidade, proporcionalidade e adequação são os princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental.

A opção entre a pena de prisão ou pena de multa tem que ser feita tendo em conta o grau de socialização do agente e os reflexos que qualquer dessas penas poderá ter na sua vida futura.

Assim, será de optar pela pena de multa se esta for suficiente para afastar o arguido da criminalidade. Como refere o Prof. Figueiredo Dias, a maior das vantagens da pena de multa sobre a pena privativa da liberdade a de não quebrar a ligação do condenado aos seus meios familiar e profissional, evitando, por esta forma, um dos efeitos criminógenos da pena privativa da liberdade e impedindo, até ao limite possível, a dessocialização e a estigmatização que daquela quebra resultam – Consequências Jurídicas do Crime, pág. 120/121.

Tem que se ponderar, no caso em apreço, o arguido tem antecedentes criminais, o que significa que as necessidades de prevenção especial são elevadas, e que as penas anteriores que lhe foram aplicadas não foram suficientes para o fazer interiorizar a necessidade de adequar a sua conduta de acordo com o direito, pelo que, decide-se optar pela pena de prisão.

Feita a opção pela pena de prisão, há que procurar determinar agora a sua medida concreta, dentro dos limites estabelecidos pela moldura penal aplicável em causa, que, tem como limite mínimo 1 mês e limite máximo 1 ano – cfr. art. 41º n.º 1 e 292º n.º 1, ambos do Código Penal.

Como estatui o artigo 71º, nº 1, do Código Penal, “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” e, para essa operação, o Tribunal terá de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (nº 2 do mesmo normativo).

Nesta medida, pondera-se:

O grau da ilicitude é médio;

O dolo é direto;

O arguido foi interveniente em acidente de viação.

A postura do arguido em sede de audiência de julgamento.

Às elevadas exigências de prevenção deste tipo de infração, sobretudo de prevenção geral, e as exigências de prevenção especial, entendemos ser adequada a pena de 4 meses de prisão.

Dispõe o artigo 69º n.º 1 al. c) do Código Penal que “é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para a deteção de condução sob o efeito do álcool”.

Tendo o arguido incorrido na prática de um crime de desobediência supra referido, ponderadas as mesmas circunstâncias decide-se aplicar ao arguido a pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 9 meses.

Por força da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, o legislador penal vincou ainda mais a ideia de que se deve evitar o cumprimento de penas curtas de prisão, tendo o juiz o poder-dever de, quando opta pela aplicação duma dessas penas, a substituir nos termos dos arts. 43º, 44º, 45º e 46º do C. Penal.

Assim, quando se aplicar ao arguido pena de prisão não superior a um ano, haverá que considerar a possibilidade de substituição por pena de multa, pelo regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, por dias livres ou pelo regime de semidetenção.

Dispõe o artigo 43º, do Código Penal, com a redação da Lei 59/07 “a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 47.º”

Como refere Jorge Batista Gonçalves, in “Revisão do Código Penal - Alterações ao Sistema Sancionatório Relativo às Pessoas Singulares”, disponível in www.cej.mj.pt “no tocante às penas de prisão não superiores a um ano, a substituição só deverá ser afastada quando a execução da pena de prisão se mostre necessária face às exigências de prevenção especial de socialização.”

Seguindo o Prof Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português - Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, págs. 363 e 364, feita a opção pela pena principal de prisão e fixado o sendo o seu montante não superior a 1 ano, a mesma só não será substituída por outra pena se existir a necessidade da execução para prevenir o cometimento de futuros crimes.

Atenta a idade que o arguido tinha à data da prática dos factos, podemos concluir que a execução da pena de prisão não é necessária para prevenir o cometimento de futuros crimes por parte do arguido.

Entendendo-se que a execução da pena de prisão não é necessária para prevenir o cometimento de outros crimes, de harmonia com o estabelecido no artigo 43º, n.º 1, do Código Penal, substitui-se a pena de prisão de 4 meses aplicada ao arguido por igual tempo de multa (120 dias).

A cada dia corresponde a uma quantia de 5 euros a 500 euros, fixada em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais - cfr. artigo 47º, nº 2 do Código Penal.

Fixa-se a taxa diária da pena de multa em 6,00 euros, o que perfaz o total de 720,00 euros.”

****

III. Apreciação do Recurso:

De harmonia com o disposto no n.º1, do artigo 412.º, do C.P.P., e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do S.T.J. –  Ac. de 13/5/1998, B.M.J. 477/263, Ac. de 25/6/1998, B.M.J. 478/242, Ac. de 3/2/1999, B.M.J. 477/271), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).

São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – artigo 403.º, n.º 1 e 412.º, n.º1 e n.º2, ambos do C.P.P. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».

As questões a conhecer são as seguintes:

1) Saber se há erro de julgamento.

2) Saber se foi violado o disposto nos artigos 126.º, n.º 3, 171.º, n.º 4, 172.º, 174.º, 177.º, do CPP, e nos artigos 32.º, n.º 6, 34.º, n.º 1 e n.º 3, da CRP, daí derivando, em consequência a nulidade de todo o procedimento (artigo 118.º e seguintes, do CPP), incluindo a nulidade da sentença, nos termos da alínea c), do n.º 1, do artigo 379.º, do CPP.

3) Saber se foi violado o disposto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, e nos artigos 58.º, 60.º e 61.º, do CPP, daí decorrendo a nulidade da sentença, nos termos da alínea c), do n.º 1, do artigo 379.º, do CPP.

            4) Saber se os elementos do crime previsto no artigo 348.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, por referência ao disposto no artigo 152.º, n.º 1, al. a), e n.º 3, do Código da Estrada, estão verificados.

            5) Saber se há violação do artigo 32.º, n.º 2, da CRP.

            6) Saber se foi violado o disposto nos artigos 71.º, 40.º, n.º 2, do Código Penal, e nos artigos 369.º, n.º 1, 370.º, n.º 1, do CPP, e no artigo 18.º, da CRP.

****

            Por uma questão de lógica, face aos elementos constantes dos autos, importa, em primeiro lugar, equacionar a questão de direito relacionada com a verificação dos elementos do crime em causa (4ª questão elencada), pois tal, a merecer resposta positiva, torna inútil o conhecimento das restantes questões.

            Vejamos, pois.

O artigo 348º, nº 1 alínea a) do Código Penal preceitua que “quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias se:

a) Uma disposição legal cominar no caso, a punição de desobediência simples, ou

(…)”.

Por seu turno preceitua o artigo 152º, nº 1, alínea a) e nº 3 do Código da Estrada que:

“devem submeter-se às provas estabelecidas para detecção dos estados de influenciado pelo álcool, ou por substâncias psicotrópicas:

a) Os condutores;

b) Os peões, sempre que sejam intervenientes em acidentes de trânsito;

c) As pessoas que se propuserem iniciar a condução.

2.(…)

3. As pessoas referidas nas alíneas a) e b) do nº1 que recusem submeter-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas são punidas por crime de desobediência.”

(…)”

O tipo de crime em causa é composto pelos seguintes elementos objetivos (cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, Cristina Líbano Monteiro em anotação ao artigo 348º):

- ordem ou mandado, substancial e formalmente legítima;

- proveniente da autoridade ou funcionário competente;

- regularmente comunicada ao destinatário;

- recusa de cumprimento pelo destinatário;

- cominação legal de desobediência para a recusa de cumprimento.

No que respeita à específica desobediência a ordem de sujeição a teste de pesquisa de álcool, o artigo 156.º, do Código da Estrada, define que os agentes desse crime de desobediência (obrigados ao acatamento da ordem), são (a) os condutores e (b) os peões, sempre que sejam intervenientes em acidente de trânsito.

A legitimidade da ordem de sujeição a teste depende, pois, da circunstância de se dirigir a pessoa obrigada a realizar o teste de pesquisa de álcool.

Como menciona Tolda Pinto em Comentário das Leis Penais Extravagantes, Vol. I, pág. 395 (também citado no Acórdão do TRP proferido no proc. 109/13.0GTAVR.P1, publicado em www.dgsi.pt) “É indispensável ao preenchimento do tipo legal de crime de recusa a provas para deteção de álcool a atualidade da condução no momento da convocação do condutor para fazer o exame de alcoolemia.”

E como se refere no citado Acórdão “este juízo de atualidade compreende-se na medida em que a punição da conduta de recusa a submissão de provas de deteção de álcool, pelas entidades fiscalizadoras competentes, radica nas mesmas razões que determinaram o legislador a criminalizar a conduta dos condutores que exercem a condução em estado de embriaguez, porquanto e mais uma vez citando Tolda Pinto “O exercício da condução automóvel, como atividade perigosa que é, postula o acatamento e observância de um conjunto de regras, algumas das quais, para além de meras finalidades de ordenamento do trânsito automóvel e da circulação rodoviária, visam garantir a segurança da vida, da integridade física e Universidade Católica Editora do património do condutor e de terceiros, utentes das vias de circulação rodoviária. Avultam entre estas, as normas relativas ao exercício da condução sob o efeito do álcool. A obrigatoriedade de submissão dos condutores ao teste de pesquisa de álcool no ar expirado, quando interpelados para o efeito pelas autoridades competentes é plenamente justificada pelo fenómeno da sinistralidade estradal associado ao consumo de bebidas alcoólicas, atingindo proporções tais e consequências sociais de tal modo graves que de há muito vem reclamando uma intervenção eficaz tanto no âmbito da fiscalização como no da repressão. Daí que o legislador tenha entendido como censurável e punível não só a condução na via pública das pessoas que apresentem taxas de álcool no sangue superiores a determinado limite mínimo, mas também a conduta daqueles que, tripulando um veículo, se recusem a submeter-se à ação fiscalizadora das entidades competentes, através da submissão a provas de deteção de álcool ou de substâncias psicotrópicas.”

Pois bem, o referido critério da atualidade da condução visa determinar em que circunstâncias se pode afirmar que a pessoa a quem é ordenada a realização do teste de pesquisa de álcool pode ser considerada condutora e, portanto, obrigada a submeter-se a tal fiscalização, sendo a respetiva ordem legítima.

Como decorre do exposto, a resposta sobre a atualidade da condução deverá encontrar-se através da finalidade visada pela norma que é a de determinar se a condução foi exercida sob o efeito do álcool.

A condução não será atual sempre que a fiscalização tenha sido efetuada em circunstâncias que não permitam concluir que a eventual ingestão de álcool foi anterior ou contemporânea da condução ou que a pessoa objeto de fiscalização conduziu efetivamente sob o efeito do álcool.

Será pois condutor toda a pessoa que estando a conduzir foi mandada parar por agente da autoridade, a pessoa que não obedecendo à ordem de paragem foi perseguida e veio a ser intercetada em momento posterior ou ainda a pessoa que como condutor tenha sido interveniente em acidente de viação e ainda no local do acidente tenha sido fiscalizada por agente da autoridade.

De comum nestes casos temos a circunstância da existência de um preciso nexo que se expressa e se mantém entre o ato da condução e a fiscalização efetuada pelo agente da autoridade, sem que outras atividades da vida comum se interponham, posto que o que está em causa é verificar se o condutor estava ou não sob o efeito do álcool.

Ora, no caso presente, não há como escamotear a realidade de que o arguido foi interveniente em acidente de trânsito, pelas 20h10, e que só veio a ser interpelado pelas autoridades, entre as 21H30 e as 22h00, com o objetivo da realização de teste de pesquisa de álcool.

Cremos ser evidente que esta factualidade não reflete a existência do referido nexo entre a intervenção policial e o ato da condução, interpondo-se não só a cessação da condução por parte do arguido como também a permanência na sua residência.

Ou seja, a matéria de facto não expressa que o arguido, muito embora interveniente num acidente de trânsito, estivesse obrigado a sujeitar-se a teste de pesquisa de álcool no sangue, por não estar verificada a manutenção da atualidade do ato de condução, e consequentemente, a legitimidade da ordem que lhe foi dada nesse sentido.

Em suma, porque o arguido não se encontrava a conduzir, não tinha acabado de conduzir (tinham decorrido quase duas horas sobre o acidente e não estava no local onde ele acontecera), não impendia sobre ele a obrigação legal de se submeter às provas estabelecidas para a deteção do estado de influenciado pelo álcool, não se demonstrando a legitimidade da ordem que lhe foi dada nesse sentido.

E porque a factualidade provada não integra a tipicidade objetiva do crime imputado deve o arguido ser absolvido, procedendo o recurso, por esta razão.

                                                                       ****

            Fica prejudicado o conhecimento das restantes questões.

****                                                  

IV. Decisão:

Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção deste Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso, indo o arguido absolvido.

Sem custas.

****

                                                                       ****

Coimbra, 7 de Abril de 2016

(elaborado e revisto pelo relator, antes de assinado)
                                          
(José Eduardo Martins - relator)

(Maria José Nogueira - adjunta)